I - Será um horário flexível para os efeitos em causa, todo aquele que possibilite a conciliação da vida profissional com a vida familiar de trabalhador com filhos menores de 12 anos, podendo o trabalhador solicitar a atribuição de determinado horário precisando quais os seus dias de descanso, incluindo o sábado e o domingo.
II - É conforme à Constituição da República Portuguesa a interpretação do art.º 56.º, n.ºs 1 e 2 do CT segundo a qual o regime de flexibilidade do horário de trabalho não excluiu a inclusão do descanso semanal.
III - As dificuldades de conciliação dos horários dos trabalhadores de modo a perfazer um número mínimo de trabalhadores na loja em cada momento, não equivale à impossibilidade de o conseguir, pelo que não podem ser configuradas juridicamente como impeditivas, de uma forma estrutural, grave, incontornável e socialmente inexigível, da normal e regular atividade da empresa, de forma a que seja legítima a sua qualificação como necessidades imperiosas da empresa com vista á recusa de atribuição de horário flexível.
(Da responsabilidade da Relatora)
Origem: Comarca do Porto Juízo do Trabalho de ... - Juiz 2
Acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relatório
Lojas A... Portugal - Exploração, Gestão e Administração de Espaços Comerciais, S.A. intentou a presente ação contra AA, pedindo seja declarada lícita a recusa parcial do pedido de trabalho em regime de flexibilidade de horário apresentado pela ré e que, consequentemente, não tem esta direito a escolher o sábado e o domingo como dias de descanso semanais devendo por isso trabalhar em qualquer dia da semana que a Autora indique.
Caso, assim não se entenda, requer a aplicabilidade do regime de colisão de direitos e, em consequência, seja a ré condenada a trabalhar 1,5 fins de semana por mês.
Para tanto, alega que a ré é sua trabalhadora e solicitou a atribuição de horário flexível de segunda a sexta feira, das 8h às 18h30, tendo a autora deferido a atribuição do pretendido horário, mas apenas no que respeita às horas pretendidas e já não quanto às folgas ao fim de semana.
A ré contestou, defendendo que não há fundamento para a recusa a atribuição do horário flexível nos termos que requereu.
Foi realizada audiência prévia na qual as partes aceitaram parcialmente a matéria de facto, tendo posteriormente apresentado requerimento no qual acordaram na demais.
No despacho saneador, o tribunal “a quo”, considerando estar na posse de todos os elementos necessários para o efeito, proferiu decisão sobre o mérito da causa, concluindo que a ré tem direito a cumprir o horário de trabalho que solicitou - quer no que respeita à plataforma horária, quer quanto às folgas fixas no fim de semana -, não podendo a autora recusá-lo nos moldes em que o fez e julgando a ação improcedente.
Inconformada a autora interpôs o presente recurso, com vista à revogação do despacho saneador sentença, formulando as seguintes conclusões:
«A. A Recorrente não se conforma com a Douta Sentença a quo que julgou improcedente a presente Acção de Processo Comum;
B. Esta decisão é ilegal por incorrecta aplicação do disposto nos artigos 56.°, n.º 1 e 2, 57.°, n.º 8 e 200.°, n.º 1 do Código do Trabalho;
C. A Douta Sentença a quo errou na interpretação que fez do disposto no artigo 56.°, n. 1 e 2 e 200.°, n.º 1 do CT;
D. Errou porque entendeu, sem ter qualquer suporte interpretativo para o fazer, que por o regime previsto no artigo 200.° do CT abarcar também os dias de descanso, que tal se deveria transpor, por osmose, para o regime previsto no artigo 56.°, n.º 1 e 2 do CT;
E. Por outras palavras, porque ambos os regimes contêm na sua epígrafe o termo "horário", o Digníssimo Tribunal a quo decidiu fazer tábua rasa da totalidade da letra da norma e das mais elementares regras de interpretação jurídica (com especial enfoque no artigo 9.°, n.º 2 do Código Civil);
F. E assim concluir que onde está escrito na definição legal de "horário flexível: "(...) aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário", se deve ler que poderá também escolher os dias de descanso semanal;
G. Salvo o devido respeito, a posição recentemente adoptada pelo STJ - "não exclui a inclusão do descanso semanal no regime de flexibilidade de horário" - constitui uma violação do princípio da legalidade - pois que a interpretação em causa mais não é que a criação de lei por parte dos tribunais - e do princípio da protecção de confiança, sendo inconstitucional;
H. A Recorrente levantou a questão da inconstitucionalidade da interpretação em que assenta a possibilidade de o trabalhador, ao abrigo do horário flexível, escolher os dias de descanso semanal, junto do Douto Tribunal a quo, que foi omisso na sua sentença, pelo que a referida sentença é nula por omissão de pronúncia - nos termos previstos no artigo 615.°, n.º 1, alínea d) do CPC, aplicável ex.vi. artigo 1.°, n.º 2, alínea a) do CPT;
I. A decisão do Douto Tribunal a quo é ainda incompreensível quando entende que as exigências imperiosas invocadas pela Recorrente não são bastantes para fundamentar a sua recusa;
J. Incompreensível pois o Douto Tribunal a quo escusou-se em definir tal conceito, conforme legalmente exigível, pelo que diz não estar preenchido um conceito que não define;
K. Ainda assim, e partindo de um raciocínio aceite na nossa jurisprudência de que as referidas exigências imperiosas são "aquelas que não podem deixar de ser colmatadas sob pena de o prejuízo causado ao empregador ultrapassar claramente aquele que é imposto ao trabalhador" - Diogo Vaz Marecos, Código do Trabalho Comentado, 4a ed., 199, nota 4 - estão visivelmente preenchidas in casu;
L. Tanto assim estão, que o Douto Tribunal a quo deu-as por integralmente provadas;
M. Ora, estes critérios estão preenchidos tendo em conta que a Recorrente demonstrou que, face ao número de trabalhadores efectivos de que dispunha à data (79), com a mesma categoria profissional da Recorrida, não conseguiria garantir o normal funcionamento da operação aos fins-de-semana, visto precisar, no mínimo, de 86;
N. Sendo certo que 16 trabalhadores beneficiam já de horário flexível;
O. E considerando também que a afectação da operação aos fins-de-semana, acarreta sérios constrangimentos, tendo em conta que 35% da produtividade da produtividade da loja está concentrada nesses dois dias;
P. E não é justo que sejam sempre os mesmos trabalhadores a terem que trabalhar nos sábados e nos domingos, assim criando uma situação insustentável a nível de recursos humanos e criadora de desigualdades permanentes;
Q. A propósito do instituto da colisão de direitos, o Douto Tribunal a quo desconsiderou-o por não terem sido indicados os horários das trabalhadoras.
R. Refira-se que se trata de circunstância irrelevante pois os mesmos são rotativos, podem sempre ser alterados, e o que está verdadeiramente em casa é a dispensa de trabalho aos fins-de-semana;
S. A Recorrida solicita descansos fixos ao fim-de-semana, baseando o seu pedido no facto de ser mãe de um menor de 12 anos, tal qual outras 9 colegas;
T. Pelo que o mecanismo encontrado e proposto pela Recorrente, corrector desigualdade, e que, salvo melhor entendimento, merece acolhimento passa por fazer uma divisão equitativa do ónus causado pelo pedido de flexibilidade, entendendo a Recorrente que cada parte devia ceder em 50% e assim a Recorrida trabalhar 1,5 fins-de-semana por mês;
U. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, requer-se mui respeitosamente que a Douta Sentença a quo seja integralmente revogada, declarando-se procedente por provada a acção intentada pela Recorrente.»
A recorrida não apresentou contra-alegações.
O recurso foi regularmente admitido e, neste Tribunal, o Ministério Público, ao abrigo do disposto pelo art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT) emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Nenhuma das partes se pronunciou sobre o parecer do Ministério Público.
Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim, são as seguintes as questões a decidir:
1 – nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
2 – erro de interpretação dos arts. 56.º, n.º 1, 57.º, n.º 8 e 200.º, do Código do Trabalho (doravante CT);
3 – inconstitucionalidade do entendimento do STJ perfilhado na sentença sobre tal interpretação;
4 – se estão verificadas, no caso concreto, exigências imperiosas do funcionamento da empresa, que justificam a recusa do pedido de horário flexível;
5 – se ocorre colisão de direitos.
Na 1.ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
A) A Autora é uma sociedade comercial cujo objecto abrange a exploração, administração, gestão e desenvolvimento de espaços comerciais, bem como de todas as actividades com estes estabelecimentos relacionadas, nomeadamente o comércio, importação, distribuição e armazenagem de artigos não especificados, nomeadamente artigos para o lar, decoração, vestuário, calçado, artigos de uso e consumo pessoal e doméstico, produtos têxteis, electrodomésticos, equipamentos electrónicos, produtos alimentares, bebidas e tabaco, joalharia, ourivesaria, mobiliário, livros, papelaria, tabacaria, perfumes, produtos químicos e farmacêuticos, instrumentos musicais, bicicletas, veículos mecânicos de propulsão e actividades de restauração, hotelaria, decoração e cultura e lazer, transporte, exploração de teatros e cinemas, compra e venda, investimento e revenda de móveis e imóveis adquiridos para esse fim, consultoria para negócios e gestão, prestação de serviços, participação em outras sociedades com objecto análogo como forma do exercício de actividades económicas e tudo o mais que esteja relacionado ou seja conveniente para o desenvolvimento do objecto social aqui referido.
B) Os estabelecimentos são caracterizados por terem uma área comercial ampla e situarem-se em centros comerciais, os quais estão em funcionamento durante os sete (7) dias de semana e com horário de abertura às 10:00 horas e encerramento entre as 23:00 e as 24:00 horas, todos os dias.
C) Estando a Autora obrigada a manter as lojas abertas todos os dias e durante o horário de funcionamento dos respectivos centro comerciais, sob pena de lhe serem aplicadas penalizações comerciais em caso de incumprimento.
D) Deste modo, a empresa realiza o seu objecto através da exploração de dez (10) lojas espalhadas por Portugal, a saber: ... (...), ... (...), ... (...), ... (...), ... (...), ... (...), ... (...), Porto (...) - onde presta trabalho a Ré -, ... (...) e ... (...).
E) Na data do pedido de flexibilidade de horário a loja em questão tinha 79 Retail Assistants/Operador de loja (como a Ré) de loja efectivos nos quadros da empresa, sendo que 16 trabalhadores já beneficiam de descansos semanais fixos ao sábado e domingo (3 com dispensa de trabalho aos fins-de-semana, que passariam a ser quatro com um putativo deferimento do pedido da Ré).
F) Esses 79 Retail Assistants/Operador de loja são responsáveis por assegurar o funcionamento da loja em todos os dias da semana, sendo que a média de trabalhadores necessários por cada dia da semana (2.ª a 6.ª feira) é de 65 e ao fim-de- semana e feriados é de 86.
G) Cerca de 35% da produtividade da loja está concentrada nestes dois dias sendo que o sábado é o dia de maior movimento e facturação, razão pela qual é necessário um reforço dos meios humanos e uma rotatividade entre colegas, não só pelo esforço acrescido que resulta destes dois dias, mas também da necessidade de também eles conciliarem a sua vida profissional com a vida pessoal.
H) O trabalho ao domingo é remunerado com um acréscimo de 100% e o sábado é remunerado como qualquer outro dia, tornando-o, assim, o dia mais exigente de se trabalhar, não só por causa do volume de clientes e facturação, mas também por não existir nenhuma compensação financeira acrescida.
I) Caso a empresa pretendesse que cada Retail Assistant/Operador de loja trabalhasse apenas um sábado ou domingo, necessitaria de 85 Retail Assistants / Operador de Loja para cada fim-de-semana e 170 na sua totalidade (sendo que conta apenas com 79 nos seus quadros).
J) A Autora e a Ré celebraram um contrato que apodaram de contrato de trabalho em 17/11/2009, no qual a última se obrigou a prestar trabalho à primeira sob as suas ordens e direcção, contra o pagamento de uma retribuição mensal.
K) No início da relação laboral, a Ré foi contratada para exercer as funções de Operador ajudante de 1.° ano em regime de part-time com um período normal de trabalho de 28 horas semanais.
L) A Ré desempenha actualmente as suas funções em regime de full-time (40 horas semanais), na loja da Autora (A... sita no ..., ..., ... ...).
M) No passado dia 23/10/2023, a Ré entregou à Autora, em mão, uma carta, datada de 19/10/2023, com o seguinte teor:
19 de Outubro de 2025 Lojas A... PORTUGAL
Exploração. Gestão e Administração de Espaços Comerciais. S.A. Rua ... .... ... (Portugal)
Exmo. Senhor.
Eu AA com o número de funcionária ...68. desempenho a função de Operador Especializado na loja A... do Centro Comercial ... (...). venho por este meio e bem como junto dos recursos humanos da empresa ajustar o meu pedido de flexibilidade, ajustando às necessidades do meu filho. Uma vez que ja tenho um pedido aprovado datado 01.04.2022 com as seguintes condições:
- Segunda a Sexta entre as 08h30 e as I8h5<
- Domingos e Feriados entre as 08h e as 21h40
- Períodos de férias escolares de Segunda a Domingo, entre as 08h e as 21h40
Assim, de forma a cumprir as minhas obrigações familiares para com o meu filho BB, nascido a 06 02 2017 que frequenta a Io Ciclo e esta assegurado desde as 7h50 até as I9h. uma vez que o meu marido (coabitante da mesma morada ) trabalha na construção civil onde atendendo a sua natureza tem que se deslocar para as obras estaleiros cm curso e por sua vez chega mesmo a ficar ausente por vários períodos o que por sua vez não tem horário que permita ir buscar o nosso filho a escola e nesse sentido proponho o seguinte:
Considerando o disposto no artigo 56°.. do código de Trabalho, que o referido horário seja compreendido:
-Entre as 8h e as 18:30h de segunda a sexta-feira.
-Descanso Sábado e Domingo
Peço que o horário solicitado entre em vigor daqui a 50 dias. uma vez que a pessoa que assegura os cuidados do meu filho esta com problemas de saúde severos que por sua vez lhe causa incapacidade.
Este pedido mantém-se até que o meu filho complete 12 anos a 06/02/2029.
Atentamente.
AA
N) A Autora respondeu à Ré através de carta datada de 27/10/2023, entregue à Ré, em mão, na mesma data, com o seguinte teor:
Exma. Senhora,
D.ª AA
Rua ... ...
..., 27 de Outubro de 2023
Entregue em Mão Própria
Assunto: Pedido de atribuição do trabalho em regime de horário flexível. Exma. Sra. D.ª AA,
Acusamos a recepção da V/missiva datada de 19/10/2023 e recebida em mãos a 23/10/2023. que agradecemos e que mereceu a nossa melhor atenção.
Com respeito ao solicitado, informamos V. Exa. que o V/pedido de flexibilidade de horário foi recusado, mantendo V.Exa., o horário flexível que já lhe tinha sido concedido, de 2.ª feira a domingo.
Em relação à escolha dos dias de descanso semanal, fazendo-o coincidir sempre com o sábado e domingo somos forçados a recusar com base em exigências imperiosas da empresa.
Em primeiro lugar, o regime de horário flexível não permite a escolha dos dias de descanso semanal ou a dispensa de trabalho ao feriado, mas apenas, a escolha, dentro dos limites fixados pelo empregador, das horas de início e termo do período normal de trabalho.
Sem prejuízo do supradito, actualmente a loia em questão tem 79 Retail Assistants/Operador de loja (como V. Exa) efectivos nos quadros da empresa, sendo que 16 trabalhadores já beneficiam do regime da flexibilidade de horário (ainda que apenas 3 com dispensa de trabalho aos fins-de-semana. ficando 4 se o vosso pedido fosse aceite).
Esses 79 Retail Assistants/Operador de loja são responsáveis por assegurar o funcionamento da loja em todos os dias da semana, sendo que a média de trabalhadores necessários por cada dia da semana (2.ª a 6.ª feira) é de 65 e ao fim-de-semana é e 86.
Analisou-se os dados infra transpostos:
Da análise dos dados resulta que o fim-de-semana é o período de maior volume de vendas, de unidades vendidas, n.º de transacções e tempo despendido em caixa.
Acresce que V.Exa., está alocada ao departamento 6/16, o que significa que as suas funções passam por realizar reposição pontual, garantir a manutenção da zona definida, recolocação dos artigos no respectivo local, atendimento ao cliente e se e quando necessário, caixas e provadores, sendo estes últimos, justamente os departamentos que mais são penalizados pelo excesso de volume de trabalho ao fim-de-semana.
Assim, conclui-se que o volume de trabalho é bastante superior ao fim de semana quando comparado com um dia da semana, existindo assim maior necessidade de colaboradores em loja, sem nunca esquecer o cumprimento de escala de folgas e os domingos e fins de semana legalmente previstos.
Ou seja, cerca de 35% da produtividade da loja está concentrada nestes dois dias sendo que o sábado é o dia de maior movimento e facturação, razão pela qual é necessário um reforço dos meios humanos e uma rotatividade entre colegas, não só pelo esforço acrescido que resulta destes dois dias, mas também da necessidade de também eles conciliarem a sua vida profissional com a vida pessoal.
A empresa considera que poder permitir a rotatividade dos colegas aos fins-de-semana é imperioso para O bom funcionamento da loja, não só porque são os dias de maior movimento e exigência, mas também porque são os dias mais desejados pelos trabalhadores para estar com a sua família e descansar.
Acresce, que, como V. Exa., bem sabe, o trabalho ao domingo é remunerado com um acréscimo de 100% e o sábado é remunerado como qualquer outro dia, tornando-o, assim, o dia mais exigente de se trabalhar, n3o só por causa do volume de clientes e facturação, mas também por não existir nenhuma compensação financeira acrescida.
Cada Retail Assistants/Operador de loja tem direito a dois dias de descanso semanal, pelo que se for concedida a fixação dos dias de descanso semanal ao fim-de-semana, tal irá sobrecarregar os colegas que n3o beneficiam dessa dispensa.
Caso a empresa pretendesse que cada Retail Assistants Operador de loja trabalhasse apenas um sábado ou domingo, necessitaria de cerca de 85 Retail Assistants/Operador de loja para cada fim-de-semana e 170 na sua totalidade, (sendo que conta apenas com 79 nos seus quadros), o que se tivermos em conta a existência de faltas, licenças, baixas e férias, além da obrigatoriedade prevista no CCT APED (Cláusula 10 alínea c): "o descanso semanal será organizado para que coincida pelo menos com quinze domingos por ano, incluindo, para esse efeito, os domingos que ocorram nos períodos de férias, dos quais cinco desses domingos deverão combinar, preferencialmente, com o descanso ao sábado, excluindo -se os sábados compreendidos nas férias"), facilmente verificaríamos que actualmente a margem seria insuficiente para assegurar a totalidade do fim-de-semana.
Se fosse possível garantir que o pedido de V. Exa., era único, o mesmo poderia ser acomodado, porém existindo já 16 colegas seus com flexibilidade de horário (e mais pedidos deram entrada esta semana) e 3 deles também com dispensa de trabalho aos fins-de-semana (e a possibilidade de pedidos adicionais) n3o pode a empresa permitir que mau Retail Assistants/Operador de lota atinjam aquilo que consideram ser o seu equilibro profissional/familiar à custa dos demais colegas.
Manifestamos a nossa disponibilidade para qualquer esclarecimento adicional que tenha por pertinente.»
O) Por carta datada de 01/11/2023, e recebida na mesma data, em mão, a Ré apresentou resposta à anterior missiva, com o seguinte teor:
«01 de Novembro de 2023 Lojas A... PORTUGAL
Exploração, Gestão e Administração de Espaços Comerciais. S.A.,
Rua ... ..., ... (Portugal)
Exmo. Senhor,
Eu, AA com o número de funcionária ...68, desempenho a função de Operador Especializado na loja A... do Centro Comercial ... (...), venho por este meio. bem como junto dos recursos humanos da empresa e face a sua resposta ajustar o meu pedido de flexibilidade, ajustando às necessidades do meu filho.
Uma vez que já tenho um pedido aprovado datado 01.04.2022 com as seguintes condições:
- Segunda a Sexta entre as 08h30 e as 18h30
- Sábados. Domingos e Feriados entre as 08h e as 2lh40
- Períodos de férias escolares de Segunda a Domingo, entre as 08h e as 21h40
Assim, de forma a cumprir as minhas obrigações familiares para com o meu filho BB, nascido a ../../2017 que frequenta a Io Ciclo e esta assegurado desde as 7h30 até as I9h. Acrescento que o nosso filho esta inscrito numa actividade desportiva que é o futebol, acompanhado e aconselhado pelo nosso médico e médico do Club devido a lhe ter sido diagnostico Asma, uma vez que essa mesma atividade pode fazer com que o problema de saúde melhore ou ate mesmo desapareça com o passar dos anos. Os treinos realizam-se as Segundas, Terças e Sextas das 18h30 as 19h30 com jogos semanais que se concretizam aos Sábados, seja no campo do clube ou no adversário com horários ainda haver.
Uma vez que o meu marido (coabitante da mesma morada ) trabalha na construção civil onde atendendo a sua natureza tem que se deslocar para as obras/estaleiros em curso e por sua vez chega mesmo a ficar ausente por vários períodos o que não tem horário que permita assegurar os cuidados e as necessidades ao filho e nesse sentido proponho o seguinte:
Considerando o disposto no artigo 56°., do código de Trabalho, que o referido horário seja compreendido:
-Entre as 8H e as I8:30H de segunda a sexta-feira.
-Descanso Sábado e Domingo
Peço que o horário solicitado entre em vigor daqui a 30 dias, uma vez que a pessoa que assegura os cuidados do meu filho esta com problemas de saúde severos que por sua vez lhe causa incapacidade.
Este pedido mantém-se até que o meu filho complete 12 anos a 06/02/2029.»
P) Recebida a resposta da Ré, a Autora enviou um e-mail à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) datado de 02/11/2023, emitiu parecer desfavorável à intenção de recusa da Autora relativamente ao pedido de trabalho em regime de horário flexível, apresentado pela Ré.
Q) Após receber o parecer desfavorável por parte da CITE, a Autora entregou cópia à Ré aos 28/11/2023, dando-lhe conhecimento do mesmo.
R) A Ré solicita o mesmo (descansos fixos ao fim-de-semana), baseando o seu pedido no mesmo facto (serem mães de um menor de 12 anos) que outras 9 colegas que trabalham na mesma loja.
S) Se a Ré não tivesse solicitado a flexibilidade de horário, trabalharia uma média de 3 fins-de-semana por mês atenta a rotação em vigor.»
Seguindo a ordem imposta pela precedência lógica (cfr. art.º 608.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), importa começar a apreciação do recurso pela questão relativa à nulidade da sentença.
A recorrente arguiu a nulidade da sentença por omissão de pronúncia alegando que o tribunal “a quo” nada disse sobre a questão que suscitou na petição inicial, da inconstitucionalidade da posição adotada pelo STJ que acolhe a possibilidade de o trabalhador, ao abrigo do horário flexível, escolher os dias de descanso semanal.
Nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d) a sentença é nula quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
Sobre o assunto refere Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, volume II): «Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe estão submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe caiba conhecer (art. 660º/2), o não conhecimento do pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade (…)”.
Com efeito, decorre do art.º 608º, n.º 2 do Código de Processo Civil que na sentença o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão dessas questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões.
E como se pode ler no Ac. RG de 15/03/2018 “O dever imposto no nº 2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam.”
Sendo assim, importa ter em atenção que o dever de decidir se impõe quanto a questões suscitadas e quanto a questões do conhecimento oficioso, logo a omissão de pronúncia, geradora de nulidade da sentença, consubstancia-se no incumprimento do dever de decidir aquelas questões.
Analisada a petição inicial verifica-se que a autora/recorrente invocou como fundamento da recusa parcial do horário flexível requerido pela ré/recorrida que o direito desta não comporta a possibilidade de escolha dos dias de descanso, para o que além do mais, alegou a inconstitucionalidade da posição contrária assumida pelo STJ.
Tendo o tribunal “a quo” alinhado a sua decisão com a dita posição do STJ, impunha-se-lhe uma pronuncia efetiva sobre a questão da inconstitucionalidade suscitada, pelo que se verifica a invocada omissão de pronúncia, sendo a sentença nula, nessa parte, nos termos do mencionado art.º 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil.
Procede, pois, nesta parte o recurso interposto pelo autor.
No que respeita às consequências da nulidade da sentença, atento o disposto pelo art.º 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, uma vez que os autos contêm todos os elementos necessários para o efeito, não se determina a devolução dos autos à 1.ª instância, impondo-se antes conhecer da questão relativamente à qual foi omitida a pronuncia e que, de resto, constitui objeto da apelação da autora.
Começamos por dizer que não se percebe a alegação relativa à interpretação do art.º 57.º, n.º 8 do CT, pois, na sentença recorrida nada foi decidido com fundamento em tal disposição legal, ou que com ela contenda, motivo pelo qual nada há a decidir nessa parte.
No art.º 56.º, o CT concretizou os princípios constitucionais de proteção dos direitos dos trabalhadores, da família, da paternidade e da maternidade, nas aceções constantes, respetivamente, dos arts. 59º, nº 1, al. b), 67º, nº 1 e 68º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa (o artigo 33.º n.º 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia prevê igualmente a proteção da família nos planos jurídico, económico e social), ao consagrar que “O trabalhador com filho menor de 12 anos, ou independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação, tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos”.
Aquele preceito do CT, dá ainda concretização ao que dispõe o art.º 33.º, n.º 1 do CT, segundo o qual: «1. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes. 2. Os trabalhadores têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação ao exercício da parentalidade.»
O exercício do direito consagrado pelo referido art.º 56.º e correspondente obrigação no que respeita à flexibilidade de horário, veio a ser regulamentado no art.º 57º do mesmo Código e depende do reconhecimento pelo empregador, que apenas se lhe pode opor - considerando as razões que lhe estão na base, que se reconduzem afinal ao reconhecimento do direito à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, a que igualmente aludem os arts. 127º, nº 3 e 212º, nº 2, al. b) do CT - invocando exigências imperiosas ligadas ao funcionamento da empresa ou serviço ou a impossibilidade de substituir o trabalhador se este foi indispensável, conforme resulta do nº 2 da citada disposição legal.
Querendo exercer tal direito, o trabalhador deve solicitá-lo por escrito ao empregador, com a antecedência mínima de 30 dias e com os seguintes elementos: indicação do prazo previsto dentro do limite aplicável e declaração da qual conste que o menor vive com ele em comunhão de mesa e habitação, o que a recorrida cumpriu e não vem questionado.
A recorrida, no requerimento que dirigiu à recorrente, solicitou a aplicação do regime de horário flexível pretendendo trabalhar no período das 8h às 18h30 de segunda a sexta feira, com descanso semanal aos sábados e domingos, alegando ter um filho menor de 12 anos e as circunstâncias que, na sua perspetiva, justificam o pedido, cumprindo manifestamente aquilo que a lei lhe exige (a indicação dos elementos constantes do art.º 57º, nº 1 do CT).
Não pondo em causa que a trabalhadora se encontra em condições de poder beneficiar do regime de horário flexível, já que tem um filhos menor de 12 anos, a recorrente recusou o pedido com dois fundamentos: o de que o regime de horário flexível não permite a escolha dos dias de descanso semanal e o de que se verificam exigências imperiosas do funcionamento da empresa, no caso, da loja em que a trabalhadora exerce as funções contratadas, que se reconduzem, no essencial, à necessidade acrescida de trabalhadores durante os fins de semana, por aí se concentrar o maior volume de trabalho, representando o movimento nesses dias 35% da produtividade da loja e à necessidade de assegurar a todos os trabalhadores a conciliação da vida profissional com a vida pessoal, sendo que outros três trabalhadores já beneficiam de horário flexível, com dispensa de trabalho aos fins de semana, argumentos que, não tendo sido acolhidos pela 1.ª instância, reitera no presente recurso.
Importa, pois, antes de mais, decidir se o regime de horário flexível comporta a possibilidade de fixação dos dias de descanso semanal a pedido do trabalhador.
A sentença recorrida respondeu afirmativamente e adiantamos, desde já, que concordamos com ali decidido.
A questão tem vindo a ser tratada em diversos arestos dos tribunais superiores e não sendo unânime, é pelo menos largamente maioritária, a posição do Supremo Tribunal de Justiça segundo a qual o horário flexível, sendo antes de mais um horário de trabalho, permite ao trabalhador no seu pedido, precisar quais os seus dias de descanso, incluindo o sábado e o domingo[1].
Não vemos motivo para discordar de tal entendimento, que de resto foi também perfilhado pela 1.ª instância e que já subscrevemos como adjunta, no Ac. RL de 05/06/2024[2].
Entende-se por flexibilidade de horário de acordo com o art.º 56º, nº 2 do CT, aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, a que se referem os n.ºs 3 e 4 do mesmo preceito, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário, sendo este o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia (cfr. art.º 198.º do CT).
Mas, tal como se afirma no Ac. do STJ de 17/03/2022[3] «Importa, contudo, ter presente que a montante da definição de horário flexível está a definição do que seja um horário de trabalho. Ora, nos termos do artigo 200.º n.º 1 do CT “entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal”, sendo que, como esclarece o n.º 2 do artigo 200.º do CT, “o horário de trabalho delimita o período normal de trabalho diário e semanal”. O horário flexível é um horário de trabalho pelo que bem pode a trabalhadora, no seu pedido, precisar que pretende que os seus dias de descanso sejam (…) o sábado e o domingo.»
Essa, de resto, a interpretação do art.º 56.º do CT que permitindo não esvaziar de conteúdo útil a sua previsão, nos casos em que as necessidades familiares a salvaguardar determinem a necessidade de não trabalhar aos fins de semana, permite a conformidade constitucional da mesma com as normas dos arts. 59.º, n.º 1, al. b) e 67.º, n.º 2, al. h) da CRP.
Na verdade, o intérprete não pode e não deve ignorar que a prescrição constitucional “permitir e promover a conciliação da actividade profissional com a vida familiar” consta daqueles dois normativos da CRP e que como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira[4] afirmarem: “A conciliação da actividade profissional com a vida familiar impõe a concertação de várias políticas sectoriais e a possibilidade, se não mesmo a obrigação, de discriminações positivas a favor da família, (…), com a institucionalização de horários de trabalho flexíveis”.
E, nesse sentido, o art.º 56.º do CT não pode ser interpretado no sentido de excluir a inclusão do descanso semanal no regime de flexibilidade do horário de trabalho.
Por isso, será um horário flexível para os efeitos em causa, todo aquele que possibilite a conciliação da vida profissional com a vida familiar, de trabalhador com filhos menores de 12 anos, podendo o trabalhador solicitar a atribuição de determinado horário precisando quais os seus dias de descanso, incluindo o sábado e o domingo.
Improcede, pois, o recurso, nesta parte.
Trata-se de questão invocada logo na petição inicial, sobre a qual o tribunal “a quo” omitiu pronúncia, nos termos acima referidos, impondo-se, pois, o seu conhecimento, face ao disposto pelo art.º 665.º, n.º 1 do CPC.
Antes de mais, importa afirmar que a desconformidade constitucional, a existir, há-de referir-se a normas legais e ao seu âmbito de aplicação.
Como se pode ler no Ac. RC de 23/02/2021 «A fiscalização concreta da constitucionalidade ou o pedido de declaração de inconstitucionalidade reportam-se a normas jurídicas e não a decisões dos tribunais.
Estas decisões podem ser ilegais, se contrariarem lei ordinária, e só serão inconstitucionais se se alicerçarem em norma declarada inconstitucional.»
A recorrente não invoca a inconstitucionalidade de qualquer norma.
Se bem percebemos, a recorrente invoca a inconstitucionalidade da interpretação do art.º 56.º, n.º 2 do CT, (remetendo-nos para o âmbito da conformidade da interpretação à Constituição, enquanto critério interpretativo) no sentido por nós perfilhado em linha com o referido entendimento do STJ.
Do nosso ponto de vista, porém, não se vislumbra a desconformidade invocada. Pelo contrário, a interpretação que afirmámos do ao art.º 56.º do CT é, como já concluímos acima, a que permite a conformidade constitucional do regime previsto pela norma em causa.
Com efeito, como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira[5] “O direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, tem por destinatários, simultaneamente, os empregadores e o Estado, que deve tomar medidas no sentido apontado e de forma a facultar a realização pessoal (nº 1/b), pressupõe a ideia de que o trabalho pode ser pessoalmente gratificante, não podendo ser, de qualquer forma, prestado em condições socialmente degradantes ou contrárias à dignidade humana ou impeditivas da conciliação da actividade profissional com a vida familiar. Trata-se aqui também de um modo de protecção da família.”
Por outro lado, pela sua pertinência não podemos deixar de transcrever o afirmado por José João Abrantes[6]: «A Constituição impõe ao Direito do Trabalho um reencontro com as suas origens, enquanto ramo do Direito em que o “social” se impõe como limite do “económico” e em que o lugar central é o da pessoa humana, em todas as suas facetas, como indivíduo, cidadão e trabalhador. Impõe-se-lhe, no fundo, que reencontre aquela que, ainda hoje, tal como ontem, é a sua questão fundamental: a emancipação dos trabalhadores, rumo a uma cidadania plena, uma cidadania, não apenas civil e política, mas também económica, social e cultural – e, também, na empresa, “porque, ao cabo e ao resto, não há eficácia produtiva sem promoção do mundo do trabalho, sem reconhecimento das suas aspirações e dos seus direitos. Porque não há liberdade de empresa sem liberdade na empresa” (Michel Rocard).
Os princípios fundamentais do direito do trabalho, tal como se encontram constitucionalizados, traduzindo-se, no fundo, na ideia de que no seu cerne está a pessoa do trabalhador e os seus direitos, quer individuais quer coletivos, recolhem em si o legado histórico – ou, noutras palavras, o património genético – definidor deste ramo do direito, configuram a tal ordem pública social, que não pode deixar de levar em conta a Lei Fundamental para a qual a promoção do bem-estar e qualidade de vida do povo e da igualdade real entre os portugueses, “bem como a efetivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais” fazem parte das tarefas fundamentais do Estado [alínea d) do artigo 9.º da CRP], como os direitos dos trabalhadores se encontram ao abrigo do próprio poder de revisão constitucional [alíneas d) e e) do artigo 288.º](v, igualmente o art.º 2º in fine)]» (sublinhados nossos)
A interpretação das normas legais é feita segundo as regras decorrentes do art.º 9.º do Código Civil, sendo que, como consta do seu nº 1, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir do texto legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, ou seja, não se pode olvidar aquilo que está subjacente à norma a interpretar, não podendo, nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Ora, do esforço interpretativo exigido relativamente ao art.º 56.º do CT, não podemos arredar a conceção supra referida do direito do Trabalho em que o lugar central é o da pessoa humana não esquecendo que “os princípios fundamentais do direito do trabalho, tal como se encontram constitucionalizados, configuram a ordem pública social, que não pode deixar de levar em conta a Lei Fundamental”.
Trata-se de norma que, juntamente com as demais relativos à mesma matéria, constitui concretização dos princípios constitucionais de proteção dos direitos dos trabalhadores, da família, da paternidade e da maternidade, nas aceções constantes, respetivamente, dos arts. 59º, nº 1, al. b), 67º, nº 1 e 68º, nº 4 da CRP, dos quais não se pode arredar .
Ora, considerar que o art.º 56.º do CT, apenas prevê a possibilidade de o horário flexível permitir ao trabalhador indicar as horas de início e termo do período normal de trabalho, excluindo a possibilidade de escolha dos dias de descanso, deixaria a descoberto dessa prescrição as situações como a dos autos em que, a trabalhadora não tem com quem deixar o filho menor de 12 anos, pondo em causa, afinal, o escopo da própria norma.
Nessa medida, não se descortina motivo para considerar que a interpretação do art.º 56.º do CT, perfilhada na sentença e por nós acima reiterada, em linha com a posição maioritária do STJ, extravase o pensamento do legislador, violando o princípio da legalidade constitucionalmente plasmado no art.º 3.º da CRP.
Improcede, pois, o recurso também nesta parte.
O artigo 57º do Código do Trabalho, ao regulamentar o exercício do direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, prevê que o empregador apenas se lhe pode opor invocando exigências imperiosas relacionadas com o funcionamento da empresa ou serviço (ou a impossibilidade de substituir o trabalhador se este foi indispensável, o que não está em causa nos autos), conforme resulta do nº 2 da referida disposição legal, estabelecendo assim uma limitação aos poderes diretivos daquele consagrados no artigo 97º do CT e concretizados, quanto à determinação do horário de trabalho no art.º 212.º, n.º 1 do mesmo código.
Daqui decorre que, o legislador ordinário, no confronto do direito constitucional dos trabalhadores à proteção da família, da paternidade e da maternidade com o direito, igualmente constitucional, dos empregadores à liberdade de iniciativa económica e de organização empresarial (arts. 61.º e 80.º, n.º 1, al. c) da CRP), fez desde logo uma opção de sobrevalorização daqueles em detrimento deste, limitando as situações em que o direito económico se sobrepõe ao direito social, àquelas em que se verifiquem as mencionadas exigências imperiosas.
Assim, perante o conflito de direitos da empregadora e da trabalhadora, a lei prevê a restrição do direito do empregador a determinar o horário de trabalho, o que implica uma certa compressão do direito à livre iniciativa económica privada da recorrida, que não pode, porém, comprometer o funcionamento da empresa.
Isto é, na colisão entre aqueles direitos igualmente consagrados na CRP, o legislador definiu, desde logo, que o direito do trabalhador com filho menor de 12 anos, apenas cede em prol do direito do empregador, perante circunstâncias particularmente gravosas.
Por isso, as exigências imperiosas a que se refere o art.º 57.º, n.º 2 não se exprimem na maior ou menor dificuldade de organização da atividade da empresa ou no maior ou menor encargo para o empregador perante a necessária gestão do respetivo quadro de pessoal[7], só podendo ser consideradas imperiosas as exigências extraordinárias, excecionais[8].
Acresce que a verificação das exigências imperiosas tem de ser apreciada por referência ao caso concreto e será neste contexto, para aferir se aquelas se encontram ou não verificadas, que importa perceber se existe alguma situação de colisão de direitos a resolver nos termos do art.º 335.º do Código Civil, que a recorrente também suscita, ainda que subsidiariamente.
De facto, a colisão entre os direitos da trabalhadora recorrida à proteção da família e à conciliação entre a vida profissional e pessoal, por um lado, e iguais direitos de outros colegas de trabalho, por outro, a resolver nos termos do art.º 335.º do Código Civil, poderá, em determinados casos, relevar enquanto exigência imperiosa do funcionamento da empresa e, como tal, constituir motivo para a recusa do pedido de flexibilidade.
Com relevo, ficou provado o seguinte:
A recorrente realiza o seu objeto através da exploração de dez (10) lojas espalhadas por Portugal, a saber: ... (...), ... (...), ... (...), ... (...), ... (...), ... (...), ... (...), Porto (...) - onde presta trabalho a Ré -, ... (...) e ... (...).
Os estabelecimentos da recorrente são caracterizados por terem uma área comercial ampla e situarem-se em centros comerciais, os quais estão em funcionamento durante os sete dias de semana e com horário de abertura às 10:00 horas e encerramento entre as 23:00 e as 24:00 horas, todos os dias., estando a recorrente obrigada a manter as lojas abertas todos os dias e durante o horário de funcionamento dos respetivos centro comerciais, sob pena de lhe serem aplicadas penalizações comerciais em caso de incumprimento.
Na data do pedido de flexibilidade de horário a loja em questão tinha nos quadros 79 Retail Assistants/Operador de loja efetivos (como a recorrida), sendo que 16 trabalhadores já beneficiam de descansos semanais fixos ao sábado e domingo (3 com dispensa de trabalho aos fins-de-semana, que passariam a ser quatro com um putativo deferimento do pedido da Ré).
Esses 79 Retail Assistants/Operador de loja são responsáveis por assegurar o funcionamento da loja em todos os dias da semana, sendo que a média de trabalhadores necessários por cada dia da semana (2.ª a 6.ª feira) é de 65 e ao fim-de-semana e feriados é de 86.
Cerca de 35% da produtividade da loja está concentrada nestes dois dias sendo que o sábado é o dia de maior movimento e faturação, razão pela qual é necessário um reforço dos meios humanos e uma rotatividade entre colegas, não só pelo esforço acrescido que resulta destes dois dias, mas também da necessidade de também eles conciliarem a sua vida profissional com a vida pessoal.
O trabalho ao domingo é remunerado com um acréscimo de 100% e o sábado é remunerado como qualquer outro dia, tornando-o, assim, o dia mais exigente de se trabalhar, não só por causa do volume de clientes e faturação, mas também por não existir nenhuma compensação financeira acrescida.
Caso a empresa pretendesse que cada Retail Assistant/Operador de loja trabalhasse apenas um sábado ou domingo, necessitaria de 85 Retail Assistants/Operador de Loja para cada fim-de-semana e 170 na sua totalidade (sendo que conta apenas com 79 nos seus quadros).
A recorrida solicitou o mesmo (descansos fixos ao fim-de-semana), baseando o seu pedido no mesmo facto (serem mães de um menor de 12 anos) que outras 9 colegas que trabalham na mesma loja.
É evidente a relevância dos interesses da recorrente de preservação da sua rentabilidade económica, bem como a necessidade, para o conseguir, de dispor dos seus trabalhadores, reforçando a presença de trabalhadores nos horários de maiores vendas e de mais trabalho.
Contudo, não resulta da matéria de facto provada que os interesses que a recorrente pretende salvaguardar não possam ser satisfeitos apesar do reconhecimento à recorrida da flexibilidade de horário nos termos por esta requeridos.
Na verdade, não se provou qualquer consequência concreta decorrente da atribuição à recorrida do horário flexível sem prestação de atividade aos sábados e domingos, desconhecendo-se qual o impacto efetivo que tal teria na rentabilidade da loja, designadamente se a reorganização dos horários que tal poderia implicar, diminuiria a produtividade da loja.
Também não está demonstrado o concreto impacto que o reconhecimento pela recorrente do direito dar recorrida teria na organização dos horários dos restantes colaboradores (79 trabalhadores, sendo que 16 trabalhadores já beneficiam de descansos semanais fixos ao sábado e domingo, dos quais 3 com dispensa de trabalho aos fins-de-semana), designadamente se ocorreria alguma compressão do direito destes à conciliação da vida familiar coma vida profissional, ou de outro direito relevante, ainda que se admita a maior onerosidade do trabalho aos fins-de-semana, para mais quando o trabalho ao sábado constitui trabalho em dia normal de trabalho, não tendo qualquer acréscimo retributivo..
Desconhece-se qual o concreto horário dos restantes trabalhadores que também estão dispensados de trabalho ao fim-de-semana ou que têm descansos semanais fixos aos sábados e domingos, designadamente se trabalham a tempo inteiro ou parcial e qual o impacto que a pretensão da recorrida teria sobre estes e sobre os demais.
O facto de a recorrente, caso pretendesse que cada Retail Assistant/Operador de loja trabalhasse apenas um sábado ou domingo, necessitaria de 85 Retail Assistants/Operador de Loja para cada fim-de-semana e 170 na sua totalidade se alguma coisa revela é que, independentemente do reconhecimento do direito da recorrida à flexibilidade do horário, sempre existiria um défice de trabalhadores aos fins-de-semana, já que apenas são 79 aqueles que trabalham por sua conta.
Por outro lado, a circunstância de outras nove trabalhadoras da mesma loja terem solicitado, também, a atribuição de descansos fixos ao fim-de-semana, com o mesmo fundamento que a recorrida, terem filhos menores de 12 anos, apenas poderia relevar no domínio da colisão de direitos, se os horários por aquelas pretendidos lhes tivessem sido reconhecidos, e perante os concretos horários atribuídos, pois só poderá haver colisão de direitos se os direitos existirem e tiverem conteúdo igual conteúdo.
Ainda assim, reconhecendo-se a dificuldade da recorrente colocada perante 10 pedidos de atribuição horários flexível com dias de descanso fixos aos sábados e domingos, não podemos deixar de realçar, por um lado, que cabe à recorrente e não ao Tribunal, elaborar o horário flexível daquelas trabalhadoras, como prevê o artigo 56.º n.º 3 do CT, atendendo à eventual colisão de direitos, se a mesma se verificar e, por outro lado, que a dificuldade de conciliação dos horários de todos de modo a perfazer um número mínimo de trabalhadores na loja, não equivale à impossibilidade de o conseguir.
Por conseguinte, no caso concreto, as dificuldades em conciliar os direitos em colisão não constituem exigências imperiosas do funcionamento da empresa, na aceção do artigo 57.º n.º 2 do CT.
De resto, está na disponibilidade da ré ajustar o número de trabalhadores ao seu serviço em cada loja não apenas ao volume de vendas e às tarefas a cumprir em cada momento, mas também às condicionantes inerentes à prestação da atividade pelos seus trabalhadores, sejam licenças parentais, horários flexíveis, incapacidades temporárias ou outras cuja salvaguarda se lhe impõe.
Conclui-se que as eventuais dificuldades de organização da recorrida que ressaltam dos factos apurados não podem ser configuradas juridicamente como impeditivas, de uma forma estrutural, grave, incontornável e socialmente inexigível, da normal e regular atividade da empresa, de forma a que seja legítima a sua qualificação como necessidades imperiosas da empresa e, nessa medida, obstar ao reconhecimento do horário nos termos requeridos pela recorrida.
Improcede, pois, o recurso, na totalidade.
Por todo o exposto, acorda-se julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Maria Luzia Carvalho (Relatora)
Teresa Sá Lopes (1.ª Adjunta)
Rita Romeira (2.ª Adjunta)
(assinaturas eletrónicas nos termos dos arts. 132º, n.º 2, 153.º, n.º 1, ambos do CPC e do art.º 19º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08)
____________________________________
[1] Acs. do STJ de 12/10/2022, proc. n.º 3425/19.4T8VLG.P1.S1, de 22/06/2022, proc. n.º 423/20.9T8BRR.L1.S1 e de 17/03/2022, proc. n.º 17071/19.9T8SNT. L1. S1, todos respeitantes a processos relativos a trabalhadores da aqui recorrente, acessíveis em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, vejam-se ainda os Ac. da RP de 15/11/2021, proc. 2731/20.0T8MAI.P1, de 15/12/2021, proc. n.º 3425/19.4T8VLG.P1 (confirmado pelo citado Ac. do STJ de 12/10/2022) e de 03/10/2022, proc. n.º 8273/22.1T8PRT.P1, todos acessíveis no local supra identificado.
[2] Proc. n.º 1993/23.5T8PDL.L1-A, acessível em www.dgsi.pt.
[3] Identificado na nota 2.
[4] CRP Anotada Vol. I, págs. 860 a 861.
[5] Ob. cit., pág. 773.
[6] Os direitos laborais enquanto direito humanos, Revista Julgar , Maio-Setembro 2024, pág. 23/24.
[7] Ac. da RP de 18/035/2020, proc. N.º 9430/18.0T8VNG.P1, Ac. RP de 02/03/2017, proc. n.º 2608/16.3T8MTS.P1, acessíveis em www.dgsi.pt.
[8] Ac. da RE de 11/07/2019, Processo n.º 3824/18.9T8STB.E1, acessível em www.dgsi.pt.