I - Nada obsta a que a convicção do tribunal se baseie apenas nas declarações da parte, desde que as mesmas sejam prestadas de forma séria e credível e o tribunal explicite os motivos pelos quais aquelas lhe merecem credibilidade a aferir em face das circunstâncias concretas em que são prestadas, sem esquecer o natural interesse que tenham no desfecho do processo.
II - A afirmação pelo tribunal de que um facto se considera provado não dependerá da íntima e subjetiva convicção do julgador, mas da aplicação de critérios racionais que se devem pautar pelo standard da “probabilidade prevalecente”, resultando de um juízo de preponderância em que o facto provado se apresente, fundadamente, como mais provável ter acontecido do que não ter acontecido.
III - A ocorrência do acidente não constitui, nem pode constituir objeto da perícia médica obrigatória (singular e/ou por junta médica) no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho, pelo que a pronúncia exigível aos srs. peritos quanto às lesões, sequelas, incapacidades e data da alta terá sempre na base a eventual ocorrência do acidente tal como descrito pelas partes, estando a prova do mesmo reservada àquela que ocorrerá em audiência de julgamento.
IV - A afirmação de um nexo causal entre o facto e o dano comporta duas vertentes: a vertente naturalística, que consiste em saber se o facto praticado pelo agente, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano, que pertence ao domínio da questão de facto; a vertente jurídica, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstrato, como causa idónea do dano ocorrido, que pertence ao domínio da questão de direito.
V – Estando provado que a trabalhadora, no tempo e local trabalho, escorregou no óleo que havia no chão, o que foi causa de uma queda com embate da face no piso, da qual que lhe advieram lesões e sequelas (nexo em sentido naturalístico), existe nexo causal (na sua vertente jurídica) se não se demonstrou que tais lesões e sequelas advieram de qualquer outra causa.
(Da responsabilidade da Relatora)
Origem: Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de ... - Juiz 1
Acordam os juízes da secção social do Tribunal da Relação do Porto
Relatório
AA requereu a abertura da fase contenciosa de ação especial emergente de acidente de trabalho contra a seguradora e contra a entidade empregadora, alegando na petição inicial, que é trabalhadora da Ré "A... - Produto de Higiene e Limpeza, Lda.", exercendo funções de operadora de máquina, mais concretamente de duas máquinas de fazer garrafões; que, no dia 15 de março de 2017, nas instalações da ré "A...", quando se encontrava no exercício das suas funções, enquanto colocava rótulos nos garrafões produzidos na máquina de sopro, foi empurrar um garrafão que estava com defeito escorregou numa mancha de óleo e numa apara de asa de garrafão de plástico que se encontravam no chão, em consequência do que caiu, embatendo com a face no piso, tendo ficado inanimada.
Mais alega que, em consequência do acidente sofrido lhe resultaram lesões, concretamente fratura subcondiliana bilateralmente com luxação de ambos os côndilos, tendo sido submetida a diversos tratamentos, incluindo duas cirurgias e que as lesões ainda não atingiram a consolidação médico- legal.
Alega, ainda que, à data do acidente, auferia um salário mensal de 570,00€ sendo a sua retribuição anual de 11.885,55€; que a ré seguradora não assegurou, como lhe competia, o acompanhamento clínico da autora, pelo que a mesma, em consequência do acidente, tem vindo a suportar despesas com consultas médicas, tratamentos, medicação e deslocações, tendo já despendido 2.313,93€, e sendo previsível que venha a suportar mais, cuja liquidação relega para momento posterior; e que a autora, em razão de estar de baixa desde o acidente e impossibilitada de trabalhar, deve ser indemnizada pelos períodos de incapacidade temporária que vierem a ser fixados à data da alta, bem como pela IPP que vier a ser fixada em IPP a realizar.
Peticionou, a final, que as rés sejam condenadas: a reconhecer que a autora não se encontra curada e, consequentemente, ser a ré entidade responsável condenada a proceder a todos os tratamentos necessários; na medida das respetivas responsabilidades, serem as rés condenadas a pagar as indemnizações pelos períodos de incapacidade temporária absoluta e de incapacidade temporária parcial fixados em junta médica, bem como a pagar a pensão anual com base na IPP que vier a ser fixada em tal junta, calculados com base na retribuição anual auferida pela trabalhadora; a pagar à autora as quantias seguintes por si suportadas desde a data do acidente: - 1.190,30€ (mil, cento e noventa euros e trinta cêntimos) referente às consultas médicas/meios complementares de diagnóstico; - 552,00€ (quinhentos e cinquenta e dois euros) referentes a tratamentos /consultas de fisioterapia; - 268,88€ (duzentos e sessenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos) relativos a medicação; - 302,75€ (trezentos e dois euros e setenta e cinco cêntimos) relativos a transportes, bem como a pagar à autora todas as despesas que esta venha a suportar, no futuro, em consequência do acidente sofrido, cuja liquidação relega para momento posterior; e serem as Rés condenadas no pagamento dos juros demora, à taxa legal, sobre todas as prestações em atraso.
Requereu ainda a realização de junta médica.
A Ré "B... - Companhia de Seguros, S.A." apresentou contestação, aceitando a existência do contrato de seguro em vigor à data dos factos e a remuneração auferida pela trabalhadora que se encontrava transferida, mais impugnando a factualidade alegada pela autora quanto à ocorrência do evento no local e tempo de trabalho, e quanto à dinâmica do mesmo, alegando ainda que, a ter ocorrido uma queda da autora, a mesma não foi consequência do trabalho da autora mas de indisposição patológica momentânea de síncope com perda momentânea de consciência e queda.
Defendeu-se ainda por exceção, invocando a caducidade da proteção jurídica concedida à autora.
Mais impugnou o teor dos documentos juntos com a petição inicial, bem como a respetiva letra e assinatura.
Concluiu peticionando que seja julgada procedente a exceção, e absolvidas as rés da instância, e, caso assim não se entenda, que a ação seja julgada improcedente e as rés sejam absolvidas de todos os pedidos formulados.
Requereu a realização de junta médica
A ré "A... - Produtos de Higiene e Segurança, Lda" apresentou contestação, invocando a exceção perentória da caducidade do direito de ação, aceitando parte dos factos alegados pela autora na petição inicial e impugnando os demais, bem como os documentos juntos.
A respeito da dinâmica do evento lesivo, alega que a autora não escorregou em momento algum, pois trabalhava sentada, tendo-se levantado a determinada altura, desconhecendo-se com que finalidade, e ato contínuo caiu inanimada, em frente do local onde estava sentada, num local onde não existem manchas de óleo.
Aceita o valor da retribuição mensal de 570,00€, e que a quantia de 200,00€ que consta dos mesmos não respeita a retribuição, mas a gratificação, que atribuiu à autora a título de distribuição dos lucros apurados no ano de 2016, e que não tem caráter regular e periódico.
Citado o Instituto da Segurança Social, I.P., veio este deduzir, contra as rés, pedido de reembolso da quantia de € 9.615,94, paga à sinistrada a título de subsídio de doença.
As rés apresentaram resposta ao pedido de reembolso da Segurança Social, impugnando a factualidade aí alegada.
A autora apresentou resposta à matéria de exceção alegada nas contestações.
Foi dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a exceção dilatória inominada invocada pela ré seguradora e foi julgada improcedente a exceção perentória da caducidade do direito de ação invocada pela ré entidade empregadora.
Foram selecionados os factos assentes e enunciados os temas da prova.
Foi determinado o desdobramento do processo.
Entretanto, no apenso de fixação de incapacidade foi realizada junta médica, tendo sido proferida decisão que considerou que a autora:
-esteve afetada de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, de 16/03/2017 a 31/12/2017;
- esteve afetada de incapacidade temporária parcial para o trabalho de 50%, de 01/01/2018 a 23/09/2020;
- teve alta clínica a 23/09/2020;
- é portadora da incapacidade permanente parcial (IPP) de 30,30%, desde o dia imediato ao da alta.
Realizou-se a audiência de julgamento na sequência da qual veio a ser proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
« (…) julgo a presente ação totalmente procedente, por provada, em consequência do que:
a) Declaro que a Autora AA foi vítima de um acidente de trabalho a 15/03/2017, em virtude do qual sofreu as lesões e sequelas descritas nos pontos 10° e 25° da factualidade provada, respetivamente;
b) Declaro que, por força do acidente, a Autora AA esteve afetada de incapacidade absoluta para o trabalho, de 16/03/2017 a 31/12/2017;
c) Declaro que, por força do acidente, a Autora AA esteve afetada de incapacidade temporária parcial para o trabalho, de 50%, de 01/01/2018 a 23/09/2020;
d) Declaro que, por força do acidente, a data da alta clínica da Autora AA ocorreu a 23/09/2020;
e) Declaro que a Autora AA se encontra clinicamente curada, mas portadora da incapacidade permanente parcial (IPP) de 21,75%;
f) Condeno a Ré "B... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A." a pagar à Autora AA as seguintes quantias:
1) - a quantia de €236,99 (duzentos e trinta e seis euros e noventa e nove cêntimos), a título de despesas de transporte a consultas, tratamentos médicos, ao GML ... e ao Tribunal, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento;
2) - a quantia de € 6.559,21 (seis mil quinhentos e cinquenta e nove euros e vinte e um cêntimos), correspondente à indemnização pelos período de incapacidade temporária absoluta e parcial, descontado do valor a reembolsar ao ISS, I.P., acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde 16/03/2017 até efetivo e integral pagamento;
3) - a quantia de € 1.574,35 (mil quinhentos e setenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos), a título de compensação pelas despesas médicas e medicamentosas suportadas pela sinistrada, acrescido dos juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento;
4) - a pensão anual e vitalícia, no montante de € 1.416,47 (mil quatrocentos e dezasseis euros e quarenta e sete cêntimos), obrigatoriamente remível, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde 24/09/2020, até efetivo e integral pagamento;
g) Condeno a Ré "B... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A." a pagar ao "Instituto da Segurança Social, I.P." a quantia de € 7.527,39 (sete mil quinhentos e vinte e sete euros e trinta e nove cêntimos), acrescido dos juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento;
h) Condeno a Ré "A... - PRODUTOS DE HIGIENE E LIMPEZA, LDA" a pagar à Autora AA as seguintes quantias:
1) - a quantia de €65,76 (sessenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos), a título de despesas de transporte a consultas, tratamentos médicos, ao GML ... e ao Tribunal, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento;
2) - a quantia de € 1.820,84 (mil oitocentos e vinte euros e oitenta e quatro cêntimos), correspondente à indemnização pelos períodos de incapacidade temporária absoluta e parcial, descontado do valor a reembolsar ao ISS, I.P., acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde 16/03/2017 até efetivo e integral pagamento;
3) - a quantia de € 436,83 (quatrocentos e trinta e seis euros e oitenta e três cêntimos), a título de compensação pelas despesas médicas e medicamentosas suportadas pela sinistrada, acrescido dos juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento
4) - a pensão anual e vitalícia, no montante de € 393,11 (trezentos e noventa e três euros e onze cêntimos), obrigatoriamente remível, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde 24/09/2020, até efetivo e integral pagamento;
i) Condeno a Ré A... - PRODUTOS DE HIGIENE E LIMPEZA, LDA" a pagar ao "Instituto da Segurança Social, I.P." a quantia de € 2.088,59 (dois mil e oitenta e oito euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescido dos juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.»
«I - A douta sentença recorrida deve manter-se, pois consubstancia uma solução que consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub iudice das normas e princípios jurídicos competentes.
II - Nos termos constantes da douta sentença recorrida, foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos: A Autora é trabalhadora da Ré "A... - Produto de Higiene e Limpeza, Lda.", exercendo funções de operadora de máquina, mais concretamente de duas máquinas de fazer garrafões (facto "5"); no dia 15 de Março de 2017, pelas 13h.25m, nas instalações da Ré "A...", sitas em ..., ..., a Autora encontrava-se no exercício das suas funções por conta, direção e fiscalização da Ré "A..." (facto "6"); Nessas circunstâncias de tempo e de lugar, enquanto colocava rótulos nos garrafões produzidos na máquina de sopro, a Autora foi empurrar um garrafão que estava com defeito, escorregou numa mancha de óleo e numa apara de asa de garrafão que se encontravam no chão, o que lhe provocou uma queda com embate violento da face no piso, tendo ficado inanimada (facto "7").
III - A Recorrente pretendeu descaracterizar o acidente como de trabalho, alegando que a queda sofrida pela Recorrida, nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, não ocorreu como descrito anteriormente, mas que se deveu a uma sincope, o que não logrou provar. Alterando a sua versão dos factos, uma vez que na Contestação apresentada, colocaram em causa a própria queda da sinistrada!
IV - Assim, não tendo em 1.ª Instância a Recorrida logrado provar o que lhe competia, visa nesta sede, a pretexto de demonstrar o erro na apreciação da prova um segundo julgamento da matéria que foi apreciada e devidamente fundamentada pelo Tribunal a quo.
V - Na verdade, através da impugnação à matéria de facto a Recorrente pretende que este Tribunal forme uma nova convicção sobre a prova produzida, atacando o principio da livre apreciação da prova.
VI - A Recorrente impugna a matéria de facto constante dos n.ºs 7.°, 9.°, 14.°, 22.°, 23.°, 24.° e 26.° dos factos provados e matéria dos factos não provados - a) - que aqui se dão por reproduzidos, indicando a prova que imporia decisão diversa.
VII- Analisadas as provas indicadas e na parte dos depoimentos as suas transcrições e o seu confronto com a fundamentação da sentença, afigura-se-nos que não tem razão, não impondo essas provas decisão diversa como, aliás, facilmente se conclui.
VIII - Quis a Recorrida com a transcrição integral da motivação da sentença, sem recurso a mais considerações, demonstrar que todos os argumentos que arruínam as Alegações apresentadas pela Recorrente, já constam da mui douta sentença a quo.
IX - Pois que, a avaliação da prova produzida num julgamento, não se resume ao conteúdo literal das expressões utilizadas pelos depoentes, conforme pretende a Recorrente fazer, mas sim a uma análise global, devidamente encadeada sobre toda a prova, de modo a formar um juízo global e consistente sobre a mesma.
X - De facto, conjugando toda a referida prova produzida no julgamento, designadamente as declarações prestadas pela Recorrida, bem como os depoimentos prestados pelas referidas testemunhas, com a mencionada prova documental, e apreciando a mesma a luz das regras da experiência comum, o Tribunal, na sua livre e fundada convicção, não teve quaisquer dúvidas em considerar os factos que deu como provados e os factos que deu como não provados.
XI - É indiscutível que nada impedia o tribunal de fundamentar a sua convicção no testemunho de uma única pessoa, desde que tal testemunho se apresente como pertinente e credível, uma vez que a antiga máxima do "unus testis, testis nullis" já não se encontra em vigor, dando lugar ao princípio da livre apreciação da prova.
XII - Para tal, o contacto direto com o depoente (princípio da imediação) constitui a fonte da credibilidade, pois permite considerar não apenas a razão de ciência invocada, mas também a imparcialidade que o depoente demonstra ou o interesse que revela, assim como a espontaneidade do seu relato, que se manifesta através de diversos fatores, incluindo a sua postura, a forma como responde, o tom de voz, a atenção que procura, o auxílio que solicita, as hesitações, as contradições e os gestos que realiza.
XIII - O tribunal a quo elucidou as razões que sustentam a sua credibilidade, as quais estão em conformidade com a normalidade.
XIV - Deste modo, é evidente que a apreciação realizada pelo Tribunal em relação à prova apresentada não se encontra viciada por qualquer erro ou omissão, não tendo violado as regras da experiência comum, e está claramente expressa na fundamentação.
XX - Esta fundamentação é objetiva e lógica, não revelando qualquer arbitrariedade ou discricionariedade, e respeitando as normas legais relativas à apreciação da prova.
XXI - Adicionalmente, é imperativo que, se a decisão do Tribunal a quo, devidamente fundamentada, constituir uma das soluções plausíveis, como é o caso, essa decisão será inatacável, uma vez que foi proferida em conformidade com a lei que exige o julgamento segundo a livre convicção do juiz.
XXII - Por mera hipótese de raciocínio, o que não se concebe, mesmo que se considerasse que a dinâmica do acidente não ocorreu conforme descrito pela Recorrida e dado como provado pelo Tribunal a quo, estaríamos na mesma perante um acidente de trabalho isto porque da prova produzida resulta que:
1. A Recorrente sofreu uma queda quando se encontrava a laborar nas instalações da "A...";
2. Ninguém assistiu à queda.
3. A Recorrida foi socorrida por outra trabalhadora - CC - quando já se encontrava caída no chão, inanimada.
4. Os meios de emergência médica para socorrer a Recorrida foram acionados por quem não presenciou a queda e desconhecia as causas que a determinaram. Assim: a) Ao INEM a ocorrência que foi transmitida foi a de queda e de trauma (fls. 462 verso e 463 dos autos). b) No verbete do socorro (fls. 462 dos autos), que foi preenchido no local, é a de que a vítima sofreu uma doença súbita. c) foi com base nas declarações falsas prestadas aos paramédicos e no teor do verbete de socorro que foi elaborada a nota de triagem (fls. 134 dos autos), da qual resulta, estado de inconsciência/síncope, e como "queixas", síncope há cerca de 30 minutos; autolimitada; traumatismo facial subsequente; c) As informações inquinadas, vertidas na nota de triagem e na nota de transferência do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, constam também do relatório de urgência do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/... (cfr, fls. 93 a 100), que na parte da história do evento se baseou inevitavelmente na documentação clínica que acompanhou a paciente, assim transcrevendo que a mesma foi transferida na sequência de queda no trabalho na sequência de síncope,
5. Os senhores peritos que subscreveram o auto de exame por junta médica constante de fls. 4 a 5 do Apenso A, os quais unanimemente consideraram que a Autora sofreu um traumatismo do maxilar inferior com fratura bilateral subcondiliana e luxação com desvio medial e anterior dos côndilos, e quanto às causas da queda da Autora afirmaram que a mesma tanto é compatível com a descrição da Autora, de que escorregou e caiu, como pode ter decorrido de uma causa endógena que a fez perder os sentidos, como uma síncope lipotímica. A perda dos sentidos pode ser originada por muitas causas, podendo estar relacionada com alterações da tensão arterial, glicemias ou alterações de ritmo cardíaco, ou outros fatores, tais como episódios de dor aguda.
XXIII - os senhores peritos Dra. KK (nomeada à sinistrada) e Dr. LL (nomeado pelo tribunal) reiteraram em audiência que não conseguem concluir se a queda decorreu de uma síncope ou se a síncope foi uma consequência da queda, sendo ambas as hipóteses admissíveis do ponto de vista médico.
XXIV- Por último, tendo a Autora provado o evento causador das lesões e a sua ocorrência no tempo e local de trabalho, sempre se presume que as mesmas são consequência de um acidente de trabalho, como decorre do artigo 10°, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, passando a ser as Rés a ter de provar que as mesmas não são consequência de um acidente de trabalho, o que não lograram.
XXV - Face ao exposto, carece de total fundamento a pretensão dos Recorrentes, devendo manter-se a douta sentença de recorrida.»
Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT) e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim, são as seguintes as questões a decidir:
1 – alteração da decisão da matéria de facto;
2 – se ocorreu evento qualificável como acidente de trabalho;
3 – em caso de resposta positiva à questão que antecede, se está demonstrado o nexo causal entre o evento e as lesões/sequelas.
Foram os seguintes os factos dados como provados em 1.ª instância:
«1°- AA nasceu a ../../1968.
2° - À data de 15/03/2017, a autora auferia a retribuição mensal de €570,00x14 (retribuição base) + €4,52x242 (subsídio de alimentação) + €200,00x12 (gratificações) + €411,71x1 (horas extra).
3°- A responsabilidade da "A... - Produtos de Higiene e Limpeza, Lda" por danos emergentes de acidentes de trabalho encontrava-se transferida para a ré seguradora, através de contrato de seguro de acidente de trabalho, titulado pela apólice n.º ...11, com referência à retribuição de €557,00x14+€4,52x242+€411,71x1, no montante anual de €9.303,55.
4°- A autora é beneficiária do Instituto de Segurança Social de Aveiro, com o n.º ...38....
Mais se provou que:
5° - A Autora é trabalhadora da Ré "A... - Produto de Higiene e Limpeza, Lda.", exercendo funções de operadora de máquina, mais concretamente de duas máquinas de fazer garrafões.
6° - No dia 15 de Março de 2017, pelas 13h.25m, nas instalações da Ré "A...", sitas em ..., ..., a Autora encontrava-se no exercício das suas funções, por conta, direção e fiscalização da Ré "A...".
7º - Nessas circunstâncias de tempo e de lugar, enquanto colocava rótulos nos garrafões produzidos na máquina de sopro, a Autora foi empurrar um garrafão que estava com defeito, escorregou numa mancha de óleo e numa apara de asa de garrafão que se encontravam no chão, o que lhe provocou uma queda com embate violento da face no piso, tendo ficado inanimada.
8° - Em consequência do referido em 7°, a Autora foi socorrida pelos trabalhadores que se encontravam perto do local e transportada pelos Bombeiros Voluntários ... para o Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga (CHEDV).
9° - Deu entrada no Serviço de Urgência da referida entidade hospitalar desmaiada, onde realizou um TAC maciço facial, e foi transferida no mesmo dia para o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/..., EPE, para ser observada na especialidade de cirurgia plástica. (alterado nos termos da decisão infra)
10° - Como consequência direta e necessária do evento referido em 7°, a Autora sofreu fraturas subcondilianas bilateralmente com luxação de ambos os côndilos.
11° - A Autora ficou internada no CHVNG/E, tendo sido submetida em 21/03/2017 a uma cirurgia de urgência maxilo-facial, com realização de bloqueio intermaxilar com parafusos de bloqueio.
12° - O quadro clínico da Autora não teve uma evolução favorável em virtude das dores crónicas e constantes ao nível das articulações temporomandibulares (ATM) associadas à dificuldade de fala e mastigação, assim como diminuição da boca.
13° - Nessa sequência, a Autora foi submetida a nova cirurgia, a 02/10/2018, com abordagem bilateral transcutânea da face com excisão do osso necrosado dos côndilos mandibulares, condilectomia bilateral e reconstrução com excertos condro - ósseos retirados da grade costal.
14° - Em virtude da cirurgia referida em 13°, a Autora teve uma complicação de tromboembolismo pulmonar, tratado com hipocoagulação (rivaroxabano), sendo seguida na consulta de medicina interna, onde realizou diversos exames para definição da causa e despites de patologia condicionante. (alterado nos termos da decisão infra)
15° - Desde 22/04/2019, a Autora é seguida na consulta de Medicina Física e de Reabilitação (MFR) do CHVNG por apresentar queixas álgicas pariauriculares e cefaleias, dificuldade de protusão da língua, assimetria facial, limitação de abertura bucal, assim como limitação da mobilidade mandibular bilateral, Apresenta, ainda, contractura paravertebaral cervical. Iniciou nessa altura tratamentos de MFR.
16° - De igual modo, em 11/06/2019, por não apresentar melhoria clinica com os tratamentos realizados foi observada na consulta de estomatologia, por indicação de MFR, e apresentava, ao exame objetivo, crepitação em ambas as articulações temporomandibulares, abertura bucal em repouso de 28mm e assistida de 30mm, mordida aberta anterior, atrição dentária dos incisivos inferiores, palpação de múltiplos Trigger Points.
17° - Foi aconselhada a colocar goteira tipo Michigan, agulhamento seco de Trigger Points, aplicação de Toxina Botulínica em massétres e trapézios e foi orientada para consulta de psiquiatria, onde foi observada pela primeira vez em 03/07/2019 por síndrome depressivo.
18 - Iniciou ainda tratamentos na consulta da dor para onde foi orientada por apresentar dor neuropática cronica.
19° - A Autora não teve melhoria clínica com a injeção da toxina botulínica (aplicada em 3 pontos do masséter direito e 3 pontos do masséter esquerdo e 3 pontos no trapézio).
20° - Por MFR foi orientada para o Centro de Reabilitação do Norte e clínica da sua área de residência, onde prosseguiu tratamentos.
21° - Atualmente é seguida em consultas de cirurgia plástica e reconstrutiva (CPR), medicina física e de reabilitação (MFR), estomatologia e Medicina da Dor no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/....
Provou-se ainda que:
22° - Como consequência direta e necessária do evento referido em 7°, a Autora esteve afetada de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, de 16/03/2017 a 31/12/2017.
23° - Como consequência direta e necessária do evento referido em 7°, a Autora esteve afetada de incapacidade temporária parcial para o trabalho de 50%, de 01/01/2018 a 23/09/2020.
24° - A Autora teve alta clínica a 23/09/2020.
25° - Como consequência direta e necessária do evento referido em 7°, sobrevieram para a Autora as seguintes sequelas: apresenta limitação da abertura da boca a 28° mm, com dor à mastigação e sem alterações de linguagem.
26° - Em consequência das sequelas referidas em 25°, a Autora é portadora da incapacidade permanente parcial (IPP) de 21,75%, desde o dia imediato ao da alta.
Mais se provou que:
27° - Em consequência do evento referido em 7°, a Autora suportou a quantia global de 1.190,30€ (mil, cento e noventa euros e trinta cêntimos) em consultas médicas e meios complementares de diagnóstico.
28° - Em consequência do evento referido em 7°, a Autora suportou a quantia global de 552,00€ (quinhentos e cinquenta e dois euros) em consultas e tratamentos de fisioterapia.
29° - Em consequência do evento referido em 7°, a Autora suportou a quantia global de 268,88€ (duzentos e sessenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos) em medicação.
30° - Em consequência do evento referido em 7°, a Autora suportou a quantia global de 302,75€ (trezentos e dois euros e setenta e cinco cêntimos) em transportes para as consultas, tratamentos, Tribunal, Instituto de Medicina Legal.
Provou-se ainda que:
31° - A Ré "A..., Produtos de Higiene e Limpeza, Lda" remeteu à Ré "B... - Companhia de Seguros, S.A." a participação do sinistro datada de 28/03/2017, com o teor constante de fls. 12 a 13 dos autos.
32° - Efetuado o pedido de assistência clínica, a Autora foi examinada nos serviços clínicos da Ré "B... - Companhia de Seguros, S.A." com a indicação de "queda na sequência de síncope", o que determinou a imediata comunicação de alta por inexistência de responsabilidade, a 18 de Abril de 2017.
33° - A Autora esteve com baixa médica subsidiada de 15/03/2017 a 11/04/2019, tendo recebido do "Instituto da Segurança Social, I.P.", a título de subsídio de doença, a quantia de € 9.615,94.»
1.ª questão: alteração da decisão da matéria de facto
Seguindo a ordem imposta pela precedência lógica (cfr. art.º 608.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), importa começar a apreciação do recurso pelas questões atinentes à matéria de facto.
Nos termos do disposto pelo art.º 662.º, n.º 1 Código de Processo Civil «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»
A Relação tem efetivamente poderes de reapreciação da decisão da matéria de facto decidida pela 1ª instância, impondo-se-lhe no que respeita à prova sujeita à livre apreciação do julgado, a (re)análise dos meios de prova produzidos em 1ª instância, desde que o recorrente cumpra os ónus definidos pelo art.º 640.º do Código de Processo Civil.
Na verdade, quando estão em causa meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, decorre da conjugação dos art.º 635.º, nº 4, 639.º, nº 1 e 640.º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que considera errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respetiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão[1].
No caso dos autos, analisadas as alegações e conclusões do recurso aqueles ónus mostram-se suficientemente cumpridos, pelo que nada obsta ao conhecimento da impugnação.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes[2], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, «foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.»
A modificação da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que for declarado pela 1ª instância. Porém, como também sublinha António Santos Abrantes Geraldes[3] «(...) a reapreciação da matéria de facto pela Relação no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.° não pode confundir-se com um novo julgamento (…)».
Não se questionando a amplitude de conhecimento por parte do Tribunal da Relação, nos moldes que vem sendo reconhecida em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça[4] - de maneira a que fique plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição -, o certo é que o poder/dever previsto no art.º 662.º, n.º 1 do CPC - de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa - significa que para tal alteração, como se afirma no Acórdão desta Secção de 28/06/2024[5], “não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida”.
No mesmo sentido, que perfilhamos, escreve-se no Ac. RP de 10/07/2024[6] “Deverá ocorrer alteração da decisão da matéria de facto da primeira instância, quando a prova produzida impuser uma diversa decisão. Haverá que proceder a um novo juízo critico da prova de modo a se poder concluir por aquele feito na primeira instância não se poder manter. Ou de outro modo, haverá que fazer uma apreciação do julgamento da matéria de facto da primeira instância de tal modo que as provas produzidas em primeira instância imponham de modo decisivo e forçado uma outra decisão da matéria de facto. Haverá de encontrar este Tribunal de recurso uma tal incongruência lógica, quer seja por ofensa a princípios e leis cientificas, quer contra princípios gerais da experiencia comum, quer da apreciação e valoração das provas produzidas, de modo a concluir por modo diverso.
Não basta, pois, que as provas permitam, dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa (artigo 640.º do Código de Processo Civil), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.»
Com estes pressupostos vejamos se é de alterar a decisão da matéria de facto relativa aos concretos pontos impugnados pela recorrente.
A impugnação incide sobre os pontos 7º, 9º, 14º, 22º, 23º, 24º e 26º dos factos provados e sobre a alínea a) dos factos não provados.
O tribunal “a quo” considerou provada em 7.º o seguinte:
“Nessas circunstâncias de tempo e de lugar, enquanto colocava rótulos nos garrafões produzidos na máquina de sopro, a Autora foi empurrar um garrafão que estava com defeito, escorregou numa mancha de óleo e numa apara de asa de garrafão que se encontravam no chão, o que lhe provocou uma queda com embate violento da face no piso, tendo ficado inanimada.”
E considerou não provado sob a alínea a) “Que a queda sofrida pela Autora e referida em 7° tenha ocorrido em consequência de uma síncope lipotímica de que foi acometida”.
A recorrente pretende que a matéria do ponto 7.º seja considerada não provada e que a matéria da alínea a) seja considerada provada essencialmente porque o tribunal baseou a decisão, quanto ao modo como ocorreu o evento, exclusivamente nas declarações de parte da autora, as quais não merecem credibilidade atento o interesse que esta tem na causa, bem como por considerar as declarações contraditórias, não confirmadas pelos demais meios de prova, e infirmadas pelos meios de prova documentais, designadamente os relativos ao socorro da autora e ao seu atendimento hospitalar.
Adiantamos já que não concordamos com a recorrente.
O tribunal “a quo” afirmou o seguinte na motivação da decisão de facto:
“Em síntese, sendo pacífico que a Autora sofreu uma queda quando se encontrava a laborar nas instalações da Ré “A...”, no que concerne às circunstâncias em que a mesma ocorreu, e ao que a antecedeu, apenas podemos valorar as declarações da Autora, que se revelaram coerentes e concisas, sendo também coincidentes com o relato constante da participação efetuada ao tribunal de trabalho (cfr. fls. 1 e 2) e do relatório da ACT (cfr. auto de declarações de fls. 387 e 388).
Tais declarações são ainda plausíveis à luz das regras da experiência e da normalidade do acontecer, até considerando o estado do seu local de trabalho (piso com óleo e aparas de plástico, como foi reforçado pelas testemunhas inquiridas e resulta dos registos fotográficos constantes do inquérito da ACT e dos que foram juntos em audiência de julgamento) e o não uso de equipamentos de proteção individual, nomeadamente botas de trabalho.”
As declarações de parte da autora foram, pois, o meio de prova determinante da decisão quanto às circunstâncias em que ocorreu a queda.
E do nosso ponto de vista, depois de ouvida e analisada a prova relevante, nenhuma censura merece aquela decisão, não procedendo as objeções da recorrente, as quais de resto, encontram resposta na motivação da decisão do tribunal “a quo” na qual se evidencia uma análise global exaustiva e pormenorizada dos meios de prova, inexistindo motivo para não conferir a devida credibilidade às declarações da autora.
A propósito da valoração das declarações de parte pronunciou-se o Ac. RP de 15/01/2024[7], com o qual concordamos, no qual se pode ler «…, a generalidade das provas produzidas na audiência de julgamento está sujeita à livre apreciação do tribunal (como é o caso da prova testemunhal e da prova por declarações de parte – art.º 396º do Código Civil e art.º 466º, nº 3 do Código de Processo Civil).
Com efeito, dispõe o nº 5 do art.º 607º do Código de Processo Civil que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, ou seja, a apreciação da prova pelo juiz é pautada por regras da ciência e do raciocínio e em máximas de experiência, sendo a estas conforme (consiste numa conscienciosa ponderação dos elementos probatórios e circunstâncias que os envolvem, não se confundindo de todo com uma apreciação arbitrária)[8].
Em consonância, como é natural [pois o objetivo da produção da prova é alcançar o conhecimento acerca da veracidade dos factos em causa (art.º 341º do Código Civil)], não existe na nossa ordem jurídica nenhum preceito legal que determine ser insuficiente a prova sobre determinado facto (seja ele favorável ou desfavorável à parte) que resulte unicamente do depoimento de parte não confessório ou das declarações de parte, nada obstando a que a convicção do tribunal se forme até exclusivamente neles[9].
Ponto é que, não obstante ser a parte (com manifesto interesse num determinado desfecho do processo), o seu depoimento ou declarações sejam credíveis [tendo o julgador na apreciação crítica do depoimento/declarações em consideração que se trata da parte (tal como acontece com as testemunhas: as mesmas podem ter proximidade à parte ou interesse na causa, o que o julgador tem presente na apreciação crítica dos depoimentos, sendo por essa razão que o legislador consagra o interrogatório preliminar a cargo do juiz – os designados costumes – no nº 1 do art.º 513º do Código de Processo Civil)].
Às declarações de parte aplica-se o regime do depoimento de parte, com as necessárias adaptações – art.º 466º, nº 2 do Código de Processo Civil –, e, como se escreveu no acórdão do TRL de 29/04/2014[10], serão livremente apreciadas pelo tribunal na parte em que não constituam confissão (art.º 466º, nº 3 do Código de Processo Civil), e revelam especial utilidade para a decisão quando versem sobre factos que ocorreram entre as partes, sem a presença de terceiros intervenientes. Tais declarações devem ser encaradas como qualquer outro momento de recolha de prova, à qual assistem os advogados das partes com plena liberdade ao nível do exercício do contraditório, não se justificando um tratamento diverso, designadamente daquele que têm os depoimentos de parte oficiosamente determinados pelo Tribunal já em sede de julgamento. Nele se escreveu ainda que o novo meio de prova por declarações de parte instituído no Código de Processo Civil de 2013 veio responder a uma corrente que se vinha densificando no sentido de considerar e valorizar o depoimento de parte ainda que sem carácter confessório e de livre apreciação pelo tribunal, desde que este viesse a revelar um efeito útil para a descoberta da verdade.
Ou seja, não se pode dizer que o legislador não tenha colocado as declarações de parte a par de outros meios de prova (como a prova testemunhal), o mesmo é dizer que não se pode afastar ab initio a valoração das declarações de parte só porque não existem outros meios de prova a corroborar as mesmas [a exigir-se sempre, em abstrato, a confirmação por outros meios de prova estar-se-iam a negar as declarações de parte como meio de prova, sujeito à livre apreciação do tribunal, como consagrado pelo legislador, desvirtuando-se o espírito do legislador ao prever a prestação dessas declarações], impondo-se sim que seja observada uma especial cautela na sua apreciação por ser, por natureza, um depoimento interessado.
Em conclusão diz-se o seguinte: nada obsta a que a convicção do tribunal se baseie apenas nas declarações da parte; ponto é que estas sejam prestadas de forma séria e credível e o tribunal de forma clara explicite as razões do seu convencimento, isto é, que em face das circunstâncias concretas em que são prestadas, sem esquecer o natural interesse que tenham no desfecho do processo, mereçam credibilidade ao tribunal.».[11]
Por outro lado, como se disse no acórdão do TRG de 02/05/2016[12], «a credibilidade das declarações da parte tem de ser apreciada em concreto, numa perspetiva crítica, com vista à descoberta da verdade material, bem podendo suceder que as respetivas declarações, em concreto, possam merecer muita, pouca ou, mesmo, nenhuma credibilidade.»
Releva também que «Quanto à ponderação dos meios probatórios produzido em audiência final, mormente a prova por confissão ou a prova testemunhal, a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as partes ou as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.
Por fim, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal.»[13]
De resto, como se pode ler no Ac. RP de 20/05/2024[14] «Como deflui dos nºs 4 e 5 do citado art. 607º, a afirmação pelo tribunal de que um facto se considera provado não dependerá da íntima e subjetiva convicção do julgador, mas mais, e prevalentemente, da aplicação de critérios racionais que, conforme se vem entendendo[15], se devem pautar pelo standard da “probabilidade prevalecente”, isto é, num juízo de preponderância em que esse facto provado se apresente, fundadamente, como mais provável ter acontecido do que não ter acontecido.»
Ora, no caso dos autos, considera-se que o tribunal “a quo” ponderou a relevância das declarações de parte da autora de forma acertada, para concluir nos termos acima transcritos, atribuindo àquelas credibilidade bastante para justificar a decisão de considerar provadas as circunstâncias em que ocorreu o evento participado como acidente de trabalho, nos termos em que as mesmas foram relatadas pela autora, na certeza de que ninguém assistiu ao que se passou, assumindo, por isso, o relato feito pela própria autora particular importância.
Dado o modo exaustivo como a questão da credibilidade das declarações da autora foi analisado pelo tribunal “a quo”, e considerando que depois de analisada toda a prova produzida concordamos, na íntegra com tal análise que se baseou nos depoimentos prestados em audiência, dos quais foi feito resumo fiel e que foram, tal como os documentos relevantes, acertadamente interpretados por si e em conjugação uns com os outros, transcrevem-se os excertos mais relevantes da motivação, que como já referimos supra, respondem na, íntegra, às objeções da recorrente:
«Quanto ao mais, o tribunal tomou em consideração as declarações prestadas em audiência de julgamento pela Autora AA, a qual, apesar do interesse que tem na ação, depôs de forma que se nos afigurou séria e objetiva, descrevendo o acidente que sofreu de modo a contextualizá-lo no tempo, por referência à data da sua ocorrência, e no espaço, aludindo ao local onde se encontrava, e às concretas funções que executava, no exercício da sua profissão de operária fabril, por ordem, direção e fiscalização da sua entidade patronal, a sociedade “A... – Produtos de Higiene e Limpeza, Lda”, ora Ré, tendo explicado ainda detalhadamente a dinâmica do evento lesivo.
E a este propósito esclareceu que no dia em causa nos autos tinha retomado o seu trabalho após a pausa para almoço, encontrava-se a operar duas máquinas de fazer garrafões, que distam entre si cerca de três metros, e a colocar rótulos nos garrafões que saíam das máquinas, o que fazia sentada numa grade com uma almofada que servia de banco. Teve necessidade de se levantar e de se deslocar à lateral da máquina onde estão posicionados os comandos para ajustar a quantidade de material necessário à formação dos garrafões, a que chamou “dar manga” à máquina, e depois de se sentar teve que se levantar novamente para retirar da máquina, no lado contrário, um garrafão que tinha ficado encravado, e que estava a sair com defeito. Foi então que escorregou no óleo que vertia da máquina e numa apara de plástico que aí se encontrava e caiu, tendo embatido com a face do lado esquerdo no recipiente para onde são projetados os garrafões produzidos pela máquina e depois ficou prostrada no chão alguns instantes, de barriga para baixo, sem conseguir falar ou pedir ajuda, até que foi socorrida por colegas de trabalho.
Explicou que ainda ouviu as vozes dos seus colegas junto dela e sentiu-se a ser arrastada, mas acabou por perder os sentidos, tendo acordado já no Hospital ..., colocada numa maca.
Referiu que as máquinas estavam a verter óleo pelas mangueiras hidráulicas situadas na parte inferior, tanto assim que naquela manhã tinha lá estado um técnico, e que é normal as máquinas projetarem aparas de plástico durante a sua laboração, sendo que têm instruções dos patrões para as apanharem do solo.
Disse ainda que as máquinas estão dispostas de forma seguida, e que os funcionários trabalham de costas voltadas uns para os outros.
Ressalvou que em momento algum estabeleceu qualquer diálogo com os colegas de trabalho, por manifesta impossibilidade, e que não tem a perceção de como foi transportada para o hospital, atento o seu estado de inconsciência, pelo que também não falou com os paramédicos ou com os enfermeiros mo momento da triagem a que há-de ter sido sujeita.
A respeito do estado em que se encontrava quando na urgência do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, esclareceu que sentia muitas dores e não conseguia abrir a boca, pelo que não conseguia falar, que pedia ajuda por gestos mas ninguém a atendia, que entretanto chegou a filha e foi ela quem esteve a falar com a médica que a assistiu, que fez um TAC e foi transferida para o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, continuando aí com muitas dores e dificuldades em falar, e ainda que teve necessidade de escrever num caderno da filha o que lhe tinha acontecido, pois não o conseguia verbalizar, transmitindo-lhe assim por escrito que tinha caído junto à sua máquina.
Acrescentou que ficou internada no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, a fim de ser submetida a uma cirurgia de urgência maxilo-facial, uma vez que, em consequência da queda, fraturou a mandíbula de ambos os lados, mas a cirurgia só veio a ocorrer uns dias depois, devido ao edema e às queixas dolorosas persistentes da zona mandibular.
Narrou, depois, toda a sequência de tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeita, em virtude de o seu quadro clínico não ter evoluído favoravelmente, concretamente uma segunda cirurgia maxilo-facial para remover os parafusos, e uma terceira para excisão do osso necrosado e reconstrução com enxertos ósseos das costelas, cujo pós-operatório teve uma complicação de tromboembolismo pulmonar.
Necessitou, ainda, de realizar fisioterapia e efetuar seguimento clínico em consultas de cirurgia plástica e reconstrutiva, medicina física e de reabilitação, estomatologia e Medicina da Dor, no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/....
Mais aludiu às despesas médicas e medicamentosas e às despesas em transportes e deslocações que suportou em consequência do acidente nos dois anos seguintes, até ter ficado isenta de taxas moderadoras por insuficiência económica.
Esclareceu, por outro lado, que se encontra de baixa médica desde a ocorrência do acidente, por não conseguir retomar o exercício da sua atividade profissional.
Tais declarações da Autora, em si mesmas merecedoras de credibilidade, foram corroboradas pelo depoimento da testemunha BB, sua filha, que descreveu o estado em que encontrou a mãe na urgência hospitalar do Hospital ..., e como a mesma se manteve naquele dia e nos dias seguintes, com queixas dolorosas e extrema dificuldade em abrir a boca e falar, de modo que, para conseguir perceber o que lhe dizia, tinha que encostar o ouvido à sua boca, ou então a mãe expressava-se por escrito.
Porém, não presenciou o evento ocorrido no local de trabalho, que determinou a condução à urgência, pelo que a este respeito transmitiu-nos o que lhe foi contado pela Autora, e de modo inteiramente coincidente com esta.
Esclareceu ainda que, no dia do acidente, saiu do hospital e dirigiu-se às instalações da “A...”, tendo sido recebida pela esposa do legal representante, que também não lhe sabia dizer o que tinha acontecido com a mãe, referindo-lhe que já foi encontrada no chão, mas transmitiu-lhe que não ia ter direito ao seguro, sem lhe dar concreta justificação para o efeito.
Nesse sentido, dirigiu-se à Autoridade para as Condições de Trabalho (doravante ACT), a fim de dar conhecimento que a Ré “A...” se recusava a efetuar a participação do acidente ao seguro.
Mais descreveu a evolução clínica da Autora na sequência do acidente, o que fez com rigor e pormenor, aludindo às cirurgias que teve que realizar, aos tratamentos a que teve que se submeter e às despesas suportadas com consultas médicas e exames complementares de diagnóstico, sessões de fisioterapia, medicamentos e deslocações, bem como aos constrangimentos de natureza económica que acarretaram.
Confirmou também que a Autora se mantém de baixa médica desde a ocorrência do acidente, e que, a conselho da médica de família, foi indicado como causa da baixa “doença natural”, pois de outro modo a incapacidade para o trabalho não conferia direito a qualquer comparticipação da Segurança Social, e desse modo não tinham como fazer face às despesas médicas e medicamentosas da mãe e assegurar o seu sustento.
As declarações da Autora foram ainda sustentadas pelo depoimento da testemunha CC, funcionária da Ré “A...” no período compreendido entre 2015 e 2020, e cujo conhecimento dos factos decorre de ter socorrido a Autora no seu local de trabalho.
A testemunha esclareceu que trabalhava numa máquina próxima da Autora, à sua frente, que se deslocou do seu local de trabalho por uns instantes para cortar rótulos, e que, quando regressou, deparou-se com a mesma prostrada no chão, a deitar saliva pela boca, e desmaiada, pelo que pediu socorro e manteve-se junto dela até chegarem os bombeiros.
Entretanto chegaram os patrões, que também foram chamados ao local, e os paramédicos do INEM, que a transportaram para o interior da ambulância, os quais não falaram com ela, tendo ideia que falaram apenas com os patrões.
Referiu que não se apercebeu como a Autora caiu, pois já a encontrou no chão, e que mais ninguém viu, pois foi a primeira pessoa a chegar junto dela, tendo depois surgido um funcionário de nome DD.
Acrescentou que nos dias seguintes se deslocaram à empresa umas pessoas que lhe fizeram perguntas sobre o acidente, e que lhes descreveu o que presenciou, sendo que em momento algum referiu, quer a estas pessoas, quer aos colegas de trabalho, quer aos patrões, que a Autora teve uma quebra de tensão e caiu, uma vez que desconhece as causas da queda.
Precisou ainda que no local onde a Autora se encontrava caída não havia óleo, mas junto à máquina havia restos de óleo no chão e era também frequente existirem aparas, que eram projetadas pelas máquinas durante a sua laboração.
Mais ressalvou que a Autora nunca teve quebras de tensão no local de trabalho e que não lhe conhecia qualquer problema de saúde de que decorressem tais consequências.
Este depoimento mostrou-se sério, espontâneo, assertivo e desinteressado, pelo que o valoramos positivamente, assim reforçando a credibilidade que já nos haviam merecido as declarações da Autora.
Foram ainda tomadas declarações à testemunha MM, que à data dos factos era o legal representante da sociedade “A...”, cargo que ocupou até há dois anos. O mesmo esclareceu que não presenciou o evento que vitimou a Autora nas instalações da empresa, uma vez que estava a almoçar, tendo sido chamado ao local, pelo que tentou inteirar-se do que havia sucedido junto da funcionária CC. Esta ter-lhe-á transmitido que a AA estava a trabalhar na máquina e de repente caiu para o lado, tombando para dentro do recipiente onde caem os garrafões produzidos pela máquina, pelo que, com base nestas declarações, referiu à ACT que a mesma sofreu uma quebra de tensão. Disse também que os funcionários comentaram que a Autora andava muito nervosa por causa do divórcio.
Porém, nesta parte, as suas declarações, em si mesmas incongruentes e claramente comprometidas, resultaram inequivocamente infirmadas pelo depoimento da testemunha CC, que nos mereceu total credibilidade, atentos os motivos supra expostos.
A testemunha negou ainda que tenha falado com os bombeiros que socorreram a Autora, mais referindo que desconhece quem estabeleceu contacto com eles, tanto por contacto telefónico como no local.
Admitiu, no entanto, e a muito custo, que o evento lesivo ocorreu no tempo e local de trabalho da Autora, no decurso da prestação da sua atividade profissional, e que a máquina que a Autora se encontrava a operar na altura vertia óleo.
A respeito da participação do acidente à companhia de seguros, referiu que não achou relevante participar naquele dia nem nos dias seguintes por não lhe ter atribuído gravidade suficiente. Só mais tarde é que veio a saber que era mais grave do que pensava, e então participou, tendo dado indicações ao contabilista para o fazer, e limitando-se a assinar, pelo que a descrição do acidente que dela consta é da total responsabilidade daquele.
Não concretizou, no entanto, como é que soube da gravidade do estado da Autora, negando que a filha se tenha deslocado às instalações da empresa, o que esta confirmou, e do que nos convenceu. Também não concretizou o motivo por que foi desencadeada uma inspeção da ACT ao local, não admitindo que só efetuou a participação depois de ter sido instado para o efeito por esta autoridade, e de lhe ter sido levantado o correspondente auto de contraordenação, como decorre expressamente do inquérito de acidente de trabalho da ACT constante de fls. 160 a 168, e decorreu do depoimento da testemunha EE, inspetora do trabalho que o elaborou.
Com efeito, a testemunha EE esclareceu que a inspeção ao local de trabalho da Autora foi desencadeada por queixa de um familiar, e que, uma vez no local, tentou apurar as causas do acidente e fazer um levantamento das condições de laboração, que qualificou de extremamente precárias.
A respeito destas, verificou que a máquina que estaria a ser operada pela Autora no momento do acidente não tinha certificado de verificação e manutenção, que vertia óleo, tendo cartões colocados por baixo para absorver esses resíduos, que os trabalhadores laboravam sentados em grades de refrigerantes a servir de bancos, que não eram usados quaisquer equipamentos de proteção individual, concretamente calçado de segurança, essencial para prevenir a queda por escorregamento, que não existiam vias de circulação definidas entre as máquinas, que os locais de passagem estavam obstruídos com diversos materiais e objetos, e que existiam detritos de plástico no chão projetados pelas máquinas durante a sua laboração.
Relativamente às causas do acidente, apurou versões contraditórias. Por um lado, os trabalhadores que prestaram socorro a vítima referiram-lhe que não presenciaram a queda e que a encontraram caída de bruços sobre o recetáculo onde caem os garrafões fabricados pela máquina, e por outro lado o patrão insistia que a mesma havia sofrido uma quebra de tensão, que lhe determinou a queda, razão pela qual entendia não dever participar à companhia de seguros. Já a trabalhadora, que inquiriu algum tempo depois, descreveu que escorregou em algo e caiu, embatendo com a face no recetáculo da máquina, acabando por desmaiar na sequência do traumatismo.
Confirmou que, em face das várias não conformidades que constatou, levantou autos de contraordenação, incluindo por falta de participação do acidente à entidade responsável, a qual a entidade patronal veio a efetuar a posteriori.
Tal depoimento, porque irrepreensivelmente sério, isento e desinteressado, mereceu-nos em si mesmo total credibilidade, sendo ainda coincidente com o relatório que ao tempo elaborou, e cujo teor confirmou. Corroborou ainda a versão dos factos da Autora no que concerne à descrição do acidente e das condições do local de trabalho, infirmando, por sua vez, as declarações do legal representante da entidade patronal.
O depoimento da testemunha MM foi ainda infirmado pela testemunha NN, à data contabilista e mediador de seguros da “A...”, que esclareceu que efetuou a participação do acidente à companhia de seguros logo que o mesmo lhe foi reportado pelo legal representante da empresa, e de acordo com a descrição que este lhe transmitiu, por isso fez aí constar, pelo seu próprio punho que “por indicação da sinistrada na data de hoje 28/03/2017 e por não termos presenciado o acidente, ela informou via telefone que teve uma queda quando estava na máquina”, e que a tarefa que executava era a de “meter rótulos nos garrafões e embalagens” (cfr. participação de fls. 12 e 13). Disse ainda que o mesmo lhe referiu que a Autora tinha sofrido uma queda, mas que podia não ter sido um acidente pois os colegas comentavam que ela andava com uns problemas pessoais.
Negou que tenha contactado telefonicamente a Autora, o que nos convenceu, na medida em que é manifesto que a testemunha não tinha qualquer interesse em fazer constar da participação ao seguro uma descrição desfavorável à sinistrada e que pudesse conduzir a que a seguradora declinasse a responsabilidade, como veio a suceder.
Já a testemunha MM parece que tinha todo o interesse em criar a versão de que a Autora não havia sofrido qualquer acidente, mas um desmaio ou síncope determinada por uma quebra de tensão, versão que manifestamente não lhe foi transmitida pela Autora nem por qualquer funcionário aquando do evento lesivo, e que foi veiculada perante os meios de socorro.
Assim, no contacto que foi estabelecido com o INEM a ocorrência que foi transmitida foi a de queda e de trauma, como decorre de fls. 462 verso e 463. Porém, a informação que consta do verbete do socorro de fls. 462, que foi preenchido no local, é a de que a vítima sofreu uma doença súbita. Tal informação não foi transmitida aos assistentes operacionais pela Autora, que estava inconsciente, e também não corresponde à verdade, porquanto neste momento as causas da queda eram desconhecidas. Note-se que a Autora estava inconsciente e que a funcionária que se encontrava mais próxima dela encontrou-a já caída, e não consegue concretizar os motivos que determinaram a queda.
A este respeito também foi inquirida a testemunha FF, assistente operacional, e que, segundo a informação prestada aos autos pelos Bombeiros ..., participou no socorro à Autora juntamente com OO.
Muito embora não se recorde do evento em concreto, descreveu o modo como os paramédicos do INEM procedem sempre que são acionados, o que fez de modo escorreito e objetivo, esclarecendo que não fazem menção no relatório se a informação aí vertida foi prestada pela própria vítima ou por pessoas próximas, e que dão as primeiras informações à triagem quando chegam ao hospital, fazendo a entrega do verbete de socorro.
Deste modo, foi com base nas declarações destes paramédicos e no teor do verbete de socorro que foi elaborada a nota de triagem constante de fls. 134, da qual resulta, como “fluxograma”, estado de inconsciência/síncope, e como “queixas”, síncope há cerca de 30 minutos; autolimitada; traumatismo facial subsequente.
Esta informação prestada à triagem e que se faz constar como motivo de admissão encontra-se, pois, inquinada, porque baseada em declarações falsas prestadas aos profissionais do INEM por quem não presenciou a queda e desconhecia as causas que a determinaram.
Nesse sentido, não atribuímos qualquer relevo às informações constantes do verbete de socorro e da nota de triagem, a respeito das causas que determinaram a queda da Autora, infirmadas que foram pelas declarações desta e da testemunha CC.
Pelos mesmos motivos, a informação clínica de fls. 135 a 137, elaborada aquando do atendimento no serviço de urgência do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, também se encontra inquinada quanto ao motivo de admissão da Autora, constando que esta foi trazida por episódio de síncope no local de trabalho, conclusão claramente retirada das notas da triagem.
A este respeito foram tomadas declarações à testemunha GG, médica que elaborou tal informação, que começou por referir ao tribunal que não se recordava da situação em concreto, o que bem se compreende, atento o lapso temporal entretanto decorrido.
No entanto, esclareceu que normalmente a anamnese do paciente é redigida por si, com base no que lhe é transmitido por este, e no que consta das notas da triagem, pelo que parte do princípio que o que ali fez constar corresponde ao que na altura percecionou e ao que lhe foi dito.
No decurso do seu depoimento referiu que afinal já se recordava de alguns contornos deste caso, e esclareceu então que a Autora estava deitada numa maca e a queixar-se de dor no maxilar, que evidenciava algumas dificuldades de expressão devido às dores e à limitação dos movimentos da mandíbula, mas o seu discurso era percetível, e que lhe transmitiu que havia caído no local de trabalho, que estava a trabalhar e de repente caiu, que não se recordava de como caiu e que foi encontrada caída com a cara sobre o objeto de trabalho.
Ora, tais declarações causaram-nos alguma estranheza, pois não constam das notas clínicas que ao tempo elaborou informações tão detalhadas do que ocorreu no local de trabalho da Autora.
Depois, a própria testemunha admitiu que a referência a síncope já vinha da triagem, e que podia ter decorrido do que a Autora disse ou do que os colegas de trabalho poderiam ter percecionado.
Também referiu que se na triagem fosse dada indicação que a Autora sofreu um trauma como consequência de uma queda, e não síncope, então aquela teria sido encaminhada para a área de trauma, e nunca teria sido atendida por si, que é da área da medicina interna.
Nesse sentido, admitiu que a anamnese pode não ter sido bem esclarecida na triagem.
Como já referimos supra, não atribuímos qualquer relevo às informações vertidas na nota de triagem, porque baseadas em declarações falsas, que vieram a ter consequências até no atendimento prestado à Autora na urgência. Nem se compreende sequer a razão pela qual não foi encaminhada para a área de trauma, pois para além das referências a história de perda de consciência e de síncope, também se refere traumatismo facial subsequente.
Ora, foram evidentes as contradições patenteadas no discurso da testemunha GG, que tanto disse uma coisa como o seu contrário, pelo que não podemos atribuir credibilidade a tal depoimento, sendo muito pouco provável que se recorde com nitidez de um atendimento de urgência ocorrido há mais de sete anos.
Por outro lado, das declarações da Autora, corroboradas pela testemunha BB, resulta que a mesma não conseguia expressar-se convenientemente, o que aliás consideramos muito mais plausível, atento o traumatismo que evidenciava, com limitações na abertura da boca e dores intensas.
Note-se ainda que a testemunha GG evidenciou algumas dificuldades em entender o português e em expressar-se em português, visto que é de nacionalidade moldava, pelo que muito dificilmente poderia ter percebido o pouco que a Autora conseguia transmitir, dado o estado em que se encontrava.
Neste sentido, consideramos que as declarações da Autora e da testemunha infirmam claramente o teor dos registos clínicos de fls. 134 a 139, no que se refere à anamnese do evento.
As informações inquinadas, vertidas na nota de triagem e na nota de transferência do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, constam também do relatório de urgência do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/... (cfr, fls. 93 a 100), que na parte da história do evento se baseou inevitavelmente na documentação clínica que acompanhou a paciente, assim transcrevendo que a mesma foi transferida na sequência de queda no trabalho na sequência de síncope, o que julgamos não corresponder à verdade, pelos motivos já supra expostos.
Os registos clínicos da Autora relativos ao episódio de urgência de 17/03/2017, ao internamento que se sucedeu e às intervenções cirúrgicas a que foi submetida foram totalmente escalpelizados em audiência de julgamento.
Foram desde logo corroborados pela testemunha II, cujo conhecimento dos factos decorre de ter intervindo na primeira cirurgia plástica a que a Autora foi submetida, e que, tendo consultado o processo clínico da mesma, relatou ao tribunal o que dele consta, confirmando o teor do relatório de fls. 253 verso, que elaborou com base nessa informação.
Esclareceu que não se recorda do que lhe foi transmitido pela Autora, sendo que fez constar que a mesma revela amnésia para o sucedido, por tal constar desde logo do relatório de urgência.
Mais afirmou que, em situações de trauma, é muito frequente que a pessoa revele amnésia no momento da ocorrência do evento traumático, mesmo quando não ocorre traumatismo craniano, pois normalmente está confusa, assustada, com queixas dolorosas intensas, e que posteriormente, depois da fase aguda, vá reconstituindo a memória, e consiga descrever o sucedido.
Nesse sentido, o facto de a Autora verbalizar amnésia para o sucedido no contexto do atendimento de urgência não inviabiliza que posteriormente se recorde, sendo ainda muito provável que os profissionais de saúde que lhe prestaram cuidados não tenham conseguido perceber o que dizia, dadas as dificuldades de expressão que evidenciava, por ter fraturado a mandíbula, a que já sobejamente aludimos.
(…)
Os registos clínicos da Autora, constantes de fls. 548 a 561, relativos ao seguimento em unidade de saúde familiar, e os constantes de fls. 563 a 571, relativos ao seguimento no CHVNG/E, foram, também estes, totalmente escalpelizados em audiência de julgamento, analisando todas as patologias e queixas, todo o acompanhamento médico e toda a medicação prescrita, no sentido de procurar evidências clínicas de que a queda da Autora se ficou a dever a uma síncope lipotímica.
No entanto, dos mesmos não ressaltaram quaisquer evidências clínicas nesse sentido, mas apenas referências a patologias que em abstrato são suscetíveis de desencadear síncopes. Por outro lado, não estão registadas quaisquer queixas da Autora referentes a síncopes ou lipotimias. É certo que, num registo clínico posterior ao acidente, há referências a deslocação ao serviço de urgência por lipotimia e crise convulsiva, mas que, sendo posterior, não pode ter qualquer relação causal com o acidente. O mesmo se diga quanto à ocorrência de tromboembolia na sequência de intervenção cirúrgica, em momento posterior ao acidente.
Isto mesmo foi confirmado pela testemunha PP, médica de família da Autora no período compreendido entre 1985 e 2021, que confirmou os registos de consultas que lhe foram exibidos, e que reiterou que a Autora nunca lhe reportou queixas de perda de sentidos, nem considera que as patologias de que padece fossem suscetíveis de desencadear episódios deste tipo, uma vez que não tem qualquer historial de doenças cardíacas, neurológicas, psiquiátricas, ou outras que os justifiquem, nem estava medicada com medicamentos suscetíveis de os desencadear. Relativamente à patologia do foro depressivo, afirmou que a Autora não é uma pessoa cronicamente depressiva, apenas lhe reportou queixas pontuais de alguma ansiedade, para as quais prescreveu medicação também pontualmente.
Tal depoimento mereceu-nos inteira credibilidade, atento o modo sério e desinteressado com que depôs, e o conhecimento que tem da situação clínica da Autora, pelo largo período de tempo em que a acompanhou.
Conjugadas, pois, as declarações da Autora com os depoimentos produzidos e os elementos documentais constantes dos autos nos termos supra expostos, apelando ainda às regras da experiência e da normalidade do acontecer, dúvidas não restaram ao Tribunal de que, 15 de Março de 2017, pelas 13h.25m, a Autora sofreu um acidente no seu local de trabalho, enquanto prestava a sua atividade, nos termos por si alegados e descritos, tendo escorregado numa mancha de óleo e numa apara de asa de garrafão que se encontravam no chão, o que lhe provocou uma queda com embate violento da face no piso, tendo ficado inanimada (pontos 5º, 6º e 7º da factualidade provada).
Em consequência, não se provou que a queda sofrida pela Autora tenha ocorrido em consequência de uma síncope lipotímica de que foi acometida, que a Autora se tenha levantado e ato contínuo tenha caído desmaiada, e que, junto ao local onde a Autora desenvolvia a sua atividade, naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, não existissem manchas de óleo no chão (alíneas a), b) e c) da factualidade não provada).»
O raciocínio do tribunal “a quo” é claro, lógico, coerente e sustentado nos meios de prova produzidos, de tal forma que, do nosso ponto de vista, depois de ouvida e analisada a prova produzida, a alegação da recorrente, sustentada nos mesmos meios de prova considerados e interpretados pelo tribunal “a quo”, não permite que se possa concluir no sentido pela mesma indicado.
Na verdade, reitera-se que as declarações de parte prestadas pela autora devem ser valoradas no sentido que lhes foi dado pela 1.ª instância, atento a maneira como foram prestadas, de forma circunstanciada no tempo e lugar e de forma pormenorizada quanto ao modo. Ainda que mais ninguém tenha assistido à ocorrência da queda e ao que a antecedeu (daí a maior relevância das declarações), a confirmação de que a máquina estava a verter óleo, de que após a queda havia óleo ao pé da máquina, a ausência de utilização de botas de proteção, bem como, ao contrário do alegado pela recorrente, a inexistência de qualquer prova de episódios anteriores de desmaio, de que a autora tivesse sofrido uma quebra de tensão, bem como ausência de prova quanto à pré-existência de doença, em concreto, que fosse causa de desmaio ou de síncope lipotímica, são suficientes para conferir um maior grau de verosimilhança aos factos tal como relatados pela autora.[16]
Acresce que, também ao contrário do alegado pela recorrente, se considera que as declarações de parte da autora não foram infirmadas pela prova documental, designadamente pelos registos relativos ao seu socorro e atendimento hospitalar, como ficou bem patente, e nos dispensamos de repetir por nada haver a acrescentar, na motivação da decisão acima transcrita.
Improcede, pois, a impugnação da decisão quanto ao ponto 7º da matéria de facto provada e quanto à alínea a) da matéria de facto não provada.
A recorrente discorda também da decisão quanto ao ponto 9º dos factos provados, pretendendo que o segmento desmaiada seja removido, invocando que as declarações de parte da autora não o confirmaram, como não o confirmou o depoimento da testemunha CC, nem o boletim do INEM, no que obteve a concordância do MP.
É a seguinte a redação do ponto 9º
“Deu entrada no Serviço de Urgência da referida entidade hospitalar desmaiada, onde realizou um TAC maciço facial, e foi transferida no mesmo dia para o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/..., EPE, para ser observada na especialidade de cirurgia plástica.”
E a decisão mostra-se fundamentada nos seguintes termos:
“Da conjugação das declarações da Autora com os elementos documentais relativos ao transporte pelo INEM, a nota de transferência do CHEDV, o relatório de urgência do CHVNG/E, os diários clínicos de fls. 102 a 103, e de fls. 154 a 157, e as informações clínicas de fls. 473 a 547 resultou ainda a prova dos factos descritos no pontos 8° e 9°”.
Ora, a recorrente considera que as declarações da autora não “apontam nesse sentido, dizendo a autora apenas que acordou no hospital, sem precisar se apenas já lá dentro, se quando estava a ser retirada da ambulância, ou em qualquer outra altura, inexistindo meios de prova, quer documental, quer testemunhal, nesse sentido, que a testemunha CC, que esteve com a autora até ser retirada pela ambulância, afirmou que a autora esteve inconsciente até esse momento, mas é certo que a autora despertou porque com as declarações da própria teve a perceção de que esteve numa maca, nos corredores, em que pedia ajuda aos profissionais de saúde antes de ser vista pelos mesmos. E dos depoimentos das testemunhas BB, a filha da autora e GG, médica que a recebeu na urgência, resulta que a autora estava acordada e a comunicar com as mesmas no hospital.
Invoca ainda o que resulta do verbete de socorro e a informação prestada pelo INEM e por fim do auto de exame médico de 24/03/2018.
Começando pelo auto de exame, o mesmo limita-se a reproduzir informação prestada pelo serviço de urgência do CHEDV, que por sua vez reproduz a informação da Diretora do serviço de urgência, que não examinou a autora, pelo que não reveste qualquer utilidade.
Os depoimentos as testemunhas BB e GG, em nada permitem determinar se a autora só acordou no hospital como a mesma afirmou ou não, pois, os respetivos contactos com a autora foram posteriores à sua chegada ao hospital. De resto, a própria autora afirmou ter a noção de que esteve numa maca, nos corredores, em que pedia ajuda aos profissionais de saúde antes de ser vista pelos mesmos. Ou seja, esteve à espera de ser avaliada na urgência e só depois falou com a filha e com a médica.
O depoimento da testemunha CC, em nada contradiz as declarações da autora, pois limitou-se a afirmar o estado de inconsciência da autora até chegar a ambulância, desconhecendo o que se passou daí em diante.
A referência constante da informação prestada pelo INEM de que às 13h44m o estado da autora era de consciência, desconhece-se como foi obtida, pois, o contacto estabelecido com o IEM foi telefónico, não se sabendo quem o estabeleceu, quem deu as informações, e quais as informações prestadas. Por outro lado, às 13h44m os bombeiros ainda não tinham chegado ao local.
O único meio de prova relevante nesta parte é o constante do ponto 11 do verbete de socorro, do qual resulta que foi efetuado um exame preliminar à autora no local, o que corresponde ao procedimento confirmado pelo depoimento da testemunha FF, um dos bombeiros que socorreu a autora, que apesar de não ter qualquer recordação do episódio em concreto, esclareceu de forma precisa o dito procedimento, não havendo qualquer motivo para admitir que tal exame não tenha sido realizado, até porque é imprescindível para determinar se são necessários cuidados mais diferenciados.
Ora na sequência do exame preliminar, o que foi constatado e consta do verbete foi que, nesse momento a autora estava consciente, ou seja, naquele momento a autora já não estaria desmaiada, pelo que independentemente do mais referido, tem razão, a recorrente devendo ser eliminado do ponto 9º dos factos provados o segmento “desmaiada”.
A redação do ponto 9º passa, pois, a ser a seguinte:
“Deu entrada no Serviço de Urgência da referida entidade hospitalar, onde realizou um TAC maciço facial, e foi transferida no mesmo dia para o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/..., EPE, para ser observada na especialidade de cirurgia plástica.”
Tal alteração não significa, contudo, como pretende a recorrente em resposta ao parecer do Ministério Público, a alteração da decisão relativa ao ponto provado 7º e à alínea não provada a) seja pelos motivos que já acima referimos a esse respeito corroborando a decisão recorrida, seja porque o facto de se admitir que no momento do exame preliminar efetuado pelos bombeiros no local, a autora estivesse consciente, não põe em causa nada do ali afirmado quanto às circunstâncias em que ocorreu o acidente, deixando intocada, na nossa opinião, a credibilidade do depoimento da autora.
Veja-se que a autora foi considerada pelo INEM confusa, agitada, sonolenta e prostrada e que não foi a autora que referiu que estava desmaiada, mas apenas que não se recorda de ter ido para o hospital de ambulância e que teve a perceção de estar numa maca, não sendo a afirmação de que acordou no hospital utilizada necessariamente em sentido médico-científico.
A recorrente impugna também a decisão relativa ao ponto 14º dos factos provados.
O que foi considerado provado foi que “Em virtude da cirurgia referida em 13°, a Autora teve uma complicação de tromboembolismo pulmonar, tratado com hipocoagulação (rivaroxabano), sendo seguida na consulta de medicina interna, onde realizou diversos exames para definição da causa e despistes de patologia condicionante.”
A recorrente pretende que deste ponto da matéria de facto seja retirado o segmento “Em virtude da cirurgia referida em 13º”, alegando que nenhuma prova foi produzida no sentido afirmado pelo tribunal e existindo prova documental no sentido de que a autora era portadora de riscos de trombofilia endógenos sem qualquer relação com a matéria em discussão.
Caso assim não se entenda a recorrente pretende que a redação seja alterada nos seguintes termos:
“Em virtude da cirurgia referida em 13º, da toma de anticocecional oral de estrogénio e da trombofilia hereditária, a autora teve complicação de tromboembolismo pulmonar.”
Não se encontra na sentença motivação clara quanto à decisão relativa à matéria do ponto 14º, designadamente quanto à relação de causalidade entre a cirurgia a que a autora foi submetida em 02/10/2018 e o tromboembolismo pulmonar que sofreu.
Depreende-se, contudo, da afirmação feita a fls. 24, a propósito da exclusão do “desmaio” como causa da queda, que a Mm.ª Juiz “a quo” se baseou no documento de fls. 539.
De tal documento resulta que a autora teve tromboembolia pulmonar em outubro de 2018, medicada inicialmente com enoxaparina, posteriormente alterada para rivaroxabano; que a autora realizou diversos exames para definição da causa e despiste de patologia condicionante; que a autora apresentava como fatores de risco para doença trombo-embólica venosa, história precedente de intervenção cirúrgica major (reconstrução de anquilose bilateral das articulações temporo-mandibulares pós-fraturas condilianas, com enxerto costocondral) + toma de anticoncecional oral estrogénico (que entretanto suspendera); que o estudo efetuado permitiu identificar uma trombofilia hereditária (apresenta polimorfismos na região promotora do gene da Proteína C, os quais são passíveis de condicionar défice de proteína C), excluindo-se entretanto outras trombofilias major e que considerando a história de TEP em doente com uma trombofilia hereditária capaz de condicionar défice de proteína C, manteve a medicação com rivaroxabano.
Tais constatações clínicas não permitem do nosso ponto de vista assentar a conclusão de que o tromboembolismo pulmonar ocorreu em virtude da cirurgia, mas apenas que ocorreu depois dela, sendo esta um dos fatores de risco relevantes, a par de outros.
Nada mais de relevante se apurou com base noutros meios de prova, a não ser a ausência de qualquer registo clínico de tromboembolismo anterior (cfr. registos clínicos da autora, constantes de fls. 548 a 561, relativos ao seguimento em unidade de saúde familiar e confirmados pela testemunha, confirmados pela testemunha PP, médica de família da autora no período compreendido entre 1985 e 2021, que confirmou os registos de consultas).
Afigura-se-nos, pois, que a discordância da recorrente é, pelo menos, parcialmente justificada, alterando-se a redação dada ao ponto 14º, nos seguintes termos:
“Tendo a autora trombofilia hereditária, a cirurgia referida em 13.º e a toma de anticoncecional oral, constituíram fator de risco para o tromoboembolismo pulmonar que a autora sofreu em outubro de 2018.”
A impugnação incide finalmente sobre os pontos 22º, 23º, 24º e 26º dos factos provados, que a recorrente pretende que sejam considerados não provados, por entender que da posição dos peritos invocada pelo tribunal na fundamentação da decisão apenas resulta indefinição da conclusão quanto ao nexo causal das lesões sofridas, quer da síncope, quer da queda, não estando por isso reunidos os pressupostos para que se estabeleçam períodos de IT´s, data da alta e se avalie a IPP, que o tribunal errou ao considerar provados tais factos consequência de acidente que os peritos admitem não ter elementos para aferir se ocorreu e que a posição da médica que interveio na junta em representação da seguradora no sentido defendido pela recorrente, com base nos elementos clínicos constantes dos autos é de sobrelevar.
É a seguinte a redação dos pontos impugnados:
“22º- Como consequência direta e necessária do evento referido em 7º, a Autora esteve afetada de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, de 16/03/2017 a 31/12/2017.
23º- Como consequência direta e necessária do evento referido em 7º, a Autora esteve afetada de incapacidade temporária parcial para o trabalho de 50%, de 01/01/2018 a 23/09/2020.
24º- A Autora teve alta clínica a 23/09/2020.
(…)
26º- Em consequência das sequelas referidas em 25º, a Autora é portadora da incapacidade permanente parcial (IPP) de 21,75%, desde o dia imediato ao da alta.”
Na motivação da decisão de facto encontra-se, com relevo, o seguinte:
“Por outro lado, a queda é adequada a produzir o traumatismo facial que a Autora sofreu, atenta a dinâmica pela mesma descrita, e uma queda seguida de trauma violento é ainda causa adequada a desencadear uma síncope, pelas dores intensas que provoca.
A este respeito pronunciaram-se os senhores peritos que subscreveram o auto de exame por junta médica constante de fls. 4 a 5 do Apenso A, os quais unanimemente consideraram que a Autora sofreu um traumatismo do maxilar inferior com fratura bilateral subcondiliana e luxação com desvio medial e anterior dos côndilos, e quanto às causas da queda da Autora afirmaram que a mesma tanto é compatível com a descrição da Autora, de que escorregou e caiu, como pode ter decorrido de uma causa endógena que a fez perder os sentidos, como uma síncope lipotímica. A perda dos sentidos pode ser originada por muitas causas, podendo estar relacionada com alterações da tensão arterial, glicemias ou alterações de ritmo cardíaco, ou outros fatores, tais como episódios de dor aguda.
Em esclarecimentos prestados em audiência de julgamento mantiveram a posição assumida na junta médica, tendo os senhores peritos Dra. KK (nomeada à sinistrada) e Dr. LL (nomeado pelo tribunal) reiterado que não conseguem concluir se aqueda decorreu de uma síncope ou se a síncope foi uma consequência da queda, sendo ambas as hipóteses admissíveis do ponto de vista médico.
Explicaram ainda as razões pelas quais não acompanharam as ressalvas efetuadas no auto de junta médica pela senhora perita indicada pela Ré “B... – Companhia de Seguros, S.A.”, Dra. HH, no sentido da existência de condições de saúde prévias da Autora que favoreciam a ocorrência de síncope, uma vez que dos mesmos não consta que a Autora alguma vez tenha sofrido uma síncope, assim como é a própria Autora que refere que sofreu uma queda, na sequência do que perdeu os sentidos, e não o contrário.
A senhora perita indicada pela Seguradora sustentou também as conclusões unânimes que fez verter no auto de junta médica e manteve as ressalvas quanto às causas da queda, apoiando-se no relatório do atendimento de urgência, onde há referência a um episódio de síncope no local de trabalho, nos registos clínicos do centro de saúde, anteriores ao acidente, nos quais são aludidas diversas patologias suscetíveis de desencadear situações de perda de consciência, como a perturbação depressiva e o transtorno de humor, e em registos clínicos posteriores ao acidente, onde há referências a deslocação ao serviço de urgência por lipotimia e crise convulsiva (a 28/12/2021) e a tromboembolia na sequência de intervenção cirúrgica (cfr. fls. 539), alteração sanguínea que, na sua opinião, pode ser causa de síncope.
Pronunciou-se ainda quanto às condições do local de trabalho da sinistrada observadas nos registos fotográficos juntos aos autos, concluindo que o espaço era muito exíguo e não permitia condições de escorregar e cair.
Ora, entendemos que tais considerandos, para além de extrapolarem totalmente o âmbito da resposta aos quesitos, carecem em absoluto de qualquer sentido, pois afigura-se-nos que o espaço que é necessário para escorregar e cair é o mesmo que para sofrer uma síncope e cair. Tanto mais que os registos fotográficos não evidenciam a dinâmica da queda nem permitem ter um enquadramento do espaço envolvente à máquina que a Autora se encontrava a operar. Acresce que tais considerandos de natureza conclusiva e hipotética são totalmente infirmados pelo depoimento da testemunha EE que, tendo-se deslocado ao local de trabalho da Autora, afirmou categoricamente que as condições do mesmo favoreciam o escorregamento e a queda, tendo em conta que existia óleo e aparas de plástico no chão, e os trabalhadores não usavam botas de trabalho.
Já no que concerne às causas que determinaram a queda, continuamos no campo das hipóteses, uma vez que, tal como concluíram unanimemente os senhores peritos, tanto é possível estabelecer nexo de causalidade entre um escorregamento com queda e um traumatismo do maxilar, como entre uma síncope lipotímica seguida de queda com um traumatismo do maxilar.” (…)
“No que respeita às lesões sofridas pela autora e às sequelas de que padece, bem assim os períodos de incapacidade temporária e data da alta, o tribunal fundou a sua convicção no teor do auto de exame por Junta Médica de fls. 4 a 5 do Apenso A e nas conclusões aí plasmadas, de forma unânime, pelos Senhores Peritos, não havendo motivos para reconsiderar a decisão proferida, neste conspecto, no Apenso A, que se mantém (ponto 10º e pontos 22º a 25º da factualidade provada).
Já no que concerne à IPP de que a Autora ficou afetada, em consequência das sequelas de que padece, em face dos esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos intervenientes na Junta Médica da Especialidade de Cirurgia Maxilo-Facial em audiência de julgamento, impõe-se reconsiderar a decisão proferida no apenso de fixação da incapacidade. Com efeito, os senhores peritos admitiram ter incorrido em lapso na aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades, uma vez que desvalorizaram as sequelas da Autora por aplicação do Capítulo XV 1.2.1 b), quando deviam ter considerado a alínea a), porquanto, evidenciando a mesma deformação da arcada dentária com dificuldade da mastigação, tal deformação não acarreta perturbação estética que influa no desempenho do seu posto de trabalho, uma vez que é operária fabril.
Nesse sentido, procederam à reformulação dos cálculos e concluíram, de forma unânime, que a Autora se encontra afetada de uma Incapacidade Permanente Parcial de 21,75%.
De acordo com o disposto no artigo 388.º, do Código Civil, “a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devem ser objeto de inspeção judicial”, sendo que, em sede de acidentes de trabalho, é legalmente imposta a realização de exames médicos com vista ao apuramento das lesões sofridas pelo sinistrado, nexo causal com o acidente de trabalho e as incapacidades provocadas por aquelas (cfr. artigos 101.º, 105.º, 117.º, 138.º e 139.º, todos do Código de Processo do Trabalho), por se tratar de factos que pressupõem conhecimentos médicos que o julgador não domina, não podendo este utilizar a sua ciência privada e substituir-se aos peritos.
Assim, o resultado da avaliação pericial, apesar de não constituir um juízo vinculativo do Tribunal (artigo 389.º, do Código Civil e artigos 489.º e 607.º, n.º 5, ambos do CPC), é-lhe de grande auxílio, uma vez que importa para os autos os elementos objetivos e técnicos imprescindíveis à formação da convicção do julgador, sobretudo se se verificar a carência de outros elementos objetivos que permitam outra conclusão.
Neste caso, dos autos não resultam elementos que permitam ao tribunal divergir do enquadramento feito pelos Srs. Peritos, por unanimidade, o qual se encontra fundamentado e sustentado na TNI, devidamente explicado e retificado o erro de enquadramento ocorrido aquando da realização da junta médica da especialidade de cirurgia maxilo-facial, pelo que seguimos o mesmo, assim dando como provado o facto vertido no ponto 26º da factualidade provada.”
Adiantamos já que concordamos com a decisão do tribunal “a quo”, inexistindo motivo para a sua alteração, nesta parte.
De facto, importa começar por dizer que, ao contrário do alegado pela recorrente, o facto de os srs. Peritos médicos não terem elementos para aferir as concretas circunstâncias em que o evento dos autos ocorreu, nunca poderia determinar que os mesmos não se pronunciassem sobre as lesões, sequelas, períodos de incapacidade temporária, data da alta e incapacidade da autora.
A ocorrência do acidente não constitui, nem pode constituir, objeto da perícia no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho, pelo que a pronúncia exigível aos srs. peritos quanto às lesões, sequelas, incapacidades e alta terá sempre na base a eventual ocorrência do acidente tal como descrito pelas partes, estando a prova do mesmo reservada àquela que ocorrerá em audiência de julgamento. Nessa medida, e naquela em que os srs. Peritos foram unânimes, nenhum reparo há a fazer à decisão relativa aos concretos períodos de incapacidade temporária (parte final dos pontos 22.º e23º), quanto à data da alta (ponto 24º) e quanto à fixação de IPP (parte final do ponto 26.º).
Quanto ao mais, isto é, quanto ao estabelecimento da causalidade entre o evento tal como referido no ponto 7º, e os períodos de incapacidade temporária e a incapacidade permanente, a recorrente lavra em erro manifesto.
É inequívoco nos autos que a autora, fosse em consequência de “desmaio”, fosse em consequência de ter escorregado, caiu e bateu violentamente com a face no piso. E resultou também inquestionado pelos peritos médicos, que nessa parte assumiram posição unânime, e pelos registos clínicos constantes dos autos, que em consequência da queda a autora sofreu lesões que são causa das sequelas a que se refere o ponto 25º dos factos provados.
A discussão sobre a causa da queda é totalmente alheia ao juízo técnico-científico a proferir pelos peritos médicos no âmbito da junta médica.
A recorrente confunde a prova do evento com a prova do nexo causal entre o evento e as lesões/sequelas sofridas pela autora. Quanto à prova do evento já nos pronunciámos supra, quanto à prova do nexo causal, no seu sentido naturalístico, entre o evento e as lesões/sequelas pronunciaram-se os srs. peritos unanimemente afirmando-a entre a queda e as lesões/sequelas e admitindo como possível que a queda tanto podia ter sido consequência do “desmaio” prévio, como de a autora ter escorregado (e mais não lhes era exigível estando o evento ainda em causa no momento da realização da perícia).
Improcede, pois, a impugnação nesta parte.
A pretensão da recorrente dependia em absoluto da procedência da impugnação da matéria de facto quanto ao ponto 7º e à alínea a), pois tinha como pressuposto a prova de que a queda da autora adveio de uma síncope e não de que a mesma tenha escorregado.
Uma vez que a decisão da matéria de facto se quedou inalterada, inexiste qualquer fundamento para a modificação do decidido em 1.ª instância relativamente à qualificação do evento como acidente de trabalho.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
Ora, resulta da matéria de facto provada que, em consequência da queda, a autora sofreu lesões (fraturas subcondilianas bilaterais, com luxação de ambos os côndilos) das quais advieram sequelas (apresenta limitação da abertura da boca a 28° mm, com dor à mastigação e sem alterações de linguagem) que lhe determinam incapacidade para o trabalho, ou seja, ao contrário do alegado pela recorrente, está estabelecido o nexo naturalístico (que consiste em saber se o facto praticado pelo agente, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano e pertence ao domínio da questão de facto[17]) entre o evento e as lesões.
É certo que, não basta que o evento tenha produzido, naturalisticamente, certo efeito, para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele, sendo ainda necessário que o evento danoso seja uma causa provável desse efeito, ou que não existam quaisquer elementos que conduzam à conclusão de que para a produção do dano contribuíram decisivamente circunstâncias anormais, atípicas, excecionais, extraordinárias ou anómalas.
Na verdade, a nossa lei adotou a formulação negativa (mais ampla) da teoria da causalidade adequada, segundo a qual o facto que atuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação do efeito.
E no caso dos autos, dúvidas não podem subsistir quanto à relação de adequação entre o facto de a autora ter escorregado, a queda subsequente e as lesões que sofreu ao embater com a face no piso, nada se tendo demonstrado que revele que tais lesões advieram de qualquer outra circunstância.
De resto, com propósito de facilitar o encargo alegatório e probatório a cargo dos sinistrados (ou beneficiários legais, em caso de acidente de trabalho de onde resulte a morte) o n.º1 do art.º 10.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, dispõe que “[A] lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho”, estabelecendo assim uma presunção “juris tantum” entre o acidente e a suas consequências.
Como elucida o acórdão do STJ de 19/11/2008[18], disponível em www.dgsi.pt, esta presunção “assenta a sua razão de ser na constatação imediata ou temporalmente próxima, de manifestações ou sinais aparentes entre o acidente e a lesão (perturbação ou doença), que justificam, na visão da lei e por razões de índole prática, baseadas na normalidade das coisas e da experiência da vida, o benefício atribuído ao sinistrado (ou aos seus beneficiários), a nível de prova, dispensando-os da demonstração directa do efectivo nexo causal entre o acidente e a lesão (..)”.
Não há dúvidas nos autos de que a queda da autora ocorreu no tempo e no local de trabalho e que nessas circunstâncias foi constatada a existência das lesões, pelo que o nexo de causalidade entre o evento e os danos, sempre se presumiria.
E sendo tal presunção ilidível, a recorrente não logrou, como lhe competia, demonstrar quaisquer factos em sentido contrário.
Nessa medida, acompanha-se a sentença recorrida quando nela se afirma:
“O mecanismo que desencadeou as lesões consistiu na queda, determinada pela circunstância de ter escorregado numa mancha de óleo e numa apara de asa de garrafão que se encontravam no chão, sendo a lesão corporal que esta causou o traumatismo mandibular, pelo que a Autora logrou demonstrar a ocorrência de um evento súbito e imprevisto, na medida em que inesperado, que foi causador de lesões sofridas no tempo e no local de trabalho, como era seu ónus.
Encontra-se ainda demonstrado que as lesões sofridas ocorreram em consequência do evento traumático sofrido pela Autora, nexo causal que desde logo se presume, sendo que as Rés não lograram demonstrar quaisquer factos que ilidissem tal presunção, e que demonstrassem que tais lesões não ocorreram em consequência do acidente de trabalho.
Com efeito, muito embora a Ré entidade responsável e a Ré entidade patronal tenham alegado que as lesões que sobrevieram à Autora decorreram de uma síncope lipotímica de que foi acometida, seguida de queda, e nesse sentido de uma causa endógena, inerente à sua constituição orgânica, e que a fez perder os sentidos, não lograram demonstrar tais factos, que resultaram não provados.
As Rés não lograram provar que o acidente tivesse resultado de doença de que a Autora padecesse ou de qualquer facto intrínseco ao corpo da sinistrada. Tal prova incumbia às Rés, por se tratar de facto impeditivo do direito da Autora (cfr. art.º 342.° n.º 2 do C. Civil).”
Nestes termos, o recurso improcede, também nesta parte.
A sentença recorrida é assim de manter, apenas com as alterações da decisão da matéria de facto acima determinadas, mas que não têm qualquer influência na decisão.
É vencida a parte que não obtém a satisfação (total ou parcial) dos seus interesses e como se refere no Ac. do STJ de 06/12/2017, cujo entendimento se subscreve: «I. O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão.
II. A decisão de facto inserida em sentença ou acórdão não constitui ato decisório autónomo, assumindo antes a natureza de fundamento no quadro e economia da decisão final ali proferida.»
Por isso, ainda que a impugnação da decisão da matéria de facto suscitada pela recorrente tenha sido julgada parcialmente procedente, não tendo a mesma obtido vencimento na apelação, ficando integralmente vencida, são da sua responsabilidade as custas do recurso, nos termos do art.º 527.º, n.º 1 e 2 do CPC.
Por todo o exposto acorda-se:
I – alterar a redação dos pontos 9º e 14º da matéria de facto provada, nos termos acima exarados;
II – julgar o recurso improcedente;
III – condenar a recorrente nas custas.
*
Maria Luzia Carvalho
Germana Ferreira Lopes
Nelson Fernandes
(assinaturas eletrónicas nos termos dos arts. 132º, n.º 2, 153.º, n.º 1, ambos do CPC e do art.º 19º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08)
_______________________________________________
[1] A respeito do cumprimento dos ónus impostos pelo art.º 640.º do Código de Processo Civil, importa ter presente o Ac. do STJ, Uniformizador de Jurisprudência n. º 12/2023, de 17/10/2023, publicado no DR, I série, de 14/11/2023, com Declaração de Retificação n.º 35/2023, publicada no DR, I série, de 28/11/2023.
[2] In "Recursos em Processo Civil - Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho", Almedina, 7a edição atualizada, 2022, pág. 195.
[3] Ob. cit., pág. 350.
[4] Entre outros, veja-se os Acórdãos de 08/03/2022, processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1 e de 24/10/2023, processo n.º 4689/20.6T8CBR.C1.S1.
[5] Processo n.º 1472/23.0.T8AVR.P1, ao que se julga não publicado, mas disponível no registo de acórdãos.
[6] Processo n.º 12796/20.9T8PRT.P1, acessível em www.dgi.pt.
[7] Processo n.º 11973/20.7T8MTS.P1, ao que cremos não publicado, mas acessível no registo de acórdão. No mesmo sentido, citando o Acórdão que antecede se pronunciou também o Ac. RP de de 29/01/2024 proc. n.º 6323/18.5T8MAI, acessível em www.dgsi.pt.
[8] Nota [1] do Acórdão com o seguinte teor: “[1] Vd. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2ª edição (Lisboa 1997), pág. 347.”
[9] Nota [2] do Acórdão com o seguinte teor: “De resto, tal sucede mesmo em processo penal, onde vigoram outros princípios, como seja o da presunção da inocência (cfr., por exemplo, o acórdão do TRC de 17/05/2017, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 430/15.3PAPNI.C1).”
[10] Nota [3] do Acórdão com o seguinte teor: “Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 211/12.6TVLSB.L1-7.”
[11] Ainda no mesmo sentido veja-se o Ac. RP de 06/02/2023, proc. n.º 2537/19.9T8PNF.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[12] Processo n.º 2745/15.1T8VNF-A.G1, acessível em www.dgsi.pt.
[13] Ac. RP de 10/07/2024, supra identificado.
[14] Processo n.º 2473/22.1T8AVR.P1, acessível em wwww.dgsi.pt.
[15] Nota [3] do Acórdão com o seguinte teor: “Cfr., por todos, acórdão do STJ de 6.12.2011 (processo nº 1675/06.2TBPRD.P1.S1), acessível em www.dgsi.pt.”
[16] Quanto aos parâmetros relevantes para apreciação das declarações de parte veja-se Luís Filipe Pires de Sousa, “As malquistas declarações de parte”, em Revista Julgar online, Julho de 2015.
[17] Ac. do STJ de 03/02/2011, processo n.º 304/07.1TTSNT.L1.S1, Ac. STJ de 09/07/2014, processo n.º 5395/08.5TBLRA.C1.S1 e Ac. RP de 30/10/2023, processo n.º 284/21.0T8AVR.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[18] Processo 0852466, acessível em www.dgsipt.