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PROCESSO CONTRAORDENACIONAL
RECURSO DE IMPUGNAÇÃO
REJEIÇÃO
ADMOESTAÇÃO
Sumário
I - O recurso de impugnação apenas pode ser rejeitado por estar fora de prazo e por falta de requisitos de forma. Inexistindo estes motivos de rejeição a impugnação será decidida mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho. Outras questões, como a legitimidade e a manifesta improcedência terão de ser decididas por despacho judicial, nos termos do artigo 64.º, dado que no processo contraordenacional não há lugar um despacho equivalente ao proferido pelo tribunal nos termos do artigo 311.º do CPP onde possam ser conhecidas questões prévias ou incidentais. II - No processo contraordenacional, não obstante a Constituição não prescrever com a mesma intensidade de garantias processuais das previstas para o processo criminal, a realização da audiência de julgamento, nas situações em que não existe concordância do MP ou do recorrente para que a decisão seja tomada por simples despacho, constitui um ato obrigatório e será nessa audiência onde serão discutidas e decididas todas as questões suscitadas pelo recorrente no seu recurso de impugnação. III - A admoestação prevista no artigo 51.º do RGCO não se trata apenas de uma sanção suscetível de ser aplicado na fase administrativa do processo, mas, independentemente de o ser, é também uma verdadeira sanção de substituição da coima, aplicada na fase judicial, desde que preenchidos os seus pressupostos, os quais decorrem da constatação da reduzida gravidade da infração (ilicitude) e da diminuição da culpa do agente, a aferir por referência a um padrão médio da gravidade da contraordenação e da culpa do agente, de modo tal que, no caso concreto, a imagem global da gravidade da contraordenação e da culpa do agente se apresente sensivelmente inferior ao que é comum. (sumário da responsabilidade do relator)
Texto Integral
Em conferência, acordam os Juízes na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
Por decisão do Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna, datada de 14/02/2022, a Arguida foi condenada no pagamento de uma coima no valor de € 3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros).
Desta decisão foi interposto recurso de impugnação pela arguida ora recorrente.
Por sentença prolatada em 22-07-2024 o tribunal recorrido julgou improcedente o recurso mantendo a decisão impugnada.
Não se conformando com essa decisão veio a arguida interpor o presente recurso concluindo nos seguintes termos (transcrição): A. O presente recurso de apelação tem origem numa ação de fiscalização da PSP realizada na Farmácia ..., propriedade da Recorrente, em 09/09/2019, destinada à verificação das medidas de segurança existentes na farmácia. B. Nessa sequência, foi proferida a Decisão Condenatória n.º 263/2022, pelo Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna, datada de 14/02/2022, que condenou a Arguida no pagamento de uma coima no valor de € 3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros), acrescida de custas no montante de € 51,00 euros (cinquenta e um euros). C. Inconformada, a Recorrente impugnou judicialmente a decisão da autoridade administrativa, tendo o Tribunal a quo mantido a coima aplicada. D. O recurso ora interposto versa sobre a totalidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo uma vez que o presente processo de contraordenação se encontra extinto por via da prescrição. E. E ainda que assim não fosse, a sentença ora recorrida encontra-se ferida de omissão de pronúncia e erro de julgamento na aplicação do direito aos factos provados (error juris). F. Antes de mais, o processo de contraordenação extinguiu-se por via de prescrição no período decorrido entre a notificação da sentença ora em crise à Recorrente e a interposição do presente recurso de apelação. G. Com efeito, a data da prática dos factos a que respeitam os presentes autos, isto é, a ação de fiscalização realizada pela PSP à Farmácia ..., ocorreu em 09/09/2019. Tratando-se de uma contraordenação punível com coima no montante entre 7.500,00 e 37.500,00 euros, nos termos do artigo 59.º, n.º 4, alínea b) da Lei n.º 34/2013, independentemente do número de suspensões e interrupções havidas ao longo de todo o procedimento, há que levar em conta, na contagem do prazo de prescrição, o decurso do próprio prazo, no caso, 3 anos, acrescido de metade (1 ano e 6 meses), ressalvado o tempo de suspensão máximo (6 meses), nos termos do artigo 27.º, al. b), 27-A.º, n.º 2 e 28.º do RGCO. I. O que perfaz um total de 5 anos, pelo que a prescrição, independentemente das suspensões e interrupções consideradas, sempre ocorreu a 09/09/2024. J. Não tendo aqui aplicação a suspensão de prazos de prescrição em virtude da legislação especial relativa à pandemia de Covid-19, uma vez que os factos respeitantes ao processo de contraordenação em causa ocorreram antes da aprovação da legislação especial em causa. K. A suspensão dos prazos de prescrição, que vigorou de 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de abril de 2021, ao ser aplicada a processos de contraordenação pendentes à data da sua entrada em vigor, tem um efeito dilatório nos prazos de prescrição, constitui um verdadeiro agravamento do regime contraordenacional aplicável. L. Ora, a punição da contraordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto, sendo que, se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplica-se a lei mais favorável ao arguido, conforme resulta do artigo 3.º, n.º 1 e 2 do RGCO. M. Assim é tanto no Direito Processual Penal como na especificidade do Direito das Contraordenações. N. Aplicando-se um prazo de prescrição mais penalizador a um Arguido por factos alegadamente praticados em momento anterior à alteração dos prazos de prescrição, dúvidas não restam de que estamos perante uma violação do princípio da não aplicação retroativa da lei penal, previsto no artigo 29.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e do princípio da tutela da confiança. O. Devendo por isso este Venerando Tribunal declarar extinto o processo de contraordenação. P. Isto dito, a sentença proferida pelo Tribunal a quo enferma de omissão de pronúncia e erro de julgamento na aplicação do direito aos factos provados. Q. Com efeito, o Tribunal a quo acabou por extravasar a sua competência, apreciando, sem mais, as nulidades arguidas pela Recorrente em despacho proferido em 04/09/2022. R. Fazendo-o sem a anuência da Recorrente. S. Ora, o artigo 64.º, nºs 1 e 2 permite que, nos casos em que o Tribunal entenda que está em condições de decidir por despacho, possa fazê-lo desde que o Arguido e o Ministério Público não se tenham oposto. T. E, não sendo esse o caso, não pode o Tribunal decidir, total ou parcialmente, das questões do recurso através de simples despacho. Contrariamente ao que sucede no Direito Processual Penal, em que as nulidades e questões prévias podem ser conhecidas em atos decisórios previstos nos artigos 311.º e 338.º do CPP, o Direito da Contraordenações obedece, neste conspecto, a uma disciplina própria, não podendo o recurso ser parcialmente decidido por despacho sem que sejam consultados os intervenientes processuais. V. Termos em que, não tendo a Recorrente sido consultada para se pronunciar sobre a decisão (ainda que parcial) por despacho do Recurso, verifica-se uma nulidade por via do artigo 119.º, c) do CPP, aplicável ex vi do artigo 41.º do RGCO, devendo ser declarada a nulidade do despacho proferido em 24/11/2022, nos termos do artigo 122.º, nºs 1 e 2. W. Em decorrência desta circunstância, o Tribunal a quo acabou por proferir uma sentença em que não se pronunciou sobre as nulidades invocadas pela Arguida, incorrendo assim em omissão de pronúncia. X. Alegou a Recorrente em sede de impugnação que se verificava (i) falta de identificação e narração dos factos que serviram de fundamento ao juízo de imputação subjetiva na notificação recebida para efeitos de defesa; (ii) ausência de narração dos factos que permitissem inferir a imputação objetiva determinada pela autoridade na decisão impugnada (iii) falta de identificação e narração dos factos que fundamentassem o juízo de imputação subjetiva realizada na decisão impugnada; (iv) a ausência de identificação do agente concreto da pessoa coletiva que teria efetivamente praticado a alegada contraordenação. Y. E, por estes fundamentos, a notificação recebida para defesa e a decisão condenatória deveriam ter sido consideradas nulas, por preterição do disposto nos artigos 7.º, n.º 2, 50.º e 58.º, n.º 1, todos do RGCO. Z. Porém, o Tribunal a quo foi totalmente omisso quanto a estas nulidades, pois que da sentença recorrida nada consta quanto às mesmas. AA. Uma vez que tal situação constitui o vicio de omissão de pronúncia, deve o Venerando Tribunal julgar e declarar nula a sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP. BB. De todo o modo, caso não se considere pela nulidade do despacho que decidiu parcialmente do recurso, com a consequente omissão de pronúncia da sentença, vejamos como, no limite, o Tribunal a quo incorreu, ainda assim, em erro na aplicação do direito aos factos provados. CC. Em primeiro lugar, existe erro de julgamento na apreciação da questão suscitada pela Recorrente quanto à nulidade da notificação recebida para efeitos de defesa nos termos do artigo 50.º do RGCO. DD. A Recorrente teve oportunidade de esclarecer e invocar que a notificação enviada pela Autoridade Administrativa não foi minimamente suficiente para o exercício do seu direito de defesa, razão pela qual deveria ser fulminada de nulidade. EE. Esta exigência faz todo o sentido pois, designadamente quanto à imputação subjetiva, é da maior relevância que a Arguida possa compreender se os factos lhe estão a ser imputados a título de dolo ou negligência e, com isto, preparar a sua defesa. FF. O Mandado de Notificação recebido pela ora Recorrente refere até que os factos foram praticados, presumivelmente, de forma voluntária e consciente. GG. Mas nada mais se diz, pelo que a Arguida recebeu uma notificação de onde consta que a Autoridade Recorrida presume que agiu de forma voluntária e consciente, sem qualquer justificação ou fundamentação para esta suposta presunção. HH. Quanto a essa circunstância, Tribunal a quo apenas refere que, pelo facto de o legal representante da Recorrente ter-se pronunciado, não existe qualquer nulidade a este respeito. II. Tal raciocínio não poderá proceder, pois que o facto de a Arguida se ter pronunciado em nada exclui a existência da referida nulidade. Se assim fosse, sempre que um arguido abordasse a existência de uma nulidade, tal quereria dizer que essa nulidade não existe ou deixou de existir. JJ. Seriam nulidades sobre as quais nada se pode dizer, sob pena de desaparecer do processado, uma solução que, com o devido respeito, não se coaduna com um regime jurídico das contraordenações que garanta a defesa dos direitos dos arguidos. KK. A Recorrente continua sem compreender a razão pela qual a autoridade administrativa considerou que os factos foram praticados de forma “voluntária e consciente” - o que, aliás, veio a ser contraditado na decisão impugnada. LL. A introdução de conceitos abstratos e em nada relacionados com as circunstâncias do caso tiveram, naturalmente, um impacto na perceção da Arguida, no que concerne à acusação que lhe vinha dirigida, coartando o seu direito de defesa. Página 30 de 35 MM. Termos em que a notificação recebida para o exercício do direito de defesa é nula, por preterição do artigo 50.º do RGCO. NN. Pelo que o Tribunal a quo decidiu erradamente ao julgar não verificada a nulidade da notificação recebida pela Arguida para os efeitos do artigo 50.º do RGCO e, consequentemente, do processado posterior. OO. Verifica-se igualmente a nulidade da decisão condenatória por omissão absoluta da narração dos factos justificativos do juízo de imputação objetiva vertido na decisão condenatória, vício que o Tribunal a quo considerou, erradamente, no entender da Recorrente, como não verificado. PP. Nos termos do artigo 58.º, n.º 1, do RGCO, a decisão condenatória que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter “(…) b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) a coima e as sanções acessórias (…)”. QQ. A decisão administrativa deve, assim, conter os elementos essenciais para, caso haja impugnação, valer como acusação e, caso não haja, valer como decisão condenatória. RR. Os requisitos previstos no artigo 58.º, n.º 1, do RGCO visam, assim, assegurar ao arguido a possibilidade de compreender a decisão e exercer efetivamente dos seus direitos de defesa, que só poderá existir verdadeiramente com um conhecimento dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e das condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. SS. Factos esses que inexistem na decisão condenatória, tendo sido preteridos pela inclusão de meros conceitos jurídicos e expressões conclusivas. TT. Existindo, assim, para efeitos do disposto no artigo 58.º, n. 1, alínea b), do RGCO, vício da insuficiência da matéria de facto provada. UU. Nos casos em que existe um vício de insuficiência da matéria de facto verifica-se a nulidade da decisão, de harmonia com o disposto nos artigos 374.º, nºs 2 e 3 e 379.º, n.º 1, a), ambos do CPP. VV. O Tribunal a quo considerou, de igual modo, que não se verificava qualquer nulidade quanto à omissão absoluta da narração dos factos justificativos do juízo de imputação subjetiva. Página 31 de 35. WW. Explicando que “Seguramente que não estamos na presença de uma técnica jurídica refinada, no que concerne à descrição factual do conceito de negligência, mas é entendimento pacífico que na fase administrativa do processo de contraordenação, caracterizada pela celeridade e simplicidade processual, o dever de fundamentação tem uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal.” XX. O que, no entender da Recorrente, não pode, em caso algum, justificar a pobreza da Decisão Condenatória. YY. É que, mesmo admitindo que na fase administrativa o dever de fundamentação possa até ser menos intenso, fruto da simplicidade que é característica de tipo de processo, a verdade é que tal não pode significar, pura e simplesmente, a não realização do exercício de imputação subjetiva/fundamentação. ZZ. Uma vez mais: da decisão administrativa condenatória apenas constam juízos conclusivos, ou mesmo meras transcrições da letra da lei, não concretizados em factos a partir dos quais se possa inferir tais juízos. AAA. Trata-se apenas de uma coleção de conceitos jurídicos que podiam aplicar-se a este ou a qualquer outro processo de contraordenação, em que não existe uma referência concreto comportamento da Recorrente, isto é, à contratação de uma empresa especializada para instalação do sistema de videovigilância e correspondente afixação dos dísticos, e especialmente de que forma é que o seu comportamento, sendo outro, seria mais adequado para evitar o resultado. BBB. O exercício de imputação subjetiva não se esgota na escolha binária entre condenar a Arguida a título de dolo ou negligência: é necessária uma integração dos factos alegadamente praticados, e uma conclusão devidamente fundamentada sobre porque é que, no caso concreto, e tendo em conta as circunstâncias verificadas, se optou pela imputação a título de negligência ao invés de, por exemplo, se concluir pela ausência de responsabilidade contraordenacional. CCC. Na verdade, a Recorrente ainda não compreendeu em que factos se baseia a suposta negligência da sua conduta ou, de outro modo, que grau de diligência adicional lhe era exigido, uma vez que tal não vem descrito na decisão condenatória (excluindo, naturalmente, as considerações abstratas e genéricas aplicáveis a qualquer caso de escola de conduta negligente). Página 32 de 35 DDD. Ainda assim, o Tribunal a quo considerou suficiente a narração dos “factos” feita pela Autoridade Administrativa, ignorando que, em momento algum, foi narrado um único facto que permita a justificação da conduta negligente da Arguida. EEE. Existe, uma vez mais, para efeitos do disposto no artigo 58.º, n. 1, alínea b), do RGCO, vício da insuficiência da matéria de facto provada e consequente nulidade da decisão, nos termos dos artigos 374.º, nºs 2 e 3 e 379.º, n.º 1, a), do CPP, invocável em sede de recurso de impugnação e de conhecimento oficioso FFF. Ademais, a imputação a título de dolo ou negligência exige a verificação dolosa ou negligente por parte de uma ou mais pessoas físicas que, atuando no exercício das suas funções, em nome e no interesse dessa sociedade, tenha praticado a contraordenação. Assim o dita a nossa jurisprudência sobre o tema. GGG. Porém, nada consta a esse respeito na decisão administrativa, em absoluto desrespeito pelo artigo 7.º, n.º 2 do RGCO. HHH. Pelo que a decisão deveria ter sido fulminada de nulidade pelo Tribunal a quo, o que não se verificou, em manifesto erro de julgamento. III. Na apreciação da determinação da sanção a aplicar, o Tribunal a quo entendeu que se encontrava vedada a possibilidade de aplicação de admoestação. JJJ. Porém, tendo em conta as circunstâncias que no caso concreto se verificam, entende a Recorrente que apenas se justificaria a aplicação desta sanção, pelo que o Tribunal a quo incorreu em erro na determinação da sanção a aplicar. KKK. Com efeito, decorre do artigo 51.º, n.º 1, do RGCO que “quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”. LLL. A gravidade da contraordenação revela o seu grau de ilicitude e este afere-se pelo modo de execução da infração, pela gravidade das suas consequências e pela natureza dos deveres violados. MMM. Sendo certo que, como resulta da mais recente jurisprudência nesta matéria, a gravidade da infração não se infere de um juízo geral e abstrato, descontextualizado da factualidade Página 33 de 35 relevante à infração, mas antes que “a comprovação em concreto da falta de gravidade da infração justifica a substituição de coima pela admoestação”. NNN. A lei veda ao julgador a possibilidade de aplicar a pena de admoestação apenas na prática de infrações de natureza laboral classificada quer como grave, quer como de muito grave, por tal resultar tipificado na lei, inexistindo igual previsão no RGCO ou na Lei n.º 34/2013. Em coerência com esta opção legislativa, a possibilidade de ser proferida admoestação não está afastada nos presentes autos. OOO. A culpa do agente, nas contraordenações, não corresponde a culpa jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente como expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual o arguido tem, por isso, de responder perante as exigências do dever ser da comunidade. PPP. A medida de admoestação tem como pressupostos que, em concreto, se verifique uma diminuição da gravidade da contraordenação e da culpa do agente, a aferir por referência a um padrão médio da gravidade da contraordenação e da culpa do agente, de modo tal que, no caso concreto, a imagem global da gravidade da contraordenação e da culpa do agente se presente inferior ao que é comum. QQQ. No caso dos autos, estão verificados os aludidos dois pressupostos, que permitem aplicar à Recorrente a medida de admoestação. RRR. Decorre da factualidade dada como provada que, por um lado, a gravidade das alegadas infrações cometidas pela Arguida não é robusta à luz do critério gravidade suprarreferido e, por outro lado, que a mesma agiu com culpa reduzida. SSS. Ficou demonstrado que, no absoluto limite, a Arguida agiu com negligência inconsciente, não obteve quaisquer vantagens patrimoniais com a prática da contraordenação, não possui antecedentes neste tipo de contraordenações e não provocou qualquer dano uma vez que todos os Utentes que entrassem na farmácia ficavam a conhecer a existência do sistema de videovigilância através da sinalética existente. TTT. Assim, por se encontrarem verificados os pressupostos para ser aplicada a admoestação, deve este Venerando Tribunal determinar a substituição da coima por esta sanção. UUU. Face a todo o exposto, a sentença proferida pelo Tribunal a quo violou os seguintes preceitos normativos: a. Artigo 31.º, n.º 6 da Lei n.º 34/2013; b. Artigos 7.º, n.º 2, 50.º, 51.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, 64.º, n.º 1 e 2 todos do RGCO; c. Artigos 119.º, c), 374.º, nº 2 e 3, 379.º, n.º 1, a) e c), e 410.º, n.º 2, a) e n.º 3, todos do CPP.
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O recurso foi admitido.
O Ministério Público em primeira instância respondeu ao recurso.
Apresentou as seguintes conclusões (transcrição): 1.O tribunal a quo fez uma análise completa e correta da situação em apreço e justificou exaustivamente o seu sentido; 2. Contudo, atenta a data da prática dos factos da contraordenação n.º 2280/2020, ocorrida a 09/09/2024, deverá o procedimento contraordenacional ser extinto, por efeito da prescrição. 3. Caso assim não se entenda, não se verifica a nulidade do Despacho proferido em 04/09/2022, posto que se tratou de um despacho de saneamento dos autos, que não afetou os direitos de defesa da Recorrente, uma vez que teve oportunidade de exercer o respetivo contraditório; 4. Outrossim, não se verifica erro de julgamento quanto à nulidade da notificação recebida para efeitos de defesa, nem erro de julgamento relativo à nulidade da decisão de aplicação de coima por omissão absoluta da narração dos factos justificativos do juízo de imputação objetiva e subjetiva; 5. A gravidade da contraordenação em causa é de gravidade já assinalável, assim como é considerável a culpa do Recorrente, pelo que não se afigura adequada, razoável e proporcional a aplicação de admoestação; 6. Isto considerado, e por não merecer qualquer reparo, deve manter-se parcialmente a decisão proferida.
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Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto colocou visto nos autos.
Não houve lugar ao cumprimento do disposto no artigo 417º 2 do CPP dado que não foi emitido parecer por parte do MP.
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Colhidos os vistos legais foi o processo à conferência, onde se deliberou nos termos vertidos neste Acórdão.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Delimitação do objeto do recurso
Em matéria contraordenacional (que dispõe de um regime próprio e autónomo do processo penal, ao qual este apenas se aplica subsidiariamente) existe uma via única de recurso, restrito à matéria de direito - arts. 73.º, 74.º, e 75.º, do RGCO.
Em função de tal especificidade do processo das contraordenações, o objeto do recurso há de ser fixado em função das questões de direito decorrentes do teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (nº 1 do artigo 412º 3 nº 3 do artigo 417º, ambos do C.P.P., aplicáveis por força do disposto no artigo 41º do RGCO), sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente (como sucede com os vícios a que alude o nº 2 do artigo 410º, ou no nº 1 do artigo 379º, ambos do C.P.P. – acórdão para uniformização de jurisprudência nº 7/95, de 19 de Outubro de 1995, publicado no Diário da República, I série, de 28 de Dezembro de 1995).
Vedada que está a possibilidade de recurso da matéria de facto nos termos do artigo 412º, nº 3 e 4 do Código de Processo Penal, e atentas as conclusões, as questões a discernir respeitam a saber se o procedimento contraordenacional se encontra prescrito, e, na negativa, se se verifica a nulidade do despacho proferido em 04/09/2022, se existe omissão de pronúncia e se a arguida/recorrente deve ser dispensada de sanção ou ser-lhe aplicada uma admoestação.
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Dos autos resultam assentes os seguintes factos (transcrição): No dia 09.09.2019, pelas 09h:45m, no âmbito de uma ação de fiscalização, os agentes fiscalizadores, dirigiram-se à “Farmácia ...”, sita na ..., propriedade da arguida; 2) O estabelecimento alvo de fiscalização procede à venda de produtos farmacêuticos, com o Alvará n.º ... do INFARMED, Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P; 3) No local alvo de fiscalização estava a testemunha e responsável da arguida, AA, que acompanhou a fiscalização 4) Pelas suas características, o estabelecimento está obrigado a adotar um sistema de segurança específicas que incluam um sistema de videovigilância e sistema de deteção de intrusão; 5) A testemunha informou os agentes fiscalizadores que o estabelecimento possuía sistema de videovigilância e alarme de intrusão; 6) Os agentes fiscalizadores, fiscalizaram o sistema de videovigilância e apuraram que o mesmo está conforme o preceituado na legislação em vigor; 7) Relativamente aos dísticos inerentes ao sistema de videovigilância, os agentes verificaram existir um dístico no perímetro exterior da farmácia. Contudo, no interior do local alvo de fiscalização não se encontrava qualquer aviso de informação alusiva ao sistema de videovigilância, acompanhado de simbologia legal, ou seja, um sinal em forma de triângulo equilátero, em fundo de cor amarela com orla interior em cor preta, ao centro, símbolo representando o pictograma de uma câmara de videovigilância de cor preta; 8) A testemunha ficou ciente da infração e da elaboração do auto de notícia; 9) O legal representante da sociedade arguida foi informado da elaboração do auto de notícia; 10) A sociedade arguida violou a sua obrigatoriedade de afixar no interior do seu estabelecimento, o dístico de aviso de CCTV, acompanhado de simbologia adequada; 11) O comportamento pouco zeloso e diligente da sociedade arguida mostra-se desfasado do tipo de atuação que uma proprietária de um estabelecimento que possui sistema de videovigilância devia adotar, o que revela uma atitude interna específica da culpa negligente; 12) A negligência supõe o poder/dever de o responsável, embora não pretendendo cometer a infração, ter, no entanto, o poder ou a possibilidade de atuar de modo diferente por forma a impedir que ela se modificasse. Aliás, nem necessário é que aquele tenha conhecimento de que a infração esteja ou possa ser cometida (em tal caso poder-se-ia até cair no dolo, na sua forma eventual), bastando que omita u se demita do exercício dos seus deveres e do cumprimento dos normativos legais e deveres especiais que a está obrigado; 13) A sociedade arguida agiu com negligência consciente, a qual se infere e decorre da materialidade fáctica em que se consubstancia a infração, por a culpa resultar da omissão de um dever geral de cuidado ínsito à violação de norma em causa, já que é exigível aos proprietários e/ou utilizadores de sistema de videovigilância afixar dístico de aviso de CCTV, acompanhado de simbologia adequada. ***
A sentença recorrida fundamentou a questão jurídica do seguinte modo: (transcrição) À sociedade arguida/recorrente está imputada uma contraordenação grave, p. e p. pelo art.º 31º, n.º 6 da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio (REASP), sancionável nos termos previstos da alínea k) do n.º 2, n.º 4, al. b) e n.º 9 do art.º 59ºdo mesmo diploma legal. A Lei n.º 34/2013, de 16 de maio (REASP) estabelece o regime do exercício da atividade de segurança privada e da organização de serviços de autoproteção, estabelecendo ainda as medidas de segurança a adotar por entidades, públicas ou privadas, com vista à proteção de pessoas e bens e à prevenção da prática de crimes. Em conformidade, estabelece o n.º 3 do art.º 1º do aludido diploma legal que: “3 - A segurança privada e a autoproteção só podem ser exercidas nos termos da presente lei e da sua regulamentação, e têm uma função complementar à atividade das forças e serviços de segurança do Estado.”. Nos termos do art.º 8, n.º 2 , alíneas a), b), c) e d) da referida Lei: " As entidades gestoras de conjuntos comerciais com uma área bruta locável igual ou superior a 20.000 m2, com exceção de formatos especializados designados «retail park», e de grandes superfícies de comércio, que disponham, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 30.000 m2, excluídas as superfícies comerciais com uma área útil de venda inferior a 2.000 m2, são obrigadas a adotar um sistema de segurança que inclua: a) Um responsável pela segurança, habilitado com a formação específica de diretor de segurança, que é o responsável pela identificação, desenvolvimento, implementação e gestão da estratégia e programa de segurança da entidade; b) A instalação de um sistema de videovigilância; c) A instalação de dispositivos de segurança e proteção; d) Uma central de controlo, recetora de sinais de alarme e de videovigilância, própria ou através de empresa de segurança privada habilitada com o alvará previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 14.” Estatuindo, por fim o n.º 4 do mesmo preceito legal que: “A obrigação prevista no número anterior é extensível a farmácias e postos de abastecimento de combustível”. No que concerne aos sistemas de videovigilância, dispõe o art.º 31º, n.º 1 do REASP que: “As entidades titulares de alvará ou de licença para o exercício dos serviços previstos nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 3.º podem utilizar sistemas de vigilância por câmaras de vídeo para captação e gravação de imagem com o objetivo de proteger pessoas e bens, desde que sejam ressalvados os direitos e interesses constitucionalmente protegidos, sendo obrigatório o seu registo na Direção Nacional da PSP, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna.”. Sendo que, nos locais objeto de vigilância com recurso a câmaras de vídeo é obrigatória a afixação, em local bem visível, de informação, a menção «Para sua proteção, este local é objeto de videovigilância», o nome da entidade de segurança privada autorizada a operar o sistema, com o respetivo alvará ou licença, assim como, o responsável pelo tratamento dos dados recolhidos perante quem os direitos de acesso e retificação podem ser exercidos – art.º 31º, n.º 5, als. b) a d). Por sua vez, o n.º 6 do mesmo preceito legal, estatui que: «Os avisos a que se refere o número anterior são acompanhados de simbologia adequada, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna.». A violação do disposto no art.º 31, n.º 6, constitui uma contraordenação grave, prevista no art.º 59º, n.º 2, alínea k) do REASP, a qual é sancionável nos termos do mesmo preceito legal no seu n.º 4, al. b), com uma coima entre €7.500,00 a €37.500,00, quando cometida por pessoas coletivas. No que concerne ao elemento subjetivo do tipo, pode o ilícito ser praticado a título doloso ou negligente – art.º 59º, n.º 8 do REASP e art.º 8º do RGCO. O dolo, ao nível do tipo-de-ilícito caracteriza-se por o agente atuar com conhecimento e vontade de realização de elementos objetivos do tipo e consubstancia, ao nível do tipo-de-culpa, uma atitude contrária ou indiferente perante o dever-ser-jurídico-penal ou contraordenacional. Por sua vez, a negligência pressupõe, ao nível do tipo subjetivo, a violação de um dever objetivo de cuidado, traduzindo ao nível do tipo-de-culpa uma atitude descuidada perante o dever-ser-jurídico-penal ou contraordenacional. Atenta a factualidade provada, conclui-se que se mostram verificados os elementos objetivos da infração prevista e sancionada pelos arts. 31º, n.º 6 e 59º, n.º 2, alínea k) e n.º 4, al. b) do REASP, porquanto, a sociedade arguida, aqui recorrente, não tinha afixado no interior do estabelecimento o dístico informativo da existência de CCTV, de acordo com as normas legais, designadamente, acompanhado de simbologia adequada, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna – cfr. art.º 31º, n.º 5 e 6 do REASP. Não pode a sociedade arguida alegar qualquer erro sobre a ilicitude, porquanto, desde junho de 2013, com a entrada em vigor da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, por via do seu art.º 8º, n.º 3 e 4, impende sobre as farmácias a obrigação legal de instalarem sistemas de videovigilância, bem como, dispositivos de segurança e proteção. Como decorre do disposto no art.º 8º, n.º 4, com remissão para o nº 3, ambos da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio, essa obrigação impende não sobre as empresas contratadas pelos titulares para as farmácias (in casu, pela PROSEGUR) para a instalação dos sistemas de videovigilância e assistência técnica, mas sobre quem titula e explora esses mesmos estabelecimentos, pois embora a operação técnica de instalação, manutenção e assistência técnica do sistema de videovigilância só possa ser efetuada por entidades com alvará ou licença para o exercício de segurança privada – arts. 3º, n.º 1, 2, alínea c) e 14º, n.º 1, 2, alínea c) e 4, da aludida Lei - o titular da farmácia onde se encontra instalado esse sistema não deixa de ter acesso permanente ao mesmo, sendo por isso, pelo mesmo responsável, incumbindo-lhe informar-se de todas as imposições legais referentes ao mesmo, de forma a garantir a respetiva conformidade do sistema com os normativos legais, incluindo os dísticos que tinham de estar afixados na farmácia em si. Não obstante, apurou-se que a sociedade arguida não agiu com o dever de cuidado a que estava obrigada e que era capaz, tendo adotado um comportamento pouco zeloso e diligente, desfasado do tipo de atuação que um explorador/proprietário de um estabelecimento como o dos autos, normalmente avisado e cauteloso adotaria, não se tendo certificado de que seria ainda necessário mais um dístico CCTV no interior da farmácia em si, em local bem visível e acompanhado de simbologia adequada, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna. Resulta, assim, que a sociedade arguida agiu com negligência, em conformidade com o disposto nos arts. 15º, al. a) do Cód. Penal - “Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas atuar sem se conformar com essa realização;” - ex vi art.º 32º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) ex vi art.º 62º do REASP. O presente tipo contraordenacional é punido a título de negligência, nos termos do art.º 59º, n.º 8, do REASP. Acresce que não se verificam quaisquer causas de exclusão da culpa e da ilicitude. Face ao exposto, resultam preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do tipo contraordenacional imputado à sociedade arguida, pelo que se conclui que a mesma praticou uma contraordenação grave p. e p. pelos arts. 31º, n. º 6, e 59.º, n.º 2, al. k) e n.º 4, al. b), todos do REASP. DETERMINAÇÃO DA SANÇÃO Nos termos do disposto no art.º 18º do RGCO, aplicável, ex vi do art.º 62º do REASP, a determinação da medida da coima far-se-á em função da gravidade da contraordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto. Na determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção. No que diz respeito à sociedade arguida/recorrente, tratando-se de pessoa coletiva e tendo atuado negligentemente, a moldura da sanção oscila entre os valores de €7.500,00 a €37.500,00 – art.º 59º, n.º 2, al. k) e n.º 4, al. b) do REASP Ao estarmos perante uma conduta negligente, conforme resulta dos arts. 7º, 8º nºs 1 e 3 do RGCO e art.º 15º al. a) do Cód. Penal, para onde remete o art.º 32º do RGCO, é a negligência punível de acordo com o nº 8 e 9 do art.º 59º do REASP, mas beneficiando de atenuação especial – arts. 17º nº 4 e 19º do RGCO. Ter-se-á de ter em consideração a proibição da reformatio in pejus que impede que a recorrente veja a medida da coima que lhe foi aplicada pela entidade administrativa, agravada. No caso concreto, as exigências de prevenção geral são prementes, tendo em atenção a ocorrência frequente de situações como as dos autos, sendo amiúde a instalação de sistemas de videovigilância sem que estejam cumpridos todos os requisitos legais. Assim sendo, exige-se, por parte das autoridades administrativas competentes e do poder judicial, uma resposta decidida contra este tipo de comportamento por parte dos responsáveis, de modo a tutelar de forma eficaz a observância da norma jurídica violada. Pugna a sociedade arguida pela aplicação da pena de admoestação, a qual já se encontra relativamente estabilizada na jurisprudência do início do século XXI, no entendimento de que, dado o seu carácter simbólico, tem reduzida eficácia preventiva. Já o afirmava o Prof. Figueiredo Dias, na sua obra "Direito Penal Português — As Consequências Jurídicas do Crime", Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 608.: «A medida é indiscutivelmente de saudar e de apoiar num direito como o tutelar de menores (…) ao qual é em absoluto estranho o cariz punitivo; e ela pode ainda ser aceite e compreendida no direito penal de menores imputáveis (…) dada a predominância absoluta que nele assume a finalidade (re)educativa da sanção. Já, porém, no direito penal de adultos, onde a dimensão punitiva da pena, se bem que exclusivamente justificada por razões de prevenção, é irrenunciável, a «pena» de admoestação, comprimida entre as verdadeiras penas de substituição, por um lado, e a dispensa de pena, por outro, surge como questionável e, na verdade (na generalidade dos casos), dispensável. (…) "Qualquer pena simbólica, que se esgota na mera aplicação judicial, sem possuir ao menos o conteúdo aflitivo potencial que caracteriza todas as outras penas de substituição (mesmo a suspensão da execução da prisão sem condições!) é irremediavelmente afetada na sua eficácia preventiva, não atingindo sequer o nível mínimo da verdadeira advertência penal, por destituída de qualquer consequência efetiva para o futuro. E é difícil – se não impossível – ver numa pena afetada mesmo no cerne da sua eficácia preventiva outra coisa que não uma medida desnecessária, e por isso condenável, do ponto de vista político-criminal.» Sendo assim para o Direito Penal, assume-se que o mesmo se possa dizer no Direito Contraordenacional, cuja menor ressonância ética, em vez de diminuir a estranheza, a aumenta pela óbvia importância económica da atividade em regra desenvolvida nas condutas ilícitas, nas quais o lucro – e, logo, o efeito contabilístico negativo de uma sanção pecuniária, em regra gravosa – assume importância de vulto. A admoestação, não se trata apenas de uma sanção/ato suscetível de ser aplicado na fase administrativa do processo, mas, independentemente de o ser, é também uma verdadeira sanção de substituição da coima, traduzida na sua dispensa, aplicada na fase judicial, desde que verificados determinados pressupostos: a gravidade da infração e da culpa do agente – art.º 51º do RGCO, ex vi do determinado no art.º 62º do REASP. A “gravidade da infração” mede-se, naturalmente, pela sua ilicitude e nas contraordenações essa ilicitude tem espelho legislativo na consagração de três graus de ilicitude. E essa classificação está presente no REASP que no seu art.º 59º classifica as contraordenações, «tendo em conta a relevância dos direitos e interesses violados» em leves, graves e muito graves Naturalmente, sendo a admoestação a menos grave das sanções – tanto que até a sua natureza sancionatória foi posta em causa na doutrina e na jurisprudência, como vem claramente afirmado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-11-2012 (proc. 1293/10.0TFLSB.L1-5), disponível em dgsi.pt. – às contraordenações leves está reservada a possibilidade de aplicação da admoestação. Segundo o estipulado no art.º 51º do RGCO, são claros os requisitos impostos para a aplicação de uma admoestação: reduzida gravidade da infração e reduzida culpa do agente. Assim sendo, a aplicação de uma admoestação depende, desde logo, da maior ou menor ilicitude da infração. Esta ilicitude poderá ser aferida tendo em conta o que expressamente o legislador considerou - caso que se torna evidente quando o legislador classifica a infração de grave ou muito grave ou leve (aliás, de acordo com a classificação prevista no art.º 59º do REASP. No caso em apreço, o legislador referiu expressamente que constituíam uma contraordenação grave a prevista nas alíneas k) do n.º 2 do art.º 59º do REASP, sancionável nos termos previstos na alínea b) do n.º 4 do mesmo preceito legal, pelo que não se pode considerar estar preenchido um dos requisitos impostos pelo art.º 51º, n.º 1, do RGCO - a "reduzida gravidade da infração". Ao classificar uma dada infração como grave o legislador considerou-a, em abstrato, portadora de uma ilicitude considerável, o que terá desde logo determinado uma moldura da coima com limites mínimos e/ou máximos superiores àqueles que foram determinados para as contraordenações que entendeu como sendo de gravidade menor ou de média gravidade. Porém, não se pode considerar que, atento o caso concreto, a ilicitude da conduta diminuta de gravidade, depois de o legislador a ter classificado como sendo uma contraordenação grave, porque portadora de uma ilicitude considerada grave. Na verdade, sempre que o legislador, de forma geral e abstrata, classifica a infração como sendo grave, não poderá o julgador modificar a lei atribuindo menor gravidade àquela ilicitude. Por fim, cumpre ainda aludir à jurisprudência obrigatória, fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão n.º 6/2018, de 14-11, segundo o qual “a admoestação prevista no artigo 51.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, não é aplicável às contraordenações graves previstas no art.º 34.º, n. º 2, do Decreto-Lei n. º 78/2004, de 03.04”. Tendo presente o art.º 18º do RGCO a sociedade arguida, além de não ter retirado qualquer benefício económico da infração em si, também não regista antecedentes contraordenacionais. A gravidade dos factos é reduzida, uma vez que a atuação da sociedade arguida ocorreu, a título negligente, não sendo a sua culpa acentuada. Não se apurou que com o seu comportamento se tenha concretizado a efetiva lesão de algum bem jurídico. Há ainda que ter em consideração que a sociedade arguida diligenciou, logo, prontamente, pela reposição do dístico em falta. Além do mais, relativamente à situação económica da sociedade arguida, desconhecem-se os seus lucros, despesas e receitas. Assim, sopesados todos os aludidos elementos, o Tribunal entende estarem verificados os pressupostos para a atenuação especial, o que segundo o art.º 59º nºs 2, al. k), e n.º 4 al. b), n.º 8 e 9 do REASP, devidamente conjugado com o n.º 3 do art.º 18º e 72ºA, n.º 1 e 2, a contrario do RGCO, os limites mínimos e máximos da coima está fixado em €3.750,00 e €18.750,00, uma vez que a imputação é a título negligente e não doloso, beneficiando a sociedade arguida de uma redução a metade do valor fixado para a coima. Considerando a factualidade apurada e o próprio critério utilizado pela Autoridade Administrativa, fixando a coima em causa pelo seu mínimo, bem como atendendo às concretas condições da sociedade recorrente e ao facto de se encontrar em funcionamento, considera-se adequado, justo e proporcional, a coima aplicada e fixada pelo seu mínimo legal de €3.750,00. Sem esquecer que as coimas a aplicar devem surgir como uma verdadeira sanção, com imposição de certo sacrifício para a sociedade arguida, devendo funcionar como um dissuasor eficaz, afastando-se o sentimento de impunidade que constitui um incentivo.” ***
Da invocada prescrição do procedimento contraordenacional.
A arguida alegou que o procedimento contraordenacional mostra-se extinto, por prescrição, por, entre o momento do facto e o momento atual, já terem decorrido cinco anos.
O Ministério Público, na sua resposta, acompanhou o alegado pela arguida e concluiu que o procedimento criminal mostra-se extinto pelo decurso do prazo máximo (5 anos) de prescrição.
Dos factos assentes consta que a contraordenação em causa resultou de uma ação de fiscalização realizada pelos agentes da PSP à Farmácia ..., sita em ..., realizada a 09/09/2019.
A contraordenação em apreciação nos presentes autos é punível com coima no montante entre 7.500,00 a 37.500,00 euros, nos termos do artigo 59.º, n.º 4, alínea b) da Lei n.º 34/2013.
Deste modo, a contraordenação pela qual veio a Recorrente a ser condenada enquadra-se na alínea b) do artigo 27.º do RGCO, que prevê que o procedimento por contraordenação se extingue por efeito da prescrição logo que sobre a prática do ilícito hajam decorrido três anos.
No que tange às causas de suspensão do prazo prescricional, dispõe o art.º 27º A do Regime Geral das Contraordenações que: «1 - A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a. Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b. Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;
c. Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso. 2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses»
E, relativamente à interrupção da prescrição, estabelece o artigo 28º do Regime Geral das Contraordenações que: «1 - A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se: a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. 2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação. 3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade»
Assim, considerando o regime que resulta do artigo 27.º-A e 28.º do RGCO, conclui-se que a prescrição do procedimento de contraordenação ora em apreciação dar-se-á após terem decorrido, no máximo, 5 anos contados a partir da prática dos factos (isto é, 3 anos acrescidos de metade, mais o prazo máximo de 6 meses de suspensão).
Uma vez que a alegada prática dos factos ocorreu no dia 09/09/2019, isto é, na data da ação de fiscalização da PSP, a prescrição do presente procedimento contraordenacional, à partida, teria ocorrido em 09/09/2024.
Porém, no que respeita à suspensão do prazo prescricional, não obstante o MP nada ter dito a este propósito, assume, no caso concreto, relevância a legislação aprovada no contexto da pandemia COVID 19, concretamente o disposto nos art.º 7º, n.ºs 3 e 4 e 6º-B, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
A recorrente alegou que não tem aqui aplicação a suspensão de prazos de prescrição em virtude da legislação especial relativa à pandemia de Covid-19, uma vez que os factos respeitantes ao processo de contraordenação em causa ocorreram antes da aprovação da legislação especial em causa.
Mais alegou que a suspensão dos prazos de prescrição, que vigorou de 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de abril de 2021, ao ser aplicada a processos de contraordenação pendentes à data da sua entrada em vigor, tem um efeito dilatório nos prazos de prescrição, constitui um verdadeiro agravamento do regime contraordenacional aplicável e uma violação do princípio da não aplicação retroativa da lei penal, previsto no artigo 29.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e do princípio da tutela da confiança.
Quanto a esta questão, seguiremos de perto o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1 de Fevereiro de 2023, proferido no processo n.º 544/22.4T9AVR.P1, in www.dgsi.pt., que aqui se transcreve por nos merecer integral concordância « (…) a questão central que aqui se coloca consiste em saber se a suspensão da prescrição estabelecida pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, é aplicável a factos pretéritos. (…), o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que aqui nos ocupa, com respeito à suspensão dos prazos de prescrição e caducidade, não foi objeto de modificação pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril. Subsequentemente, pela Lei n.º 16/2020, de 6 de maio, veio a ser alterada, pela quarta vez, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que, por efeito dos seus artigos 2.º e 8.º, revogou o artigo 7.º deste último diploma. As alterações introduzidas pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, entraram em vigor no dia 3 de junho de 2020, pelo que, para o que releva para a presente decisão, da conjugação dos diplomas acima escrutinados resulta que o período da suspensão dos prazos de prescrição e caducidade originariamente estatuída na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, vigorou entre 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020, ou seja, 86 dias. Por força do artigo 6º-B, nº 3, da Lei nº 4-B/2021, de 01/02, ocorreu nova suspensão relativa ao período temporal de 22/1/2021 a 5/04/2021, num total de 73 dias. Não obstante não ter havido encurtamento ou ampliação do prazo de prescrição previsto no regime geral em vigor à data da prática da infração, a modificação legal dos factos interruptivos ou suspensivos que resultaram daquelas alterações influi na contagem do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, visto que as concretas causas de interrupção e de suspensão constituem fatores imprescindíveis a ter em conta na determinação do prazo máximo de prescrição. Ora, as normas de prescrição reportam-se ao regime substantivo do facto criminoso ou contraordenacional, não podendo, por força do princípio da legalidade, ser aplicadas de forma retroativa aos crimes/contraordenações, designadamente à contraordenação aqui julgada (salvo se tal regime se mostrar concretamente mais favorável à arguida – art.º 2.º, n.ºs 1 e 4 do Código Penal, art.º 2.º do RGCO e art.º 29.º, nºs 1 e 4, da CRP). Os novos prazos de prescrição e causas de interrupção e suspensão da prescrição do procedimento criminal e das penas e medidas de segurança, bem assim do procedimento contraordenacional e das coimas, sendo prejudiciais ao arguido, apenas poderão ser aplicados para os factos praticados na sua vigência, sob pena de atribuição às normas que os estipulam um efeito retroativo proibido, em violação do disposto no artigo 29.º, n.º 4, da CRP. Com efeito, (…), na doutrina prevalece largamente o entendimento de que às regras referentes ao regime da prescrição do procedimento criminal são aplicáveis as garantias previstas no artigo 29.º da CRP, no tocante à retroatividade da lei penal. Ou seja, às normas relativas a prazos de prescrição, causas de interrupção ou de suspensão, e efeitos da prescrição são aplicáveis as regras vigentes à data da prática da conduta (tempus delicti), proibindo-se a aplicação retroativa das que sejam menos favoráveis ao agente e impondo-se a aplicação retroativa dos regimes mais favoráveis. O artigo 19.º, nº 6, da CRP, expressamente estabelece que «[a] declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar […] a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos […]», tendo o mesmo ficado consagrado no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 44/86. Semelhante entendimento resulta da declaração de voto exarada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 660/2021, onde se refere: «O princípio da proibição de aplicação retroativa da lei nova desfavorável ao arguido é valorado de uma forma especial pelo nosso legislador constituinte, sendo tão importante que nem em situação de estado de sítio ou de emergência pode ser suspendido no que respeita a matéria criminal, como decorre do artigo 19.º, n.º 6, da Constituição – que refere que «A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar (…) a não retroatividade da lei criminal». Esta proibição inclui todas as dimensões de retroatividade, abrangendo também, naturalmente, a aplicação a processos já pendentes de uma nova causa de suspensão do prazo de prescrição cujo termo não se mostre ainda atingido (a designada retrospetividade ou retroatividade inautêntica)”. Daqui resulta que o estado de emergência não pode ser usado para afastar a proibição da aplicação retroativa da lei penal e contraordenacional, através do alargamento de prazos de prescrição quanto a factos praticados antes do estado de emergência. A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, ainda que estabeleçam medidas excecionais na situação de estado de emergência, não podem forçar a suspensão dos prazos prescricionais aos processos que têm por objeto factos praticados em momento anterior a cada um daqueles diplomas. No domínio da sucessão de leis penais no tempo, quer a lei nova se trate de lei temporária ou não, a sua aplicação não pode afastar-se do princípio da não retroatividade da lei penal, corolário do princípio da legalidade, nem se sobrepor à aplicação do regime penal mais favorável ao arguido. Neste sentido concluiu a jurisprudência dos acórdãos RC 7/12/2021 (Maria José Nogueira), RG 25/1/2021 (Cândida Martinho), RL 9/3/2021 (Vieira Lamim), RE 23/2/2021 (António Condesso), RL 24/7/2020 (Jorge Gonçalves), RL 21/7/2020 (Ana Sebastião) e RL 15/12/2022 (Paula Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt. Também assim, na doutrina, pronunciou-se José Joaquim Fernandes Oliveira Martins, em “A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março - uma primeira leitura e notas práticas” e em “Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e a terceira vaga da pandemia COVID-19”, in Julgar online, março de 2020 e fevereiro de 2021, respetivamente, página 7 e página 8. O mesmo entendimento foi expresso por Rui Cardoso e Valter Baptista, in «Estado de Emergência — COVID-19 — Implicações na Justiça - Jurisdição Penal e Processual Penal», Centro de Estudos Judiciários, abril de 2020, páginas 533 a 536, e, ainda, por Germano Marques da Silva («Ética e estética do processo penal em tempo de crise pandémica», in Revista do Ministério Público, número especial COVID-19: 2020, páginas 109 a 127) e Adriano Squilacce e Raquel Cardoso Nunes, in “A suspensão dos prazos de prescrição em processo penal e contraordenacional por efeito da legislação covid-19” . Também o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre a (in)constitucionalidade da norma extraível da conjugação do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e do artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, segundo a qual a causa de suspensão dos prazos de prescrição do procedimento contraordenacional estabelecida no sobredito artigo 7.º, n.º 3, é aplicável aos prazos (de prescrição) que, à data da entrada em vigor da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, se encontravam já em curso. Considerou que a suspensão do prazo prescricional prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, configura uma medida, entre várias, tomadas no âmbito da legislação de emergência para fazer face à situação pandémica, que originou o estado de exceção constitucional. O período que mediou entre 9 de março (Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março) e 3 de junho de 2020 (Lei n.º 16/2020, de 29 de maio) foi tido como causa de suspensão do prazo prescricional de procedimentos criminais (e contraordenacionais), em grande medida como decorrência da paralisação da atividade judiciária lato sensu durante esse período. Numa lógica de diferenciação entre tipos de retroatividade no domínio penal, distinguindo os conceitos de retroatividade direta ou de primeiro grau e “retrospetividade”, também conhecida por “retroatividade inautêntica”, (nesta última a norma não se aplica retractivamente – aplica-se para o futuro a processos crimes ainda pendentes, embora resultantes de crimes cometidos no passado), o Acórdão do TC n.º 500/2021, de 9 de Junho de 2021, acompanhado pelos Acórdãos do TC nº660/2021, de 29 de julho, e n.º 798/2021, de 21 de outubro, decidiu: “Não julgar inconstitucional o artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência”, cuja interpretação tem inteira aplicação, também, à prescrição do procedimento criminal, conforme referido no texto desse acórdão no seu ponto 31. Baseado na razão de ser desta causa de suspensão, derivada, única e exclusivamente, da situação imprevisível de emergência sanitária que originou o estancamento da atividade judiciária, por um determinado período, o Tribunal Constitucional entendeu que a intenção do legislador foi “a aplicação desta causa de suspensão da prescrição a processos em curso, aquando da sua entrada em vigor, isto é, a factos cometidos antes dessa data, por serem esses mesmos procedimentos que sofreram uma “torção” na sua tramitação com a sustação da respetiva tramitação (acórdão do TC nº 660/2021). Mais concluiu o TC que “a aplicação imediata desta causa de suspensão a processos em curso não colide com as garantias asseguradas pelo princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal, quando, como é o caso, no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tinha iniciado e, apesar de se encontrar em curso, não se havia ainda extinto” (acórdão TC nº 660/2021), juízo de não inconstitucionalidade cujos argumentos são replicáveis para os procedimentos de natureza contraordenacional” (acórdão TC n.º 500/2021 e acórdão TC nº 660/2021). Como é salientado no acórdão do TRP de 7/9/2022, que aqui seguimos de perto, salvo melhor opinião, a jurisprudência que vemos defendida pelos acórdãos do TC nº 500/2021, TC nº 660/2021 e TC nº 798/2021 afronta claramente a proteção do princípio da proibição da aplicação retroativa da lei criminal in pejus, ao considerar que está fora do âmbito de proteção daquele princípio a aplicação imediata de uma nova causa de suspensão a processos em curso quando, no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tenha iniciado, mas ainda não se mostre extinto. De resto, o Plenário do TC nos Acórdãos n.ºs 231/2021, 232/2021 e 319/2021, proferidos em matéria contraordenacional, estando também em causa a introdução de novas causas, bem como a eliminação de outras, de suspensão do prazo de prescrição do procedimento que ainda não atingira o seu termo, considerou que «as normas sobre prescrição do procedimento, para além da indiscutível vertente processual, têm natureza substantiva [o que] determina, no domínio da aplicação da lei no tempo, a sujeição das respetivas normas ao princípio da aplicação retroativa do regime concretamente mais favorável ao agente da infração [significando] que não pode ser aplicada lei sobre prescrição que se revele, em concreto, mais gravosa do que a vigente à data da prática dos factos, bem como deve ser aplicado retroativamente o regime prescricional que eventualmente se mostre, em concreto, mais favorável» (ponto 5). Independentemente das razões de emergência sanitária que estiveram na base da criação de uma nova causa de suspensão, aquele entendimento afronta a jurisprudência consolidada, inclusivamente do Tribunal Constitucional, segundo a qual as normas relativas à prescrição, seus prazos e causas de suspensão ou interrupção do procedimento criminal se inserem nas designadas “normas processuais materiais” e, por isso, também elas vinculadas ao princípio da legalidade (por comportarem elementos relativos à punibilidade do agente), impondo o art.º 19º, nº 6, da CRP limites claros à suspensão do exercício de direitos, especialmente à retroatividade da lei criminal, ainda que em estado de emergência. De resto, a referência expressa, neste art.º 19º, nº 6, à retroatividade da lei criminal não pode deixar de abranger, atenta a sua conexão com o direito penal substantivo, os ilícitos de mera ordenação social, como não os excluem, na interpretação uniforme da doutrina e jurisprudência, os artigos 29º e 32º. Basta atentar na sua epigrafe para perceber que o legislador constituinte faz uma referência genérica à lei e processo criminal, neles incluído o direito das contraordenações, domínio onde são indiscutivelmente aplicáveis, segundo a doutrina e jurisprudência, a generalidade dos princípios estruturantes e garantias processuais neles consagrados, inclusivamente o da proibição da aplicação retroativa da lei criminal in pejus, apesar de nenhuma referência expressa ali existir ao direito das contraordenações, com ressalva do art.º 32.º, n.º 10. De outro jeito, em estado de emergência, estaria também aberta a possibilidade de aplicação de normas de conteúdo sancionatório contraordenacional com efeitos retroativos, em clara violação do art.º 29º, nº 4, e mesmo do art.º 18º, nº 3, da CRP, e do art.º 7º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. A aplicação da causa de suspensão da contagem do prazo de prescrição por força da situação de emergência sanitária a processos em curso colide com o princípio da legalidade criminal - na vertente da proibição de aplicação retroativa da lei nova desfavorável ao arguido, princípio consagrado do artigo 29.º, n.º 4, da Constituição - , não se vendo razão para o afastar no domínio contraordenacional. Mas, sendo assim, não operando esta causa suspensiva determinada por razões de emergência sanitária, cumpriria declarar verificado o prazo máximo de prescrição de três anos, com as consequências legais em matéria de extinção do procedimento contraordenacional. Contudo, diferente desta, outra causa suspensiva se verifica, relacionada com a paralisação legal da generalidade dos atos e prazos processuais e procedimentais, no domínio criminal e contraordenacional, primeiramente, por força dos nºs 1 e 6, do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, entre 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020, ou seja, 86 dias, e posteriormente, por força do artigo 6º-B, nº 1, e artigo 6º-C, nº 1, al. b), da Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que determinou nova suspensão no período temporal de 22/01/2021 a 05/04/2021, num total de 73 dias. Durante estes dois períodos o procedimento contraordenacional não podia continuar por falta de autorização legal, ante a paralisação imposta por lei para os atos e prazos a decorrer na administração, no Ministério Público e nos tribunais. O prazo de prescrição suspendeu-se durante o período em que não foi autorizado legalmente o andamento do processo, ou seja, levantado legalmente o obstáculo (legal) da suspensão dos atos e prazos no procedimento contraordenacional. A razão de ser desta suspensão baseia-se, como foi o caso, na existência de um obstáculo previsto na lei, de carácter geral, ao início ou continuação do procedimento contraordenacional, “o qual suspende o respetivo prazo de prescrição do procedimento mal o obstáculo legal produza os seus efeitos”, como observa Tiago Lopes de Azevedo (in Lições de direito das contraordenações, Almedina, 2020, pág.223). Ora, aplicando ao caso o regime da suspensão previsto no art.º 27º-A, n.º 1, al. a) do RGCO, correspondente ao art.º 120º, nº 1, al. a), do C. Penal, já que os procedimentos criminal e contraordenacional não podiam legalmente continuar por falta de autorização legal, essa suspensão limitou-se ao período de 86 + 73 dias, sendo aquela uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal expressamente contemplada na lei ao tempo dos factos e, por isso, a coberto do princípio da legalidade e não retroatividade da lei penal e contraordenacional»
Assim, em face do exposto, e tendo em conta a jurisprudência que neste momento se mostra maioritária, bem como as decisões do tribunal Constitucional que, por mais de uma vez, decidiram não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, no sentido “de que a causa de suspensão dos prazos de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista se aplica aos prazos que, à data da sua entrada em vigor, se encontram já em curso”, concluímos, ao contrário da recorrente, que tem aqui plena aplicação suspensão dos prazos de prescrição, que vigorou de 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de abril de 2021
Assim sendo, volvendo à situação e tendo unicamente por referência tais causas suspensivas, é forçoso concluir que ao prazo normal de prescrição do procedimento contraordenacional de 5 (cinco) anos acrescem, por força do regime excecional resultante das Leis n.º 1-A/2020, de 19/03 e n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, 159 (cento e cinquenta e nove) dias, o que faz com que improceda a invocada exceção de prescrição como causa de extinção da responsabilidade contraordenacional.
O prazo prescricional apenas irá ter lugar no dia 10 de fevereiro de 2025.
Da nulidade do despacho proferido em 04/09/2022
Alega a recorrente que o artigo 64.º, nºs 1 e 2do RGCO permite que, nos casos em que o Tribunal entenda que está em condições de decidir por despacho, possa fazê-lo desde que o Arguido e o Ministério Público não se tenham oposto.
Mais alega que no caso em apreço, tendo o tribunal decidido, ainda que de forma parcial, conforme consta no despacho proferido a 4-9-2022, com a Referência: 138115348, algumas das questões suscitadas em sede de recurso quanto à decisão da autoridade administrativa, sem que a recorrente tenha sido consultado para se pronunciar sobre a decisão, faz com que se verifique uma nulidade por via do artigo 119º al c) do CPP, aplicável ex vi do artigo 41.º do RGCO, devendo a mesma ser declarada nos termos do artigo 122.º, nºs 1 e 2.
Cumpre apreciar.
O recurso de impugnação foi admitido por despacho de 22-5-2022 e nesse mesmo despacho consta o seguinte:
“Verificando-se a existência de questões prévias/nulidades que importa conhecer e que podem obstar ao conhecimento das demais questões suscitadas pela recorrente e que releva, designadamente, para os efeitos do disposto no art.º 58º do RGCO, por ora, não designo data para a realização da audiência de julgamento.
Assim, antes de mais, notifique o Ministério Público, para, querendo, se pronunciar acerca das questões prévias/nulidades invocada”
O MP tomou posição quanto às questões prévias/nulidades invocadas através da promoção de 31-5-2022.
Por despacho proferido no dia 4-9-2022, com a Referência: 138115348, foram julgadas improcedentes as questões prévias/nulidades da acusação/notificação recebida para efeitos de defesa e da decisão de aplicação da coima, bem como, a ausência de imputação objetiva e subjetiva da decisão recorrida e a omissão quanto ao agente concreto que terá praticado a infração.
Nesse despacho consta o seguinte: “O Ministério Público e a sociedade arguida/recorrente, devidamente notificados para o efeito, não se opuseram à decisão por mero despacho”.
Ainda nesse mesmo despacho, por entender que era necessário produzir prova quanto às questões relacionadas com o erro sobre a ilicitude e sanção aplicada, foi designada audiência de julgamento para o dia 13 de fevereiro de 2023, pelas 10:00.
O despacho em causa, com a data de 4-9-2022, foi notificado ao MP no dia 6-9-2022 e à arguida, ora recorrente, através de carta expedida no dia 5-9-2022, com prova de depósito, conforme consta dos autos em 12-9-2022.
Em 19-09-2022 a arguida veio autos juntar comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
Por despacho de 10-2-2023 foi dado sem efeito a data de julgamento e, em sua substituição, foi designado o dia 23-5-2023.
Por despacho de 23-5-2023, proferido em ata, foi a audiência de julgamento adiada para o dia 2-11-2023.
No dia 2-11-2023 a audiência não teve lugar conforme informação que consta dos autos.
Por despacho de 13-12-2023 foi decidido o seguinte: “Compulsados os autos e sendo possível a apreciação do presente recurso por despacho (face à prova documental existente), notifique o recorrente para, querendo, no prazo de dez dias, expressar a sua eventual oposição a essa forma de conhecimento de recurso - art.º 64º n.º 2 do Regime Geral das Contraordenações.
Por requerimento de 27-12-2-2023 veio a recorrente opor-se a que decisão fosse proferida por despacho e requereu a realização da audiência de julgamento.
Por despacho de 16-1-2024 foi designada a audiência de julgamento para o dia 11-4-2024.
Por despacho de 24-3-2024 foi a audiência adiada para o dia 8-5-2024.
No dia 8-5-2024 teve lugar a audiência de julgamento, conforme consta da respetiva ata.
A sentença foi depositada no dia 22-7-2024.
Estando em causa um processo contraordenacional, constata-se, conforme resulta do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, que o mesmo comporta duas fases: uma primeira fase, que corre termos perante a autoridade administrativa, que tem por finalidade a investigação e recolha de provas que permitam apurar a existência de uma contraordenação e, na afirmativa, a aplicação de uma coima e uma segunda fase, judicial, que se inicia com a apresentação dos autos de impugnação judicial da decisão administrativa ao juiz, por parte do Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 62.º, n.º 1, do RGCO.
A fase da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa - visa não só a reapreciação da decisão que foi proferida pela autoridade administrativa, mas também o julgamento dos factos que foram imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação.
Recebidos os autos, o juiz profere despacho onde procede ao exame preliminar da aceitando-o ou rejeitando-o – artigo 63º nº 1 e 2 do RGCO, sendo que este despacho, despacho genérico ou tabelar conforme jurisprudência fixada pelo AC do STJ de 5/2019, não adquire força de caso julgado formal.
Uma vez admitida a impugnação, o juiz decide se vai conhecer do recurso por meio de simples despacho ou mediante a realização de audiência de julgamento (artigo 64.º, n.º 1), sendo que a opção pela decisão por simples despacho supõe a não oposição quer do arguido quer do Ministério Público (artigo 64.º n.º 2). Em caso de não decidir por simples despacho ou nos casos em que não é obtida a concordância para decidir por despacho, o juiz designa dia para audiência, conforme resulta do artigo 65º do RGCO.
Daqui resulta, de forma clara, que o recurso de impugnação apenas pode ser rejeitado por estar fora de prazo e por falta de requisitos de forma. Inexistindo estes motivos de rejeição a impugnação será decidida mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho. Outras questões, como a legitimidade e a manifesta improcedência terão de ser decididas por despacho judicial, nos termos do artigo 64.º, dado que no processo contraordenacional não há lugar um despacho equivalente ao proferido pelo tribunal nos termos do artigo 311.º do CPP onde possam ser conhecidas questões prévias ou incidentais.
Assim sendo, no processo contraordenacional, não obstante a Constituição não prescrever com a mesma intensidade de garantias processuais das previstas para o processo criminal, a realização da audiência de julgamento, nas situações em que não existe concordância do MP ou do recorrente para que a decisão seja tomada por simples despacho, constitui um ato obrigatório e será nessa audiência onde serão discutidas e decididas todas as questões suscitadas pelo recorrente no seu recurso de impugnação.
Como é dito no AC do TC nº 579/2023 de 27-09-2023: “Deste modo, na fase judicial do processo contraordenacional, a audiência de julgamento tende aos mesmos precípuos objetivos que orientam a sua previsão no processo penal, dando respaldo à garantia constante do n.º 10 do artigo 32.º da Constituição. A realização da audiência permite ao arguido opor-se a todos os dados que possam contribuir para a sua responsabilização e faculta-lhe a oportunidade de aduzir elementos a favor da sua inocência. Razão pela qual se disse, no referido Acórdão n.º 269/87, que na fase judicial se devolve «aos tribunais comuns a plena apreciação do pleito, que poderão sempre ordenar a realização de uma audiência de julgamento» e se concluiu, no Acórdão n.º 595/2012, que «A esta fase aplicam-se por inteiro as exigências do processo equitativo, designadamente as que respeitam à separação entre a titularidade do impulso acusatório e a competência decisória e a imparcialidade do órgão decisor». É aí que se impõe o princípio do acusatório, onde assenta a exigência de uma audiência de julgamento: separando-se os papéis entre quem acusa e quem julga, garante-se «a independência, objetividade e imparcialidade da decisão do caso, cometida a um juiz» (Costa Andrade e Francisco Borges, “Princípio do acusatório…”, p. 256)”
Assim, a realização da audiência de julgamento concretiza a imediação em sentido objetivo ou material e permite a oralidade quanto ao modo de atingir a decisão. E é através desses princípios que se garantem todas as condições para que o arguido possa contraditar os dados desfavoráveis: gera-se uma relação direta entre o julgador decisor e as fontes da prova e uma relação dinâmica que envolve o próprio arguido. Deste modo, a realização da audiência de julgamento constitui um instrumento de efetivação das garantias de defesa, nomeadamente o contraditório.
Da análise feita à tramitação processual levada a cabo nos presentes autos, verifica-se que, por despacho de 4-9-2022, sem que arguida tenha dado o seu consentimento para que aquela decisão fosse tomada por simples despacho, o tribunal recorrido tomou posição e indeferiu parte das questões suscitadas no recurso de impugnação.
Deste modo, não restam dúvidas que o despacho de 4-9-2022 foi proferido em violação do disposto nos artigos 64º e 65º do RGCO, dado que o tribunal estava impedido, uma vez não havia consentimento da recorrente, de proferir a decisão em causa fora do âmbito da audiência de julgamento que, atenta a posição da recorrente, era de realização obrigatória.
É certo que a decisão de 4-9-2022 aborda apenas questões prévias ou incidentais que poderiam, em caso de procedência, impedir que o tribunal conhecesse do mérito do recurso interposto. Trata-se de uma decisão que não envolve qualquer juízo de censura à conduta da visada, que não aprecia a sua responsabilidade contraordenacional ou emite qualquer juízo sobre a prática da infração imputada, sobre a sua ilicitude ou culpa, mas, ainda assim, essas questões, atenta a posição da recorrente, deveriam ter sido discutidas na audiência de julgamento e decididas na sentença e não em sede de despacho prévio ou interlocutório.
Uma vez verificado a existência do vício processual cumpre agora saber qual a natureza e consequências do mesmo.
Dispõe o artigo 41º nº 1 do RGCO que sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.
Deste modo, não existindo no RGCO qualquer regime de ilegalidades ou vícios processuais, o mesmo terá de ser resolvido com recurso às normas do processo penal.
A recorrente qualificou o vício em causa como sendo uma nulidade insanável enquadrável no artigo 119º al. c) do CPP.
Preceitua o art.º 119º, nº1, al. c), do CPP: “Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais: (…) c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência.”
Tendo em conta o disposto no artigo 67º nº 1 do RGCO, o arguido não é obrigado a comparecer à audiência, salvo se o juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos, pelo que não tem aqui aplicação o regime das nulidades insanáveis previsto no artigo 119º al. c) do CPP, uma vez esta nulidade só ocorre nas situações em que a lei exige a presença do arguido ou do seu defensor.
Deste modo, não estando em causa com o despacho de 5-9-2022, a ausência do arguido ou do seu defensor e não se tratando de um caso de presença obrigatória, o vício processual verificado não configura uma nulidade insanável.
Assim, não constando do elenco das nulidades o vício identificado resta considerar o mesmo como sendo uma irregularidade.
Dispõe o art.º 123º nº 1 do C.P.P. que “1 - Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado.”
O despacho em causa, com a data de 4-9-2022, foi notificado ao MP no dia 6-9-2022 e à arguida, ora recorrente, através de carta expedida no dia 5-9-2022.
Deste modo, a arguida, assim como o MP, mostra-se validamente notificada da decisão proferida no dia 4-9-2022 sem que alguma vez tenha suscitado, perante o tribunal recorrido, a ilegalidade do despacho em causa ou que o tenha impugnado através de recurso.
Assim sendo, a irregularidade em causa há muito que se mostra sanada dado que o despacho de 5-9-2022 transitou em julgado, dado que a arguida somente em sede de recurso perante este tribunal suscitou a questão.
Nestes termos, a arguição feita nesta sede recursal é agora extemporânea motivo pelo qual improcede o recurso nesta parte.
Da omissão de pronúncia
Alega a recorrente que o tribunal recorrido ao proferir a sentença não se pronunciou sobre as nulidades invocadas em de recurso de impugnação, incorrendo assim em omissão de pronúncia.
Cumpre apreciar
Conforme estabelece o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), primeira parte, do Código de Processo Penal, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal, bem como aquelas que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
Cumpre precisar que a pronúncia cuja omissão determina a consequência prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP - a nulidade da sentença – deve incidir sobre problemas, os concretos problemas, as questões específicas sobre que é chamado a pronunciar-se o tribunal e não sobre motivos ou argumentos.
Segundo o recorrente, a omissão de pronúncia ter-se-á verificado relativamente ao facto de na sentença de 22-07-2024 não ter apreciado as nulidades que invocou em sede de recurso de impugnação, ou seja, a nulidade da acusação, por não ter sido assegurada a sua defesa cabal, por não terem sido fornecidos todos os elementos objetivos necessários para que ficasse a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão condenatória; que a decisão recorrida não contém o elemento subjetivo do ilícito contraordenacional, sendo nula.
Ora, tendo estas questões sido apreciadas e decididas através do despacho de 4-9-2022, transitado em julgado e cujo o vício se mostra, como assinalado acima, sanado, não podia o tribunal, por força do princípio da preclusão, voltar a apreciar e conhecer novamente as mesmas questões em sede de sentença. Assim, proferida a sentença, ou proferido um despacho que decida sobre determinada questão, fica precludida a possibilidade do Tribunal voltar a pronunciar-se sobre essa mesma questão. (cfr artigos 613º, 619º e 621º, do CP, aplicável ao CPP, ex vi art.º 4º.
Em face do exposto improcede a invocada nulidade.
***
Do erro de julgamento por o tribunal a quo ter decidido julgar não verificada a nulidade da notificação recebida pela Arguida para os efeitos do artigo 50.º do RGCO.
Tendo estas questões sido apreciadas e decididas através do despacho de 4-9-2022, transitado em julgado e cujo o vício invocado em sede de recurso se mostra, como assinalado acima, sanado, não podia o tribunal, por força do princípio da preclusão, voltar a apreciar e conhecer novamente as mesmas questões em sede de sentença. Assim, proferida a sentença, ou proferido um despacho que decida sobre determinada questão, fica precludida a possibilidade do Tribunal voltar a pronunciar-se sobre essa mesma questão. (cfr artigos 613º, 619º e 621º, do CP, aplicável ao CPP, ex vi art.º 4º.
Deste modo, por o despacho de 4-9-2022 ter transitado em julgado, dado que a arguida, devidamente notificada, não reagiu contra o mesmo invocando vícios processuais ou interpondo recurso, mostram-se definitivamente decididas as questões aí apreciadas.
Em face do exposto improcede o invocado erro de julgamento.
Do vício da insuficiência da matéria de facto provada e consequente nulidade da decisão, nos termos dos artigos 374.º, nºs 2 e 3 e 379.º, n.º 1, a), do CPP.
Alega a Recorrente que ainda não compreendeu em que factos se baseia a suposta negligência da sua conduta ou, de outro modo, que grau de diligência adicional lhe era exigido, uma vez que tal não vem descrito na decisão condenatória (excluindo, naturalmente, as considerações abstratas e genéricas aplicáveis a qualquer caso de escola de conduta negligente). Página 32 de 35 e que ainda assim, o Tribunal a quo considerou suficiente a narração dos “factos” feita pela Autoridade Administrativa, ignorando que, em momento algum, foi narrado um único facto que permita a justificação da conduta negligente da Arguida.
Mais ume vez, tendo estas questões sido apreciadas e decididas através do despacho de 4-9-2022, transitado em julgado e cujo o vício invocado em sede de recurso se mostra, como assinalado acima, sanado, não podia o tribunal, por força do princípio da preclusão, voltar a apreciar e conhecer novamente as mesmas questões em sede de sentença. Deste modo, por o despacho de 4-9-2022 ter transitado em julgado, dado que a arguida, devidamente notificada, não reagiu contra o mesmo invocando vícios processuais ou interpondo recurso, mostram-se definitivamente decididas as questões aí apreciadas.
Em todo o caso, sempre se dirá que a decisão administrativa, longe de ser modelar nesse âmbito, contém os elementos imprescindíveis para a caracterização daquelas circunstâncias e para permitir o exercício do direito de recurso da arguida.
Em face do exposto improcede o invocado erro de julgamento.
Quanto ao erro na não aplicação da admoestação
Alegou a recorrente que decorre do artigo 51.º, n.º 1, do RGCO que “quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”.
No caso dos autos, estão verificados os aludidos dois pressupostos, que permitem aplicar à Recorrente a medida de admoestação.
Decorre da factualidade dada como provada que, por um lado, a gravidade das alegadas infrações cometidas pela Arguida não é robusta à luz do critério gravidade suprarreferido e, por outro lado, que a mesma agiu com culpa reduzida.
Ficou demonstrado que, no absoluto limite, a Arguida agiu com negligência inconsciente, não obteve quaisquer vantagens patrimoniais com a prática da contraordenação, não possui antecedentes neste tipo de contraordenações e não provocou qualquer dano uma vez que todos os Utentes que entrassem na farmácia ficavam a conhecer a existência do sistema de videovigilância através da sinalética existente.
Vejamos se, perante o enquadramento jurídico-legal que consta da sentença recorrida, assiste ou não razão à recorrente quando apela à aplicação de uma mera admoestação.
A admoestação prevista no artigo 51.º do RGCO não se trata apenas de uma sanção suscetível de ser aplicado na fase administrativa do processo, mas, independentemente de o ser, é também uma verdadeira sanção de substituição da coima, aplicada na fase judicial, desde que preenchidos os seus pressupostos, os quais decorrem da constatação da reduzida gravidade da infração (ilicitude) e da diminuição da culpa do agente, a aferir por referência a um padrão médio da gravidade da contraordenação e da culpa do agente, de modo tal que, no caso concreto, a imagem global da gravidade da contraordenação e da culpa do agente se apresente sensivelmente inferior ao que é comum.
A reduzida gravidade quer da contraordenação, quer da culpa do agente tem de aferir-se, em concreto, em função dos factos provados que as têm de evidenciar, salientando-se que essa reduzida gravidade tem de existir em simultâneo no campo da ilicitude e, ainda, no da culpa do infrator.
No caso concreto, não podemos deixar ter em conta que estamos perante uma infração à qual o legislador reconheceu mediana gravidade, traduzida no valor da moldura abstrata da coima aplicável pelo que, só por aqui, será difícil concluir, como pretende a recorrente, que estamos em presença de uma reduzida ilicitude com capacidade para justificar a aplicação de uma mera admoestação.
Para além disso, tendo em conta fundamentação jurídica do Tribunal a quo que justificou a decisão recorrida quanto a este segmento, desde já, adiantamos que se acolhe a mesma na íntegra, aqui se dando por reproduzida a argumentação que a sustenta, extensa e completa, sem necessidade de grande discussão.
Em face do exposto e sem necessidade de maiores considerações improcede, também nesta parte, o recurso da arguida.
V–Decisão:
Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto pela Arguida, assim se mantendo a decisão recorrida.
Custas pela recorrente fixando-se em 3 (três) UCs de taxa de justiça (art.ºs 92.º, 93.º, n.ºs 3 e 4 e 94.º do DL n.º 433/82, e respetivo Regulamento das Custas Processuais.
Notifique
Lisboa, 21-11-2024
Ivo Nelson Caires B. Rosa
Ana Paula Guedes.
Paula Cristina Bizarra