SEGREDO DE FUNCIONÁRIO
LIMITES DA INQUIRIÇÃO
PERDÃO DA PENA
Sumário

1- A inquirição de funcionários (segundo a definição dada pelo próprio CP, maxime pelo art.º 386º) sobre factos que constituam segredo e de que tiveram conhecimento no exercício das suas funções, que possam prejudicar a prossecução do interesse de realização de novas investigações criminais, constitui uma verdadeira proibição de prova.
2- As proibições de prova podem resultar do primado reconhecido a valores ou interesse de índole supra-individual com os subjacentes ao Segredo de funcionários e Segredo de Estado.
3- Dispõe o art.º 136º/1 do CPP, que os funcionários não podem ser inquiridos sobre factos que constituam segredo e de que tiveram conhecimento no exercício das suas funções.
4- A noção de segredo que releva para a interpretação da norma, abrange quer o dever de descrição profissional no interesse do serviço destinado a proteger os segredos administrativos cuja divulgação poderia prejudicar o desenvolvimento normal das atribuições ou a reputação da Administração, quer o dever geral de sigilo dos funcionários, susceptível de abranger factos pessoais confiados, ou cujo conhecimento foi adquirido na função ou por causa dela, e factos, circunstâncias, elementos, ou documentos relativos à vida interna da Administração.
5- Impende sobre autoridade Judiciária o dever de não formular à testemunha perguntas que violem o dever de segredo a que é mesmo está obrigada, nas situações supra enunciadas, podendo a testemunha, perante tal tipo de perguntas, recusar-se a depor.
6- Estando em causa a necessidade de salvaguardar o dever de segredo, essencial para operações de combate ao tráfico futuras, as perguntas formuladas a respeito do preciso local onde se encontrava a testemunha quando presenciou a saída de um dos arguidos de determinado apartamento, transportando consigo um saco de estupefaciente, violam o dever de não formular perguntas que contendam com o dever de segredo a que o mesmo está obrigada, sendo obrigação do Tribunal obstar a tal produção de prova proibida.

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal:
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I – Relatório:
Em processo comum, com intervenção do Tribunal colectivo, foram julgados os arguidos:
AA, nascido em .../.../1996, em ..., residente em ...;
BB nascido em .../.../1995, em ...;
CC, nascido em .../.../2001, em ..., actualmente detido no EP de Lisboa;
DD, nascida em .../.../1977, em ..., residente em ...;
EE, nascido em .../.../2002, em ...;
FF, nascido em .../.../1986, em ...;
GG, nascido em .../.../1998, em ...;
HH, nascido em .../.../1999, em ....
Foi proferido acórdão pelo qual:
1. Se absolveu os arguidos DD, EE, FF, GG, HH e BB pela prática, nos dias ... e ... de ... de 2022, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido (p. e p.) pelo artigo 21º, nº 1, do DL 15/93 de 22.01;
2- Se condenou:
i- o arguido CC pela prática, no dia ... de ... de 2022, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do DL 15/93 de 22.01, na pena de cinco anos e três meses de prisão;
ii- o arguido AA pela prática, no dia ... de ... de 2022, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do DL 15/93 de 22.01, na pena de cinco anos de prisão;
iii- a arguida DD, pela prática, em ... e ... de ... de 2022, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 25º, nº 1, do DL 15/93 de 22.01, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro anos com sujeição a regime de prova;
iv- o arguido EE, pela prática, em ... de ... de 2022, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 25º, nº 1, do DL 15/93 de 22.01, na pena de um ano e dois meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos com sujeição a regime de prova, aplicando o perdão de um ano de prisão, pelo que a pena ficou reduzida a dois meses de prisão;
v- o arguido FF, pela prática, em ... e ... de ... de 2022, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 25º, nº 1, do DL 15/93 de 22.01, na pena de um ano e oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos com sujeição a regime de prova;
vi- o arguido GG, pela prática, em ... de ... de 2022, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 25º, nº 1, do DL 15/93 de 22.01, na pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos, com sujeição a regime de prova, aplicando o perdão de um ano de prisão, pelo que a pena ficou reduzida a quatro meses de prisão;
vii- o arguido HH, pela prática, em ... de ... de 2022, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 25º, nº 1, do DL 15/93 de 22.01, na pena de um ano e oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos e nove meses, com sujeição a regime de prova, aplicando o perdão de um ano de prisão, pelo que a pena ficou reduzida a oito meses de prisão;
viii- o arguido BB:
a- pela prática, em ... de ... de 2022, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 25º, nº 1, do DL 15/93 de 22.01, na pena de dois anos de prisão, com perdão de um ano de prisão pelo que a pena fica reduzida a um ano de prisão;
b- pela prática, em ... de ... de 2022, de um crime de detenção, uso e porte de arma proibida, p. e p. pelo artigo artsº 2.º, n. º1, al. x), n.º 3, al. m), al. ab), 3º, nº.2, alínea l), n.º 4, al. a) e n.º 5, al. e) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, republicada e alterada pela Lei n.º 12/2011, de 27 de abril, na pena de um ano e nove meses de prisão, com perdão de um ano de prisão, pelo que a pena fica reduzida a nove meses de prisão.
c- numa pena única de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos e seis meses de prisão, com sujeição a regime de prova.
O arguido BB ofereceu o merecimento dos autos em sua defesa.
Vêm agora o Ministério Público e os arguidos AA e BB recorrer do acórdão final.
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II- Fundamentação de facto:
No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes os factos:
1 No dia ... de ... de 2022, os arguidos AA, EE, FF e DD acordaram entre si, de forma organizada, em conjunto e em comunhão de esforços, proceder à venda de heroína, cocaína e cannabis a consumidores destes produtos, em troca de quantias monetárias, junto ao Lote ... da Rua…, em Lisboa; e no dia ... os arguidos CC, FF, GG, HH, DD e BB acordaram entre si, de forma organizada e com regularidade, e em conjunto e em comunhão de esforços, proceder à venda de heroína, cocaína e cannabis a consumidores destes produtos, em troca de quantias monetárias, junto ao Lote ... da Rua …, em Lisboa;
2 O que fizeram cientes de que àquele local acorrem diariamente inúmeros indivíduos com vista a adquirirem os referidos produtos, para seu consumo.
3 Na concretização desta atividade enunciada em 1, acordaram que:
- O arguido AA procedia às entregas de heroína e de cocaína aos consumidores que os abordavam, solicitando os referidos produtos, recebendo, em troca, a respetiva quantia monetária;
- Os arguidos EE, FF, GG e HH exerciam funções de vigilância a eventuais atuações policiais, de forma a controlar a sua aproximação ou presença e alertar os demais arguidos e interpelavam os potenciais compradores, encaminhando-os para junto dos vendedores;
- A arguida DD, na sequência do previamente acordado, tinha a tarefa de guardar as embalagens de cocaína e de heroína transacionadas e objetos relacionados com a atividade de venda das mesmas na sua residência, sita na Rua..., Lote …, em Lisboa, e de permitir que os outros arguidos se refugiassem no interior da sua habitação, de modo a evitar a sua detenção, caso surgissem no local elementos policiais;
-  O arguido BB era, à semelhança da arguida DD, responsável pela “casa de recuo” (local onde eram guardadas as embalagens de cocaína e de heroína e as quantias monetárias recebidas pelas vendas destes produtos), sita na Rua ..., Lote …, nesta cidade, procedendo ao controlo das embalagens de heroína e de cocaína que o arguido CC ali recolhia para posterior venda, bem como à guarda do dinheiro que o arguido CC ali depositava, proveniente das vendas de estupefaciente que realizava;
- O arguido CC recolhia as embalagens de cocaína e de heroína do interior da habitação do arguido BB e procedia à sua venda, nas escadas de acesso aos pisos superiores do Lote ..., a terceiros, consumidores destes produtos, que ali se deslocavam, para esse efeito, recebendo destes as respetivas quantias monetárias;
4 No dia ... de ... de 2022, pelas 11h00, o arguido AA encontrava-se na junto à porta do Lote ..., a conferenciar com o arguido EE, dando–lhe indicações para que este se posicionasse junto às escadas de acesso deste Lote.
5 De seguida, o arguido AA deslocou-se para o hall de entrada do Lote ....
6 Cerca das 11h05, o arguido EE deu indicações a alguns indivíduos que se encontravam no local, a aguardar, para que se dirigissem ao interior do Lote …, para irem ao encontro do arguido AA.
7 Após contactarem com o arguido AA e receberem deste o produto pretendido, os compradores abandonavam daquele local.
8 Assim, quando indivíduos se deslocavam ao Lote ... a fim de adquirirem cocaína ou heroína, só após indicação do arguido EE é que se dirigiam ao interior do referido Lote, e aí estabeleciam contacto com o arguido AA, recebendo deste as embalagens com o produto pretendido.
9 Pelas 11h50, os arguidos, da forma descrita, tinham realizado cerca de 50 transações de cocaína e de heroína.
10 Durante a realização das aludidas transações, neste dia, os arguidos EE e FF mantinham-se no exterior do prédio, próximos da entrada (em locais com visibilidade para os acessos dos lados Norte e Sul do Bairro …), exercendo funções de vigilância a eventuais atuações policiais, de forma a controlar a sua aproximação ou presença, aquando das transações efetuadas pelo arguido AA.
11 A dada altura, passou no local uma viatura policial.
12 Ao vê-la, de imediato, o arguido FF gritou “uga!”, palavra utilizada para alertar o arguido AA da presença de agentes da autoridade.
13 De seguida, o arguido EE, também gritou a palavra “uga!”.
14 Perante este alerta, as vendas de cocaína e de heroína foram interrompidas por alguns minutos.
15 Após a sua retoma, pelas 11h55, o arguido AA foi abordado por JJ, consumidor de cocaína, que pretendia adquirir-lhe este produto, e lhe solicitou, para esse efeito uma embalagem desta substância, tendo-lhe entregue, em contrapartida, a quantia monetária quinze euros.
16 Ato contínuo, o arguido AA entregou a JJ uma embalagem de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina) com o peso líquido de 0,298 gramas.
17 Esta embalagem foi apreendida por Agentes da P.S.P., na posse de JJ, tendo sido, contra si, por estes factos, instaurado procedimento contraordenacional.
18 De seguida, os agentes da P.S.P. iniciaram a abordagem aos arguidos, deslocando–se para o Lote ….
19 Nessa altura, os agentes viram o arguido AA a proceder à venda de embalagens de cocaína e de heroína, por detrás de uma estrutura de proteção/barricada (composta por um escadote, um caixote de lixo e um enfeite de Natal), construída pelos arguidos para impedir o acesso às escadas do prédio.
20 Nesse momento, o arguido EE disse aos agentes: “Dinheiro na mão! Encostados à parede”.
21 Contudo, ao aperceber-se que eram agentes da P.S.P., de imediato, o arguido EE, em simultâneo com o arguido FF, gritaram: “uga! uga!”, para alertarem o arguido AA, para que este se encetasse fuga para o interior do Lote ….
22 Nesse momento, o agente KK avançou para junto do arguido AA, identificou-se como agente da autoridade, agarrou-o pelo braço, para proceder à sua imobilização e deu-lhe voz de detenção.
23 Contudo, este arguido logrou soltar-se e encetou fuga, subindo as escadas do prédio, enquanto gritava para a arguida DD: “uga! uga! uga!...abre! abre! abre!”
24 Os agentes KK e NN seguiram o arguido AA, tendo–o avistado à porta da residência da arguida DD, sita no Lote ….
25 De imediato, a arguida DD abriu a porta da sua habitação e permitiu que arguido AA se introduzisse no interior da mesma, para o auxiliar a fugir dos agentes.
26 Logo após entrar na aludida habitação, o arguido AA dirigiu-se à casa-de-banho, tendo-se ali trancado, para poder dissimular a cocaína e a heroína que tinha na sua posse, bem como as quantias monetárias resultantes das vendas que tinha realizado neste dia.
27 Ali chegado, com o auxílio de um balde que a arguida DD ali tinha colocado, para esse efeito, despejou as embalagens que continham cocaína e heroína pela sanita, assim como a quantia monetária de cento e dez euros.
28 Uma vez que a arguida DD não abriu a porta para permitir que os agentes entrassem no interior do seu domicílio, foi necessário proceder ao seu arrombamento.
29 No interior da habitação, os agentes ouviram diversas descargas de água.
30 Após lograrem abrir a porta da casa-de-banho, intercetaram o arguido AA e revistaram-no, tendo encontrado na sua posse e apreendido:
i) uma bolsa de cintura de marca “Cat”, que continha a quantia monetária de quinhentos e trinta e cinco euros;
ii) junto à sanita e ao arguido AA, os Agentes encontraram uma bolsa de marca “Jordan” que tinha no seu interior:
iii) onze embalagens de heroína, com o peso líquido de 4,500 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 14,1%, sendo o equivalente a 6 doses de consumo;
iv) vinte embalagens de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 3,268 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 48,2%, sendo o equivalente a 7 doses de consumo;
v) a quantia monetária quinhentos e sessenta e um euros.
31 Seguidamente, os agentes fecharam as condutas de água do prédio e acionaram o saneamento da cidade de Lisboa para que procedessem à abertura da conduta de saneamento correspondente ao Lote..., Rua ….
32 De seguida, conduziram o arguido AA à caixa de esgoto do Lote ... da Rua, onde vieram encontrar as embalagens de cocaína e de heroína e a quantia monetária que este tinha deitado na sanita, tendo apreendido:
- cento e trinta e sete embalagens de heroína, sendo que 114 dessas embalagens tinham o peso líquido de 45,215 gramas e apresentavam um grau de pureza de 12,0%, sendo o equivalente a 54 doses de consumo e 23 dessas embalagens tinham o peso líquido de 4,823 gramas e apresentavam um grau de pureza de 10,8%, sendo o equivalente a 5 doses de consumo;
- duzentas e trinta e nove embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 41,533 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 56,9%, sendo o equivalente a 787 doses de consumo.
- a quantia monetária cento e dez euros.
33 Nos termos do acordado descrito em 2.1.1, no dia ... de ... de 2022, cerca das 10h00, o arguido CC deslocou-se à praceta dos Lotes .../…/…/… e …, em Lisboa.
34 Ali chegado, de imediato, o arguido CC reuniu-se e conferenciou com os arguidos GG e FF, que já se encontravam no local, dando–lhes instruções de onde se deveriam colocar, de forma a terem melhor visibilidade, poderem controlar a presença das autoridades e alertá-lo.
35 Assim, seguindo as instruções do arguido CC, o arguido GG posicionou-se junto ao Lote ..., tendo, desta forma, visibilidade para a entrada Norte do Bairro, enquanto o arguido FF se posicionou na Rua ..., com visibilidade para a entrada Sul do Bairro e para a Avenida ....
36 Após, o arguido CC dirigiu-se para o Lote .... Contudo, antes de entrar no referido prédio, dirigindo-se aos arguidos GG e o FF disse: “atenção aí”.
37 Pelas 10h15, o arguido CC, após verificar o interior do prédio, regressou ao exterior, tendo aí estabelecido contacto com o arguido HH e, de seguida, entraram, ambos, no prédio.
38 Antes de entrar, o arguido CC, dirigindo-se aos arguidos GG e o FF, disse-lhes “atenção aí que vou subir, olha aí”.
39 No interior do lote, os arguidos CC e HH colocaram uma porta de alumínio e uma porta de madeira na entrada das escadas de acesso aos pisos superiores, para dificultar a entrada de agentes policiais no prédio e permitir que CC encetasse fuga.
40 Após montarem o referido dispositivo de segurança (as duas portas), o arguido CC deu indicações ao arguido HH ordenando-lhe que se posicionasse na Rua ..., com visibilidade para a Avenida ..., de forma a poder controlar todas as viaturas que circulavam naquele local.
41 Pelas 10h20, o arguido CC entrou no Lote ...e acedeu à fração do ..., de onde saiu minutos depois, trazendo consigo um saco translúcido contendo diversas embalagens de heroína e de cocaína.
42 Seguidamente, o arguido CC, no exterior do Lote ..., deu indicações aos arguidos GG e o FF, de forma a poder iniciar as vendas.
43 Nesse momento, alguns indivíduos que se encontravam a aguardar no exterior do Lote ..., receberam indicação do arguido GG de que podiam aceder ao interior do lote, onde se encontrava o arguido CC, e aí adquirirem-lhe as embalagens de cocaína e de heroína desejadas.
44 Assim, os consumidores das referidas substâncias, que se dirigiam junto do Lote ..., após receberem autorização por parte dos arguidos GG e FF, entravam no Lote, permaneciam no hall de entrada junto ao acesso às escadas, e através da porta de alumínio (colocada no local, momentos antes, pelos arguidos CC e HH) solicitavam ao arguido CC a substância e número de embalagens pretendidas, entregando-lhe, em contrapartida, a respetiva quantia monetária.
45 Após receberem do arguido CC o produto pretendido, abandonavam o local.
46 Pelas 10h50, por indicação dos arguidos FF e GG, acederam ao interior do Lote ... mais de 30 indivíduos, cujas identidades não se lograram apurar, que receberam ali do arguido CC embalagens, e entregaram-lhe quantias monetárias.
47 Aquando destas transações realizadas pelo arguido CC, os arguidos GG, FF e HH mantiveram-se no exterior do prédio, com visibilidade para os acessos ao bairro, atentos a todas as movimentações de pessoas e viaturas, para garantir a segurança das vendas que eram levadas a cabo pelo arguido CC.
48 Pelas 11h00, LL, consumidora de cocaína, entrou no Lote ... dirigiu-se junto do arguido CC, solicitou-lhe uma embalagem deste produto e recebeu deste uma embalagem de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 0,232 gramas, tendo pago, em contrapartida, a quantia dez euros. Esta embalagem foi apreendida na posse de LL, tendo sido contra si, por estes factos, instaurado procedimento contraordenacional.
49 Pelas 11h30, surgiu no local uma viatura da PSP.
50 Ao vê-la, o arguido FF gritou: “uga”, palavra utilizada para alertar o arguido CC da presença de agentes da autoridade.
51 Ato contínuo, o arguido CC deslocou-se, em passo de corrida, à fração ... do Lote ..., residência da arguida DD, que lhe abriu a porta, permitindo que acedesse ao interior.
52 Quando os elementos policiais abandonaram o local, o arguido HH gritou: “tá limpo”
53 Seguidamente, o arguido CC saiu do ..., regressou às escadas do ..., e iniciou as vendas de cocaína e de heroína.
54 Pelas 12h15, chegou ao Bairro ... outra viatura policial.
55 Nessa altura, os arguidos GG e o HH gritaram, em uníssono, a palavra: “uga”.
56 Ato contínuo, o arguido CC deslocou-se e entrou, de novo, na fração... do Lote ..., aí se refugiando.
57 Volvidos alguns minutos, após os arguidos HH, FF e GG se terem certificado de que os agentes de autoridade já tinham saído do local, o arguido FF aproximou-se do Lote ... e disse: “tá limpo, podes descer!!”.
58 Nessa altura, o arguido CC saiu do ..., e regressou ao local das vendas, transportando na mão um saco transparente com diversas embalagens de heroína e cocaína.
59 Pelas 12h40, elementos da P.S.P. que ali se encontravam, a vigiar as movimentações dos arguidos, decidiram proceder à sua abordagem.
60 Ao vê-los, os arguidos FF e GG gritaram, insistentemente, a palavra: “uga”, no intuito de alertar o arguido CC, para que este pudesse colocar-se em fuga.
61 Contudo, agentes policiais, que já se encontravam no interior do prédio, lograram intercetar o arguido CC, no momento em que se preparava para aceder, uma vez mais, ao interior da fração 1.º D.
62 Nessa altura, os Agentes da P.S.P. encontraram na posse do arguido CC e apreenderam:
- Uma bolsa de cintura de marca/modelo “AIR” de cor branco e preto, que continha a quantia monetária de oitenta e nove euros em moedas;
- Na mão direita dois sacos plásticos transparentes, que continham no interior:
• 217 embalagens de heroína, com o peso líquido de 76,726 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 13,9%, sendo o equivalente a 106 doses de consumo;
• 204 embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 45,939 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 57,6%, sendo o equivalente a 882 doses de consumo;
• 26 embalagens de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 5,898 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 47,6%, sendo o equivalente a 14 doses de consumo;
• embalagens estas em tudo semelhantes às referidas em 2.1.46;
• a quantia monetária de quatrocentos e sessenta e cinco euros em notas do BCE.
63 Na mesma altura, o arguido GG tinha consigo a quantia monetária de vinte e oito euros, fracionada em moedas de 2€ e 1€.
64 Na posse do arguido HH foi encontrada e apreendida a quantia monetária de quatrocentos e dez euros.
65 No interior da habitação do arguido BB, sita na Rua ..., Lote … em Lisboa (casa de recuo) foram encontradas e apreendidas:
- Uma arma BBM MOD - 315 AUTO kal. 8 mm;
- Carregador com 4 munições de calibre 6,35mm de marca S&B;
- A quantia monetária de noventa e oito euros;
- Vinte munições de calibre .22lR;
- A quantia monetária de mil setecentos e trinta e dois euros e vinte cêntimos.
66 Os arguidos conheciam as características e a natureza estupefaciente dos produtos apreendidos, destinando-os à cedência a terceiros, mediante contrapartidas monetárias.
67 As quantias monetárias apreendidas constituíam provento dessas vendas.
68 O arguido BB detinha a arma e as munições que lhe foram apreendidas, não se tendo apurado quando, onde e a quem as havia adquirido, conhecendo bem as caraterísticas destes objetos, não tendo qualquer autorização para as adquirir e possuir, bem sabendo que a detenção e uso das mesmas não lhe era permitida, sendo tal conduta punida por lei.
69 Agiram, assim, os arguidos de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida por lei.
Das condições pessoais do arguido CC:
70 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Comum Coletivo 87/17.7SWLSB, que correu termos no Juízo Central Criminal de Lisboa, por decisão proferida em 30.1.2019, transitada em julgado em 24.06.2019, pela prática, em 26.07.2017, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º e 25º do DL 15/93 de 22.01, na pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, a qual veio a ser declarada extinta em 24.06.2020.
71 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Abreviado 670/20.3PSLSB, que correu termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, por decisão proferida em 21.10.2020, transitada em julgado em 12.05.2021, pela prática, em 01.04.2020, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, nº 1 e 2, do DL 2/98, de 3.01, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de 5 €, o que perfaz o total de 700 €, a qual veio a ser declarada extinta em 16.05.2022.
72 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Sumário 324/21.3GBVNO, que correu termos no Juízo Local Criminal de Ourém, por decisão proferida em 30.12..2021, transitada em julgado em 21.10.2022, pela prática, em 21.10.2021, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, nº 1 e 2, do DL 2/98, de 3.01, na pena de 173 dias de multa, à taxa diária de 6 €, o que perfaz o total de 1038 €.
73 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Comum Singular 325/20.9PALSB, que correu termos no Juízo Local Criminal de Lisboa, por decisão proferida em 10.02.2022, transitada em julgado em 09.01.2023, pela prática, em 11.07.2020, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º e 25º do DL 15/93 de 22.01, na pena de um ano e cinco meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos.
74 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Comum Singular 633/20.9SFLSB, que correu termos no Juízo Local Criminal de Lisboa, por decisão proferida em 28.04.2022, transitada em julgado em 08.09.2022, pela prática, em 27.06.2020, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, nº 1 e 2, do DL 2/98, de 3.01, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de 6 €, o que perfaz o total de 960 €, a qual veio a ser substituída por 160 horas de trabalho.
75 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Abreviado 213/21.1GDALM, que correu termos no Juízo Local Criminal de Almada, por decisão proferida em 10.11.2022, transitada em julgado em 12.122022, pela prática, em 06.05.2021, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, nº 1 e 2, do DL 2/98, de 3.01, na pena de cinco meses de prisão, suspensa por dois anos.
76 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Abreviado 458/18.1SFLSB, que correu termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, por decisão proferida em 10.12.2020, transitada em julgado em 12.052021, pela prática, em 01.04.2018, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º e 25º do DL 15/93 de 22.01, na pena de oito meses de prisão, substituída por 240 dias de multa à taxa diária de 5 €, o que perfaz a quantia de 1200 €.
77 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Comum Singular 3141/18.4T9LSB, que correu termos no Juízo Local Criminal de Lisboa, por decisão proferida em 25.06.2021, transitada em julgado em 08.10.2021, pela prática, em 03.04.2018, de um crime furto, p. e p. pelo art.º 203º, nº 1, do CP, e de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347º do CP, na pena única de 2 anos e seis meses de prisão, suspensa por 3 anos.
78 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Abreviado 24/22.7GABBR, que correu termos no Juízo Local Criminal de Caldas da Rainha, por decisão proferida em .05.07.2022, transitada em julgado em 20.09.2022, pela prática, em 01.02.2022, de um crime furto, p. e p. pelo art.º 203º, nº1, do CP, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 6, 50 €, o que perfaz o total de 1.300 €.
79 No período anterior à prisão preventiva, CC constituía agregado familiar com a companheira, de 23 anos de idade, ambos a viverem em casa arrendada pela própria. Viviam maritalmente há cerca de um ano, conhecendo-se desde o ensino secundário. A relação era estável, coesa e baseada na confiança mútua, mas terminou recentemente atendendo à condição jurídico-penal em que o arguido se encontra.
80 Futuramente, o arguido pretende regressar ao agregado familiar da avó paterna, de 76 anos, reformada, e do pai, de 47 anos, distribuidor de produtos alimentares (Matutano). Este núcleo familiar é, para o arguido, fonte do apoio e suporte necessário. Recebe visitas destes elementos familiares.
81 O seu percurso educativo foi instável devido à fragilidade do suporte educativo, em parte decorrente da rutura da relação dos pais e da sua ausência motivada pelo cumprimento de pena de prisão por tráfico de droga.
82 Nesta circunstância, o arguido foi entregue aos cuidados da avó materna e de uma irmã mais velha. Desde cedo apresentou um modo de vida desregrado, baseado numa autonomia disfuncional e ausência de controlo parental das suas rotinas.
83 Neste contexto, foi acolhido no Lar de Infância e Juventude … e ..., em ..., ao abrigo de processo de promoção e proteção. Na adaptação à instituição revelou um comportamento muito problemático, oposicionista, com fugas reiteradas e sistemáticas. Sem suporte capaz de o conter, passou a fazer vida de rua e a associar-se a jovens com comportamentos transgressivos, alguns deles mais velhos, a consumir drogas e a dedicar-se a atividades desviantes e delituosas que determinaram a intervenção do sistema de justiça Juvenil, tendo cumprido diversas medidas tutelares educativas, entre as quais acompanhamento educativo e internamento em centro educativo. Neste meio mais contentor apresentou um percurso educativo oscilante, mas com algum esforço em valorizar os normativos vigentes em sociedade.
84 O retorno à família foi afetado por questões de hostilidade no seio familiar, com as desavenças permanentes entre os progenitores e queixas de episódios de alegada violência doméstica, com dificuldades no controlo adequado às suas rotinas e impacto negativo para a sua vida escolar.
85 CC tem uma filha de 5 anos de idade fruto da relação que estabeleceu com a respetiva mãe.
86 Está habilitado com o 9º ano e, em contexto prisional, frequenta o curso de informática com vista a obter o 12º ano no EP.
87 O seu percurso foi marcado pelo desinteresse, desmotivação e absentismo. Depois de um período de abandono escolar, e ao dar entrada no centro educativo, o jovem foi inserido num curso de jardinagem e espaços verdes, com equivalência ao segundo ciclo e, posteriormente, integrou um curso na área da cozinha para certificação do 9º ano de escolaridade. Neste contexto, demonstrava empenho nas tarefas escolares e adotava uma postura correta com agentes educativos e pares.
88 À data da prisão preventiva encontrava-se desempregado há cerca de 6 meses. O percurso laboral foi iniciado aos 16 anos como ajudante numa empresa de mudanças. Refere ainda como experiências as atividades de comercial de energia e de serralheiro, a qual exerceu na ... durante 3 meses na companhia do pai e talhante em supermercado.
89 Quando foi preso era consumidor ocasional de heroína e cocaína e diário de haxixe. Foram experienciados sintomas de abstinência à data do seu ingresso no Estabelecimento Prisional, mas não solicitou ajuda clínica. A existência dos consumos de heroína e cocaína era pouco conhecida pelo seu círculo pessoal visto que os evitava em várias ocasiões, nomeadamente quando se aproximava a data de visita à filha.
90 O arguido, em meio prisional, tende a adotar um comportamento ajustado às regras e normas internas. Reconhece o consumo de drogas como fator desestabilizador da sua vida. Nega consumos atuais, mostrando-se determinado a manter a abstinência.
91 CC apresenta antecedentes criminais no âmbito da Justiça Juvenil, por factos que configuram os crimes de furtos, roubo e condução de veículo automóvel sem habilitação legal tendo cumprido, nomeadamente, as medidas tutelares educativas de internamento em centro educativo com a duração de 24 meses, entre ... e ..., seguida de uma medida de acompanhamento educativo de 12 meses entre ... e ....
92 No âmbito da justiça penal, encontra-se sujeito ao acompanhamento nestes Serviços de Reinserção Social no âmbito das penas de prisão suspensas na execução determinadas nos Processos nº 3141/18.4T9LSB e nº 325/20.9PALSB, cujas obrigações tem cumprido.
Das condições pessoais do arguido AA:
93 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Abreviado 907/15.0PGLRS, que correu termos no Juízo de Pequena Criminalidade de Loures, por decisão proferida em 22.01.2016, transitada em julgado em 22.01.2016, pela prática, em 12.10.2015, de um crime roubo, p. e p. pelo art.º 210º, nº 1 e 2, al. b), por referência ao art.º 204º, nº 2, al. f) do CP, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, a qual veio a ser declarada extinta em 22.02.2017.
94 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Comum Coletivo 4174/14.5TDLSB, que correu termos no Juízo central Criminal de Lisboa, por decisão proferida em 16.02.2017, transitada em julgado em 30.10.2017, pela prática, em 01.01.2014, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 25º do DL 15/93 de 22.01, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, a qual veio a ser declarada extinta em 30.10.2019.
95 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Sumaríssimo 80/17.0SDLSB, que correu termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, por decisão proferida em 19.06.2017, transitada em julgado em 13.07.2017, pela prática, em 29.01.2017, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, nº 1 e 2, do DL 2/98, de 3.01, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 6 €, o que perfaz o total de 420 €, a qual veio a ser declarada extinta em 08.08.2019.
96 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Abreviado 1133/16.7SFLSB, que correu termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, por decisão proferida em 15.11.2017, transitada em julgado em 18.12.2017, pela prática, em 07.10.2016, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, nº 1 e 2, do DL 2/98, de 3.01, na pena de 3 meses de prisão, substituída por 90 dias de multa à taxa diária de 5 €, o que perfaz o total de 450 €, a qual veio a ser declarada extinta em 08.02.2019.
97 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Abreviado 972/20.9PVLSB, que correu termos no Juízo de Pequena Criminalidade de Lisboa, por decisão proferida em 25.03.2021, transitada em julgado em 03.05.2021, pela prática, em 26.11.2020, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 40º, nº 1 e 2 do DL 15/93 de 22.01, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5 €, a qual foi declarada extinta em 21.10..2022, pelo cumprimento.
98 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Abreviado 325/21.1PVLSB, que correu termos no Juízo de Pequena Criminalidade de Lisboa, por decisão proferida em 14.10.2021, transitada em julgado em 15.11.2021, pela prática, em 14.05.2021, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 40º, nº 2 do DL 15/93 de 22.01, na pena de dois meses de prisão, suspensa por um ano, a qual foi declarada extinta em 15.11.2022.
99 O arguido sofreu uma sanção pecuniária por infração ao Código da Estrada, aplicada pela Justiça do Reino Unido, por condução de veículo sem seguro em 26.08.2021.
100 AA, natural de ..., é o segundo filho de uma fratria de cinco irmãos germanos, com dois irmãos mais novos uterinos. Foi criado pelos progenitores até aos 2 anos de idade, altura em que foi vítima de atropelamento automóvel o que condicionou a emigração para ..., juntamente com a família de origem, de modo a obter apoio médico especializado, vindo a ter sequelas físicas consequentes das lesões sofridas.
101 O arguido foi criado inicialmente com os pais e dois irmãos uterinos. Os pais vieram a separarse, ficando aos cuidados da mãe. A figura materna teve um papel preponderante no seu percurso educativo, com transmissão de afetos e de valores normativos, não obstante a existência de períodos de alguma tensão, que não possuem grande significado, com ausência de conflitualidade significativa no seio familiar.
102 AA frequentou a escola em idade normativa, tendo abandonado a escola aos 19 anos de idade sem completar o 12.º ano de escolaridade, através de equivalência no curso profissional de técnico auxiliar de saúde, na Escola Profissional .... Abandonou a escola com o intuito de obter autonomia e independência financeira. As reprovações foram associadas a dificuldades de aprendizagem do arguido, que revelou gosto na escolarização.
103 A nível de ocupação de tempos livres, o arguido praticou desportos de combate, nomeadamente boxe e muay thai.
104 Iniciou atividade laboral com 16 anos em part-time na área da limpeza e da reposição alimentar. Aos 19 anos trabalhou na construção civil e também na distribuição alimentar, ainda que de forma inconsistente.
105 Aos 22 anos ficou desempregado e beneficiou do subsídio de desemprego até aos 25 anos, quando retomou atividade laboral, transitando entre serventia na construção civil e empregado de loja.
106 AA apresentou historial de consumo estupefacientes, nomeadamente de canábis iniciados aos 22 anos e descritos como recreativos. Aos 26 anos, pela sensibilização da progenitora, abandonou esses consumos sem recurso a apoio especializado, mas essa cessação foi difícil para ele.
107 AA estabeleceu relacionamento significativo entre os 18 anos e os 25 anos, em coabitação.
108 Desta relação nasceu um filho, atualmente com 7 anos de idade. O relacionamento com a ex companheira foi cordial.
109 Atualmente, bem como à data dos factos, AA vive em habitação arrendada de tipologia T2, em conjunto com a companheira e o irmão. O relacionamento familiar é estável e de suporte.
110 AA labora na serventia na construção civil sem contrato de trabalho, com rendimentos que indica de cerca de 700€/mês. A companheira labora como auxiliar de ação educativa auferindo 750€/mês e o irmão, como pedreiro, com rendimentos de 950€/mês.
111 A nível de despesas do agregado, encontra-se o mesmo onerado com a renda da habitação (250€/mês), água (39€/mês), eletricidade (65€/mês) e internet (51€/mês), bem como um crédito automóvel (210€/mês) e a pensão de alimentos do filho (100€/mês). A situação económica é dependente da entreajuda familiar.
Das condições pessoais da arguida DD:
112 A arguida não possui antecedentes criminais.
113 DD, de 45 anos de idade, natural de ..., é a quarta filha de uma fratria de quatro irmãos germanos dos progenitores. O seu desenvolvimento decorreu com ambos os progenitores até aos 4 anos, altura em que a mãe emigrou com o irmão para ... devido a doença hepática deste.
114 Ficou aos cuidados do pai e da avó materna, figura emocionalmente investida, até aos 12 anos, altura em que se juntou à mãe e ao irmão em ....
115 Os progenitores laboravam em serviços de limpeza, sendo a condição económica familiar avaliada como adequada.
116 A arguida revelou dificuldades na adaptação a ..., o que se traduziu na adesão escolar e na integração no grupo de pares. DD frequentou a escola até aos 17 anos de idade, tendo concluído o 7º ano de escolaridade no ensino regular.
117 O abandono escolar foi decorrente das necessidades económicas familiares, no seguimento de um acidente laboral da progenitora, e da sua decorrente dificuldade em exercer atividade laboral.
118 DD desenvolveu uma atividade laboral consistente na prestação de serviços de limpeza a partir dos 17 anos. Devido à pandemia COVID-19 e a diagnóstico de doença nos rins e necessidade de tratamento, deixou essa atividade.
119 DD apresentou um percurso de consumo de estupefacientes, nomeadamente de canábis e de álcool, sem conseguir precisar o início dos consumos, nem o padrão dos mesmos, atribuindo-os a contextos recreativos e esporádicos.
120 A nível afetivo-relacional, DD estabeleceu relacionamentos com prevalência de comportamentos abusivos e violentos por parte dos ex-companheiros. Estabeleceu o primeiro relacionamento com coabitação entre os 18 e 19 anos, que cessou devido a um quadro de violência doméstica. Desta relação nasceu um filho, atualmente de 22 anos de idade. Entre os 20 e os 23 anos de idade estabeleceu relacionamento com coabitação. Desta relação nasceu um filho atualmente de 20 anos. Aos os 30 anos de idade, fruto de relacionamento ocasional, nasceu um filho atualmente de 14 anos de idade. Num relacionamento mantido entre os 37 e os 38 anos de idade, nasceu um filho atualmente de 9 anos, tendo o companheiro falecido. Aos 40 anos de idade reatou relacionamento com o pai do terceiro filho que cessou na sequência de episódios recorrentes de violência doméstica, tendo desta relação nascido outro filho, atualmente com 4 anos.
121 A destruturação vivencial de DD, nomeadamente associada ao consumo de estupefacientes, gerou processos de acolhimento dos filhos da arguida, em idade que estima ter-se situado nos seus 37 anos.
122 Atualmente, como à data dos factos, DD encontra-se a residir numa habitação social (GEBALIS), consistindo num apartamento de tipologia T3, com os cinco filhos com idades compreendidas entre os 22 e os 4 anos de idade. O relacionamento familiar é instável, o que atribui ao meio social de residência, como problemático, associado a consumos e tráfico de estupefacientes.
123 DD não exerce atividade laboral, beneficiando do apoio da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa (SCML) desde 2014, na sequência da reintegração familiar dos filhos da arguida, que vem a revelar esforço na estruturação de um contexto familiar de suporte.
124 A arguida beneficia do rendimento social de inserção (RSI) no valor de 527€/mês e do abono de família dos filhos no valor de 107€/mês. A nível de despesas, DD apresenta a renda (5€/mês), água (35€/mês), eletricidade (75€/mês), gás (34€/mês), internet (43€/mês).
125 Globalmente, a economia familiar é carenciada e dependente de apoio social.
126 Mantém um modo de vida centrado nas necessidades familiares, sem consumos abusivos etílicos ou de estupefacientes.
Das condições pessoais do arguido EE:
127 O arguido não possui antecedentes criminais.
128 EE, de 20 anos de idade, é o segundo filho de uma fratria de dois elementos germanos.
129 Beneficiou de condições económicas e familiares estruturadas. O progenitor laborava como chefe de cozinha e a progenitora como empregada de balcão. Os progenitores foram figuras promotoras de atitudes normativas, tendo o arguido estabelecido uma relação de suporte privilegiada com a progenitora.
130 A condição económica familiar foi adequada face às necessidades do agregado. Registou-se uma alteração da situação económica familiar na sequência do desemprego do progenitor, a partir dos 16 anos de idade do arguido, o que levou à alteração da residência familiar para ..., com consequente mudança de estabelecimento de ensino e afastamento do grupo de amigos.
131 Apresentou um percurso escolar até aos 19 anos, com o 11º ano incompleto, obtido por equivalência num curso profissional de mecatrónica. A desistência escolar foi resultado de desmotivação e desinteresse e com o intuito de obter uma ocupação laboral, sem que o tenha concretizado.
132 EE é solteiro, sem filhos.
133 O arguido apresentou contacto prévio com o Sistema de Justiça Juvenil, com aplicação de medida tutelar.
134 Atualmente, como à data dos factos, EE, encontra-se a residir na habitação familiar dos progenitores, de tipologia T3, com estes e a com a irmã mais velha. O relacionamento familiar é estável e de suporte.
135 EE encontra-se desempregado, em dependência económica dos pais.
136 A economia familiar é sustentada no trabalho da progenitora como empegada de balcão, em que aufere 550€/mês, e o da irmã mais velha, na área comercial auferindo 875€/mês. O progenitor mantém situação de desemprego. As despesas fixas, a cargo da mãe e da irmã, constam as da renda (1000€/mês), água (50€/mês), eletricidade (50€/mês), internet (50€/mês).
137 A situação económica resulta difícil, com necessidade de contenção.
Das condições pessoais do arguido FF:
138 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Sumário 187/22.1SCLSB, que correu termos no Juízo de Pequena Criminalidade de Lisboa, por decisão proferida em 01.09.2022, transitada em julgado em 14.11.2022, pela prática, em 14.08.2022, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 40º, nº 2 do DL 15/93 de 22.01, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 5 €, o que perfaz o total de 200 €.
139 No Julgamento desse Processo o arguido, apesar de regularmente notificado, não compareceu.
140 O arguido também não compareceu em Tribunal nas sessões de julgamento dos presentes autos, nem justificou as suas ausências, apesar de se encontrar regularmente notificado.
141 Notificado, também não compareceu na entrevista que lhe foi agendada pela DGRSPP.
142 À data dos factos, o arguido estava desempregado.
143 O arguido assume-se como consumidor de estupefacientes.
Das condições pessoais do arguido GG:
144 O arguido não possui antecedentes criminais.
145 GG é o segundo de uma fratria de três elementos.
146 Teve um processo de socialização adaptado no âmbito familiar, não havendo referência a problemáticas significativas ao nível da dinâmica e da qualidade dos relacionamentos intrafamiliares.
147 O agregado reside num bairro de habitação social, caraterizado por problemas de exclusão e segregação social, índices de criminalidade elevados e principalmente delinquência juvenil
148 Neste contexto, GG foi precocemente exposto a fatores de risco.
149 Durante a adolescência o arguido manteve consumos pontuais de haxixe.
150 Embora tenha estudado fora da área de residência numa tentativa de afastamento deste meio de influência, abandonou a escola após sucessivas retenções por falta de apetência e de motivação, sem chegar a completar o 9.º ano de escolaridade.
151 Foi pai aos 18 anos, em sequência de uma gravidez não planeada, tendo mantido relação amorosa com a mãe da filha durante cerca de um ano e meio. A jovem abandonou a casa que partilhava com o arguido e a família deste, tendo a criança ficado entregue aos cuidados de GG e seus familiares.
152 No decorrer do ano passado, a filha passou a integrar o agregado da mãe, mantendo o arguido contacto próximo e cumprindo com as suas obrigações legais, nomeadamente o pagamento da pensão de alimentos, bem como os restantes encargos definidos na regulação das responsabilidades parentais.
153 Também aos 18 anos teve a sua primeira experiência laboral. Começou na distribuição de publicidade, tendo passado posteriormente pela restauração, como empregado de mesa/balcão.
154 Em novembro de 2022 firmou contrato de trabalho, auferindo o ordenado mínimo nacional como aprendiz de expedição, na UPAL- União Panificadora da Amadora, LDA, onde tem desempenhado as suas funções, as quais, valoriza, mostrando-se satisfeito com esta oportunidade.
155 À data dos factos que estão na base do presente processo, GG encontrava-se numa fase de desocupação e de procura de trabalho, e sem rendimentos fixos, subsistindo com o apoio da família.
156 A sua situação familiar era idêntica à atual, integrado no agregado de origem, a residir em habitação social, na morada dos autos.
157 Economicamente, no presente, a situação do agregado apresenta-se mais desafogada, uma vez que o arguido se encontra inserido e, tanto os pais como a irmã mais velha trabalham de forma regular.
158 Não são descritas dificuldades financeiras.
159 Após um primeiro contrato de trabalho de curta duração (à experiência), GG renovou o contrato com a UPAL- União Panificadora da Amadora, LDA, exercendo funções como distribuidor entre as 2h00 e as 8h30 horas da manhã.
160 De acordo com palavras do próprio, dedica o seu tempo livre principalmente à namorada e filha, atualmente com sete anos de idade.
Das condições pessoais do arguido HH:
161 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Sumário 431/17.7SCLSB, que correu termos no Juízo de Pequena Criminalidade de Lisboa, por decisão proferida em 30.08.2017, transitada em julgado em 2.10.2017, pela prática, em 12.8.2017, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 40º, nº 2 do DL 15/93 de 22.01, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 5 €, o que perfaz o total de 200 €, a qual foi substituída por 39 horas de trabalho e declarada extinta em 11.1.2019 pelo cumprimento.
162 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Comum Coletivo 4/17.4SWLSB, que correu termos no Juízo Central Criminal de Lisboa, por decisão proferida em 21.3.201, transitada em julgado em 23.4.2018, pela prática, em 5.1.2017, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º do DL 15/93 de 22.01, por referência à Tabela I-C anexa, e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86º, nº 1, al. d) por referência ao art.º 2º, nº 3, al. p), ambos da Lei 5/2006 de 23.2 e DL 401/82 de 23.9 e art.º 73º do CP, na pena única de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, a qual veio a ser declarada extinta em 23.6.2020.
163 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Sumaríssimo 128/21.3SCLSB, que correu termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, por decisão proferida em 8.7.2021, transitada em julgado em 10.9.2021, pela prática, em 5.5.2021, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, nº 1 e 2, do DL 2/98, de 3.01, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de 5 €, o que perfaz o total de 375 €, a qual veio a ser declarada extinta em 3.10.2021.
164 HH é o segundo filho de uma fratria de três elementos germanos.
165 O relacionamento familiar foi estável e de suporte, com um relacionamento investido por parte da progenitora. A economia familiar decorria da atividade laboral dos progenitores, a mãe em serviços de limpeza e o pai na distribuição alimentar.
166 O meio social de residência, Rua ..., foi associado a problemática social e criminal, nomeadamente consumo e tráfico de estupefacientes.
167 Apresentou um percurso escolar até aos 18 anos, obtendo o 6º ano de escolaridade. As reprovações foram resultado de desinteresse e desinvestimento escolar, com aparente permeabilidade à influência grupal, o que conduziu ao abandono com o intuito de desenvolver atividade laboral.
168 HH iniciou uma atividade laboral aos 19 anos de idade, num café, e a partir dos 22 anos numa oficina, sem contratos de trabalho.
169 É consumidor pontual de haxixe, que o arguido circunscreve a contextos recreativos, sem quadro de dependência.
170 HH iniciou um relacionamento significativo aos 17 anos, vindo a estabelecer coabitação. Deste relacionamento nasceram dois filhos, atualmente de 3 anos e 2 anos de idade.
171 Atualmente, como à data dos factos, HH encontra-se a residir na habitação adquirida em nome da companheira, em ..., com os filhos de 3 e 2 anos de idade. O relacionamento familiar é estável e de suporte.
172 A nível económico, os recursos de HH provêm do desenvolvimento de uma atividade como mecânico, sem vínculo contratual, com rendimentos líquidos referidos de 700€/mês, e da atividade da companheira como caixa de hipermercado, com rendimentos estimados de 750€/mês.
173 Como despesas fixas constam as da renda (250€/mês), água (50€/mês), eletricidade (75€/mês), internet (81€/mês). A situação económica resulta ajustada face às necessidades do agregado.
Das condições pessoais do arguido BB:
174 O arguido foi condenado no âmbito do Processo Sumário 294/19.8PGLRS, que correu termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures, por decisão proferida em 24.09.2019, transitada em julgado em 24.5.2019, pela prática, em 4.4.2019, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, nº 1 e 2, do DL 2/98, de 3.01, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 6 €, o que perfaz o total de 420 €, a qual veio a ser substituída por 70 horas de trabalho e declarada extinta em 16.3.2020 pelo cumprimento.
175 O arguido, regularmente notificado, não compareceu em qualquer uma das sessões de audiência de julgamento nem justificou a s suas faltas.
176 BB possui três irmãos uterinos mais novos.
177 Com o falecimento do pai, associado à dependência de estupefaciente, quando o arguido tinha 5 anos, passou a estar aos cuidados da mãe e avô materno, no Bairro ....
178 Os pais laboravam como feirantes, proporcionando uma economia considerada adequada.
179 Frequentou a escola até aos 14 anos, obtendo o 4º ano de escolaridade. Teve reprovações justificadas com absentismo devido a desinteresse escolar.
180 BB não apresentou historial de consumos estupefacientes, o que atribui ao exemplo que teve do progenitor.
181 BB iniciou atividade laboral aos 15 anos, participando na venda ambulante; pelos 17 anos trabalhou na construção civil; e a partir dos 25 anos passou a laborar nas mudanças, atividade que exerce sem vínculo laboral.
182 A nível afetivo-relacional, o arguido manteve um relacionamento significativo entre os 17 e os 18 anos, tendo desta relação nascido dois filhos gémeos, dos quais um faleceu, tendo o filho atualmente 10 anos de idade.
183 Estabeleceu outro relacionamento aos 19 anos tendo desta relação nascido duas filhas, atualmente de 8 e 4 anos de idade.
184 Atualmente, como à data dos factos, BB encontra-se a residir com a companheira e as duas filhas em habitação social, sendo o ambiente familiar estável e de suporte.
185 BB labora sem vínculo laboral e de forma irregular nas mudanças de móveis, referindo auferir cerca de 650€/mês, ao qual acresce o Rendimento Social e Inserção (RSI) no valor de 130€/mês.
186 A companheira encontra-se desempregada, beneficia também do RSI no valor de 300€/mês.
187 O arguido possui despesas fixas familiares a renda, água, eletricidade e internet.
188 O arguido considera a situação económica familiar precária, beneficiando, além dos apoios sociais, do apoio da sua progenitora.
***
Factos não provados:
Não se provou que:
1 Desde pelo menos o dia ... de ... de 2022, todos os arguidos tivessem acordado todos entre si, de forma organizada e com regularidade, e em conjunto e em comunhão de esforços, proceder à venda de heroína, cocaína e cannabis a consumidores destes produtos, em troca de quantias monetárias, junto ao Lote ... da Rua …, em Lisboa.
2 Os arguidos tivessem mantido essa atividade para além dos dias em que são intervenientes e a que se alude nos factos assentes.
3 Os factos ocorridos no dia ... tivessem concretizado o plano estabelecido por todos os arguidos no dia ... de ... de 2022.
4 À data dos factos, o arguido BB se dedicasse à venda de peixe a retalho, porta a porta.
5 O dinheiro apreendido na casa de CC fosse proveniente da venda de peixe a retalho, de porta em porta.
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III- Fundamentação da aquisição probatória:
O Tribunal a quo justificou a aquisição probatória nos seguintes termos:
« (…) Destarte, resultaram fundamentais para a formação da convicção do Tribunal no que respeita à FACTUALIDADE PROVADA E NÃO PROVADA, a prova documental junta aos autos, concatenada com a prova testemunhal, o que se fez tendo por fundamento, ademais, o princípio da livre apreciação da prova, firmado no disposto no art.º 127.º do CPP.
Analisemos, então, criticamente a prova recolhida.
Prova documental
- Auto de notícia por detenção, a fls. 2-3, do qual se extrai que os arguidos AA, EE, FF e DD foram detidos pelo órgão de polícia criminal;
- Relatório de Diligência Externa de fls. 18 a 23, relativo ao dia ... de ... de 2022, que relata as movimentações observadas;
- Auto de notícia de fls. 24-25, relativo à interceção do comprador aí identificado e dose de produto estupefaciente apreendido;
- Auto de apreensão de fls. 26-27, a que se reporta o Auto de notícia que o antecede;
- Guia de entrega do produto apreendido, a fls. 28, a que se reporta o auto de apreensão que o antecede;
- Teste rápido de fls. 29, que reagiu positivo a cocaína;
- Auto de apreensão de fls. 32, relativo à quantia de 535 €, em numerário do BCE, que o arguido AA tinha na sua posse;
- Fotogramas relativos a essa quantia, extraindo-se que a mesma era composta por diversas notas de 20 €, 10 € e 5 €, a fls. 33;
- Auto de Busca e Apreensão de fls. 34-35, relativo à diligência efetuada na residência sita na Rua ..., Lote … Lisboa, tendo sido apreendidas vinte embalagens de produto suspeito de ser cocaína, onze embalagens do produto suspeito de ser heroína e 561 €;
- Guia de entrega do produto suspeito de ser estupefaciente, a fls. 36-37, a que se reporta do auto de apreensão que o antecede;
- Teste rápido ao produto a que se reporta a Guia que antecede, a fls. 38, e que reagiu positivo a cocaína;
- Fotogramas de fls. 39 e 40, visualizando-se a composição em notas de 100€, 50 €, 20 € 10€ e 5 € e moedas de diversos valores;
- Auto de apreensão de fls. 41, relativo à diligência efetuada na caixa de esgoto referente ao Lote ... do qual consta a descrição de 138 embalagens de heroína, 56 gr de PBA; 241 embalagens de cocaína, como o PBA de 52, 14 grs, e 110 euros em numerário do BCE;
- A fls. 42, a Guia de entrega referente ao produto a que se refere o auto que a antecede;
- A fls. 43, o Teste rápido ao produto a que se alude na Guia que o antecede, que reagiu positivo a cocaína;
- Fotograma da caixa de esgoto, a fls. 44; e dos artigos ali apreendidos e descritos no Auto de Apreensão que o antecede;
- Fotograma de fls. 46, que reconstruiu a barreira de proteção utilizada para evitar a imediata interceção policial;
- Fotograma do local da prática dos factos, a fls. 109;
- Relatório de Diligência Externa de fls. 108-109 quanto à descrição da movimentação observada;
- Auto de Apreensão de fls. 119-120, relativo ao produto estupefaciente que LL tinha na sua posse, devidamente subscrito pela mesma;
- A fls. 121, guia de entrega de produto estupefaciente apreendido a fls. 119-120;
- A fls. 122, teste rápido, do qual se constata que o produto apreendido com auto a fls. 119-120, reagiu positivo a cocaína;
- A fls. 123, fotograma do produto apreendido, cujo auto se encontra a fls. 119;
- A fls. 126-127, Auto de notícia por detenção, datado de 8.7.2022, relativo às pessoas dos arguidos CC, HH, FF, GG e BB;
- Auto de apreensão de fls. 142-143, relativo os objetos e valores que o arguido CC tinha na sua posse no dia 8.7.2022, encontrando-se a fls. 147 os fotogramas do produto estupefaciente;
- A fls. 144, guia de entrega do produto estupefaciente apreendido a CC e fls. 145, invólucros em plástico igualmente apreendidos;
- A fls. 146, teste rápido relativo ao produto apreendido ao arguido CC, que reagiu positivo a cocaína;
- a fls. 148, fotogramas do local, nos quais se visualizam os obstáculos colocados ao acesso às escadas e pisos superiores;
- Auto de Apreensão de fls. 149, relativo à quantia monetária que o arguido HH tinha na sua posse e respetivo fotograma a fls. 150;
- Auto de Apreensão de fls. 151, relativo à quantia monetária que o arguido GG tinha na sua posse e respetivo fotograma a fls. 152;
- Auto de busca e apreensão de fls. 154-156, relativo à residência do arguido BB e invólucro apreendido a fls. 157, com os fotogramas a fls. 158 a 161;
- Autos de Exame de fls. 327-328, 329 e 330 relativos à arma e munições encontradas em casa do arguido CC, dos quais de apura trata-se de uma arma de fogo transformada e munições;
- documentação relativa às declarações dos arguidos que as prestarem em primeiro interrogatório, incluindo a matéria atinente à condições pessoais.
Juntos pela Defesa:
Doc. 1 a 12 juntos em audiência – faturas emitidas pela Jovipeixe, data de 18.3.2023, em nome de consumidor final, valor de 26,71 €; doc. 2 repete o 1; emitida por Galiza pescados Unipessoal, de 25.2.2023, a consumidor final, no montante de 28,62 €; emitida por Gialmar, a cliente final datada de 25.2.2023, no valor de 83,74 €; repetida como doc. 5, emitida por Gialmar, datada de 18.3.2023, em nome de cliente final, no valor de 19,08 €; repetida como doc. 7; emitida pela Gialmar, datada de 24.2.2023, emitida a cliente final, no valor de 15,90 €; repetida como doc. 9; um talão , sem emitente, com o nome BB e escrito “choco”, no montante de 21, 20 €;emitida em nome de Gialmar, datada de 4.3.2023, a cliente final, no montante de 41,38 €; o doc. 12 duplica o anterior.
- fotogramas apresentados como doc. 13 a 22, do quais se extraem visualizações do local dos factos, escadas de acesso ao hall das frações, hall das frações, hall junto aos elevadores; interior das caixas de gás e eletricidade, contendo tralha; portas de entrada das frações 5B e 5C
Prova Pericial:
- Relatório de exame pericial de fls. 479 (exame 202206115-BTX), que prova tratar-se de cocaína, a qual foi apreendida a LL;
- Relatório de exame pericial de fls. 474, (exame 202206159-BTX), que prova tratar-se de heroína e cocaína, produto estupefaciente este que foi encontrado na posse do arguido CC e foi apreendido;
- Relatório de exame pericial de fls. 481 (exame 202205226-BTX), que prova tratar-se de cocaína, a qual foi apreendida a JJ;
- Relatório de exame pericial de fls. 476 (exame 202205224-BTX), que prova tratar-se de heroína e cocaína, produto este que o arguido AA tinha na sua posse e que lhe foi apreendido;
- Relatório de exame pericial de fls. 483 (exame 202205268-BTX), que prova tratar-se de heroína e cocaína, produto este encontrado no esgota e ali colocado pelo arguido AA;
Prova esta que concatenou com a prova testemunhal:
1. Dos factos relativos ao dia ... de ... de 2022:
A testemunha KK, agente da PSP, depôs de forma clara, objetiva e consistente, dizendo que a investigação resultou da recolha de informação relativa à venda de produtos estupefacientes na Rua ..., bairro este conotado com a toxicodependência, tendo essa informação dado conta de que ali, no Lote …, a afluência era muito grande e a banca estava muito ativa, com pessoas referenciadas, a saber, o FF, o AA e o EE.
Em particular, quanto aos factos ocorridos no dia ..., disse que esteve em vigilância com os agentes MM e NN Quando se entendeu que era a altura adequada para fazer a interceção e lho comunicou, acederam ao bairro. O arguido FF estava no exterior, os agentes ingressaram na fila que tinha mais de dez compradores, pessoas com aparência de toxicodependentes. Os agentes tentaram furar a fila para acederem mais rapidamente ao interior, não sendo reconhecidos. A testemunha relatou então que o arguido EE lhes deu ordem para se encostarem à parede, que os compradores já traziam o dinheiro na mão, sendo notas de 10 e 20 €, e que tudo se passava muito rapidamente. Mais disse que quem estava a proceder à venda era o arguido AA, na entrada do hall, junto às escadas, atrás de um postigo composto por um escadote de metal. O arguido AA entregava a droga e recebia o dinheiro. O EE dava as indicações. Mais disse que enquanto ali esteve, viu umas cinco ou seis vendas. Intervieram então como autoridades policiais, ele intercetou o arguido AA, mas como tinham o escadote entre ambos, este conseguiu libertar-se e subir as escadas. Confrontado com fls. 46, disse corresponder à banca que descreveu. O arguido EE gritou “uga”. Esclareceu, depois, as circunstâncias em que se libertaram do obstáculo, ouviram o arguido AA gritar abre, entrar no 1D e refugiar-se no seu interior, logrando fechar a porta. Foi perentório ao afirmar que gritaram “polícia” e que ainda assim a porta não foi aberta. Acabaram por arrombar a porta de entrada do 1D para penetrarem no interior da fração, ouvindo, entretanto, uma porta bater. Assim que entrou, a testemunha apercebeu-se das descargas com o autoclismo e que o arguido se encontrava na casa de banho. O arguido foi revistado e foram-lhe apreendidos os objetos, produto estupefaciente e valores que constam dos autos. Foi diligenciado de imediato para que fossem fechadas as condutas do prédio e foram chamados os SML. Apurou-se, então, que na descarga desse lote encontravam-se as restantes embalagens, tendo a certeza de que os sacos que antes vira eram em tudo idênticos aos ora apreendidos.
O depoimento foi absolutamente claro, detalhado, consistente, e, ademais, encontra-se suportado pela prova documental e pericial a que acima já se fez referência.
Mas mais: é o arguido AA quem, em primeiro interrogatório, assume estar a vender o produto estupefaciente porque, segundo justificou, tinha uma dívida para pagar. Confirma que fugiu para a primeira porta que encontrou. O arguido assumiu o que não fazia sentido negar, atendendo a que há prova documental a atestar o produto estupefaciente que tinha na sua posse. No mais, ressalta à evidência que quis ilibar os coarguidos, quer a coarguida DD, quer os demais arguidos, dizendo que o FF e o EE não estavam com ele e que ali estava também um senhor de fato preto, a vender, que também fugiu. Esta versão carece de qualquer verosimilhança pois não faz sentido estarem duas “bancas” num exíguo hall de entrada, lado a lado. Vir dizer que só vendia a pessoas conhecidas também não faz qualquer sentido, e foge por completo às regras da experiência comum, tanto mais que nem sequer executava a venda dentro de sua casa. Por fim, disse que não descartou nada que estivesse com ele.
O arguido EE também assumiu a prática dos factos em sede de primeiro interrogatório, admitindo que gritou para avisar a presença da polícia. Era o seu trabalho – vigiar. No mais, veio dizer que vigiava para um individuo de fato de treino preto, que não identifica por medo. Segundo ele, este homem vendia. Ganhava cem euros por dia com este seu desempenho.
Porém, esta alocação de venda “a um homem de fato preto”, pelos motivos acima expostos, não convence. Ao invés, o que ela visa é disseminar a responsabilidade das vendas por outrem, minimizando a atividade por parte de quem foi intercetado por a estar a realizar. Ela é uma manifestação da concertação dos arguidos numa versão que pretende levantar a dúvida ao Julgador. Não colhe porque não tem qualquer sustentação probatória por parte de quem investigou e intercetou, nenhuma referência documental e não se vislumbra a partir do fotograma do local que, ali, a dualidade de bancas pudesse ser, sequer, verosímil.
A testemunha JJ, que depôs dizendo que ali foi intercetado pela PSP após comprar droga, disse que ali em todos os prédios se vende droga, e que comprou algures num dos prédios, mas não referiu que no mesmo hall de entrada estão dois vendedores em bancas distintas. O que ressalta do seu depoimento é que em cada um dos prédios se vende à entrada, que há uma fila e que são encaminhados. Também referiu que os vigias costumam gritar uga. Tudo conforme, portanto, o depoimento da testemunha KK. Mas mais: se o arguido AA assume estar a vender naquele dia, e os arguidos FF e EE não estavam concertados com ele nas funções de vigia, então quem estava a encaminhar e a vigiar com ele, tarefa essencial para se proceder à venda, como resulta do saber comum (e já agora funcional de todos os processos congéneres)? Não há qualquer alusão a mais ninguém por parte dos arguidos porque na realidade não foi intercetado mais ninguém. E não colhe que para além do alegado “homem de preto” os vigias de quem estava assumidamente a vender não tivessem sido intercetados.
Se os arguidos apresentam factos excludentes da sua cabal responsabilidade ou da responsabilidade de outrem, a si compete fazer prova do que alegam, tal como à acusação compete provar os factos em que se sustenta. A vaguidade e indeterminação da versão desculpabilizante dos arguidos, sem qualquer indício probatório, não logra pôr em causa a sustentação dos factos responsabilizantes nos termos que se vêm exarando.
Também o arguido FF prestou declarações em primeiro interrogatório, para dizer que ali estava a comprar cocaína e heroína. Há ali sete ou oito a vender, é porta sim, porta sim. E a quem comprou? A um senhor de preto.
Não há qualquer outra descrição por parte dos arguidos: se alto, baixo, gordo ou magro, moreno ou louro, nada. A todos vem à mente, na sua versão concertada, uma só caraterística – um senhor de preto.
Em síntese, fica claro:
- que no local se encontravam, para além do AA, o FF e o EE, que organizavam os clientes da droga para a concretização da compra;
- que o arguido AA estava a proceder à venda de produto a quem ali se deslocava para o adquirir;
- que ao aperceber-se da presença da polícia, o arguido AA fugiu para casa da DD, ficando a porta da casa fechada;
- que, uma vez no interior, foi para a casa de banho e fez descargas, as quais, obviamente, tiveram por escopo descartar-se do produto estupefaciente que tinha na sua posse;
- que a arguida DD bem sabia que lhe tinha de abrir a porta quando e se fosse interpelada para o efeito, o que fez;
- que uma vez fechada a porta, teve de ouvir gritar “polícia”;
- e que não abriu a porta, sendo que a mesma teve de ser arrombada.
Vejamos, agora, em pormenor, os factos respeitantes à arguida DD.
Pela voz da mesma em primeiro interrogatório chegou a versão de estava em casa, ouviu barulho, ouviu bater à porta, foi abrir, entrou o rapaz que fechou a porta e que o mesmo foi para o lado do corredor, para a casa de banho. Nunca o tinha visto antes, segundo ela. A arguida confirma que a polícia arrombou a porta.
Ora, a primeira conclusão a retirar deste arrazoado é que não se compreende, nem conjuga com o normal acontecer, que tendo ouvido um barulho, e ouvido bater à porta, a mesma tivesse aberto a porta, ainda que com medo, segundo disse.
Antes de mais, porque não podia desconhecer a atividade levada a cabo no hall de entrada do prédio onde vivia, separada dessa atividade por um breve lanço de escadas. Se ouviu barulho, como é natural, teve de perceber o que se passava e não foi por acaso que abriu de imediato a porta à primeira interpelação para o efeito. Tivesse de facto medo, e nada a ver com a descrita atividade, e permaneceria com a sua porta bem fechada, que é naturalmente o que faz quem sabe que no hall se vende droga e que ali está a haver problemas. Sobre esta matéria, o que disse foi que ouviu falar que há por ali droga, mas que está sempre em casa e não saber de nada. Como se fosse possível não ir à rua, no giro diário de uma normalidade de bairro, comprar o que quer que seja, e não se deparar com o hall transformado em banca de venda. O Julgador tem de interpretar o que se diz e a intencionalidade do que se diz e avaliar esses dizeres com base no que é a normalidade das coisas. Uma mãe tem de sair à rua quando a sua vida é normal. Dizer que nunca sai à rua é uma tentativa de iludir o Tribunal sobre o conhecimento que tem do que ali se passava ao fundo do lance de escadas para justificar o injustificável - a abertura da porta a quem não se conhece e não a abrir quando é gritado polícia.
Na verdade, a arguida até pode vir dizer que não ouviu, mas isso não faz qualquer sentido. É absurdo que a polícia não se tivesse identificado em alta voz, assim tentando franquear a sua entrada, para intercetar de imediato o arguido, e preferisse arrombar a porta, correndo o risco de ver frustrada a interceção e a apreensão.
A arguida ouviu e não abriu a porta. E isso só pode ter uma razão de ser – a sua conivência, o seu acordo, a sua função, na atividade delituosa. Não explica a arguida porque abriu a porta a um alegado desconhecido e permaneceu com ela fechada quando a polícia se identifica ou quando a começa a arrombar. O medo tem costas largas, mas não serve de veste para esta versão.
É verdade que o senhor agente KK disse que, quando entrou, ela estava de frente para a porta da entrada, na sala. E que mais tarde viu que ela estava assustada. Pois estava, pois bem sabia do seu comprometimento.
O facto de não ter aberto a porta à voz da polícia, a qual não podia ter deixado de ouvir, até pela localização em que estava, é um facto, a nosso ver, irrefutável, da sua comparticipação.
Há, a acrescer, outros depoimentos fundamentais para respaldar a convicção do Tribunal.
NN, agente da PSP, interveio nos factos de .... Relatou que a venda foi feita pelo AA e que o FF estava na rua, a vigiar. Foi um dos que se colocou na fila para comprar e a quem o EE disse para se colocar na fila, pelo que viu no exterior e já no interior. Corroborou o depoimento anterior, no que teve de essencial, relativamente à primeira tentativa frustrada por parte do agente KK de intercetar o arguido AA, enquanto ele próprio tentava remover os obstáculos ali colocados. No mais, relata a fuga deste para casa da DD gritando-lhe que abrisse, a porta que se fecha, a chegada dos colegas, o grito infrutífero “polícia” para que a porta se abrisse, o arrombamento e a interceção do AA. Tudo descreve com objetividade, consistência e de forma clara. Confirma que ouviu a descargas do autoclismo e que viu o AA junto à sanita, onde ainda estavam embalagens do produto. O seu depoimento foi, portanto, uma consolidação testemunhal do depoimento de KK em tudo o que descreveu, designadamente quanto à droga intercetada no esgoto.
De igual jaez, o depoimento do agente MM foi absolutamente credível. Disse que estava no exterior e visualizou as movimentações entre o arguido AA e o arguido EE, o que afasta a versão dos arguidos de que nem se conheciam. Esclarece quais as posições em que os arguidos vigias, EE e FF, se colocam e o seu campo de visibilidade, e descreve a sua atividade de encaminhamento. É claro e objetivo ao descrever o comportamento do arguido FF, que grita uga, quando um carro patrulha se aproxima. E que tanto o arguido FF como o arguido EE voltam a gritar ainda mais uma vez uga, após o reinício da venda, mais concretamente aquando do momento da intervenção das equipas de investigação.
Por fim, impõe-se uma referência aos depoimentos de OO e PP, agentes da PSP, que intervieram, intercetando o comprador JJ. Esta última testemunha confirmou ainda que o arguido gritou uga e o intercetou cerca das 13h.
2. Atentemos, de seguida, nos factos relativos ao dia ... de ... de 2022.
A testemunha KK esclareceu, com as caraterísticas que o seu depoimento revelou e já acima mencionadas, que nesse dia, o arguido FF permanecia no local, vigiando. A investigação montou dois pontos de vigilância, um no exterior e outro no interior, encontrando-se a testemunha neste último, onde também estava o agente PP. Descreveu que: a aproximação à atividade é cautelosa, ora à distância, ora aproximando-se mais um pouco; foi avisado que o arguido CC estava no exterior com o GG e o FF, e depois que o CC ia entrar, o que sucedeu; o arguido CC percorreu o prédio para ver se estava “limpo”; voltou ao exterior, onde se encontra com o HH; depois, voltam os dois ao interior e montam a “banca” com uma porta; e que voltam a sair e o CC volta a entrar, acede ao primeiro andar pelas escadas e depois entra no elevador.
A testemunha apercebe-se que o elevador vai subindo e que pára no 5º andar e que ele sai. Diz que, por estar nas escadas, não se apercebe em que fração entra. Passados uns minutos viu-o sair do 5A (casa do coarguido BB), fechar a porta, e descer pelas escadas, trazendo um saco translúcido com embalagens no interior, que percebeu ser o produto estupefaciente. Mais diz que, concomitantemente, o agente no exterior avisa-o de que as vendas vão começar, pois o arguido GG começa a encaminhar as pessoas para o prédio. Relata que o CC se posiciona na banca e as pessoas começam a comprar. A testemunha confirma o que se encontra no libelo acusatório: os vigias alertam e as vendas são interrompidas com o seu grito uga. A testemunha vê então o CC correr e entrar na fração 1D e que, depois, após o “tá limpo”, sai dali e as vendas recomeçam. E são muitas, segundo diz, mais de trinta em fases distintas. Diz ainda que LL é uma das compradoras, que foi intercetada, que lhe foi apreendido o produto estupefaciente. A documentação constante dos autos, acima referida, sustenta o depoimento da testemunha.
A testemunha viu que, nesse dia, o arguido CC ainda se recolheu mais uma vez em casa da coarguida DD, no 1D, cuja porta estava entreaberta.
Por fim, esclareceu que a investigação decidiu proceder à interceção, sendo que nesse momento estava nas escadas com o agente PP, posicionado de molde a impedir a entrada no 1D. Segundo a testemunha, os vigias deram o alerta. A testemunha procedeu à detenção do arguido CC, o qual tinha na as posse o dinheiro e a droga.
Fez ainda a busca ao 5A, onde não foi encontrado produto estupefaciente, mas apenas pouco mais de 1700 €.
Vejamos, em particular, os factos relativos ao arguido BB, morador no 5A.
Como já acima se referiu, o testemunho do agente KK afigurou-se absolutamente credível.
A Defesa interpelou-o sobre o local exato em que se encontrava para aferir se, desse local, tinha campo de visão para a porta do 5A, por onde, de acordo com a testemunha, o arguido CC saiu com o saco contendo as embalagens.
A testemunha mostrou-se incomodada com a eventualidade de ter de revelar esse local porquanto tal circunstância colocaria em crise a investigação e respetiva estratégia.
E a questão que se coloca é a descrita atitude da testemunha fere a sua credibilidade. O Tribunal entende que não e bem assim que não compromete a possibilidade de o arguido se defender.
Vejamos porquê.
A testemunha esclarece que poderia ter-se escondido nos quadros de água, gás ou eletricidade.
O arguido juntou fotogramas desses quadros. Desconhece o Tribunal o exato dia em que foram tiradas essas fotografias e se à data dos factos os mesmos estavam limpos ou com tralha. Mas uma coisa se percebe: é que não havendo lá tralha, um homem em pé ali cabe, ainda que apertado, com as portas entreabertas. O arguido juntou os fotogramas com os quadros “habitados” por tralha o que não significa que no dia dos autos a mesma ali estivesse ou não tivesse sido, pontualmente, retirada por quem tinha o interesse nesse vazio local.
É, portanto, possível que a testemunha ali se tivesse abrigado. Mas não só.
A testemunha disse ainda que se poderia ter abrigado numa fração.
Compreende-se o contexto e o perigo em denunciar o abrigador e a impossibilidade que isso acarreta para qualquer futura investigação. E compreende-se a preocupação da testemunha na divulgação desses factos para proteção da integridade física e vida de terceiros.
Há uma porta mesmo diante da porta do 5A.
O depoimento da testemunha é por isso consistente.
A testemunha deixou ainda perceber que poderia ter utilizado estratégias de investigação.
Observando os fotogramas juntos aos autos, é possível perceber que as escadas dão acesso ao um corredor e que o mesmo faz ângulo reto antes de se visualizar a porta do 5A. É verdade, pois, que das escadas não se vê o 5A. Mas qualquer jogo de espelhos discretamente colocados no hall possibilita a visualização de espaço não diretamente coberto pelo olhar a partir das escadas.
Mas mais: o depoimento da testemunha foi consistente com a demais prova dos autos, inclusive com, em parte, assunção de responsabilidades por parte dos arguidos. Inexiste qualquer motivo para não dar credibilidade nesta parte ao seu depoimento.
Ao arguido caberia, se assim o entendesse, fazer prova de que os locais mencionados pela testemunha como locais onde poderia estar – e apenas nos referimos a locais – são insuscetíveis de o acolher para visualizar a porta do 5A. A acusação faz a prova dos locais possíveis, sem ter de comprometer terceiros ou futuras investigações. O direito do arguido a defender-se não implica, por parte da testemunha, a verbalização da sua localização exata. O mero conhecimento, por parte do arguido, dos locais onde a testemunha poderia estar, constitui informação bastante para que o arguido demonstre que são “locais impossíveis” para o visualizar.
Ora, exatamente porque tinha informação para se defender, fê-lo, com a junção dos fotogramas em audiência de julgamento, após o depoimento desta testemunha. Exerceu, portanto, de forma cabal o seu direito de defesa.
E o que deles retirou o Tribunal? Que eles constituem, ao invés do pretendido, prova de que dos mencionados locais é possível visionar a porta do 5A, tal como acima se fez constar.
Aqui chegados, vejamos o que mais trouxe o arguido aos autos.
No exercício do direito ao contraditório – e pela palavra do seu Ilustre Defensor, já que o arguido nunca compareceu em audiência, nem justificou as faltas – quanto ao teor do Relatório Social disse que se dedicava à venda de peixe porta a porta, motivo pelo qual tinha cerca de 1700 euros em casa e que tal atividade, tendo sido comunicada ao Senhor Técnico, não foi levada ao aludido Relatório.
Juntou faturas para prova do alegado. E desde já se adianta que mal se compreende que para atestar uma atividade comercial de venda de peixe, em ..., o arguido tenha junto:
- uma fatura emitida pela Jovipeixe, datada de ........2023, a consumidor final, no valor de 26, 71€, fatura esta repetida como doc. seguinte;
- uma fatura emitida por Galiza Pescados Unipessoal, datada de ........2023, a consumidor final, no montante de 28,62€;
- uma fatura emitida por Gialmar, a cliente final, datada de ........2023, no valor de 83, 74€, fatura esta repetida como doc. seguinte,
- uma fatura emitida por Gialmar, datada de ........2023, a cliente final, no valor de 19, 08€, fatura esta repetida no doc. seguinte;
- fatura emitida pela Gialmar, datada de ........2023, emitida a cliente final, no valor de 15, 90€, fatura esta repetida no doc. seguinte;
- um talão, sem emitente, com o nome BB e escrito “choco”, manuscritos, no montante de 21, 20€;
- uma fatura emitida em nome de Gialmar, datada de ........2023, a cliente final, no montante de 41, 38€, repetida no doc. seguinte.
O Tribunal, na sua busca pela verdade material, ouviu QQ, Técnico que elaborou o Relatório Social, e o mesmo esclareceu que o arguido lhe comunicou que laborava de forma irregular na atividade de mudanças, não tinha uma função fixa e que o arguido fez referência a um negócio de peixe, que tinha intenção de vir a concretizar, mas do qual ainda não havia evidência, motivo pelo qual não o fez constar.
Aqui chegados, resulta à evidência que as faturas juntas, que por serem todas do ano de ..., quer pelos montantes envolvidos, cujo valor máximo de cada uma não chega a cem euros, quer por serem emitidas a consumidor final, são inidóneas para fazer prova de que o arguido vendia peixe e, ademais, que tal atividade poderia render os proventos apreendidos.
É verdade que RR veio, na qualidade de testemunha apresentada pela defesa, dizer que é cliente do BB, que lhe compra peixe, que o mesmo o vende porta a porta, e que lho paga em dinheiro. Mas o seu depoimento não convenceu o Tribunal de que os 1732,20 € que tinha na sua posse, a ... de ... de 2022, eram provenientes dessa atividade.
Aliás, deve dizer-se que a circunstância de juntar faturas emitidas a consumidor final, relativas ao ano de 2023, e em pequenos valores, incompatíveis com um comércio minimamente sustentável, com as quais pretende fazer prova da atividade comercial que lhe permite ter em casa, em dinheiro, tal quantia, afastam por completo a credibilidade desse seu desiderato factual.
Acresce que a sua atividade laboral, sem vínculo, em mudanças, também se não afigura idónea a permitir-lhe tal posse. E tanto assim é que o arguido a pretende justificar com a alegada venda de peixe e não com ela.
Tudo o que acabou der se expor deve ser concatenado com a credibilidade do depoimento testemunhal de SS quando diz que o arguido CC saiu do 5A, a casa de BB, com a droga que foi vender. A acusação configurou tal circunstância como sendo uma casa de recuo, no sentido de que ali de guardava a droga e o dinheiro, facto último este que deflui da apreensão que a investigação efetuou.
E outra conclusão, a nosso ver, se não pode retirar em face da prova produzida e já mencionada.
A defesa sustentou, em contramão com o também alegado de que o dinheiro apreendido era produto da venda de peixe do arguido que, residindo naquela casa o arguido BB e a mulher, tal quantia tanto poderia pertencer ao arguido como à companheira, com a qual vive na casa dos autos. Porém, o que resulta dos autos é que a quantia foi apreendida ao arguido, o qual autorizou a busca na aludida casa. Se pertencia também à companheira, e sublinha-se também, não cumpre a este Tribunal conhecer essa situação. Os proventos da companheira, de 300 € provenientes do RSI, conforme se apura da matéria assente, não apontam nesse sentido.
Nessa mesma diligência de busca foram também apreendidas a arma e as munições a que alude o respetivo auto, também estas na posse do mesmo arguido.
Depuseram, ainda, sobre os factos relativos ao dia 8, o agente NN, o qual intercetou uma compradora, conforme documentalmente provado. Foi esta testemunha quem intercetou o arguido FF, na sequência do grito que este proferiu dizendo uga. O seu depoimento foi, como já acima se deixou expresso, absolutamente credível.
E da mesma forma credível depôs o agente MM sobre esta matéria para dizer que os agentes KK e PP estavam no interior do prédio e que ele permaneceu no exterior. Visualizou o GG e o FF, e as respetivas posições de vigia com campos de visibilidade. Viu os contactos do arguido CC com estes dois arguidos vigias. Viu surgir o arguido HH e viu-o entrar com o CC no prédio, tudo conforme a descrição factual de outros depoimentos e autos de diligência externa. O HH sai e posiciona-se como vigia, e o CC, que saiu com ele, regressa ao interior. Reproduz os dizeres que ouviu ao arguido CC. Confirma os dois alertas “uga” que ocorreram nessa manhã. E, por fim, relata de forma consistente o momento da interceção.
Por fim, há a registar ainda o depoimento de OO, que interveio na interceção do arguido FF e o de TT que fez a interceção do arguido GG. Por seu turno, a testemunha PP, que como já se referiu, estava no interior, estava no patamar do primeiro andar quando intercetou o arguido CC. Esclareceu que esteve no interior do prédio, foi subindo e descendo, ali estava para o momento da interceção e só nesse momento interveio, não visualizando o que se foi passando. Esteve na busca domiciliária a casa do arguido BB. Interpelado, esclareceu que foi o agente KK quem se movimentou pelas escadas que são independentes dos patamares, existindo portas corta-fogo.
Apurada e fundamentada a factualidade agrupada por data, a mesma motivação sustenta os factos extraídos a partir dela, de índole mais genérica, e os relativos ao dolo e consciência da ilicitude. Com efeito, estes últimos, de natureza subjetiva e interior ao indivíduo, retiram-se, à falta de uma confissão, do comportamento objetivamente analisado à luz das regras da vida e da experiência comum. Para aqueles primeiros, e designadamente os marcos temporais a que se reporta o objeto dos presentes autos, considerou-se como não provado, a contrario, a atividade continuada no período não observado, atendendo ao facto de nem todos os intervenientes coincidirem nos dois dias distintos.
Portanto e em suma, no que respeita aos factos que se tiveram por não provados, há que referir que não foi feita prova da sua positividade.
No que respeita às condições pessoais dos arguidos relevaram:
- os Relatórios Sociais junto aos autos a fls. 634-636, 640-642, 644-646, 648-649, 651-652, 655-656 e 784-786.
- e os CRC de fls. 736-742, 743-745, 746, 747, 748-755, 756-760, 761-762 e 763.».
***
IV- Recurso:
O arguido AA recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
«A) O arguido AA, foi condenado, pela prática, no dia ... de ... de 2022, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo Art.º 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de cinco anos de prisão efectiva.
B) O presente recurso tem como objectivo o facto da condenação ser em pena efectiva e não em pena suspensa na sua execução.
C) Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria que importa verter para o presente:
1 – Provado apenas que no dia ... de ... de 2022, os arguidos AA, EE e DD acordaram entre si, de forma organizada, em conjunto e em comunhão de esforços, proceder à venda de heroína, cocaína e cannabis a consumidores destes produtos, em troca de quantias monetárias, junto ao Lote ... da Rua …, em Lisboa………. (ponto 2.1.1) dos factos provados=
2 – O que fizeram cientes de que àquele local ocorrem diariamente inúmeros indivíduos com vista a adquirirem os referidos produtos, para seu consumo (ponto 2.1.2 dos factos provados).
3 – Na concretização desta actvidade enunciada em 2.1.1, acordaram que:
- o arguido AA procedia às entregas de heroína e de cocaína aos consumidores que os abordavam, solicitando os referidos produtos, recebendo em troca, a respectiva quantia monetária; (ponto 2.1.3, primeira parte).
4- No dia ... de ... de 2022, pelas 11h00, o arguido AA encontrava-se junto à porta do Lote …, a conferenciar com o arguido EE, dando-lhe indicações para que este se posicionasse junto às escadas de acesso deste Lote (ponto 2.1.4 dos factos provados).
5 – De seguida, o arguido AA deslocou-se para o hall de entrada do Lote … (ponto 2.1.5 dos factos provados).
6- Cerca das 11h05, o arguido EE deu indicações a alguns indivíduos que se encontravam no local, a aguardar, para que, se dirigissem ao interior do Lote …, para irem ao encontro do arguido AA (ponto 2.1.6 dos factos provados).
7- Após contactarem com o arguido AA e receberem deste o produto pretendido, os compradores abandonavam aquele local (ponto 2.1.7 dos factos provados).
8 – Assim quando indivíduos se deslocavam ao Lote …, a fim de adquirirem cocaína ou heroína, só após indicação do arguido EE é que se dirigiam ao interior do referido Lote, e aí estabeleciam contacto com o arguido AA, recebendo deste as embalagens com o produto pretendido (ponto2.1.8 dos factos provados).
9- Pelas 11h50m, os arguidos, de forma descrita, tinham realizado cerca de 50 transacções de cocaína e de heroína (ponto 2.1.9 dos factos provados).
10 – A dada altura passou uma viatura policial (ponto 2.1.11 dos factos provados).
11 – Ao vê-la, de imediato, o arguido FF gritou “Uga”, palavra utilizada para alertar o arguido AA da presença de agentes de autoridade (ponto 2.1.12 dos factos provados).
12 – Perante este alerta, as vendas de cocaína e de heroína foram interrompidas por alguns minutos (ponto 2.1.14 dos factos provados).
13 - Após a retoma, pelas 11h55, o arguido AA foi abordado por JJ, consumidor de cocaína, que pretendia adquirir-lhe este produto, e lhe solicitou, para esse efeito uma embalagem desta substância, tendo-lhe entregue, em contrapartida, a quantia monetária de quinze euros (ponto 2.1.15 dos factos provados).
14 – Acto contínuo, o arguido AA entregou a JJ uma embalagem de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso de 0,298 gramas (ponto 2.1.16 dos factos provados).
15 – De seguida, os agentes da P.S.P. iniciaram a abordagem aos arguidos, deslocando-se para o Lote … (ponto 2.1.18 dos factos provados).
16 – Nessa altura, os agentes viram o arguido AA a proceder à venda de embalagens de cocaína e de heroína, por detrás de uma estrutura de protecção/barricada (composta por um escadote, um caixote de lixo e um enfeite de Natal), construída pelos arguidos para impedir o acesso às escadas do prédio (ponto 2.1.19 dos factos provados).
17- Nesse momento, o arguido EE disse aos agentes: “dinheiro na mão! Encostados à parede” (ponto 2.1.20 dos factos provados).
18 – Contudo, ao aperceber-se que eram agentes da P.S.P., de imediato, o arguido EE, em simultâneo com o arguido FF, gritaram “uga!, uga!, para alertarem o arguido AA, para que este se encetasse fuga para o interior do lote … (ponto 2.1.21 dos factos provados).
19 – Nesse momento, o agente KK avançou para junto do arguido AA, identificou-se como agente de autoridade, agarrou-o pelo braço, para proceder à sua imobilização e deu-lhe voz de detenção) ponto 2.122 dos factos provados).
20 - Contudo, este arguido logrou soltar-se e encetou fuga, subindo as escadas do prédio, enquanto gritava para a arguida DD : “uga! Uga! Uga!-… abre! Abre! Abre! (ponto 2.1.23 dos factos provados)
21 - Os agentes KK e NN seguiram o arguido AA, tendo-o avistado à porta da residência da arguida DD, sita no 1º D do lote … (ponto 2.1.24 dos factos provados).
22 – De imediato, a arguida DD abriu a porta da sua habitação e permitiu que o arguido AA se introduzisse no interior da mesma, par ao auxiliar e fugir dos agentes (ponto 2.1.25 dos factos provados).
23 – Logo após entrar na aludida habitação, o arguido AA dirigiu-se à casa de banho, tendo-se ali trancado, para poder dissimular a cocaína e a heroína que tinha na sua posse, bem como as quantias monetárias resultantes das vendas que tinha realizado nesse dia (ponto 2.1.26 dos factos provados).
24 – Ali chegado, com o auxílio de um balde que a arguida DD ali tinha colocado, para esse efeito, despejou as embalagens que continham cocaína e heroína pela sanita, assim como a quantia monetária de cento e dez euros (ponto 2.1.27 dos factos provados).
25 – Após lograrem abrir a porta da casa de banho, interceptaram o arguido AA e revistaram-no, tendo encontrado na sua posse e apreendido:
2) Uma bolsa de cintura de marca “Cat”, que continha a quantia monetária de quinhentos e trinta e cinco euros;
11) Junto à sanita e ao arguido AA, os Agentes encontraram uma bolsa de marca “jordan” que continha no seu interior:
- onze embalagens de heroína, com o peso líquido de 4,500 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 14,1%, sendo o equivalente a 6 doses de consumo;
- a quantia monetária de quinhentos e sessenta euros;
26 – Seguidamente, os agentes fecharam as condutas de água do prédio e accionaram o saneamento da cidade de Lisboa para que procedessem à abertura da conduta de saneamento correspondente ao Lote ... da Rua … (ponto 2.1.31 dos factos provados).
27 – De seguida conduziram o arguido AA à caixa de esgoto do lote … da rua ..., onde vieram encontrar as embalagens de cocaína e de heroína e a quantia monetária que este tinha deitado na sanita, tendo apreendido:
- cento e trinta e sete embalagens de heroína, sendo 114 dessas embalagens tinham o peso líquido de 45,215 gramas e apresentavam um grau de pureza de 12%, sendo o equivalente a 54 doses de consumo e 23 doses dessas embalagens tinham o peso líquido de 4,823 gramas e apresentavam um grau de pureza de 10,8%, sendo o equivalente a 5 doses de consumo;
- duzentas e trinta e nove embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 41,533 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 56,9%, sendo equivalente a 787 doses de consumo;
- a quantia monetária de cento e dez euros. (ponto 2.1.32 dos factos provados).
28 – Os arguidos conheciam as características e a natureza estupefaciente dos produtos apreendidos, destinando-os à cedência a terceiros, mediante contrapartida monetária (ponto 2.1.6 dos fatos provados).
29 – As quantias monetárias apreendidas constituíam provento dessas vendas (ponto 2.1.67 dos factos provados).
No que respeita às condições pessoais do arguido AA:
30 – O arguido foi condenado em diversos processos, tudo conforme os pontos 2.1.93, 2.1.94, 2.195, 2.1.96, 2.1.97, 2.1.98 e 2.1.99, sendo que tem apenas averbado uma condenação por tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 25º do DL nº 15/93, de 22/01 na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de dois anos, a qual veio a ser declarada extinta em 30.10.2019 - vd. Ponto 2.1.94.
31 AA, natural de ..., é o segundo filho de uma fratria de cinco irmãos germanos, com dois irmãos mais novos uterinos. Foi criado pelos progenitores até aos 2 anos de idade, altura em que foi vítima de atropelamento automóvel o que condicionou a emigração para ..., juntamente com a família de origem, de modo a obter apoio médico especializado, vindo a ter sequelas físicas consequentes de lesões sofridas. (ponto 2.1.100 dos factos provados).
32 – O arguido foi criado inicialmente com os pais e dois irmãos uterinos. Os pais vieram a separar-se, ficando aos cuidados da mãe. A figura materna teve um papel preponderante nos eu percurso educativo, com transmissão e afectos e de valores normativos, não obstante a existência de períodos de alguma tensão, que não possuem grande significado, com ausência de conflitualidade no sei familiar. (ponto 2.1.101 dos factos provados).
33 – AA frequentou a escola em idade normativa, tendo abandonado a escola aos 19 anos de idade sem completar o 12º ano de escolaridade, através de equivalência no curso profissional de técnico auxiliar de saúde, na Escola Profissional .... Abandonou a escola com o intuito de obter autonomia e independência financeira. As reprovações foram associadas a dificuldades de aprendizagem do arguido, que revelou gosto na escolarização (ponto 2.1.102 dos factos provados).
34 – A nível de ocupação de tempos livres, o arguido praticou desportos de combate, nomeadamente boxe e muay thai (ponto 2.1.103 dos factos provados).
35 – Iniciou actividade laboral aos 18 anos em part-time na área da limpeza e da reposição alimentar. Aos 19 anos trabalhou na construção civil e também na distribuição alimentar, ainda que de forma inconsistente (ponto 2.1.104 dos factos provados).
36 – Aos 22 anos ficou desempregado e beneficiou do subsídio de desemprego até aos 25 anos, quando retomou actividade laboral, transitando entre serventia na construção civil e empregado de loja (ponto 2.1.105 dos factos provados).
37 – AA apresentou historial de consumo estupefacientes, nomeadamente de canábis iniciados aos 22 anos e descritos como recreativos. Aos 26 anos, pela sensibilização da progenitora, abandonou esses consumos sem recurso a apoio especializado, mas essa cessação foi difícil para ele (ponto 2.1.106 dos factos provados).
38 – AA estabeleceu relacionamento significativo entre os 18 e os 25 anos, em coabitação (ponto 2.1.107 dos factos provados).
39 – Dessa relação nasceu um filho, actualmente com 7 anos de idade. O relacionamento com a ex companheira foi cordial (ponto 2.1.108 dos factos provados).
40 – Actualmente, bem como à data dos factos, AA vive em coabitação arrendada de tipologia T2, em conjunto com a companheira e o irmão. O relacionamento familiar é estável e de suporte (ponto 2.1.110 dos factos provados).
41 – AA labora na serventia na construção civil sem contrato de trabalho, com rendimentos que indica de cerca de 700€/mês. A companheira labora como auxiliar de acção educativa auferindo 750€/mês e o irmão, como pedreiro, com rendimentos de 950€/mês (ponto 2.1.110 dos factos provados).
42 – A nível de despesas do agregado, encontra-se o mesmo onerado com a renda da habitação (250€/mês, água (39€/mês), electricidade (65€/mês= e internet (51€/mês), bem como um crédito automóvel (210€/Mês) e apensão de alimentos do filho (100€/mês). A situação económica é dependente de entreajuda familiar (ponto 2.1.111 dos factos provados).
D) O arguido se encontra a trabalhar e que está inserido socialmente e familiarmente.
E) É um facto que face ao nosso Código penal as finalidades da punição são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
F) O arguido foi condenado numa pena efectiva.
G) O tribunal a quo nem considerou a aplicação ao arguido de outra pena privativa da liberdade que não fosse a pena de prisão efectiva.
H) O Tribunal a quo ao invés de tentar a ressocialização do arguido que se encontra inserido familiar e socialmente, o Tribunal prefere “mandar” o arguido para uma prisão qualquer, prisão sem ter em conta que ele está inserido
I) A condenação do arguido não deveria ser em pena efectiva, ao invés deveria ser suspensa na sua execução.
J) O arguido não é primário, mas a condenação que teve pelo mesmo tipo de crime remonta ao ano 2017 e essa pena encontra-se extinta desde 30.10.2019.
K) Acresce que o arguido está familiar e socialmente integrado.
L) Segundo a lei penal no seu artigo 50º a pena de prisão até 5 anos poderá ser suspensa.
M) Há que ver que um arguido com uma pena suspensa de 5 anos tem forçosamente que pensar que tem uma “espada apontada” e que se prevaricar a mesma será revogada.
N) Analisando todos estes factos é possível fazer um juízo de prognose positivo quanto á reinserção social, ou seja, basta a simples censura dos factos e a ameaça de prisão.
O) Se analisarmos o art.º 70º há que atender que o mesmo espelha que: a pena alternativa ou a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos.
P) Sem olvidar que, a pena suspensa na sua execução, não perde a virtualidade enquanto elemento dissuasor da prática de novos crimes que é, pois todo e qualquer arguido sujeito a uma pena suspensa na respectiva execução sabe que se prevaricar a suspensão é revogada, além de ser objecto de apertado acompanhamento através do regime de prova.
O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou, entre outros os Artºs 32º da CRP, os Artºs 70º, 71º, 72º, 73º, 77º, nº 2 do Cód. Penal e ainda os artºs 410º, nº 2, al. a), b= e c) e 412º al. a), b) CPP e ainda 340º, todos do código processo penal e ainda o artº 50º do Código Penal.
Nestes termos e no mais de direito, deve o presente recurso ser considerado provado e procedente e, em consequência, revogar-se o acórdão no que respeita a pena efectiva em que o e foi condenado e em sua substituição proferir decisão no sentido de que a pena em que o arguido é condenada é suspensa na sua execução, embora com regime de prova.».
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O Ministério Público contra-alegou o recurso do arguido AA, concluindo as respectivas alegações no sentido da sua improcedência.
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O arguido BB recorreu da decisão final, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
«I O Recorrente declara, para efeitos do artigo 412º, n.º 5 do C.P.P., que mantém interesse no Recurso apresentado em .../.../2023, do despacho proferido na audiência de discussão e julgamento de .../.../2023.
II Realizado o julgamento em .../.../2023 o Tribunal a quo deu como provado, em relação ao Recorrente, a seguinte matéria factual:
2.1.1 Provado apenas que no dia ... de ... de 2022, os arguidos AA, EE, FF e DD acordaram entre si, de forma organizada, em conjunto e em comunhão de esforços, proceder à venda de heroína, cocaína e cannabis a consumidores destes produtos, em troca de quantias monetárias, junto ao Lote ... da Rua …, em Lisboa; e no dia ... os arguidos CC, FF, GG, HH, DD e BB acordaram entre si, de forma organizada e com regularidade, e em conjunto e em comunhão de esforços, proceder à venda de heroína, cocaína e cannabis a consumidores destes produtos, em troca de quantias monetárias, junto ao ..., em Lisboa;”

2.1.3 Na concretização desta atividade enunciada em 2.1.1, acordaram que:

- O arguido BB era, à semelhança da arguida DD, responsável pela “casa de recuo” (local onde eram guardadas as embalagens de cocaína e de heroína e as quantias monetárias recebidas pelas vendas destes produtos), sita na Rua ... Lote …, … , nesta cidade, procedendo ao controlo das embalagens de heroína e de cocaína que o arguido CC ali recolhia para posterior venda, bem como à guarda do dinheiro que o arguido CC ali depositava, proveniente das vendas de estupefaciente que realizava; …
2.1.41 Pelas 10h20, o arguido CC entrou no Lote … e acedeu à fração do 5.º A, de onde saiu minutos depois, trazendo consigo um saco translúcido contendo diversas embalagens de heroína e de cocaína.
2.1.66 Os arguidos conheciam as características e a natureza estupefaciente dos produtos apreendidos, destinando-os à cedência a terceiros, mediante contrapartidas monetárias.
2.1.67 As quantias monetárias apreendidas constituíam provento dessas vendas.
2.1.68 O arguido BB detinha a arma e as munições que lhe foram apreendidas, não se tendo apurado quando, onde e a quem as havia adquirido, conhecendo bem as caraterísticas destes objetos, não tendo qualquer autorização para as adquirir e possuir, bem sabendo que a detenção e uso das mesmas não lhe era permitida, sendo tal conduta punida por lei.
2.1.69 Agiram, assim, os arguidos de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida por lei.
III Os referidos factos deveriam, em relação ao Recorrente ter sido julgados como NÃO PROVADOS.
IV O Acórdão do STJ, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº2/2011, veio afirmar perentoriamente a prevalência do princípio da lealdade, como princípio fundamental do processo penal e do Estado de Direito.
V Em relação ao Recorrente o Tribunal a quo fundamentou a resposta dada à matéria de facto dada como provada, em particular por referência ao ponto 2.1.41, única e exclusivamente nas declarações do Agente da PSP KK, o qual foi ouvido na audiência de julgamento do dia .../.../2023, Ficheiro de origem: 20230921114105_20529884_2871039, entre as 11:41:05-13:04:36 e Ficheiro de origem: 20230921143807_ 20529884_ 2871039, entre as 14:38:07-14:54:10.
VI Entende a defesa do Arguido que, em relação aos acontecimentos envolvendo os factos relatados nos pontos acima referidos, o depoimento desta testemunha foi manifestamente contraditório e obscuro, vejam-se as passagens 00:39:30 a 00:41:10; 01:11:26 a 01:12:13; 01:18:42 a 01:19:55;
VII A testemunha tanto refere expressamente que não estava no interior de uma residência como … cinco minutos depois já refere que “… também pode ser dentro duma residência…”
VIII Acresce que as contradições da testemunha não se ficaram por aqui em audiência de julgamento afirmou que viu o coarguido CC após se deslocar a casa do Recorrente a descer pelas escadas e no relatório de vigilância junto aos autos afirmou que desceu pelo elevador… confrontado com a discrepância afirma que o relatório de vigilância é que está certo… passagens 00:39:53 a 00:41:05; da parte da tarde 00:06:19 a 00:07:10; 00:11:59 a 00:14:16;
IX A testemunha KK é a única a relatar acontecimentos que podem indiciar que:
2.1.41 Pelas 10h20, o arguido CC entrou no Lote … e acedeu à fração do …, de onde saiu minutos depois, trazendo consigo um saco translúcido contendo diversas embalagens de heroína e de cocaína.
X Não foi produzida qualquer outra prova em relação a qualquer atividade ilícita do Recorrente.
XI Admitindo por mera hipótese académica e dever de patrocínio que o agente KK efetivamente verificou o coarguido CC a aceder à “fração do …, de onde saiu minutos depois, trazendo consigo um saco translúcido contendo diversas embalagens de heroína e de cocaína.” quem garante que foi o Recorrente e não, por exemplo, a sua companheira, que também aí se encontrava, a entregar o referido estupefaciente?!
XII Não existindo nos autos, volte a frisar-se, qualquer elemento de prova que associe o Arguido à prática de um crime de tráfico de estupefacientes, porque motivo tinha que ser o BB a guardar o alegado produto estupefaciente e não poderia ser a sua companheira?!
XIII O Arguido não tem qualquer passado de condenação pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes ou outros de igual natureza.
XIV Não poderia, por isso o Tribunal a quo, presumir que era o Arguido BB o responsável por guardar na sua casa alegado produto estupefaciente.
XV Assim, em face do que acima se encontra exposto, em relação ao Recorrente os pontos 2.1.1, 2.1.3, 2.1.41, 2.1.66, 2.1.67, 2.1.69, deveriam ter sido dados como NÃO PROVADOS.
XVI  Acresce, ainda que o Tribunal a quo deu como provado que:
2.1.180 BB não apresentou historial de consumos estupefacientes, o que atribui ao exemplo que teve do progenitor.
2.1.181 BB iniciou atividade laboral aos 15 anos, participando na venda ambulante; pelos 17 anos trabalhou na construção civil; e a partir dos 25 anos passou a laborar nas mudanças, atividade que exerce sem vínculo laboral. …
2.1.185 BB labora sem vínculo laboral e de forma irregular nas mudanças de móveis, referindo auferir cerca de 650€/mês, ao qual acresce o Rendimento Social e Inserção (RSI) no valor de 130€/mês.
2.1.186 A companheira encontra-se desempregada, beneficia também do RSI no valor de 300€/mês.
2.1.187 O arguido possui despesas fixas familiares a renda, água, eletricidade e internet.
XVII Mais se demonstrou em Tribunal que:
É verdade que RR veio, na qualidade de testemunha apresentada pela defesa, dizer que é cliente do BB, que lhe compra peixe, que o mesmo o vende porta a porta, e que lho paga em dinheiro. Mas o seu depoimento não convenceu o Tribunal de que os 1732,20 € que tinha na sua posse, a ... de ... de 2022, eram provenientes dessa atividade.
XVIII Sobre o convencimento do Tribunal a quo, nada que o Arguido alegasse ou comprovasse merecia o seu assentimento, o espirito do Cardeal Richelieu, que afirmava com sobranceria “Tragam-me 6 linhas escritas pelas mãos do homem mais honesto e encontrarei nelas o suficiente para mandar enforcá-lo.”, vai imperando no espírito de alguns Tribunais, é mais forte do que qual princípio de presunção de inocência.
XIX Considerando o \ não tendo resultado provado que o Arguido tivesse recebido qualquer compensação económica de uma qualquer atividade ilícita não poderia o tribunal a quo ter concluído que a quantia monetária de mil setecentos e trinta e dois euros e vinte cêntimos, que lhe foi apreendida na sua residência tinha origem numa qualquer atividade ilícita.
XX Em face do que se encontra exposto deveria o Arguido ter sido absolvido da prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 25º, nº 1, do DL 15/93 de22.01, em que foi condenado.
XXI Devia, igualmente, ter determinado a restituição ao Arguido do montante pecuniário de mil setecentos e trinta e dois euros e vinte cêntimos, que foram apreendidos na sua residência.
XXII Ao decidir como decidiu violou os artigos 25º, n.º 1, do Decreto lei n 15/93, de 22 de janeiro, bem como os artigos 125º, 127º e 348º, todos do Código de Processo penal.».
***
Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações no sentido da improcedência do recurso
***
O arguido BB concluiu as alegações do recurso intercalar nos termos que se transcrevem:
«I No dia .../.../2023 teve lugar a audiência de discussão e julgamento, na qual foi ouvida a testemunha KK, agente da PSP, Ficheiro de origem: 20230921114105_20529884_2871039, entre as 11:41:05-13:04:36 e Ficheiro de origem: 20230921143807_20529884_2871039, entre as 14:38:0714:54:10.
II Entende a defesa do Arguido que, em relação aos acontecimentos envolvendo os factos relatados no ponto 41º da Acusação, o depoimento desta testemunha foi manifestamente contraditório e obscuro, vejam-se passagens 00:39:30 a 00:41:15; 01:11:26 a 01:12:12; 01:18:42 a 01:20:10; parte da tarde: 00:06:19 a 00:07:10; 00:11:59 a 00:14:16;
III Em face das contradições e obscuridades reveladas entende a defesa do Arguido que era essencial, para um verdadeiro exercício do contraditório, que a testemunha referisse expressamente qual o local onde se encontrava para afirmar ter visto o que referiu.
IV A testemunha, com a conivência do Tribunal a quo, recusou-se a responder á questão colocada, impedindo, assim, a Defesa do Arguido de exercer um efetivo direito ao contraditório.
V Entendia, como entende, a defesa do Arguido que, sendo o ponto 41 da Acusação, o único facto que pode ser imputado, em concreto, ao Arguido, o mesmo tem o Direito de colocar em causa o depoimento da testemunha sobre esta matéria.
VI A única forma de poder exercer um efetivo direito de defesa é conhecer o concreto local onde, a única testemunha que relata estes factos, se encontrava quando alegadamente os observou.
VII Em consequência da posição do Tribunal a quo, afirmando que a testemunha não estava obrigada a responder à concreta questão colocada pela Defesa do Arguido, foi suscitada a irregularidade do depoimento da testemunha, passagens 01:20:53 a 01:22:35;
VIII O Tribunal a quo indeferiu a irregularidade suscitada, passagens 00:01:58 a 00:06:20;
IX No entendimento da defesa, é manifesto que a questão que colocou e que pretendia ver respondida pela testemunha era perfeitamente pertinente, legítima e necessária. Assim, ainda, no decurso da inquirição da testemunha, a defesa do Arguido, arguiu, em tempo, nos termos do artigo 123º do C.P.P. a irregularidade daquele depoimento.
X Pelo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou os artigos 128º, 132º, 138º, 347º e 348º do C.P.P., transformando o depoimento da testemunha KK em irregular, com as legais consequências.».
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Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações no sentido da improcedência do recurso.
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O Ministério Público recorreu concluindo nos seguintes termos:
«1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão de 23.10.2023, nos termos do qual foi, para além do mais, decidido aplicar 1 ano de perdão às penas dos arguidos EE, GG, HH e BB.
2. Como se refere no acórdão recorrido, os arguidos EE, GG, HH e BB possuíam idade inferior a trinta anos aquando da prática dos factos, ocorrida antes de 19 de junho de 2023, tendo todos estes arguidos incorrido num crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade, na previsão plasmada no art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, e, bem assim, o último arguido BB também num crime de detenção de arma proibida, os quais não encontram excluído da aplicabilidade do perdão previsto pela Lei n.º 38-A/2023., de 02-08, por tal não encontrar acolhimento expresso no seu art.º 7.º - cfr. art.º 7.º, n.º 1, alínea f), pontos vi) e ix).
3. Contudo, nos termos do art.º 3.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08, prevê-se expressamente a exclusão da aplicação do perdão à pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.
4. Considerando que a todos os referenciados arguidos foi aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução da pena de prisão e com sujeição a regime de prova, nos termos conjugados dos art.ºs 50.º, n.ºs 1 e 5, 53.º, n.ºs 1 e 2, e 54.º, todos do Código Penal, não podem os mesmos beneficiar da aplicação do perdão de 1 ano previsto pelo art.º 3.º da referenciada Lei n.º 38-A/2023, de 02-08, pelo que se entende ter o tribunal a quo mal andado com a aplicação do perdão às penas dos arguidos EE, GG, HH e BB.
5. No que respeita ao arguido BB verifica-se ainda a particularidade de o mesmo ter, nos termos da decisão recorrida, beneficiado da aplicação do perdão de 1 ano de prisão relativamente a cada uma das penas parcelares que lhe foram fixadas, previamente à determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico operado, fixada como uma pena de prisão suspensa na sua execução mediante regime de prova.
6. Ora, o perdão deve apenas incidir sobre a pena única obtida a partir do cúmulo jurídico de todas as penas parcelares, nos termos dos art.ºs 3.º, n.º 4, e 7.º, n.º 3, da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08.
7. Com efeito, a aplicação de um perdão às penas parcelares, além de multiplicar indevidamente o benefício do perdão, afigura-se que contraria expressamente a intenção do legislador, fazendo, de resto, sentido que o benefício do perdão seja apenas ponderado após a realização do cúmulo jurídico e da aplicação de uma pena única, que beneficia necessariamente o arguido, face a um mero cúmulo material de penas.
8. Pelo exposto, tendo sido determinadas as penas parcelares pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e pela prática de um crime de detenção de arma proibida, não poderia ter o tribunal a quo aplicado desde logo o perdão de 1 ano a cada uma desta penas parcelares, mas, ao invés, ter determinado a pena única resultante do seu cúmulo jurídico e, após, ponderar a aplicabilidade do perdão, sendo que, in casu, tendo-se optado pela pena de substituição de suspensão da execução da pena prisão mediante regime de prova, encontra-se, desde logo afastada a aplicação do perdão previsto pela Lei n.º 38-A/2023, de 02-08, conforme referenciado supra.
9. Termos em que deve o recurso ser considerado procedente, por provado e, consequentemente, o douto acórdão recorrido substituído por outro, nos termos do qual não se aplique o perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023., de 02-08, aos arguidos EE, GG, HH e BB.»
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Não houve respostas ao recurso do Ministério Público.
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Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto aderiu à contra-motivação.
Foi cumprido o disposto no art.º 417º/2 do CPP, sem apresentação de respostas.
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V- Questões a decidir:
Do artigo 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso, exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso.
As questões colocadas pelo recorrente arguido BB, são:
- no recurso interlocutório, a irregularidade do depoimento da testemunha KK;
- no recurso do acórdão, impugnação do provado relativamente à sua pessoa, contido nos pontos 1 , 3, 41, 66, 67, 68 e 69 e absolvição do crime com restituição dos valores apreendidos.
A questão colocada pelo arguido AA é a substituição da pena efectiva de prisão por pena suspensa.
As questões colocadas pelo Ministério Público são a ilegalidade da aplicação do perdão de penas emergente da Lei 38-A/2023, às penas suspensas na sua execução, subordinadas ao cumprimento de regime de prova, quanto aos arguidos EE, GG, HH e BB e ter sido aplicado o perdão às penas parcelares em que foi condenado o arguido BB.
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VI- Fundamentos de direito:
Do recurso intercalar:
O arguido BB apresentou um recurso relativo à inquirição da testemunha KK, pretendendo que se declare a mesma irregular, por violação do disposto nos artigos 128º, 132º, 138º, 347º e 348º do Código de Processo Penal (CPP).
Entende que a irregularidade emerge do facto de a testemunha, com a conivência do Tribunal, se ter recusado a depor sobre o preciso local onde estava, dentro do prédio, quando viu o arguido CC sair do 5º-A, transportando consigo o saco com o estupefaciente, que depois foi vendido em parte, e apreendido noutra, conforme consta dos pontos 41 e seguintes do provado.
Mais entende que o depoimento da testemunha foi manifestamente contraditório e obscuro.
A questão da contraditoriedade e obscuridade do depoimento da testemunha não é fundamento de recurso, a não ser no âmbito de um pedido de reapreciação de prova, nos termos do artigo 412º/3 e 4 do CPP, o que só tem cabimento relativamente ao acórdão, pelo que quanto a ela não nos vamos pronunciar nesta sede.
Resta então conhecer da procedência do pedido de declaração de irregularidade que o recorrente invoca, mediante o entendimento de que a testemunha se recusou a prestar depoimento sobre um elemento relevante de prova – o preciso local onde estava para ter visto o arguido CC sair do 5º-A.
A relevância da questão, para a defesa, emerge precisamente de o arguido BB ter sido encontrado dentro desse apartamento, constituindo casa de recuo, tendo-lhe sido imputado o facto de ser o guardião do local de onde foi retirado o estupefaciente levado pelo arguido CC, vendido e apreendido. Entende o arguido que essa recusa o impediu de exercer um efetivo direito ao contraditório, sendo essencial para um efetivo exercício do direito de defesa conhecer o concreto local onde esta testemunha, a única que relata essa saída do arguido CC com o estupefaciente, se encontrava quando alegadamente o observou.
A resposta pretendida, contende, no entanto, conforme foi referido pela testemunha e aceite pelo Tribunal recorrido, com a viabilidade de se fazerem novas observações do local, em ulteriores investigações, uma vez que nesse prédio se pratica tráfico de estupefacientes.
Esta questão, tratada como irregularidade, foi colocada em audiência, mediante a imputação à testemunha da prática do crime, nos termos do artigo 133.º do Código de Processo Penal.
Foi, na oportunidade, proferido o seguinte despacho, do qual o arguido recorreu:
«Da situação factual:
1- A Defesa disse à testemunha que OPC que procedeu à investigação do objeto dos autos, “Fica no patamar. Então quem abrisse a porta dava consigo”.
2- A testemunha respondeu “ou não”.
3- A Juíza Presidente perguntou “porque poderia não dar consigo?” e a testemunha respondeu “porque poderia estar oculto em algum lugar”.
4- A Juíza Presidente perguntou "onde?" e a testemunha respondeu "nos armários da água, luz, gás, dentro de uma residência".
4- A Defesa disse “Eu queria saber exatamente onde estava oculto”
5- A testemunha perguntou então ao Tribunal se tinha de responder à pergunta porque a resposta poderia colocar em crise posteriores investigações.
E a primeira constatação que se extrai é que a testemunha em nenhum momento se recusou a depor como alegado pela Defesa, pelo que falece o argumentário em que a mesma se sustenta para requerer a irregularidade do depoimento.
Mas ainda que se recusasse, o que se diz sem conceder, isso não inquinaria o seu depoimento de qualquer irregularidade.
Quanto muito, cometeria um crime, se, instado pelo Tribunal à ordem de responder e o não fizesse e, em posterior inquérito, como é de lei, a investigação viesse a entender que não tinha causa de justificação para o efeito.
O seu depoimento, no que diz e no que não diz, será livremente apreciado pelo Tribunal ao abrigo do disposto no art.º 127º do CPP.
No mais, e sem conceder, ainda se dirá o seguinte:
A testemunha respondeu ao que lhe foi perguntado – estava oculto, quem abrisse a porta não tinha necessariamente de se deparar com ele, e estava em local próximo que lhe permitia visualizar a saída do arguido do 5º A, dando exemplos de possibilidade de sítios para o efeito.
Tanto basta, a nosso ver, para que a Defesa possa fazer uma interpretação do contexto factual e analisar os factos que considera sustentados ou não.
Diz a defesa que a não resposta à pergunta coarta o direito de Defesa.
Não se acompanha, sem mais, o entendimento da Defesa porquanto inexistem direito absolutos.
Desta feita, na ponderação dos interesses da Defesa e da prossecução do ilícito criminal por parte dos OPC há que encontrar o justo ponto de equilíbrio.
Este há-de resultar da possibilidade de defesa contrapor o facto – “era possível alguém ver a porta do 5ºA, não estando “à vista” para quem dela saísse?” – e a proteção devida ao desiderato público da investigação – não revelar exatamente onde se encontrava o investigador.
Estar a exigir que um OPC diga onde se posiciona exatamente quando faz observações a movimentações ilícitas dos arguidos é colocar em causa as estratégias das investigações, sendo certo que a enunciada contraposição do facto não carece do apuramento local exato da ocultação para fazer prova de que a visualização seria impossível, pois foram enunciados diversos pontos de possível observação.
Em face do exposto indefere-se a arguição da invocada irregularidade.»
Como resulta da descrição factual feita no despacho, o argumento de que a testemunha se recusou a precisar o local onde se encontrava não procede. Tal como aí se refere, a testemunha reverteu para o Tribunal a decisão sobre se teria, ou não, que responder à questão e o Tribunal entendeu que os esclarecimentos prestados eram os adequados ao funcionamento do contraditório, ou seja, do respeito pela garantias de defesa do arguido, sem colocar em crise a possibilidade de ulteriores acções de contenção do tráfico no mesmo local.
A questão subjacente à atitude do agente policial prende-se precisamente, como consta do teor do acórdão, com o facto de naquele local se vender estupefaciente “porta sim, porta sim” como referiu o próprio arguido FF e a testemunha JJ, vistos a comprar droga no decurso da operação policial. Tal facto foi denunciado à polícia relativamente ao lote …, e foi o que originou a investigação que deu origem ao processo. Acrescente-se que o facto é de conhecimento oficioso, porque a própria relatora deste acórdão já relatou outros, relativos precisamente à mesma rua e até ao mesmo lote (1).
Temos, portanto, uma situação em que a entidade policial operou no exercício das suas funções num local onde a prática criminosa em causa ocorre no prédio em causa, ainda que relativamente a outros indivíduos, como aliás também resulta do ponto 1 do provado).
Ou seja, impõe-se a preservação da tática de investigação, que permitiu aos dois agentes (KK e PP) introduzir-se no prédio sito no lote … e visualizar, lá dentro, a actuação de cada um dos envolvidos, naquele momento, no tráfico. Repare-se que a operação de vigilância demorou horas até ter sido desencadeada a detenção dos indivíduos e está descrita a actuação dos agentes em causa, quer na perspectiva do exterior quer do interior do prédio - o que não permite sequer duvidar da presença destes dois agentes dentro do prédio.
A questão de saber qual o preciso lugar onde o agente KK estava escondido, no preciso momento em que viu o arguido sair do 5º/A, tem uma muito relativa relevância para a defesa, porque não é contestada a sua presença no interior do prédio, o próprio arguido apresentou fotografias dos armários que a testemunha referiu como locais que podiam ter servido ou servir para o efeito, onde cabe uma pessoa, e a prova produzida sobre o assunto não se resume a esta particularíssima questão.
Mas a revelação desse preciso local tem absoluta relevância para prejudicar o êxito de novas operações de combate ao tráfico naquele local. Ou seja, está aqui em causa o interesse público no combate ao crime.
Dúvida não há de que o agente KK se caracteriza como funcionário, nos termos do disposto no artigo 386º/1, do Código Penal (CP). «É funcionário público para efeitos penais todo aquele que é chamado a desempenhar uma actividade compreendida na função pública (…)» (2).
Sendo funcionário que teve contacto com um processo crime, designadamente por via do exercício do cargo público, está sujeito ao dever de segredo, quando esteja em causa prejuízo do interesse público, como referido no artigo 383º/CP que tipifica a violação do segredo (que não é apenas o segredo de justiça) como prática do crime aí previsto e punido.
Ora, dispõe o artigo 136º/1 do CPP, que os funcionários não podem ser inquiridos sobre factos que constituam segredo e de que tiveram conhecimento no exercício das suas funções.
O segredo em causa foi definido pelo Parecer da PGR nº 29/95 (3) como «o limite posto, por uma vontade juridicamente relevante, à cognoscibilidade de um facto, de um acto ou de uma coisa, de tal modo que sejam atualmente destinados a permanecer desconhecidos para qualquer pessoa diferente da que legitimamente os conhece, por aqueles aos quais sejam reveladas por quem tenha poder de alargar ou restringir tal limite, ou por força, voluntária ou involuntária e independentemente de quem tem a disponibilidade jurídica do segredo. (…)
«A noção de segredo, recortada nos seus elementos essenciais, coincide com a definição do objeto do referido dever geral de sigilo, abrangendo, quer as hipóteses enquadráveis no âmbito da chamada discrição profissional, quer no segredo profissional estrito.
A discrição profissional, com efeito, é uma obrigação formulada no interesse do serviço destinada a proteger os segredos administrativos cuja divulgação poderia prejudicar o desenvolvimento normal das atribuições ou a reputação da Administração. O dever de discrição obriga todos os agentes da Administração e exclui a divulgação de factos, informações ou documentos relativamente aos quais os agentes tomaram conhecimento no exercício ou por ocasião das suas funções. (…)
O dever de sigilo como dever geral dos funcionários poderá assim abranger quer os factos pessoais confiados, ou cujo conhecimento foi adquirido na função ou por causa dela, quer também fatos, circunstâncias elementos ou documentos relativos à vida interna da Administração
Impende sobre autoridade Judiciária o dever de não formulário à testemunha perguntas que violem o dever de segredo a que é mesmo está obrigada. Caso tal pergunta seja formulada a mesma testemunha deverá escusar-se a depor. (….)
Na verdade, podem emergir proibições de prova que, mais do que impostas pela complexidade do ambiente (direitos fundamentais do arguido) representam limitações assumidas pelo próprio sistema processual penal, a partir da sua abertura e reinterpretação autoreferente do significado normativo e pragmático dos direitos fundamentais. Acresce que, refere ainda o mesmo autor, a densificar o universo de tópicos que a antinomia Estado-individuo dentro não esgota só por si as linhas de que clivagem e conflitualidade subjacentes ao regime das proibições de prova. O que retira suporte às tentativas de reconduzir a teleologia das proibições de prova à ideia de instrumentos e tutela de direitos individuais contra o interesse da tutela da perseguição e realização da justiça penal.
Assim as proibições de prova radicam na consideração de outros interesses, que colidem com o interesse de descoberta de verdade, mas a que em concreto se reconhece o primado». Simplesmente não parece que deva encarar-se o arguido como titular ou portador exclusivo dos direitos, interesses o bem jurídicos cuja salvaguarda pode ditar, em concreto, balizas à descoberta da verdade. Pelo contrário, só uma arrumação e imputação policêntricas daqueles interesses abrirá a porta a uma adequada compreensão teleológica das proibições de prova.
É exactamente o pretexto desta consideração de valores estruturais que, situando-se numa constelação supra individual, correspondem a valores merecedores de uma tutela acrescida, que Costa Andrade invoca que as proibições de prova podem resultar do primado reconhecido a valores ou interesse de índole supra-individual com os subjacentes ao Segredo de funcionários e Segredo de Estado (arts. 136º e 137º do CPP».
Estando em causa não só uma exigência da defesa, mas também e sobretudo a necessidade de salvaguardar o dever de segredo, essencial para operações processuais futuras, bem andou o Tribunal recorrido no indeferimento da pretensa irregularidade que, como se vê, é improcedente por duas ordens de razões: por não ser verdade que a testemunha se recusou a prestar depoimento e por ser obrigação do Tribunal obstar a um depoimento que constituiria prova proibida.
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Dos recursos relativamente ao acórdão produzido:
i- Recurso do arguido BB:
O recorrente insurge-se contra a sua condenação pela prática do crime de tráfico, mediante a impugnação do provado contido nos pontos 1 , 3, 41, 66, 67, 68, 69, por entender que a única prova produzida determinante da prova dos factos referidos nesses pontos, foi o depoimento da testemunha KK, que ao recursar-se a depor, impediu o arguido de se defender, não havendo garantia de que tenha falado verdade quando referiu ter visto o arguido CC sair do apartamento onde se encontrava e menos ainda que foi ele, arguido BB, quem lhe entregou a droga em causa.
A questão que se coloca nestes autos não é saber quem entregou o estupefaciente ao arguido CC mas saber se o arguido BB era, ou não, o «responsável pela “casa de recuo” (local onde eram guardadas as embalagens de cocaína e de heroína e as quantias monetárias recebidas pelas vendas destes produtos), sita na Rua ... Lote…, …, nesta cidade, procedendo ao controlo das embalagens de heroína e de cocaína que o arguido CC ali recolhia para posterior venda, bem como à guarda do dinheiro que o arguido CC ali depositava, proveniente das vendas de estupefaciente que realizava».
Na realidade, a testemunha KK foi a única pessoa que depôs sobre o facto de o arguido CC ter saído com o saco contendo embalagens de heroína, cocaína e cannabis do 5º-A do prédio sito no Lote ... da Rua …, em Lisboa.
A questão da inexistência de recusa a depor e bem assim da ilegalidade da mesma, caso tivesse ocorrido, está decidida. A questão que se coloca, portanto, em face do acórdão é saber se a prova produzida é suficiente para, numa perspectiva de experiência comum, por si e conjugada com outras provas, aceitar como válido, ou não, o depoimento da referida testemunha.
Estamos face a um pedido de reapreciação de prova, subordinado aos termos do disposto no art.º 412º/3 e 4 do CPP.
A formulação válida de um pedido de reapreciação depende do cumprimento de requisitos de forma (que se verificam) e de substância, sendo que o último exige que os elementos de prova apresentados como fundamento da impugnação imponham uma decisão diversa daquela que foi tomada pelo Tribunal recorrido.
Na verdade, a intromissão da Relação no domínio factual, quando da reapreciação da prova, cingir-se-á a uma intervenção delimitada à apreciação da impugnação formulada, restrita, portanto, à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo-se à sua correcção, se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.
A doutrina e jurisprudência penais entendem que a reapreciação da prova, na segunda instância, deverá limitar-se a controlar o processo da convicção decisória da primeira instância e da aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tomando sempre como ponto de referência a motivação da decisão, privilegiada pela feitura do julgamento, com conhecimento pleno sobre toda a prova produzida e pelo benefício da imediação.
Na apreciação do recurso da matéria de facto o Tribunal de segundo grau vai aferir se a convicção expressa pelo Tribunal recorrido tem suporte adequado naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si e, consequentemente, a Relação só pode alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais, de falta desse suporte. Ou seja, a reapreciação só pode determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa - e não se apenas concluir que permitem uma outra decisão.
Esta decisão diversa tem que resultar, desde logo, da própria argumentação apresentada pelo recorrente e o que o arguido nos refere é que não há prova dos factos impugnados, nos termos e com os fundamentos já referidos.
Ora, analisado o teor da fundamentação da aquisição probatória e bem assim os demais dados de facto do processo estamos convictos de que a decisão proferida quanto à concreta questão colocada tem suporte em prova coadjuvante às próprias declarações da testemunha KK.
Repetimos o que acima dissemos: não está posto em causa que o agente KK e o seu colega PP estiveram no interior do prédio, até porque o primeiro descreveu as deslocações do arguido CC no interior do edifício, em concordância com aquilo que os agentes que estavam no exterior iam referindo que se estava a passar, descrição essa que não mereceu reparo algum por ninguém, a não ser pelo arguido BB e apenas relativamente ao ponto concreto de saber se ele saiu do 5º-A com o saco de estupefaciente que depois foi vendido ao público que ali afluiu e, no demais, apreendido.
O agente PP referiu que estava dentro do prédio para agir no momento da detenção e o que é certo é que nesse momento os agentes KK e PP estavam juntos, em frente à porta do 1º-D , no preciso local onde o agente KK tinha visto o arguido entrar quando dos anteriores avisos de polícia, dados pelos olheiros durante a manhã, sendo que essa fracção é a residência da arguida DD, que abriu a porta ao arguido CC nas anteriores manobras de recuo.
A residência da arguida DD já tinha sido identificada como casa de recuo, na diligência de dia 3, local onde foi encontrado estupefaciente, exclusivamente dentro da casa de banho, onde AA se tentava desfazer dele, mediantes descargas de água sobre a sanita.
Na residência da arguida DD e simultaneamente na sua posse não foi encontrado qualquer estupefaciente nem dinheiro em qualquer dos dias das operações policiais descritas.
A conclusão que o Tribunal tirou, e bem, foi a de que, residindo ela no primeiro andar, o seu apartamento era o local certo para os traficantes entrarem no interior do prédio em caso de emergência, onde se podiam movimentar à vontade, escondendo estupefacientes, dinheiro proveniente das suas vendas e as sempre presentes armas que acompanham os traficantes, e escondendo-se a si próprios. Aqui não há lugar a falsas ingenuidades: em todos os processos de tráfico com alguma dimensão (4) são encontradas armas, obviamente para dissuasão dos furtos e para uso em caso de necessidade.
Pois foi no 5º-A que, na sequência da referência pelo agente, foi encontrado não só o arsenal que complementa o tráfico como o dinheiro das vendas anteriores. Repare-se que das 10:20H às 12:40H, o arguido CC conseguiu pelo menos os €410,00 que tinha consigo, e na habitação do arguido BB, num prédio em que as vendas se faziam se não permanentemente, pelo menos por turnos, foram encontrados €1.732,20.
Ora, como bem resulta da análise feita pelo Tribunal recorrido, não há indícios de que o arguido se dedicasse a qualquer outra actividade lucrativa, ainda que, em benefício da dúvida, se possa admitir que tenha vendido peixe a alguém - muito, mas muito, esporadicamente, o que vem demonstrado nos documentos apresentados.
Com todos estes dados, é evidente o fundamento para não duvidar das declarações do agente KK e da adequação da análise crítica da prova feita relativamente à comparticipação criminosa do arguido BB.
Dentro daquele prédio havia uma teia criminosa a actuar que incluía o detentor da droga e do dinheiro (o arguido BB), um distribuidor ao público (o arguido CC), uns vigilantes e uma senhora que, pela posição privilegiada do seu apartamento face ao local onde era montada a banca de venda ao público, dava entrada para o interior do prédio ao vendedor, sempre que havia sinais de polícia.
Vem o arguido argumentar com as contradições entre o depoimento da testemunha KK e entre esse depoimento e o auto lavrado, na altura, pelo seu colega PP.
Quanto à primeira (que terá dito primeiro que não estava a vigiar de dentro de uma residência de depois terá referido que «pode ser dentro duma residência», é óbvio que a segunda afirmação está descontextualizada. O “pode ser” foi dito no âmbito de uma argumentação referente aos locais onde poderia ter-se escondido, o que não quer dizer que o tenha feito. Não há contradição alguma.
A segunda questão, relativa a saber se o arguido CC desceu de elevador como declarou em audiência ou pelas escadas, como consta do relatório policial feito pelo seu colega, escapa precisamente à noção de contradição porque não foi sequer a testemunha quem fez o relatório em causa, além do que não é exigível ao depoente uma recordação exacta de todos os pormenores da operação.
A questão nem configura qualquer violação do in dubio pro reo, porque esse princípio é de aplicação exclusiva pelo Tribunal e só funciona na ausência de prova certa e segura da ocorrência de um facto. Ora, saber se o arguido desceu de escadas ou elevador não é facto essencial nem sequer circunstancial, susceptível da abalar a credibilidade do seu depoimento. Mais: ainda que fosse, a testemunha assumiu em audiência que nesse particular poderia estar enganado - qual seria o engano é que não se percebe pela gravação porque há sobreposição de vozes.
Assim, analisada a prova produzida, nada permite sequer colocar em crise a convicção probatória do Tribunal recorrido.
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ii- Recurso do arguido AA:
O arguido AA discorda da aplicação de uma pena efectiva e entende que a pena adequada seria a mesma, mas na modalidade de pena suspensa na sua execução.
Fundamenta o entendimento referindo que:
- O Tribunal a quo nem considerou a aplicação ao arguido de outra pena privativa da liberdade que não fosse a pena de prisão efectiva.
- O Tribunal a quo deveria tentar a ressocialização do arguido que se encontra inserido familiar e socialmente;
- O arguido não é primário, mas a condenação que teve pelo mesmo tipo de crime remonta ao ano 2017 e essa pena encontra-se extinta desde 30.10.2019;
- A pena suspensa de 5 anos seria “espada apontada” que o arguido teria que considerar;
- Por força do art.º 70º/CP a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos.
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da pretensão, fazendo uma relação das seis condenações em que o arguido incorreu anteriormente a estes factos, três delas em penas de prisão suspensas na sua execução, uma por tráfico e duas por consumo de estupefacientes, para concluir que «existem razões de prevenção especial que contra-indicam a aplicação ao arguido de uma pena não privativa da liberdade, entendendo que não é possível fazer um juízo fundado de prognose favorável, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastá-lo da criminalidade.
Com o passado criminal que apresenta, é forçoso concluir que o arguido se mostra absolutamente impermeável às penas que já sofreu.
Em consequência, o Tribunal a quo não reconheceu quaisquer sinais de integração, tal como o Ministério Público não os vislumbra, pelo que, se entendeu – e bem - que não é de aplicar ao arguido a suspensão da execução da pena de prisão, justificando-se o cumprimento de uma pena efectiva de prisão.».
À data da prática dos factos o arguido, com 26 anos de idade, tinha sofrido condenações no âmbito dos seguintes processos:
- Processo abreviado 907/15.0PGLRS, que correu termos no Juízo de Pequena Criminalidade de Loures, por decisão proferida em 22.01.201616, transitada em julgado em 22.02.2016, pela prática, em 12.10.2015, de um crime roubo, p. e p. pelo art.º 210º, nº 1 e 2, al. b), por referência ao art.º 204º, nº 2, al. f) do CP, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, a qual veio a ser declarada extinta em 22.02.2017.
- Processo comum coletivo 4174/14.5TDLSB, que correu termos no Juízo Central Criminal de Lisboa, por decisão proferida em 16.02.2017, transitada em julgado em 30.10.2017, pela prática, em 01.01.2014, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 25º do DL 15/93 de 22.01, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, a qual veio a ser declarada extinta em 30.10.2019.
- Processo sumaríssimo 80/17.0SDLSB, que correu termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, por decisão proferida em 19.6.2017, transitada em julgado em 13.7.2017, pela prática, em 29.1.2017, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, nº 1 e 2, do DL 2/98, de 3.01, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 6 €, o que perfaz o total de 420 €, a qual veio a ser declarada extinta em 8.8.2019.
- Processo abreviado 1133/16.7SFLSB, que correu termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, por decisão proferida em 15.11.2017, transitada em julgado em 18.12.2017, pela prática, em 7.10.2016, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, nº 1 e 2, do DL 2/98, de 3.01, na pena de 3 meses de prisão, substituída por 90 dias de multa à taxa diária de 5 €, o que perfaz o total de 450 €, a qual veio a ser declarada extinta em 8.2.2019.
- Processo abreviado 972/20.9PVLSB, que correu termos no Juízo de Pequena Criminalidade de Lisboa, por decisão proferida em 25.3.2021, transitada em julgado em 3.5.2021, pela prática, em 26.11.2020, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 40º, nº 1 e 2 do DL 15/93 de 22.01, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5 €, a qual foi declarada extinta em 21.10.2022, pelo cumprimento.
- Processo abreviado 325/21.1PVLSB, que correu termos no Juízo de Pequena Criminalidade de Lisboa, por decisão proferida em 14.10.2021, transitada em julgado em 15.11.2021 pela prática, em 14.5.2021, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 40º, nº 2 do DL 15/93 de 22.01, na pena de dois meses de prisão, suspensa por um ano, a qual foi declarada extinta em 15.11.2022.
- Sanção pecuniária por infração ao Código da Estrada, aplicada pela Justiça do Reino Unido, por condução de veículo sem seguro em 26.8.2021.
Tudo visto, desde os 18 anos que o arguido vem praticando comportamentos penalmente censuráveis, sem que as penas de multa e de prisão suspensas na sua execução tenha surtido qualquer efeito inibidor da prática de novos crimes, particularmente relacionados com estupefaciente.
Nos termos do artigo 50º/1 do CP «o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
O nosso direito penal adoptou, como princípio, o critério de preferência pelas reacções criminais não detentivas face às detentivas, a par dos princípios da legalidade, da necessidade e subsidiariedade, da culpa e da socialidade. O princípio emerge, desde logo, dos artigos 30º/1, 27º e 28º da Constituição da República Portuguesa e encontra espaço na lei ordinária no artigo 70º/CP.
A suspensão da execução da pena apresenta-se como medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico, que dá expressão à opção legislativa de que a execução de uma pena prisão constitui a “ultima ratio” da punição (artigo 18º/2, da CRP). Do ponto de vista dogmático apresenta-se como uma «pena de substituição», revestindo a natureza de verdadeira pena, com carácter autónomo, com campo de aplicação, regime e conteúdo político-criminal próprios.
A prevenção geral assume, por regra, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, entendida como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida e não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos.
A aplicação de uma pena suspensa resulta sempre da atribuição, no caso concreto, de preponderância ao fim da prevenção especial, face ao da prevenção geral.
As exigências de prevenção geral, na operação de escolha sobre a pena suspensa ou efectiva, funcionam apenas como cláusula de ultima ratio. Representam apenas o grau mínimo de subsistência do sistema jurídico perante a hipótese de suspensão. Há que aferir se, suspensa a execução da pena, o ordenamento jurídico claudica, perde subsistência, enquanto garante do efeito preventivo geral, ou seja, se a sociedade tolera ou não aquela suspensão sem a considerar como prova da fraqueza do sistema judicial face àquele crime; se a pena suspensa é, ou não, ainda, entendida como uma mal imposto ao agente, se bem que visando um bem futuro. A confiança da comunidade na validade das normas, se não pode ceder, em limites que lhe retirem sentido, na ponderação e concordância prática das finalidades e exigências em presença, não poderá, igualmente, constituir impedimento à realização das finalidades de política criminal que conformam o regime penal.
A aplicação deste tipo de pena funda-se, necessariamente, em critérios de legalidade, os quais, no essencial, se reconduzem à ideia da existência de prognóstico favorável quanto ao comportamento futuro do agente.
São, pois, unicamente considerações de prevenção - especial e geral - e não de culpa, que devem conduzir, ou não, à aplicação do instituto da suspensão da execução da pena.
Para aplicação desta pena de substituição é condição que o julgador se convença, considerando os factos e a personalidade do agente, de que a ameaça da pena, como medida com reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delituosas, atingindo as finalidades da protecção dos bens jurídicos e da sua reintegração na sociedade.
A este juízo de prognose é essencial a consideração da personalidade do agente, das suas condições de vida, da conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias que rodearam o crime. Não são considerações de culpa que devem ser atendidas, mas juízos fundamentados sobre o modo como o arguido se irá comportar em liberdade, considerando a sua personalidade, as suas condições de vida, o seu comportamento e as demais circunstâncias do caso, tudo determinando que o juízo de prognose do julgador seja favorável à suspensão, por esta se revelar adequada e suficiente.
No caso é indubitável a existência do pressuposto formal da suspensão, uma vez que o arguido foi condenado na pena de 5 anos de prisão.
Quanto ao pressuposto material, há que considerar que o arguido praticou os factos nas mesmíssimas circunstâncias de vida que detém neste momento, salvaguardando as decorrentes do facto de se encontrar preso.
O arguido, não obstante, já condenado em pena de prisão suspensa na sua execução pela prática de um crime de tráfico, voltou a delinquir na mesma matéria. E a delinquir em medida já muito expressiva. Integrado num grupo que se dedicava ao tráfico era ele quem vendia ao público, amparado por um esquema de avisadores e no âmbito de um autêntico estabelecimento, com casa de recuo e esquemas de barreiras físicas no interior para dificultarem a entrada da autoridade, dando tempo para o detentor do estupefaciente se desfazer do produto.
Mal grado, foi encontrado na casa de banho do primeiro andar, onde acedeu e onde se desfez de tanto estupefaciente quanto o que pode, detendo 11 embalagens de heroína, com o peso líquido de 4,500 gramas, 20 embalagens de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 3,268 gramas e a quantia monetária €561,00.
Cortado o esgoto do prédio, vieram a ser encontradas ainda, dentro da respectiva canalização, as embalagens de cocaína e de heroína e a quantia monetária que este tinha deitado na sanita, a saber:
- 137 embalagens de heroína, sendo que 114 dessas embalagens tinham o peso líquido de 45,215 gramas e 23 dessas embalagens tinham o peso líquido de 4,823 gramas;
- 239 embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 41,533 gramas;
- a quantia de 110,00 euros.
Estamos face a uma detenção de estupefaciente e lucro da venda de estupefaciente já considerável, enquanto venda ao público. Repare-se que entre as 11h05 e as 11h50, o arguido tinha feito cerca de 50 transações de cocaína e de heroína.
Por outro lado, a argumentação onde ancora a sua pretensão é inválida para o efeito.
Ao contrário do que refere, o acórdão recorrido fundamentou a não substituição da pena. Dele consta que «Já em face dos antecedentes criminais dos arguidos AA, que cometeu os factos dos autos em período de suspensão, é forçoso concluir por solução diversa. Com efeito, ressalta à evidência que a mera ameaça da pena de prisão não logrou atingir a finalidade da ressocialização que a impôs, pelo o Tribunal entende que não deverá ser aplicada, no caso, a suspensão da pena de prisão.»
Desconhece-se o que o arguido possa entender por inserção familiar e social. O arguido é um delinquente de repetição, que enveredou claramente pela via do tráfico de estupefaciente, não obstante os solenes avisos em que as anteriores condenações consistiram inserido familiar e socialmente;
Não só está longe de ser primário, como demonstra que a extinção de uma pena por tráfico, escassos 3 anos antes, não teve serventia para a integração pessoal, social ou familiar que caracteriza o normal dos cidadãos. Na sua linguagem, não sentiu qualquer a espada apontada, não havendo fundamento algum para considerar que agora a pena suspensa possa surtir algum efeito ressocializador,
Quanto à factualidade relevante para a percepção da personalidade do arguido, apenas há que acrescer ao quadro supra descrito que confessou os factos. Mas a confissão não assume relevo na medida em que foi apanhado em flagrante delito e, de qualquer modo, não seria motivo adequado e suficiente para determinar, só por si, um juízo de prognose favorável quanto aos requisitos legais da aplicação da pena suspensa, ou seja, de que a ameaça de pena seria bastante para o afastar do negócio do tráfico de estupefacientes..
Considerando o artigo 70º/CP, é de rejeitar a aplicação da pena de substituição na medida em que a execução da pena de prisão se mostre indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela da saúde pública subjacente à criminalização do tráfico de estupefacientes.
Aos 26 anos de idade, a conduta do arguido, indiciadora de dependência do tráfico como modo de angariar proventos económicos grandes e muito fáceis, não deixa expectativas de que a simples ameaça de pena seja suficiente para evitar o cometimento de novos crimes.
A detenção dos arguidos não tem a virtualidade de desmantelar esta (nem outras) estrutura de tráfico ao abrigo da qual ele e os co-arguidos operavam, o que significa que é fortemente provável que a sua libertação fosse um simples aval judicial para o caminho de regresso à actividade delituosa.
Em resumo: o tipo de conduta que configurou o crime de tráfico, aliado à personalidade revelada, não permitem concluir que a suspensão da pena seria adequada aos fins de prevenção especial que se impõem e muito menos aos fins de prevenção geral.
Por outro lado, há que referir que são particularmente intensas as necessidades de prevenção geral nesta área, que só excepcionalmente se satisfazem com uma pena de substituição.
Trata-se de uma actividade altamente organizada, disseminada através de grupos com dimensão internacional, dotados de elevados meios, com os quais as policias não conseguem sequer competir, que gera facilmente grandes lucros e, nessa medida, é muito apelativa, mas é extremamente danosa para a saúde pública.
É pelo tráfico que se instiga o consumo de tóxicos, autêntico flagelo social com efeitos arrasadores tanto para a saúde física e mental de quem os consome como dos familiares. Socialmente, o tráfico e o consumo estão associados a uma fonte inesgotável de crimes. Os crimes relacionados com o tráfico e aqueles outros associados à necessidade de obter dinheiro para manter o vício constituem uma praga das sociedades modernas, resistente a todas as medidas de contenção de natureza penal, com custos sociais incalculáveis que perduram por gerações.
Os efeitos nocivos para a saúde resultantes do consumo - especialmente quando se trata de drogas duras, como a cocaína - o prolongamento no tempo do vício, típico da dependência que provocam, o elevado número de pessoas que atingem, despertam um sentimento de reprovação social do crime especialmente violento, o que leva a que a suspensão da execução da pena neste tipo de crimes atente contra o sentimento de validade das norma penais e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais»
Tem sido orientação pacífica no Supremo Tribunal de Justiça a de que «a suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões muito ponderosas, (…), seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral» (5 ).
Na conformidade, apenas se vem admitindo a suspensão da execução da pena em situações especialíssimas, em que a ilicitude do facto se mostra acentuadamente diminuída e o sentimento de reprovação social substancialmente esbatido.
Só mediante a demonstração de que, na precisa situação concreta, a prognose é especialmente consistente, se vem decretando a suspensão da execução de pena de prisão, pois que se entende que só nessas circunstâncias é exigível impor a esses interesses uma compressão proporcional à salvaguarda de outras finalidades das penas, como a prevenção especial, na vertente ressocializadora.
Não há, no caso, fundamento válido e adequado à suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, sendo, na conformidade, improcedente a pretensão formulada nesse sentido.
***
iii- Recurso do Ministério Público:
O Ministério Público recorre da aplicação do perdão emergente da Lei 38-A/2023, por entender que, nos termos do artigo 2º d) a pena suspensa na sua execução subordinada ao cumprimento de regime de prova, aplicada aos arguidos EE, GG, HH e BB não está abrangida pelo perdão, tal como, no caso da condenação em pena única, que ocorreu quanto ao arguido BB, o perdão apenas incide sobre a pena única e não sobre cada uma das parcelares, nos termos do nº 4 do mesmo normativo.
Vistos os termos das disposições em causa é manifesta a procedência do recurso, porque delas resulta, sem sombra de dúvida, que as penas aplicadas a estes arguidos não são susceptíveis de perdão, no âmbito da excepção contida quanto a penas de prisão suspensas na sua execução mediante sujeição a regime de prova, o que abrange os arguidos EE, GG, HH e BB. Resta, portanto, a revogação dos perdões aplicados a estes arguidos.
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Sumariando:
1. A inquirição de funcionários (segundo a definição dada pelo próprio CP, maxime pelo art.º 386º) sobre factos que constituam segredo e de que tiveram conhecimento no exercício das suas funções, que possam prejudicar a prossecução do interesse de realização de novas investigações criminais, constitui uma verdadeira proibição de prova.
2. As proibições de prova podem resultar do primado reconhecido a valores ou interesse de índole supra-individual com os subjacentes ao Segredo de funcionários e Segredo de Estado.
3. Dispõe o art.º 136º/1 do CPP, que os funcionários não podem ser inquiridos sobre factos que constituam segredo e de que tiveram conhecimento no exercício das suas funções.
4. A noção de segredo que releva para a interpretação da norma, abrange quer o dever de descrição profissional no interesse do serviço destinado a proteger os segredos administrativos cuja divulgação poderia prejudicar o desenvolvimento normal das atribuições ou a reputação da Administração, quer o dever geral de sigilo dos funcionários, susceptível de abranger factos pessoais confiados, ou cujo conhecimento foi adquirido na função ou por causa dela, e factos, circunstâncias, elementos, ou documentos relativos à vida interna da Administração.
5. Impende sobre autoridade Judiciária o dever de não formular à testemunha perguntas que violem o dever de segredo a que é mesmo está obrigada, nas situações supra enunciadas, podendo a testemunha, perante tal tipo de perguntas, recusar-se a depor.
6. Estando em causa a necessidade de salvaguardar o dever de segredo, essencial para operações de combate ao tráfico futuras, as perguntas formuladas a respeito do preciso local onde se encontrava a testemunha quando presenciou a saída de um dos arguidos de determinado apartamento, transportando consigo um saco de estupefaciente, violam o dever de não formular perguntas que contendam com o dever de segredo a que o mesmo está obrigada, sendo obrigação do Tribunal obstar a tal produção de prova proibida.
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VII- Decisão:
Acorda-se, pois:
- Em negar provimento aos recursos, intercalar e final, interpostos pelo arguido BB e ao recurso interporto pelo arguido AA;
- Em condenar nada um dos referidos recorrentes em taxa de justiça de quatro Ucs, por cada um dos recurso interpostos;
- Em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, excluindo o perdão relativamente às penas aplicadas aos arguidos EE, GG, HH e BB, recurso esse isento de custas;
- Em manter, no demais, o acórdão recorrido nos seus precisos termos.
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Texto processado e integralmente revisto pela relatora.

Lisboa, 11/ 09/2024
Maria da Graça dos Santos Silva
Francisco Henriques
M. Elisa Marques
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1. Designadamente nos Processo nº 77/22.8SWLSB.L1 e nº 68/18.3SWLSB-A.L1 It 4, 1-A, em que estava em causa precisamente o tráfico de estupefacientes no lote ….
2. Vide “Código de Processo Penal comentado”, pelos Conselheiros Henrique Gaspar e outros, 2014, pág. 559 e 560.
3. Obra referida, pág. 260 e ss.
4. Isto é, que não são propriamente vendas de rua, sem suporte de casas de apoio.
5. Por todos, cf. Ac. do STJ, de 15 /11/2007, em www.stj.pt.