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RECONHECIMENTO DE SENTENÇA PENAL EUROPEIA
ADAPTAÇÃO À LEI PENAL PORTUGUESA
CÚMULO JURÍDICO
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
Sumário
I – O regime de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, previsto e regulado nos artigos 234.º a 240.º do Código de Processo Penal, foi substituído pela da Lei n.º 158/2015, de 17/09, que transpôs a Decisão-Quadro ...09..., de 27 de Setembro, do Conselho, estabelecendo um procedimento específico mais simples e célere para estes casos; II – A lei espanhola é alheia ao regime de cúmulo jurídico de penas previsto pela lei portuguesa; III – Quando a duração da condenação do requerido se mostra incompatível com a lei interna portuguesa por não ter sido considerada uma situação de concurso de crimes, torna-se necessário proceder à devida adaptação à lei portuguesa com a fixação de uma pena única, nos termos do artigo 16.º, n.º 3 da Lei n.º 158/2015, de 17/09: IV – Na decisão de “adaptação não é admissível a aplicação de uma pena de diferente natureza, em substituição da pena de prisão, por a isso se opor o regime de reconhecimento de decisões condenatórias que aplicam penas de prisão estabelecido na referida Decisão-Quadro.
Texto Integral
Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães
I – Relatório
1. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, ao abrigo da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, veio requerer o reconhecimento e a execução em Portugal, devidamente adaptada à lei portuguesa, a fim de ser cumprida neste país, da sentença em matéria penal de 24/04/2019, com o n.º 120/2019, proferida pelo Juzgado Penal 1 de ..., ..., no âmbito do PA 262/17, que transitou em julgado a 10/05/2021, relativamente ao cidadão português AA, casado, nascido a ../../1976, filho de BB e de CC, natural de ..., comarca de Braga, com o CC n.º ...50, residente na Rua ..., ..., ..., ..., comarca de Braga, área de jurisdição deste Tribunal da Relação.
Para tanto, alega e requer o seguinte (transcrição)[1]:
«1. Pela sentença de 24/04/2019, com o n.º 120/2019 e proferida pelo Juzgado Penal 1 de ..., ..., no âmbito do PA 262/17, e que transitou em julgado a 10/05/2021, após recursos para a Audiência Provincial de ... e para o Tribunal Supremo, o requerido AA foi condenado:
a) Na pena de 3 anos de prisão por um crime contra a Fazenda Pública, correspondente ao Imposto de Sociedades do ano de 2007;
b) Na pena de 2 anos e 9 meses de prisão por um crime contra a Fazenda Pública, correspondente ao Imposto de Sociedades do ano de 2008;
c) Na pena de 1 ano e 3 meses de prisão por um crime contra a Fazenda Pública, correspondente ao Imposto de Sociedades do ano de 2009;
d) Na pena de 1 ano e 3 meses de prisão por um crime contra a Fazenda Pública, correspondente ao IVA do ano de 2007; e
e) Na pena de 1 ano e 6 meses de prisão por um crime contra a Fazenda Pública, correspondente ao IVA do ano de 2008,
pela prática dos seguintes crimes previstos e punidos pelos artigos 305, n.º1 §1 e 2 b) do Código Penal Espanhol e artigos 390, n.ºs 1 e 3, e 392 do mesmo Código, conforme consta da certidão e da sentença que se anexam e que foram transmitidas a este Tribunal para reconhecimento e execução, em conformidade com o disposto na Decisão-Quadro ...09... de 27 de Novembro de 2008, transposta para o direito interno pela citada Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro.
2. Em causa estão os seguintes factos provados: “Por escritura pública de 23/12/2003, foi constituída a sociedade EMP01... S. A. (doravante EMP01...) com sede social na Calle ... em ..., com o número de identificação fiscal ...87, registada desde ../../2004 no Imposto sobre as Actividades Económicas sob o título Actividades Económicas com o título “Construção completa, conservação e reparação de edifícios”. De acordo com a escritura de constituição, os três acusados são membros do Conselho de Conselho de Administração da sociedade e são administradores-delegados com todos os poderes do Conselho de administração, com exceção dos que por lei não possam ser delegados, actuando dois deles conjuntamente. O presente processo é dirigido contra os dois últimos arguidos, já que relativamente a DD foi arquivado até que seja descoberto, tendo sido declarado refratário por despacho com data 3 de julho de 2018. Por escritura pública datada de 4 de julho de 2005, constituiu-se a Sociedade EMP02... S. L (doravante EMP02...), também com sede na Calle ... de .... A referida empresa foi constituída pelos réus DD, EE e AA, sendo conjunta a administração dos três administradores. Da mesma forma, por escritura pública datada de 9 de fevereiro de 2009 foi constituída a Empresa EMP03... S. A (doravante EMP03...), também com sede na rua ... em .... Esta sociedade foi constituída pelos arguidos DD e FF, contra quem não se dirige o procedimento, sendo conjunta a administração dos dois administradores, com 50% de participação. EMP02... e EMP03... em momento algum tiveram atividade real, empregados, imóveis e meios de produção próprios de qualquer espécie, e foram criadas pelos acusados como empresas instrumentais ao serviço da EMP01..., da que por isso não se diferenciavam, e foram criadas por motivos de operações bancárias, por motivos de financiamento, especificamente para permitir o desconto dos efeitos da EMP01.... Apesar da situação descrita em relação à EMP02... (não desenvolveu nenhuma atividade em nenhum momento, não tinha funcionários, bens imóveis e meios de produção de qualquer espécie), por decisão do arguido AA, e com o objectivo da EMP01... reduzir a base tributária do imposto sobre sociedades e deduzir pagamentos de IVA suportados superiores aos reais, a primeira emitiu em favor da segunda faturas no valor total de 3.837.958,63 euros no ano 2007 e 271.267,94 euros em 2008, correspondentes a serviços que na realidade nunca forneceu. Além disso, para dar uma aparência de realidade a essa actividade inexistente, o acusado AA computou na fictícia contabilidade da EMP02... como despesas diversas faturas que não correspondiam a qualquer tipo de aquisição de produtos ou serviços fornecidos por supostos fornecedores e, especificamente, em 2007 contabilizaram faturas que eles próprios emitiram da empresa instrumental EMP03... no valor de 1.757.902,74 euros como único fornecedor, e em 2008, e pelo valor de 209.513,17 euros, também como fornecedor único, da Entidade EMP04... S. L. Por outro lado, a Entidade EMP03..., em 2007, além de faturar o valor indicado à EMP02..., declarou compras no valor de 1.635.377,50 euros ao também arguido GG, de maior de idade e sem antecedentes criminais, aparecendo como o único fornecedor daquela. Em relação à Entidade EMP04..., tratava-se de uma empresa em que o arguido GG era sócio e administrador único, e apesar de não ter nenhuma relação comercial ou contratual com a EMP02... e EMP03..., e apenas ter negócios no valor de cerca de 20.000 euros com a EMP01..., porém, em 2008, além da faturação já indicado à EMP03..., emitiu faturas falsas à EMP01... no valor de 1.231.246,64 euros. Por fim, a EMP01... também recebeu faturas da Entidade Mercantil EMP05... no valor de 1.639.506,40 euros, que não correspondiam, realmente, a qualquer tipo de fornecimento de bens ou serviços da referida Empresa. Assim sendo as coisas, por decisão do arguido AA, a Entidade EMP01...: 1-Registou como despesas fictícias na declaração fiscal de Imposto sobre Sociedades correspondente ao exercício de 2007, indevidamente e com a intenção de diminuir os seus resultados, as referidas faturas EMP02..., das quais a base tributável ascendia a 3.308.585,02 euros. Tendo sido corrigida essa declaração para ajustá-la à realidade, a liquidação correcta do imposto seria, em princípio, o seguinte: Base Tributária Declarada .................................... 172. 225,34 euros. Aumento das despesas não dedutíveis ........ 3. 308. 585,02 euros. Base tributária comprovada ............................. 3. 480 . 810,36 euros. Taxa abrangente: 25% sobre 120. 202, 41 ........................................ ....30.050,60 euros. 30% sobre o restante .................................. ...... 1.008.182,98 euros. Taxa integral total ............................................... 1.038.232,98 euros. Retenções e pagamentos por conta .............................1.240,88 euros. Pagamentos fraccionados ......................................... 41.902,73 euros. Líquido para entrar ................................................. 995. 089,37 euros. Quota entrada por autoliquidação ……….. 2.531,87 euros. Quota defraudada a depositar ………… 992.575,50 euros. 2 - Da mesma forma, registou na declaração fiscal do Imposto sobre Sociedades correspondente ao exercício de 2008, a facturação falsa procedente da EMP02... com uma base tributária total de 233.849,09 euros, a proveniente das EMP04... pelo valor de 1.231.246,64 euros e a procedente de EMP05... pelo valor de 1.639.506,40 euros, o que perfaz um valor de 3.104. 602, 13 euros de despesas fictícias. Corrigida essa declaração para ajustá-la à realidade, a liquidação correcta do imposto seria, em princípio a seguinte: Base tributária declarada .......................... 74. 633,49 euros. Aumento das despesas não dedutíveis .....104. 602, 13 euros Base tributária comprovada ............... 3. 179. 2350, 52 euros. Taxa abrangente: 30% ..,................................... ............ 1.008.182,98 euros. Total da taxa íntegra ............. ......... 1.038.232,98 euros Retenções e pagamentos por conta .. 953. 770,68 euros Pagamentos parcelados ............. ........ 33. 047, 56 euros. Líquido a ser depositado ............ .... 917. 991, 32 euros. Quota devolvida para autoliquidação ....... 13. 413, 16 euros Quota defraudada a depositar .................931.404,48 euros. 3 - Em 2009, a entidade EMP01... não apresentou a declaração do Imposto das Sociedades correspondente ao referido exercício, quando de acordo com os dados derivados das próprias declarações de IVA apresentadas e as despesas de pessoal declaradas, teve um rendimento integral de 9.281.672,25 euros e despesas de utilização de 8.612.470,86 euros, portanto resultando numa base tributável de 669.201,39 euros, o que liquidado nos 30% aplicáveis gerou uma quota defraudada de 200.760,41 euros. 4 - Da mesma forma, na declaração de IVA do ano 2007, a EMP01... incluiu como IVA suportado o valor registado na faturação fictícia recebido da EMP02..., reduzindo assim os valores que tinham de ser pagos por esse imposto naquele montante, que ascendeu a 529.373,60 euros. 5 - Por último, na declaração correspondente ao IVA do ano de 2008, EMP01... incluiu como IVA suportado o constante da facturação fictícia recebida de EMP02..., EMP04... e EMP05..., diminuindo assim os montantes que devia pagar por via desse imposto nessa quantidade e que ascendia a 496.736,64 euros. Não obstante o referido, excepto quanto ao Imposto das Sociedades correspondente ao exercício do ano de 2009, nas demais liquidações é necessário realizar certas rectificações que supõem uma minoração das quotas defraudadas, pois que, por um lado, é preciso incluir os 16% do IVA da facturação inverídica (na liquidação inicial da Autoridade Tributária não se incluía), e, por outro, ao considerar que as 3 empresas (EMP01..., EMP02... e EMP03...) formavam de facto uma só Entidade, devem incluir-se os pagamentos realizados á AEAT por EMP02... e EMP03... nos exercícios referidos para minorar as quotas, de modo a que as quotas defraudadas consolidadas são as seguintes: -IVA 2007: 237.890,18 euros -IVA 2008: 420.651.612 euros. -Sociedades 2007: 986.096,33 euros. -Sociedades 2008: 810.164,69 euros. -Sociedades 2009 (inalterado): 200.760,41 euros Não está provado que o arguido EE tenha participado nos referidos factos”.
3. A certidão foi transmitida nos termos dos artigos 4.º, n.º 1, al. a), e 5.º, n.ºs 1, e 2, da dita Decisão-Quadro ...09... referida e do art.º 16, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 158/2015, tendo sido emitido o formulário cujo modelo constitui o anexo I deste diploma.
4. A sentença já se apresenta traduzida para português - artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 158/2015.
5. Os crimes por que o requerido foi condenado foram indicados na referida certidão pelo Estado de emissão como constituindo os crimes de fraude e de falsificação, ficando nela sinalizados na al. h) n.º2, o que correspondendo às alíneas h) e w) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 158/2015, mostrando-se assim desnecessária a verificação da dupla incriminação prevista no n.º 2 deste artigo.
6. O requerido tem nacionalidade portuguesa, possui estrutura familiar de apoio em Portugal, no concelho ..., local onde reside.
7. Assim, verifica-se que a execução da condenação em território nacional - Estado de execução - contribuirá, efectivamente, para atingir o objectivo de facilitar a sua reinserção social, mostrando-se reunidos os pressupostos previstos nos artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, da Decisão-Quadro ...09... e 8.º, n.º 1, al. a), da Lei 158/2015.
8. A transmissão da sentença a este tribunal foi efectuada tendo em vista o disposto no art.º 10, n.º5, al. a) da citada Lei n.º 158/2015, isto é, o requerido possui a nacionalidade portuguesa e vive em Portugal, não sendo necessário para tal o seu consentimento.
9. Este tribunal é o territorialmente competente para reconhecer a sentença, de acordo com o disposto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 158/2015, sendo este requerimento a primeira das medidas necessárias ao reconhecimento da sentença condenatória que a pressupõe - artigo 16.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
10. Não se mostram verificados quaisquer motivos de recusa do reconhecimento da sentença e da execução da mencionada condenação e previstos no artigo 17.º da Lei n.º 158/2015, nem de adiamento do seu reconhecimento, nos termos do artigo 19.º do mesmo diploma, nada obstando àquele - artigos 8.º, n.º 1, e 9.º da Decisão-Quadro ...09....
11. Por outro lado, porque em causa estão crimes relativos a contribuições e impostos, inexiste motivo de recusa de reconhecimento e execução da citada sentença, nos termos previstos no n.º 2 do art.º 17 da predita Lei.
12. A duração da condenação do requerido apresenta-se incompatível com a lei interna portuguesa, porque excede “a pena máxima prevista para infracções semelhantes” porque a lei espanhola, sendo alheia ao regime de cúmulo jurídico de penas previsto pela lei portuguesa, não aplicou ao condenado uma pena única, o que agora, em Portugal, deverá ser realizado – art.º 77 do CPenal, e neste Tribunal, nos termos previstos no artigo 16.º, n. º 3, da Lei n.º 158/2015, de 17/09, aliás como se decidiu no acórdão do STJ, de 24/06/2021, proc. 48/21.1YRGMR.S1 e que correu termos neste TRG.
Pelo exposto, D. e A. o presente, se requer a V.Ex.ª que:
1. Seja ao requerido AA designado defensor;
2. Seja requisitado certificado de registo criminal do requerido e solicitada a realização de um relatório social visando aquele;
3. Sejam notificados, requerido e defensor nomeado, para deduzirem oposição ao agora peticionado, querendo, e em 10 dias;
4. Seja comunicado ao Estado emissor a instauração deste procedimento de cooperação judiciária penal – artigo 21, al. a) da Lei n.º 158/2015;
5. Seja proferida decisão de reconhecimento da sentença, com posterior comunicação daquela ao Estado emissor – art.º 21, al. c) da Lei n.º 158/2015;
6. Se realize o cúmulo jurídico das penas aplicadas, tendo em conta o previsto no art.º 77 do CPenal e art.º 16.º, n. º3, da Lei n.º 158/2015, de 17/09; e
7. Oportunamente, seja ordenada a remessa da sentença reconhecida ao Juízo Local Criminal de Braga, comarca de Braga, para execução, por ser esse o tribunal competente para o efeito, de acordo com o disposto nos artigos 13.º, n.º 2, e 14.º da Lei n.º 158/2015.»
Foram juntos documentos comprovativos do alegado. 2. Foi nomeada defensora oficiosa ao condenado e cumprido o disposto no artigo 16.º-A, n.º 1 da Lei n.º 158/2015, de 17/09, na pessoa da ilustre advogada, entretanto, por aquele constituída, veio o condenado oferecer o merecimento dos autos por inexistirem quaisquer motivos de recusa do reconhecimento e execução da Sentença Penal Europeia apresentado pelo Ministério Público e dizer que a pena única a aplicar, por força do cúmulo jurídico a efectuar com vista à sua adaptação à lei portuguesa, não poderá exceder o limite máximo de 5 anos, a qual deverá ser suspensa na sua execução, invocando as suas condições socioeconómicas e familiares. 3. Cumprido o disposto no artigo 16.º-A, n.º 4 da Lei n.º 158/2015, de 17/09, foram produzidas alegações, quer pelo Ministério Público, quer pela ilustre defensora do condenado, pronunciando-se ambos no sentido de que deve proceder-se à revisão e confirmação da sentença espanhola, devidamente adaptada à lei portuguesa, alegando ainda, o primeiro, que a pena única deverá situar-se nos 6 anos de prisão e, o segundo, que a pena única não poderá exceder o limite máximo de 5 anos, a qual deverá ser suspensa na sua execução, acrescentando que deve incluir-se no cúmulo a pena cumprida no processo 48/21.1YRGMR.S1 e ser descontada por inteiro, nos termos do n.º 1 do artigo 80.º do Código Penal. 4. Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. 5. Cumpre apreciar e decidir, sendo este Tribunal territorialmente competente para o efeito, por ser o Tribunal da Relação da área da residência em Portugal do condenado, sita no concelho ... (cfr. artigo 13.º, n.º 1 da Lei n.º 158/2015, de 17/09).
Não se verificam nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
*
II - Fundamentação
1. Com relevo para a decisão, face ao teor dos documentos juntos aos autos, nomeadamente da certidão emitida pela autoridade de emissão, cópia de sentença condenatória e relatório social do condenado, consideram-se provados os seguintes factos:
a) Por sentença de 24/04/2019, com o n.º 120/2019, proferida pelo Juzgado Penal 1 de ..., ..., no âmbito do PA 262/17, que transitou em julgado a 10/05/2021, após recursos para a Audiência Provincial de ... e para o Tribunal Supremo, o requerido AA foi condenado:
a) Na pena de 3 anos de prisão por um crime contra a Fazenda Pública, correspondente ao Imposto de Sociedades do ano de 2007;
b) Na pena de 2 anos e 9 meses de prisão por um crime contra a Fazenda Pública, correspondente ao Imposto de Sociedades do ano de 2008;
c) Na pena de 1 ano e 3 meses de prisão por um crime contra a Fazenda Pública, correspondente ao Imposto de Sociedades do ano de 2009;
d) Na pena de 1 ano e 3 meses de prisão por um crime contra a Fazenda Pública, correspondente ao IVA do ano de 2007; e
e) Na pena de 1 ano e 6 meses de prisão por um crime contra a Fazenda Pública, correspondente ao IVA do ano de 2008,
pela prática dos crimes previstos e punidos pelos artigos 305, n.º 1 §1 e 2 b) do Código Penal Espanhol e artigos 390, n.ºs 1 e 3 e 392 do mesmo Código;
b) Estão em causa os seguintes factos provados: “Por escritura pública de 23/12/2003, foi constituída a sociedade EMP01... S. A. (doravante EMP01...) com sede social na Calle ... em ..., com o número de identificação fiscal ...87, registada desde ../../2004 no Imposto sobre as Actividades Económicas sob o título Actividades Económicas com o título “Construção completa, conservação e reparação de edifícios”. De acordo com a escritura de constituição, os três acusados são membros do Conselho de Conselho de Administração da sociedade e são administradores-delegados com todos os poderes do Conselho de administração, com exceção dos que por lei não possam ser delegados, actuando dois deles conjuntamente. O presente processo é dirigido contra os dois últimos arguidos, já que relativamente a DD foi arquivado até que seja descoberto, tendo sido declarado refratário por despacho com data 3 de julho de 2018. Por escritura pública datada de 4 de julho de 2005, constituiu-se a Sociedade EMP02... S. L (doravante EMP02...), também com sede na Calle ... de .... A referida empresa foi constituída pelos réus DD, EE e AA, sendo conjunta a administração dos três administradores. Da mesma forma, por escritura pública datada de 9 de fevereiro de 2009 foi constituída a Empresa EMP03... S. A (doravante EMP03...), também com sede na rua ... em .... Esta sociedade foi constituída pelos arguidos DD e FF, contra quem não se dirige o procedimento, sendo conjunta a administração dos dois administradores, com 50% de participação. EMP02... e EMP03... em momento algum tiveram atividade real, empregados, imóveis e meios de produção próprios de qualquer espécie, e foram criadas pelos acusados como empresas instrumentais ao serviço da EMP01..., da que por isso não se diferenciavam, e foram criadas por motivos de operações bancárias, por motivos de financiamento, especificamente para permitir o desconto dos efeitos da EMP01.... Apesar da situação descrita em relação à EMP02... (não desenvolveu nenhuma atividade em nenhum momento, não tinha funcionários, bens imóveis e meios de produção de qualquer espécie), por decisão do arguido AA, e com o objectivo da EMP01... reduzir a base tributária do imposto sobre sociedades e deduzir pagamentos de IVA suportados superiores aos reais, a primeira emitiu em favor da segunda faturas no valor total de 3.837.958,63 euros no ano 2007 e 271.267,94 euros em 2008, correspondentes a serviços que na realidade nunca forneceu. Além disso, para dar uma aparência de realidade a essa actividade inexistente, o acusado AA computou na fictícia contabilidade da EMP02... como despesas diversas faturas que não correspondiam a qualquer tipo de aquisição de produtos ou serviços fornecidos por supostos fornecedores e, especificamente, em 2007 contabilizaram faturas que eles próprios emitiram da empresa instrumental EMP03... no valor de 1.757.902,74 euros como único fornecedor, e em 2008, e pelo valor de 209.513,17 euros, também como fornecedor único, da Entidade EMP04... S. L. Por outro lado, a Entidade EMP03..., em 2007, além de faturar o valor indicado à EMP02..., declarou compras no valor de 1.635.377,50 euros ao também arguido GG, de maior de idade e sem antecedentes criminais, aparecendo como o único fornecedor daquela. Em relação à Entidade EMP04..., tratava-se de uma empresa em que o arguido GG era sócio e administrador único, e apesar de não ter nenhuma relação comercial ou contratual com a EMP02... e EMP03..., e apenas ter negócios no valor de cerca de 20.000 euros com a EMP01..., porém, em 2008, além da faturação já indicado à EMP03..., emitiu faturas falsas à EMP01... no valor de 1.231.246,64 euros. Por fim, a EMP01... também recebeu faturas da Entidade Mercantil EMP05... no valor de 1.639.506,40 euros, que não correspondiam, realmente, a qualquer tipo de fornecimento de bens ou serviços da referida Empresa. Assim sendo as coisas, por decisão do arguido AA, a Entidade EMP01...: 1-Registou como despesas fictícias na declaração fiscal de Imposto sobre Sociedades correspondente ao exercício de 2007, indevidamente e com a intenção de diminuir os seus resultados, as referidas faturas EMP02..., das quais a base tributável ascendia a 3.308.585,02 euros. Tendo sido corrigida essa declaração para ajustá-la à realidade, a liquidação correcta do imposto seria, em princípio, o seguinte: Base Tributária Declarada .................................... 172. 225,34 euros. Aumento das despesas não dedutíveis ........ 3. 308. 585,02 euros. Base tributária comprovada ............................. 3. 480 . 810,36 euros. Taxa abrangente: 25% sobre 120. 202, 41 ........................................ ....30.050,60 euros. 30% sobre o restante .................................. ...... 1.008.182,98 euros. Taxa integral total ............................................... 1.038.232,98 euros. Retenções e pagamentos por conta .............................1.240,88 euros. Pagamentos fraccionados ......................................... 41.902,73 euros. Líquido para entrar ................................................. 995. 089,37 euros. Quota entrada por autoliquidação ……….. 2.531,87 euros. Quota defraudada a depositar ………… 992.575,50 euros. 2 - Da mesma forma, registou na declaração fiscal do Imposto sobre Sociedades correspondente ao exercício de 2008, a facturação falsa procedente da EMP02... com uma base tributária total de 233.849,09 euros, a proveniente das EMP04... pelo valor de 1.231.246,64 euros e a procedente de EMP05... pelo valor de 1.639.506,40 euros, o que perfaz um valor de 3.104. 602, 13 euros de despesas fictícias. Corrigida essa declaração para ajustá-la à realidade, a liquidação correcta do imposto seria, em princípio a seguinte: Base tributária declarada .......................... 74. 633,49 euros. Aumento das despesas não dedutíveis .....104. 602, 13 euros Base tributária comprovada ............... 3. 179. 2350, 52 euros. Taxa abrangente: 30% ..,................................... ............ 1.008.182,98 euros. Total da taxa íntegra ............. ......... 1.038.232,98 euros Retenções e pagamentos por conta .. 953. 770,68 euros Pagamentos parcelados ............. ........ 33. 047, 56 euros. Líquido a ser depositado ............ .... 917. 991, 32 euros. Quota devolvida para autoliquidação ....... 13. 413, 16 euros Quota defraudada a depositar .................931.404,48 euros. 3 - Em 2009, a entidade EMP01... não apresentou a declaração do Imposto das Sociedades correspondente ao referido exercício, quando de acordo com os dados derivados das próprias declarações de IVA apresentadas e as despesas de pessoal declaradas, teve um rendimento integral de 9.281.672,25 euros e despesas de utilização de 8.612.470,86 euros, portanto resultando numa base tributável de 669.201,39 euros, o que liquidado nos 30% aplicáveis gerou uma quota defraudada de 200.760,41 euros. 4 - Da mesma forma, na declaração de IVA do ano 2007, a EMP01... incluiu como IVA suportado o valor registado na faturação fictícia recebido da EMP02..., reduzindo assim os valores que tinham de ser pagos por esse imposto naquele montante, que ascendeu a 529.373,60 euros. 5 - Por último, na declaração correspondente ao IVA do ano de 2008, EMP01... incluiu como IVA suportado o constante da facturação fictícia recebida de EMP02..., EMP04... e EMP05..., diminuindo assim os montantes que devia pagar por via desse imposto nessa quantidade e que ascendia a 496.736,64 euros. Não obstante o referido, excepto quanto ao Imposto das Sociedades correspondente ao exercício do ano de 2009, nas demais liquidações é necessário realizar certas rectificações que supõem uma minoração das quotas defraudadas, pois que, por um lado, é preciso incluir os 16% do IVA da facturação inverídica (na liquidação inicial da Autoridade Tributária não se incluía), e, por outro, ao considerar que as 3 empresas (EMP01..., EMP02... e EMP03...) formavam de facto uma só Entidade, devem incluir-se os pagamentos realizados á AEAT por EMP02... e EMP03... nos exercícios referidos para minorar as quotas, de modo a que as quotas defraudadas consolidadas são as seguintes: -IVA 2007: 237.890,18 euros -IVA 2008: 420.651.612 euros. -Sociedades 2007: 986.096,33 euros. -Sociedades 2008: 810.164,69 euros. -Sociedades 2009 (inalterado): 200.760,41 euros Não está provado que o arguido EE tenha participado nos referidos factos”.
c) A referida sentença, acompanhada da certidão cujo modelo consta do anexo I à Lei n.º 158/2015, foi transmitida a este tribunal pelo Juzgado Penal 1 de ..., ..., para reconhecimento e execução em conformidade com o disposto na Decisão-Quadro ...09... de 27/11/2008, transposta para o direito interno pela citada Lei n.º 158/2015, de 17/09;
d) - A referida certidão foi emitida de acordo com o formulário cujo modelo constitui o anexo I deste diploma, encontrando-se devidamente preenchida, estando também assegurada a sua tradução;
e) Os crimes por que o requerido foi condenado foram indicados na referida certidão pelo Estado de emissão como constituindo os crimes de fraude e de falsificação, ficando nela sinalizados na al. h) n.º 2, o que corresponde às alíneas h) e w) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 158/2015, mostrando-se, assim, desnecessária a verificação da dupla incriminação prevista no n.º 2 deste artigo;
f) O requerido tem nacionalidade portuguesa, possui estrutura familiar de apoio em Portugal, no concelho ..., local onde reside com a esposa e os dois filhos menores.
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2. Apreciando
A pretensão formulada nos presentes autos baseia-se na Lei n.º 158/2015, de 17/09, que aprovou o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade, para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, bem como o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças e de decisões relativas à liberdade condicional para efeitos da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas.
O pedido formulado é o de reconhecimento e da execução, em Portugal, com as devidas adaptações à lei portuguesa, da sentença em matéria penal que impôs ao requerido cinco penas de prisão, proferida pela autoridade competente de outro Estado membro da união europeia [Reino de Espanha], com o objetivo de facilitar a reinserção social do condenado – cfr. artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 158/2015, de 17/09.
Este diploma, transpondo a Decisão-Quadro ...09..., de 27 de setembro, do Conselho, veio substituir o regime de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, previsto e regulado nos artigos 234º a 240º do Código de Processo Penal, estabelecendo para estes casos um procedimento específico mais simples e célere, que se insere no âmbito da cooperação internacional em matéria penal, visando concretamente o reconhecimento da sentença penal estrangeira e a execução, em Portugal, da condenação.
Sob a epígrafe, “Causas de recusa de reconhecimento e de execução”, estabelece o artigo 17.º do citado diploma que:
“1 - A autoridade competente recusa o reconhecimento e a execução da sentença quando:
a) A certidão a que se refere o artigo 8.º for incompleta ou não corresponder manifestamente à sentença e não tiver sido completada ou corrigida dentro de um prazo razoável, entre 30 a 60 dias, a fixar pela autoridade portuguesa competente para o reconhecimento;
b) Não estiverem preenchidos os critérios definidos no n.º 1 do artigo 8.º;
c) A execução da sentença for contrária ao princípio ne bis in idem;
d) Num caso do n.º 2 do artigo 3.º, a sentença disser respeito a factos que não constituam uma infração, nos termos da lei portuguesa;
e) A pena a executar tiver prescrito, nos termos da lei portuguesa;
f) Existir uma imunidade que, segundo a lei portuguesa, impeça a execução da condenação;
g) A condenação tiver sido proferida contra pessoa inimputável em razão da idade, nos termos da lei portuguesa, em relação aos factos pelos quais foi proferida a sentença;
h) No momento em que a sentença tiver sido recebida, estiverem por cumprir menos de seis meses de pena;
i) De acordo com a certidão, a pessoa em causa não esteve presente no julgamento, a menos que a certidão ateste que a pessoa, em conformidade com outros requisitos processuais definidos na lei do Estado de emissão:
i) Foi atempada e pessoalmente notificada da data e do local previstos para o julgamento que conduziu à decisão, ou recebeu efetivamente por outros meios uma informação oficial da data e do local previstos para o julgamento, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tinha conhecimento do julgamento previsto e que foi atempadamente informada de que podia ser proferida uma decisão mesmo não estando presente no julgamento;
ii) Tendo conhecimento do julgamento previsto, conferiu mandato a um defensor por si designado ou beneficiou da nomeação de um defensor pelo Estado, para sua defesa, e foi efetivamente representada por esse defensor; ou
iii) Depois de ter sido notificada da decisão e expressamente informada do direito a novo julgamento ou a recurso que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo a apresentação de novas provas, que pode conduzir a uma decisão distinta da inicial, declarou expressamente que não contestava a decisão ou não requereu novo julgamento ou recurso dentro do prazo aplicável;
j) Antes de ser tomada qualquer decisão sobre o reconhecimento e execução da sentença, Portugal apresentar um pedido nos termos do n.º 4 do artigo 25.º, e o Estado de emissão não der o seu consentimento, nos termos da alínea g) do n.º 2 do mesmo artigo, à instauração de um processo, à execução de uma condenação ou à privação de liberdade da pessoa em causa devido a uma infração praticada antes da sua transferência mas diferente daquela por que foi transferida;
k) A condenação imposta implicar uma medida do foro médico ou psiquiátrico ou outra medida de segurança privativa de liberdade que, não obstante o disposto no n.º 4 do artigo anterior, não possa ser executada em Portugal, em conformidade com o seu sistema jurídico ou de saúde;
l) A sentença disser respeito a infrações penais que, segundo a lei interna, se considere terem sido praticadas na totalidade ou em grande parte ou no essencial no território nacional, ou em local considerado como tal.”
No caso vertente, em face da matéria supra referida, conclui-se estarem verificados todos os pressupostos de que depende o reconhecimento da sentença estrangeira em questão e a execução, em território português, das penas aplicadas, como, aliás, o próprio requerido reconhece ao afirmar inexistirem quaisquer motivos de recusa do reconhecimento e execução da Sentença Penal Europeia apresentado pelo Ministério Público.
Com efeito, desde logo, a sentença foi transmitida a Portugal para esses efeitos, pela autoridade competente do Estado de emissão (Reino de Espanha), acompanhada da certidão cujo modelo consta do anexo I à Lei n.º 158/2015, a qual se mostra devidamente preenchida e traduzida para a língua portuguesa, correspondendo à sentença (cfr. arts. 8.º, n.º 1, 16.º, n.ºs 1 e 2, 17.º, n.º 1, als. a) e b) e 19.º, n.ºs 1 e 2 desse diploma).
Os crimes pelos quais o requerido foi condenado no Estado de emissão (fraude e falsificação) fazem parte do elenco do n.º 1 do artigo 3.º, estando previstos, respetivamente, nas suas als. h) e w), pelo que se mostra desnecessária a verificação da dupla incriminação do facto, sendo certo que a mesma sempre se verificaria (cfr. artigo 17.º, n.º 1, al. d) da citada lei), por se tratarem de crimes igualmente puníveis na ordem jurídica portuguesa.
Acresce que também não se verifica qualquer outra das causas de recusa de reconhecimento e de execução previstas nas restantes alíneas do n.º 1 desse artigo, nem qualquer dos motivos de adiamento dos mesmos nos termos do seu artigo 19.º.
Refira-se, especificamente, que não há notícia de que a execução contrarie o princípio ne bis in idem, que nos termos da lei portuguesa a pena não se mostra prescrita, que não existe uma imunidade que impeça a execução da condenação, que o condenado é imputável em razão da idade (pois nasceu a ../../1976, tendo, portanto, mais de 16 anos à data dos factos) e que está por cumprir a totalidade das penas [cf. als. c), e), f), g) e h)].
O requerido esteve presente no julgamento e foi assistido por defensor [cfr. al. i)] e nenhuma das infrações em causa foi praticada em território nacional ou em local considerado como tal [cfr. al. l)].
De referir ainda que o mesmo tem nacionalidade portuguesa e tem residência em Portugal, onde também reside a sua família, no concelho ..., comarca de Braga, tendo a autoridade de emissão considerado que a execução da condenação neste país contribuirá para atingir o objectivo de facilitar a reinserção social do condenado.
Nestes termos, cumpre proceder ao reconhecimento da sentença e à execução da condenação em Portugal.
Sucede, porém, que o requerido foi condenado nas seguintes penas.
a) Na pena de 3 anos de prisão por um crime contra a Fazenda Pública, correspondente ao Imposto de Sociedades do ano de 2007;
b) Na pena de 2 anos e 9 meses de prisão por um crime contra a Fazenda Pública, correspondente ao Imposto de Sociedades do ano de 2008;
c) Na pena de 1 ano e 3 meses de prisão por um crime contra a Fazenda Pública, correspondente ao Imposto de Sociedades do ano de 2009;
d) Na pena de 1 ano e 3 meses de prisão por um crime contra a Fazenda Pública, correspondente ao IVA do ano de 2007;
e) Na pena de 1 ano e 6 meses de prisão por um crime contra a Fazenda Pública, correspondente ao IVA do ano de 2008.
A duração da condenação do requerido mostra-se incompatível com a lei interna portuguesa visto que a lei espanhola é alheia ao regime de cúmulo jurídico de penas previsto pela lei portuguesa.
Na lei penal portuguesa existe o instituto do cúmulo jurídico, segundo o qual, nos termos do artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, “[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena”, sendo considerados, na medida da pena, em conjunto os factos e personalidade do agente, tendo a pena aplicável, conforme o n.º 2 do preceito, como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Tal não obsta ao reconhecimento da sentença em apreço, sendo necessário proceder à devida adaptação à lei portuguesa com a fixação de uma pena única, nos termos do artigo 16.º, n.º 3 da Lei n.º 158/2015 de 17/09, o qual estabelece que “caso a duração da condenação seja incompatível com a lei interna, a autoridade judiciária competente para o reconhecimento da sentença só pode adaptá-la se essa condenação exceder a pena máxima prevista para infrações semelhantes, não podendo a condenação adaptada ser inferior à pena máxima prevista na lei interna para infrações semelhantes”.
Na medida da pena são considerados, portanto, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão-só, a quantificar a pena única a partir das penas parcelares cominadas.
Ao invés, o que resulta do referido preceito, é que o elemento aglutinador dos vários crimes em concurso que vai determinar a pena única é a personalidade do agente.
Impõe-se, por isso, a relacionação de todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de se determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constitui uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, estamos apenas perante uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade do agente.
Assim, por exceder a pena máxima prevista para infracções semelhantes, importa proceder à adaptação da duração da condenação do requerido, nos termos do citado n.º 3 do artigo 16.º da Lei n.º 158/2015, tendo em conta que o crime de fraude qualificada é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos e que não pode a condenação adaptada ser inferior à pena máxima prevista na lei interna para infrações semelhantes.
A moldura abstracta a considerar para a fixação da pena única é a de 3 (três) anos a 9 (nove) anos e 9 (nove) meses de prisão em face das penas que foram impostas ao requerido – n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal.
No caso em apreço, quanto à personalidade do arguido, tendo em conta os factos perpetrados e o respectivo contexto, poder-se-á concluir que o ilícito global não permite considerar a existência de uma tendência criminosa.
Por outro lado, ficando provada a existência de uma relação entre todos os crimes, cometidos consecutivamente, dever-se-á concluir que os factos se encontram estreitamente conexionados.
Desta forma, atento o número de crimes e a moldura penal supra definida, fixa-se a pena única em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
Ainda que, porventura, fosse equacionável a suspensão da execução desta pena única [o que não é o caso - artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal], certo é que a mesma nunca poderia ser, como pretende o requerido, suspensa na sua execução já que não é admissível a aplicação de uma pena de diferente natureza, de substituição da pena de prisão, na decisão de “adaptação”[2].
Por outro lado, ao contrário do que pretende o requerido, também não há que englobar no cúmulo a pena cumprida no processo 48/21.1YRGMR.S1 porque as penas que integram o cúmulo jurídico são apenas as que constam da certidão e da sentença que agora importa reconhecer, com a devida adaptação à lei portuguesa.
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III - Decisão
Nestes termos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em reconhecer a sentença de 24/04/2019, com o n.º 120/2019, proferida pelo Juzgado Penal 1 de ..., ..., no âmbito do PA 262/17, e em executar a condenação do requerido AA, adaptando, porém, a duração da condenação do requerido pela autoridade judiciária do Estado de emissão para a pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão, a fim de o condenado cumprir a mesma em Portugal.
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Sem tributação em custas, sem prejuízo do pagamento de honorários à Exma. defensora nomeada ao condenado.
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Após trânsito:
- Informe-se a autoridade competente do Estado de emissão da decisão definitiva de reconhecimento da sentença e de execução da condenação e das razões legais de adaptação da condenação e da data da decisão, nos termos previstos nos artigos 20.º, n.º 1 e 21.º, als. c) e e) da Lei n.º 158/2015, de 17/09.
- Baixem os autos, para execução da condenação, ao Juízo Local Criminal de Braga, da Comarca de Braga, por ser esse o tribunal competente, de acordo com o disposto nos artigos 13.º, n.º 2 e 16.º- A, n.º 7 da referida Lei.
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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)
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Guimarães, 19.11.2024
Os Juízes Desembargadores
Fernando Chaves (Relator)
Armando da Rocha Azevedo (1º Adjunto)
Fátima Furtado (2ª Adjunta)
[1] - Já com a correcção do lapso verificado no que respeita à residência do requerido – cfr. despacho de 10.05.2024 [referência ...83]. [2] - Cfr. Acórdão do STJ de 22.06.2022, Proc. 48/21.1YRGMR.S1, in www.dgsi.pt.jstj.