SUPRESSÃO DE LUGAR DE ESTACIONAMENTO ACORDADO / RETRIBUIÇÃO EM ESPÉCIE COM VALOR PATRIMONIAL QUE DEVE SER REPOSTO
Sumário

I - A utilização regular e periódica do lugar de estacionamento tanto para fins profissionais como pessoais, sem custos ou limites, por mais de 16 anos, solidifica o entendimento de que o estacionamento não era uma mera liberalidade ou tolerância da empregadora, mas sim um benefício económico acordado.
II - O lugar de estacionamento constitui, no caso em apreciação, uma retribuição em espécie com valor patrimonial.
III - Pela sua supressão unilateral, o trabalhador tem direito a receber uma prestação em espécie ou em dinheiro de valor equivalente, sob pena de violação do princípio da irredutibilidade da retribuição [artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do Código do Trabalho], corolário da proteção especial conferida à retribuição.

Texto Integral

Processo n.º 8468/23.0T8PRT.P1
(secção social)
Relatora: Juíza Desembargadora Sílvia Gil Saraiva
Adjuntos: Juíza Desembargadora Germana Ferreira Lopes
Juiz Desembargador Nelson Fernandes

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Recorrente: “Banco 1..., S.A.”
Recorrido: AA
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Sumário:
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(Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)
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Acordam os Juízes subscritores deste acórdão da quarta secção, social, do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO[1]:
AA (Autor) instaurou contra “Banco 1..., S.A.” (Ré), a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, peticionando:
a) Ser declarado que a retirada unilateral do lugar de parqueamento que estava atribuído ao Autor constituiu uma violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
b) Ou, caso assim não se entenda, face ao comportamento da discriminatório da Ré, deve a mesma ser obrigada a eliminar o mesmo.
c) E, em qualquer dos casos, ser a Ré, condenada a disponibilizar um lugar de aparcamento para a viatura automóvel utilizada pelo Autor e para este utilizar em exclusivo, para seu uso profissional e pessoal, sem qualquer limite, suportando a Ré, todas as despesas.
d) Ser a Ré condenada a pagar a quantia global de 12.425,00 € (175,00 x 71 meses) referente ao período em que o Autor esteve privado de usufruir do lugar de aparcamento, ou seja, entre 02 de junho de 2017 a 01 de maio de 2023, correspondendo a 71 meses. e) Ser a Ré condenada ao pagamento do montante mensal de 175,00 €, desde 02 de maio de 2023 e até efetiva disponibilização do lugar de aparcamento pela Ré.
f) Ser a Ré condenada a pagar a quantia global 1.274,00 €, referente aos custos com aparcamento suportados pelo autor, desde fevereiro de 2021 e até ao mês de abril de 2023, inclusive.
g) Ser a Ré condenada ao pagamento do montante mensal de 49,00 €, desde de maio de 2023 e até efetiva disponibilização do lugar de aparcamento pela Ré.
h) Quantias essas acrescidas dos juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos desde as respetivas datas de vencimento (30 de cada mês) e até integral pagamento.
No entanto, caso se entenda que os autos não contêm todos os elementos que permitam a fixação de um valor relativo à privação sofrida pelo Autor com a supressão do lugar de estacionamento da viatura e dos custos por este realizados, haverá que ser proferida uma condenação ilíquida, remetendo o apuramento do quantum devido a esse título para liquidação de sentença, o que desde já se requer.
Para sustentar a sua pretensão alegou, em síntese:
- É trabalhador da Ré, detendo atualmente a categoria de Técnico de Grau III.
- No âmbito das condições remuneratória inerentes à sua contratação, foi-lhe disponibilizada viatura para uso profissional e pessoal e disponibilizado lugar de aparcamento, sem qualquer custo ou limite.
- Quanto ao veículo, foi já proferida sentença em sede de litígio precedente entre as partes, decorrente da retirada da viatura, condenando a Ré (anteriormente A..., S.A.) a entregar-lhe a viatura para uso profissional e pessoal.
- Ora, a Ré sempre suportou todas as despesas inerentes à utilização da viatura, incluindo as provenientes do seu parqueamento, sem quaisquer restrições, encontrando-se ou não o autor em serviço, o que igualmente sucedia com os seus colegas de trabalho.
- Em cumprimento da sentença acima aludida, a Ré entregou ao Autor a viatura, mas continuou a não, disponibilizar-lhe o lugar de parqueamento, como antes fazia.
- Por virtude disso, viu-se o Autor obrigado a suportar as despesas inerentes ao parqueamento da viatura.
A Ré contestou pugnando pela total improcedência da ação.
Em síntese, alega que a disponibilização de lugar de estacionamento sempre ocorreu num contexto de liberalidade da Recorrente, constituindo uma vantagem de cortesia para facilitar o estacionamento da viatura que ao Autor estava disponibilizada, e sublinha que o lugar de estacionamento era atribuído em virtude do exercício das suas funções profissionais para a Ré.
Foi proferido despacho saneador no qual a Meritíssima Juíza a quo fixou o valor da ação em € 13.699,00. Dispensou a identificação do objeto do litígio e a fixação dos temas da prova.
Tendo tido lugar a audiência final veio a ser proferida sentença datada de 06.04.2024, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Termos em que, julga-se procedente a presente ação e, em consequência:
A) Declara-se que a retirada unilateral do lugar de parqueamento que estava atribuído ao Autor constituiu uma violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
B) Condena-se a Ré a disponibilizar um lugar de aparcamento para a viatura automóvel utilizada pelo Autor e para este utilizar em exclusivo, para seu uso profissional e pessoal, sem qualquer limite, suportando a Ré todas as despesas.
C) Condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia global 1.274,00 € (mil duzentos e setenta e quatro euros), referente aos custos com aparcamento suportados pelo autor, desde fevereiro de 2021 e até ao mês de abril de 2023, inclusive.
D) Condena-se a Ré a pagar ao Autor o montante mensal de 49,00€ (quarenta e nove euros), desde de maio de 2023 e até efetiva disponibilização do lugar de aparcamento pela Ré.
E) Condena-se a Ré a pagar ao autor a quantia a apurar em incidente de liquidação ulterior, com o limite de €175,00 (cento e setenta e cinco euros) mensais, referente ao período em que o Autor esteve privado de usufruir do lugar de aparcamento (entre 02 de junho de 2017 e 01 de maio de 2023, correspondendo a 71 meses).
F) Condena-se a Ré a pagar ao Autor o montante mensal a apurar em incidente de liquidação ulterior, com o limite de €175,00 (cento e setenta e cinco euros) por mês, referente ao período desde 02 de maio de 2023 até efetiva disponibilização do lugar de aparcamento pela Ré.
G) Condena-se a Ré a pagar ao Autor os juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos, sobre as quantias referidas em C), D), E) e F), desde as respetivas datas de vencimento (30 de cada mês) e até integral pagamento.
H) Condena-se Autor e Ré no pagamento das custas processuais, na proporção do respetivo decaimento, em proporção a fixar após a decisão a proferir no incidente de liquidação.» (Fim da transcrição)
Desta sentença interpôs a Ré recurso de apelação visando a sua revogação.
Termina as suas alegações com as seguintes conclusões:
«1. Do artigo 285.º do Código do Trabalho, com redação similar nas disposições legais que vigoraram anteriormente, desde a admissão do Recorrido na Sociedade B..., S.A. resultam dois aspetos, que para o caso muito relevam.
2. Em primeiro lugar, que o legislador estabelece uma presunção que engloba todas as atribuições patrimoniais feitas ao trabalhador com o fim de acautelar os casos em que, sob a aparência de uma prestação não assumida como retribuição, o que o empregador pretende efetivamente é pagar uma contrapartida do trabalho desempenhado pelo trabalhador, sem se comprometer com os efeitos que tal acarreta.
3. Em segundo lugar, que essa presunção é ilidível, já que nem tudo o que os trabalhadores recebem do empregador é, necessariamente, retribuição em sentido jurídico e para todos os efeitos do direito.
4. O conceito de retribuição assenta em quatro elementos essenciais, a saber: a periodicidade e regularidade, o caráter patrimonial, o caráter de obrigação jurídica, e a correspetividade entre o trabalho e a prestação.
5. Para o caso dos autos importam, particularmente, os últimos dois elementos.
6. Determina o legislador que se considera retribuição a prestação a que “o trabalhador tem direito (…)”. Significa isto que a retribuição tem subjacente uma obrigação do empregador, um dever jurídico, que se constitui por título contratual e normativo.
7. É verdade que foi disponibilizado ao Recorrido um lugar de parqueamento, tendo cessado tal disponibilização no ano de 2017. 8. A disponibilização do parqueamento sucedeu atendendo às funções que o mesmo ia desempenhar, não fazendo parte da remuneração acordada.
9. A utilização que a Recorrida possa ter feito na sua vida pessoal do lugar de parqueamento não resultou de qualquer obrigação contratual assumida pela então Sociedade B..., ou por quaisquer das outras entidades em que o Recorrido laborou, mas antes num contexto de mera tolerância da Recorrente.
10. O lugar de parqueamento que o Recorrido utilizou sempre lhe foi atribuído de forma precária e o uso que o Recorrido possa ter feito na sua vida privada constituiu, como se disse, uma tolerância da Recorrente, e, portanto, uma mera liberalidade.
11. Se tal não bastar, determina ainda o legislador que a retribuição é a prestação a que “o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho”.
12. Para que uma atribuição patrimonial seja considerada retribuição em sentido estrito, é necessário que a sua causa determinante seja o trabalho prestado, i.e., que a mesma tenha em vista a retribuição do trabalho, no condicionalismo em que é prestado.
13. Este caráter de correspetividade da retribuição, conforme ensina Bernardo da Gama Lobo Xavier, em Manual de Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Revista e Atualizada, pág. 587 e ss.: “faz excluir do seu campo certas atribuições patrimoniais que não são devidas pelo serviço prestado, e em que não está presente a causa-função de troca de serviços por dinheiro. Tem outra finalidade jurídico-prática.”
14. O lugar de parqueamento foi disponibilizado ao Recorrido para uso profissional, atendendo às funções por si desempenhadas. E, embora tenha valor patrimonial, não constituiu nunca contrapartida do trabalho, mas antes facilitação da prestação.
15. Como tal, poderia pela Recorrente ser retirada a todo o tempo, não constituindo retribuição em sentido estrito.
16. Não se nega que a utilização do parqueamento na vida pessoal do Recorrido pudesse constituir para ele uma vantagem patrimonial, na medida em que os custos associados foram suportados pela Recorrente.
17. No entanto, ainda que constituísse uma vantagem patrimonial, não pode essa utilização ser qualificada como retribuição, por resultar de mera tolerância da Recorrente.
18. Neste sentido, veja-se os doutos Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/10/2007 e de 24/09/2008, disponíveis in www.dgsi.pt.
19. Efetivamente, sendo o parqueamento para o exercício de funções e sendo a utilização na vida pessoal do Recorrido uma mera liberalidade, terá necessariamente de se concluir que tal vantagem não constitui qualquer retribuição do Recorrido, e poderia cessar licitamente, nos termos em que a Recorrente o fez, ou seja, por redefinição da política de viaturas do Grupo Banco 1....
20. Não pode a Recorrente conformar-se com uma interpretação distinta, que considere que a disponibilização ao Recorrido de um parqueamento, nos termos supra descritos, constitui remuneração ou condição remuneratória acordada entre as partes.
21. Por outro lado, mesmo que se entenda que a utilização do parqueamento deve ser considerada retribuição – sem conceder -, importa apurar se, no caso, se encontra sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição.
22. Com efeito, o princípio da irredutibilidade da retribuição, previsto no artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do Código do Trabalho, estabelece que é - em princípio - proibido ao empregador diminuir a retribuição do trabalhador.
23. Não obstante, o legislador sempre salvaguarda as diminuições previstas pelo Código ou em Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho.
24. E também a jurisprudência tem entendido que é permitido ao empregador retirar ao trabalhador determinados complementos salariais se cessar, licitamente, a situação que serviu de fundamento à atribuição dos mesmos, sem que daí decorra a violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
25. Tal permite concluir, salvo melhor opinião, que nem todas as prestações de natureza retributiva se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, devendo ser considerado o circunstancialismo que lhes serve de fundamento.
26. Ainda se considere que a utilização do parqueamento constitui retribuição – o que por mera questão de patrocínio se concebe -, importa ter em consideração as circunstâncias em que ocorreu a sua cessação.
27. No caso, a cessação de disponibilização do parqueamento ao Recorrido deveu-se à aplicação de novos métodos de organização e alteração das condições de trabalho na empresa.
28. O Recorrente não se enquadra em qualquer dos escalões de utilizadores previstos na mencionada política, o que implicou que cessasse a atribuição de uma viatura de serviço ao mesmo e, consequentemente, a disponibilização do parqueamento.
29. Neste sentido, os doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-09-2002, de 04- 05-2005 e de 17-01-2007.
30. Ainda que se entenda que a utilização do parqueamento constitui retribuição – sem conceder –, não se entende que da sua cessação decorra uma violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, por ser licita e permitida à Recorrente, dado não subsistir mais a situação que serviu de fundamento à sua atribuição.
31. Pelos fundamentos expostos, deve ser revogada a douta sentença e substituída por outra que absolva a Recorrente de todos os pedidos. 32. Ao decidir como decidiu, a douta Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 129.º, n.º 1, alínea d) e 258.º do Código do Trabalho.» (Fim da transcrição)
O Autor apresentou contra-alegações ao recurso interposto pela Recorrente, pugnando pela total improcedência do mesmo e subsequente manutenção da decisão recorrida.
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A Sr.ª Juíza a quo admitiu o recurso interposto como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (face à prestação de caução pela Recorrente).
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Recebidos os autos o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se, em douto parecer, no sentido de o presente recurso não obter provimento.
Considera inexistir reparo ou censura à douta sentença recorrida que deverá ser confirmada atento o rigor dos fundamentos que nela foram consignados (como bem o demonstra a jurisprudência nela citada) e para onde se remete “brevitas causa”.
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Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - Questões a decidir:
O objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente [artigos 635.º, n.º3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, ex vi, artigo 1.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo do Trabalho], por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso e da indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
A questão a decidir consiste em saber:
- Se a disponibilização do lugar de estacionamento por parte da Recorrente se configura como um ato de mera tolerância (liberalidade) ou, pelo contrário, se se trata de uma retribuição que merece a devida proteção.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO:
Matéria de facto dada como provada em primeira instância[2]
1) Em 30 de Dezembro de 2004, verificou-se a fusão com incorporação global do património das sociedades C..., S.A., D..., S.A. e E..., S.A., sendo todas integradas na A..., S.A. (A...).
2) A A..., S.A. foi integrada, por fusão, na Banco 1..., S.A.
3) Sendo a Banco 1..., S.A., a atual empregadora do Autor, por via das mencionadas fusões.
4) O Autor é trabalhador da Ré, com domicílio profissional na Praça ..., ... Porto.
5) Atualmente detém a categoria de Técnico de Grau III.
6) No âmbito das condições remuneratórias inerentes ao contrato de trabalho foram-lhe atribuídas várias viaturas para uso profissional e pessoal e disponibilizado lugar de aparcamento, sem qualquer custo ou limite.
7) Correu termos entre as partes, no Juízo do Trabalho de Valongo – Juiz 1, sob o número 1294/17.8T8VLG, uma ação, cuja sentença já transitou em julgado, e onde foram dados como provados, para além de outros, os seguintes factos:
a) O autor entrou ao serviço da Sociedade B... no dia 14/06/1993.
b) Desde 2004 as relações laborais entre autor e a 1ª [A...] ré regem-se pelo clausulado geral do ACT celebrado e assinado entre o ... Sindicato ... do Grupo Banco 1... e as empresas do Grupo, (Facto provado C- cfr. fls.274 dos autos principais).
c) No início do ano de 2001, o autor candidatou-se num concurso interno de recrutamento para a função de Técnico Comercial, devidamente anunciado, para a Delegação de Braga da D....
d) Ao autor era disponibilizada uma viatura da marca Rover, modelo ..., ..., matrícula ..-..- QT.
e) Em dezembro de 2004, essa viatura foi substituída pela viatura de marca Renault, modelo ..., matrícula ..-..-XD.
f) Para desempenho das funções que foi desempenhar enquanto técnico comercial da “D...” em Braga para além de lhe ter sido atribuída uma viatura automóvel que era para utilização profissional também a podendo utilizar nos fins de semana, feriados e férias, recebeu também um telemóvel e uma remuneração complementar (Facto provado AC- cfr. fls.277 dos autos principais).
g) A partir de 1 de janeiro de 2005 foi atribuído ao autor o nível salarial 7, tendo sido promovido à categoria profissional de técnico de grau 3 a partir de julho de 2006, categoria profissional e nível salarial que ainda mantém, (Facto provado X- cfr. fls.277 dos autos principais).
h) Em 2006 foi solicitado ao autor pela administração da A... para regressar para a delegação da empresa no Porto, indo desempenhar as mesmas funções de Técnico Comercial na região de Guimarães.
i) Em maio de 2007 a empresa A... entrega ao autor uma viatura marca Skoda, modelo ..., matrícula ..-DG-.., e terminado o renting em abril de 2010, foi entregue nova viatura, uma Renault, ..., matrícula ..-JB-.., (Facto provado L- cfr. fls.275 dos autos principais).
j) O autor em 1/10/2012 passou a trabalhar, por força do acordo de cedência ocasional, para a segunda ré [Banco 1...], desempenhando as funções de gestor de empresas na região do Porto Ocidental.
k) Dado que o trabalhador em funções de gestor de empresas não tinha viatura atribuída e, dado que o autor na primeira ré dispunha de tal viatura, foi determinado pela segunda ré o pagamento ao autor, da quantia mensal de 290,00 € líquidos, ficando essa quantia a constar no recibo mensal do autor sob a epígrafe “acréscimo remuneratório”.
l) Por acordo, no dia 30 de março de 2017, foi celebrado entre o autor e as rés um contrato de cessação de cedência, com efeitos a partir de 17 de abril de 2017, tendo a partir dessa data o autor regressado à A....
m) Nos termos das ordens de serviços ..., ..., ... e ..., a utilização da viatura de afetação pessoal podia cessar desde que assim fosse deliberado nesse sentido, (Facto provado AB- cfr. fls.277 dos autos principais).
n) Aquando da reunião que o Autor manteve com o Dr. BB à data Diretor Coordenador Comercial da D.P.N. da 2ª Ré com vista ao referido acordo de cedência ocasional, este disse ao Autor que aos trabalhadores da 2.ª Ré com funções idênticas às do Autor não era afeta uma viatura para uso exclusivo mas que dado o Autor utilizar uma viatura automóvel na A..., iria ter uma compensação financeira que poderia vir a ser reavaliada ” (Facto provado AR- cfr. fls.279 dos autos principais).
o) Após o encerramento de uma agência bancária da Banco 1..., o Autor passou a utilizar, a partir do final de janeiro de 2014, uma viatura automóvel VW …, matrícula ..-NI-.., que depois foi substituída por um Renault ... (Facto provado AJ- cfr. fls.278 dos autos principais).
p) Com essas viaturas o Autor apenas as podia utilizar em serviço e nas deslocações entre a residência e o local de trabalho, (Facto provado AK- cfr. fls.278 dos autos principais).
q) As viaturas utilizadas pelo Autor ao serviço da 2ª Ré referidas em 7) foram entregues para utilização da DPN e esta autorizava a sua utilização por períodos de 6 ou 12 meses, que podiam, ou não, ser renovados” (Facto provado AS- cfr. fls.279 e 280 dos autos principais).
r) Pelas ordens de serviços nº ..., de 29/01 a Banco 1... veio regular, em 2015, o regime de utilização de viatura, definindo quatro escalões – diversos dos da A..., A- Diretor Central; B- Diretor Coordenador Comercial; C- Diretor; D- Diretor Adjunto, Diretor Comercial de Particulares e Negócio da Região, Diretor Comercial de Empresas na Região e E- Subdiretor e Coordenador de Gabinete de Empresas (Facto provado V- cfr. fls.276 e 277 dos autos principais).
s) No ponto 7.5 diz-se «sem prejuízo do disposto nos pontos anteriores, a Comissão Executiva poderá atribuir viatura de afetação pessoal a empregados que desempenhem outras funções ou atribuir viaturas de escalão superior aos previstos, tendo em conta a natureza e responsabilidades das funções exercidas, a avaliação de desempenho ou outras circunstâncias que considere relevantes para o efeito» (Facto provado W- cfr. fls.277 dos autos principais).
t) Em março de 2017, o autor foi chamado a uma reunião na D.P. Norte da Banco 1... onde a Dr.ª CC o avisou que provavelmente a partir do mês de julho seguinte não poderia continuar a utilizar a viatura automóvel, por ela não poder renovar a autorização do uso da mesma, (Facto provado AL- cfr. fls.278 dos autos principais).
u) O autor, por não querer perder o direito a ter uma viatura de afetação pessoal, enviou um email datado de 14/03/2017, a informar a DPN da Banco 1... no Porto, que pretendia regressar à A..., subscrevendo o acordo de cessação de contrato de cedência em 30/03/2017, regressando à A... ”, (Facto provado AM- cfr. fls.279 dos autos principais).
v) Foi-lhe permitido continuar a usar a viatura Renault ..., com a matrícula ..- QZ-.. que utilizava na Banco 1..., utilizando-a agora quer no desempenho das suas funções na A..., quer para uso particular, tendo a A... pago as despesas de parqueamento da viatura” (Facto provado AN- cfr. fls.279 dos autos principais).
w) As viaturas que os técnicos comerciais da A... utilizavam dependiam do facto de estarem a exercer tal tipo de tarefas” (Facto provado AU- cfr. fls.280 dos autos principais).
x) No dia 2 de maio de 2017 pela 1ª ré foi o autor afeto à região de Guimarães – Gabinete de Empresas ... (Facto provado T- cfr. fls.276 dos autos principais).
y) Na sequência do e-mail datado de 11 de maio de 2017, enviado pela 1ª ré ao autor, junto a fls. 70, segundo o qual lhe era atribuída viatura do parque funcional, como viatura de serviço, no âmbito da “nova gestão corporativa de Recursos Humanos no Grupo e conforme recomendações da Banco 1...” o Autor entregou no dia 2 de Junho de 2017 a referida viatura Renault ..., com a matrícula ..- QZ-..”, (Facto provado AO e facto provado Y- cfr. fls.277 e 286 dos autos principais).
z) Com essa nova política de atribuição de viatura do parque funcional, o Autor podia demorar mais tempo a deslocar-se junto dos clientes, quando necessário” (Facto provado AP- cfr. fls.279 dos autos principais).
aa) Com a publicação da Ordem de Serviço Corporativa nº 12/2017, de 11/07/2017 da Banco 1..., referente à “Politica Corporativa de Viaturas de Serviço”, enquadrando a vigência à Banco 1... e às Empresas do Grupo Banco 1..., as viaturas automóveis deixaram de ser atribuídas aos Técnicos, incluindo os que como o Autor se encontravam a trabalhar na 1ª Ré” (Facto provado AT- cfr. fls.280 dos autos principais).
bb) O autor como técnico comercial de grau III, ao serviço da 1ª ré, desempenha, dentro da sua área, região de Guimarães, incluindo concelhos ...; ...; ...; ..., ... e ..., bem como o Gabinete de Empresas ..., as seguintes funções: “Dentro da sua área de especialidade e de acordo com orientações de diretrizes superiores elabora estudos e pareceres de natureza técnica, informática e/ou comercial, propõe soluções, processos ou diligências e concretiza ações e operações inerentes à sua atividade. Desempenha as suas funções com autonomia, embora subordinado a orientações de princípio aplicáveis ao trabalho a executar. Não tem funções de coordenação ou supervisão de outros trabalhadores, embora o possa fazer esporadicamente. Poderá representar a empresa em assuntos da sua especialidade” (Facto provado A- cfr. fls.274 dos autos principais).
8) Nesse processo, foi proferida decisão do seguinte teor:
“I – Condenar a primeira Ré “A.... S.A.” a entregar ao Autor para uso profissional e pessoal uma viatura semelhante de valor comercial semelhante ao de um Renault ....
II - Condenar a mesma Ré no pagamento do montante indemnizatório que vier a ser apurado em sede de incidente de liquidação pela retirada da viatura automóvel desde 2 de junho de 2017 e até entrega de uma viatura de valor comercial semelhante ao de um Renault ..., com o limite do montante mensal peticionado de 450 euros.
III - Condenar a Ré Banco 1..., S.A a reconhecer o direito à utilização pelo Autor de uma viatura automóvel daquela gama, para fins profissionais e pessoais.”
9) A qual foi confirmada por douto Acórdão proferido pela Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, sob o número 1294/17.8T8VLG.P1.
10) Entre as partes correu termos incidente de liquidação sob o número 1294/17.8T8VLG.1, no Juízo de Trabalho de Valongo – Juiz 1, no qual foram dados como provados os seguintes factos:
a) No dia 23/02/2021 a Ré Banco 1... entregou ao autor a viatura de marca Peugeot modelo ..., com a matrícula AF-...-DE, de um valor semelhante a um Renault ..., tendo dessa forma a Banco 1... dado cumprimento à obrigação da entrega da aludida viatura nos termos que tinham sido decididos no ponto II da sentença proferida na ação declarativa, (por acordo das partes- cfr. fls.74 v. da ata).
b) Desde 2 de junho de 2017 até 23 de fevereiro de 2021 o autor não pôde usar a viatura Renault ..., com a matrícula ..- QZ-.. que a Ré lhe atribuiu, quer para uso profissional, quer para uso particular e pessoal, nomeadamente nas deslocações entre a sua casa e o seu local de trabalho, entre a sua casa e a escola do seu filho (distância: 13 km) para transportar este, entre a sua casa e o médico para se transportar e transportar a sua esposa e os seus filhos, entre a sua casa e o ATL (distância: 17 km) e aos jogos do seu filho para transportar o seu filho, entre a sua casa e a casa de cada uma das avós dos seus filhos (distância: 22 km) para se transportar e à sua esposa e filhos, entre a sua casa e as aulas de ballet da sua filha para transportar a sua filha, aos fins-de-semana, quer em viagens de lazer da família ou próprias, quer para se transportar e à família aos shoppings e supermercados para fazer compras para a casa (distância de casa ao supermercado: 30 km), nos feriados em viagens de lazer e em férias em viagens de lazer, mormente para a família passar férias no Algarve (cfr. artº2º-5, 3º e 4º da P.I.).
c) Em 16 de Junho de 2017 o autor adquiriu uma viatura Volkswagen, com a matrícula .. TC .. pelo preço de €18.900, (cfr. art.º 6º da P.I. e cfr. fls.10 v.).
d) Suportando o autor todas as despesas inerentes ao mesmo veículo desde 16 de junho de 2017 até 23 de fevereiro de 2021, (IUC, seguro de circulação automóvel, via verde, combustível, óleos, revisões, desgaste mecânico com bateria, pneus, travões), (cfr. artº2º-4 e 6º da P.I.).
e) Tendo o autor tido de despesas com o IUC da viatura por si utilizada desde 2 de junho de 2017 até 2020: Em 2017, o montante de € 145,05; em 2018, o montante de € 145,05; em 2019, o montante de € 146,79, (cfr. artº2º-4 da P.I. e cfr. fls.5 v.).
f) Tendo o autor tido de despesas com as revisões da viatura por si utilizada em 2018 e 2019: Em 2018, o montante de € 151,14; em 2019, o montante de € 666,55, (cfr. artº2º- 4 da P.I. e cfr. fls.5 v.).
g) Tendo o autor tido de despesas com os pneus da viatura por si utilizada em 2018, o montante de € 270,00, (cfr. artº2º-4 da P.I. e cfr. fls.5 v.).
h) Tendo o autor tido de despesas com o seguro de circulação automóvel da viatura por si utilizada entre 2017 e 2020: Em 2017-2018, o montante de € 297,63; Em 2018-2019, o montante de € 297,63; Em 2019-2020, o montante de € 295,24, gastando mensalmente com o seguro de circulação automóvel o montante de € 24,60, (cfr. artºs 2º-4 e 6º da P.I. e cfr. fls.5 v. e 11).
i) O Autor gastou mensalmente em combustível uma média de € 165,00, (cfr. artº2º-4 da P.I. e cfr. fls.5 v.).
j) Desde 2 de Junho de 2017 até 23 de fevereiro de 2021 o autor circulou em média de 329 km por semana com a viatura por si utilizada, (cfr. artº2º-5 da P.I. e cfr. fls.6).
k) O filho do autor é jogador federado de basketball tendo o autor transportado o seu filho, com a viatura por si utilizada, a 32 jogos desde o dia 11/11/2018 até ao dia 16/06/2019, incluindo a final da Taça de Portugal em Peniche nos dias 15/06/2019 e 16/06/2019, tendo-se deslocado aos concelhos de Gondomar, Póvoa do Varzim, Porto, Vila Nova de Gaia, Maia, Paços de Ferreira, Barcelos, Coimbra, Aveiro e Braga, tendo percorrido um total de 2316,8 km, tendo o percurso maior sido efetuado para Peniche (528 km) e o percurso mais curto sido efetuado para ..., (19,6 km), (cfr. artºs 2º-5 e 4º da P.I. e cfr. fls.6 v.).
l) De 1 de janeiro de 2019 a 6 de agosto de 2020 o autor circulou com a viatura por si utilizada 4.352 kms em deslocações de lazer e utilitárias, designadamente a ..., para almoço em família e para compras no supermercado, a ..., ao ..., ao ..., ao Hospital ..., a ..., ao ..., a Barcelos, ao Oftalmologista em Gondomar, ao dentista em Gondomar, ao ..., a ..., a ..., a Peniche, ao campo de férias do Colégio ... e a ..., (cfr. artº4º da P.I: e cfr. fls.7 a 9).
m) De dezembro de 2017 a junho de 2019 o autor gastou €311,65 com a via verde, (cfr. artº5º da P.I. e cfr. fls.10).
n) O valor mensal da renda de um veículo “Renault ...” no regime de Renting, sem entrada inicial a 36 meses ou 60.000km, custa € 385,00 e se for a 48 meses ou 80.000 km, custa € 396,00, (cfr. artº1º do requerimento do autor de fls.17 e documentos juntos a fls.9 v., 18 e 21).
o) O valor dessas rendas mensais inclui já o valor do IVA à taxa de 23% e o Renting inclui seguro de responsabilidade civil com danos próprios, com uma franquia de 4%, manutenção, pneus ilimitados, viatura de substituição, imposto único de circulação e inspeção periódica, (cfr. documento junto a fls.21)”.
11) No incidente de liquidação, foi proferida sentença que condenou a ré nos seguintes termos: “Pelo exposto e sem necessidade de ulteriores considerações, julgo a presente ação procedente por provada e em consequência fixo em €16.807,20 (dezasseis mil oitocentos e sete euros e vinte cêntimos) o montante indemnizatório devido pelas Rés ao Autor pela retirada da viatura automóvel desde 2 de junho de 2017 até à entrega, verificada no dia 23/02/2021, de uma viatura de valor comercial semelhante ao de um Renault ..., acrescido dos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a data da notificação da petição da presente liquidação às Rés até integral e efetivo pagamento.”
12) Cuja decisão foi confirmada por douto Acórdão proferido pela Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, sob o número 1294/17.8T8VLG.1.P2.
13) As viaturas que foram atribuídas ao Autor foram sempre utilizadas por este quer a nível profissional, quer a nível pessoal, tendo a empregadora suportado todas as despesas, incluindo o parqueamento inerente à utilização das referidas viaturas.
14) Quer nos estacionamentos abertos ao público, quer disponibilizando um lugar de aparcamento nas suas próprias instalações.
15) Quer nos períodos em que o A. se encontrava ao serviço, quer nos períodos em que o A. não se encontrava ao serviço, nomeadamente, nos dias normais de trabalho após o horário de trabalho, fins-de-semana, férias, feriados e demais momentos de lazer.
16) Entre as condições remuneratórias encontrava-se a disponibilização de aparcamento junto ou até no seu próprio local de trabalho, a liquidação das despesas de estacionamento ou parques em que o Autor pudesse incorrer, na sua vida pessoal e profissional.
17) À semelhança do que ocorria e ocorre com os seus colegas de trabalho e que inclusivamente foram igualmente objeto de decisões judiciais.
18) No período compreendido entre 01 de junho de 2001 até 19 de fevereiro de 2006, o autor exerceu as funções técnico comercial na Delegação ....
19) Nessa altura, a D..., à data empregadora do Autor, pagava uma avença mensal numa garagem situada em Braga, para parqueamento da viatura que estava afeta ao Autor.
20) No período compreendido entre 20 de fevereiro de 2006 até 09 de outubro de 2012, a D.../A..., na qualidade de empregadora do Autor, liquidaram o parqueamento das viaturas que foram afetas ao Autor, no Parque estacionamento da Praça ..., no Porto.
21) Durante o período em que o Autor foi cedido à Banco 1... (01-10-2012 até 30-03-2017), tendo em conta que exercia funções no edifício da Banco 1..., sito na Av. ..., no Porto, no qual a Banco 1... possuía estacionamento próprio.
22) A Banco 1... disponibilizava, no parque deste edifício, lugar de estacionamento para que o Autor pudesse parquear a viatura que lhe estava afeta.
23) Após o regresso à A..., em abril de 2017, com a viatura da Banco 1... de matrícula ..- QZ-.., a A... continuou a liquidar um lugar de estacionamento, no Parque da Praça ....
24) Correndo os encargos de parqueamento por conta dos empregadores.
25) Sempre que o A. tivesse que incorrer em alguma despesa quer no uso da viatura de substituição, quer no uso da viatura substituída, nomeadamente, parqueamento, a mesma era reembolsada pelo empregador, não suportando o A. qualquer custo.
26) Ao Autor foi retirada a viatura automóvel no dia 2 de junho de 2017.
27) Data a partir da qual a Ré, sem o acordo do A., não só não disponibilizou uma viatura ao A., como não mais disponibilizou o lugar de estacionamento para uso do A., sito no parque ... e junto ao seu domicílio profissional na Praça ..., ... Porto.
28) Lugar de estacionamento esse, que o Autor poderia usufrui 24h/dia, todos os dias do ano, inclusive aos fins de semana, feriados e nas suas férias.
29) E de valor atual não inferior a 175,00 €/mês.
30) No dia 23.02.2021, a Ré Banco 1... entregou ao Autor a viatura de marca Peugeot modelo ..., com a matrícula AF-...-DE, de um valor semelhante a um Renault ..., tendo dessa forma a Banco 1... dado cumprimento à obrigação da entrega da aludida viatura nos termos que tinham sido decididos no ponto II da douta sentença proferida na ação declarativa acima mencionada.
31) Nessa data, a Ré continuou a não disponibilizar o lugar de aparcamento no parque ..., como antes o fazia, sem qualquer custo para o A.
32) Ao contrário dos seus colegas de trabalho, nomeadamente em relação aos Colegas Dr. DD e Dr.ª EE, que detêm a mesma categoria, as mesmas funções, o mesmo domicílio profissional, a quem a Ré veio a atribuir uma viatura e a atribuir um lugar de parqueamento no parque ..., sem qualquer custo e sem qualquer limite.
33) Não obstante o A. ter solicitado a atribuição do mesmo.
34) O Autor necessita do seu veículo para a sua vida profissional e pessoal, tendo necessidade de se deslocar para o seu domicílio profissional na Praça ..., ... Porto e aparcar o mesmo, com os inerentes custos.
35) Atendendo ao valor cobrado pelo estacionamento do Parque ..., no valor mensal de 175,00 € e dada a recusa da Ré,
36) O Autor viu-se na necessidade de custear o parque da viatura que lhe foi atribuída pela Ré, em 23 de fevereiro de 2021, no Parque ..., com um custo mensal de 49,00 €, pois é o parque que embora mais distante tem a avença mais barata.
37) Continuando até hoje o A. a suportar o referido parqueamento a suas expensas.
38) Custo esse que nunca existiria se a Ré não tivesse suprimido o lugar de aparcamento do Autor, como o fez.
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Matéria de facto dada como não provada em primeira instância
Factos Não Provados.
39) A garagem referida em 19) fosse a F..., situada na Rua ..., ... Braga.
40) O lugar de estacionamento apenas foi atribuído pela então A..., S.A., em fevereiro de 2006, na sequência de um pedido por parte do autor.
41) A A... disponibilizava ao autor um lugar de estacionamento no edifício onde este exercia funções, unicamente no contexto do exercício das suas funções profissionais.
42) E num contexto de liberalidade da ré, constituindo uma vantagem de cortesia para facilitar o estacionamento da viatura que ao autor estava disponibilizada.
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IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO:
A sentença sob recurso assenta o decidido num processo de raciocínio estruturado a partir da análise do conceito de retribuição e da garantia da irredutibilidade da retribuição.
No tocante a esta matéria, o Tribunal recorrido (em síntese) explana o seu raciocínio, nos seguintes termos:
I – Identifica os vários regimes jurídicos que se foram sucedendo no tempo:
> até 30 de novembro de 2003: a Lei do Contrato de Trabalho (Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de novembro de 1969);
> entre 01 de dezembro de 2003 e 17 de fevereiro de 2009: o Código do Trabalho de 2003 (artigos 3.º, n.º 1 e 8.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto);
> a partir de 17 de fevereiro de 2009: o Código do Trabalho de 2009, atento o disposto no artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.
II – O princípio da irredutibilidade da retribuição (ou princípio da proibição a regressão salarial) significa que, como regra geral, o empregador não pode reduzir a retribuição nominal do trabalhador.
III – Existe a presunção de que qualquer atribuição patrimonial efetuada pelo empregador em benefício do trabalhador constitui parcela da retribuição, salvo prova em contrário – artigo 258.º, n.º 3, do Código do Trabalho (anteriormente constante do n.º 2, do artigo 82.º da Lei do Contrato de trabalho e do n.º 3 do artigo 249.º do Código do Trabalho de 2003).
IV – A retribuição pode ser pecuniária ou em espécie. A retribuição é pecuniária quando é paga em dinheiro; é feita em espécie quando é disponibilizado ao trabalhador um bem ou utilidade com valor económico como contrapartida do trabalho prestado.
V - Além dessa característica, a atribuição de carácter retributivo a uma certa prestação do empregador exige também uma certa regularidade e periodicidade no seu pagamento.
VI – A propósito da regularidade, a jurisprudência tem-se dividido quanto a existir um número mínimo de meses de pagamento.
VII – Porém, seguindo a orientação mais recente do Tribunal da Relação do Porto expressa, designadamente, no Acórdão de 11/04/2018, proc. n.º 721/17.9T8PNF.P1, que acolhe o critério firmado pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 14/2015, de 01/10/2015, “deve atender-se à média das quantias auferidas nos doze meses que antecedem aquele em que é devido o seu pagamento, desde que, nesse período, tenha auferido tal prestação em, pelo menos, onze meses”.
VIII – Feito o cotejo ao conjunto dos factos provado considera não existirem dúvidas que o lugar de estacionamento constitui uma componente da retribuição em espécie auferida pelo Autor.
IX - Uma vez qualificada determinada “utilidade” ou “bem” como “retribuição em espécie”, a mesma beneficiará da proteção imposta pelo princípio da irredutibilidade da retribuição.
X - In casu, o autor podia usar o lugar de estacionamento de forma irrestrita, 24 horas/dia, isto é, mesmo que não se encontrasse ao serviço da ré, designadamente, aos fins-desemana, férias, feriados e demais momentos de lazer. Tal lugar de estacionamento ora lhe foi sendo proporcionado nas próprias instalações da ré, ora através da liquidação das despesas de estacionamento ou parques em que o autor pudesse incorrer, quer no âmbito da sua vida pessoal quer profissional.
XI – Por conseguinte, a partir de 02/06/2017, a ré incorreu em violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, ao retirar-lhe a atribuição do lugar de estacionamento que o autor tinha no parque ....
XII – O valor do lugar de estacionamento custava à Ré valor não concretamente apurado, mas atualmente de € 175,00 mensais.
XIII – Mas o valor a considerar será o do uso pessoal do lugar de estacionamento, o que impõe que se considere na sua determinação, deduzindo-o, o valor correspondente ao uso profissional que o trabalhador teria que efetuar do mesmo lugar.
XIV - Por assim se entender, importa relegar a determinação/quantificação do valor relativo à privação sofrida pelo autor com a supressão do lugar de estacionamento da viatura para ulterior liquidação, não podendo o valor a considerar ser superior aos apurados € 175,00.
XV – Por estarem preenchidos o conjunto de requisitos consagrados no artigo 483.º do Código Civil, condenou a Ré a suportar os custos do aparcamento da viatura até que o lugar de estacionamento lhe seja reposto, que o Autor teve de suportar com a contratação de um lugar de estacionamento por € 49,00 mensais.
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Trata-se de uma sentença bem estruturada e fundamentada, que utilizou uma fundamentação de direito, assertiva, clara e compreensível.
Importa aquilatar se a solução é a correta.
A Recorrente defende que ocorreu um erro na aplicação do direito, conquanto:
- Considera-se retribuição a prestação a que “o trabalhador tem direito (…)”. Significa isto que a retribuição tem subjacente uma obrigação do empregador, um dever jurídico, que se constitui por título contratual e normativo.
- É verdade que foi disponibilizado ao Recorrido um lugar de parqueamento, tendo cessado tal disponibilização no ano de 2017. - A disponibilização do parqueamento sucedeu atendendo às funções que o mesmo ia desempenhar, não fazendo parte da remuneração acordada.
- A utilização que a Recorrida possa ter feito na sua vida pessoal do lugar de parqueamento não resultou de qualquer obrigação contratual assumida pela então Sociedade B..., ou por quaisquer das outras entidades em que o Recorrido laborou, mas antes num contexto de mera tolerância da Recorrente, e, portanto, uma mera liberalidade.
- Não se nega que a utilização do parqueamento na vida pessoal do Recorrido pudesse constituir para ele uma vantagem patrimonial, na medida em que os custos associados foram suportados pela Recorrente.
- No caso, a cessação de disponibilização do parqueamento ao Recorrido deveu-se à aplicação de novos métodos de organização e alteração das condições de trabalho na empresa.
- O Recorrente não se enquadra em qualquer dos escalões de utilizadores previstos na mencionada política, o que implicou que cessasse a atribuição de uma viatura de serviço ao mesmo e, consequentemente, a disponibilização do parqueamento.
Por seu turno o Recorrido pugna pela manutenção na íntegra do decidido na 1.ª instância.
Esta é a divergência fundamental que nos é apresentada no âmbito do recurso, ou seja, se a disponibilização do lugar de estacionamento por parte da Recorrente se configura como um ato de mera tolerância (liberalidade) ou, pelo contrário, se se trata de uma retribuição que merece a devida proteção.
Quid iuris:
Em traços gerais:
I.A retribuição corresponde à contrapartida de atividade do trabalhador. É um elemento essencial do contrato de trabalho (o qual é por natureza oneroso, e não gratuito).
II.A relação laboral é sinalagmática, encontrando-se, de um lado, a força de trabalho disponibilizada pelo trabalhador, e, do outro, a prestação com valor patrimonial devida pela entidade empregadora em virtude daquela disponibilização.
III.Traduz-se na obrigação principal do empregador [artigo 127.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho (Lei n.º 07/2009, de 12 de fevereiro)][3], e na principal fonte de subsistência do trabalhador e respetivo agregado familiar (dimensão social e alimentar associada à retribuição).
Do artigo 258.º, extrai-se três elementos constitutivos da noção de retribuição:
1 - n.º 1 – A retribuição corresponde à contrapartida da atividade do trabalhador.
2 - n.º 2 – A retribuição pressupõe o pagamento de prestações de forma regular e periódica.
A prestação tem de ser feita em dinheiro ou em espécie (parte final, do n.º 2, do artigo 258.º), ou seja, traduz-se numa prestação com valor patrimonial.
Com a expressão «regular», a lei pretende significar “uma remuneração não arbitrária, mas que segue uma regra permanente, sendo, portanto, constante”.
Exigindo um caráter «periódico», a lei considera que ela deve ser relativa a períodos certos no tempo (ou aproximadamente certos), de modo a integrar-se na própria ideia de periodicidade e de repetência ínsita no contrato de trabalho e nas necessidades recíprocas dos dois contraentes que este contrato se destina a servir
Quando é que uma prestação pecuniária tem natureza regular e periódica?
Segundo o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 14/2015, quando é auferida todos os meses do ano em que há prestação de trabalho, ou seja, 11 meses[4].
3 - Nos termos do, n.º 3, do artigo 258.º, presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
A lei consagra um regime de prova favorável aos trabalhadores, no tocante à prova da verificação dos pressupostos condicionantes da atribuição de natureza retributiva a qualquer prestação entregue pelo empregador ao trabalhador[5].
Nos termos do artigo 260.º, não são consideradas retribuição as importâncias devidas ao trabalhador por [n.º 1, al. a)]:
> Deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador (quais sejam, as ajudas de custo, os abonos de viagem, as despesas de transporte e os abonos de instalação), salvo se [n.º 1, alínea a), in fine] as deslocações ou despesas forem frequentes e, as importâncias tenham sido previstas no contrato; ou as importâncias devam considerar-se, pelos usos, elemento integrante da retribuição (ainda que estejam reunidos ambos os pressupostos desta exceção, apenas é considerada retribuição a parte dessas importâncias que exceda os respetivos montantes normais).
> De igual modo, não são considerados retribuição (n.º 2): - os abonos para falhas e o subsídio de refeição, salvo se se verificar o condicionalismo previsto no n.º 1, alínea a), in fine, ex vi n.º 2.
> Ainda as prestações identificadas nas alíneas c) e d) do, n.º 1, do citado artigo 260.º.
> As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa [n.º 1, alínea b)], salvo se se verificar o condicionalismo previsto no n.º 3, alíneas a) e b).
Assim, em termos de ónus da prova:
I.As prestações regulares e periódicas pagas pelo empregador ao trabalhador, independentemente da designação que lhes seja atribuída no contrato ou no recibo, só não serão consideradas parte integrante da retribuição se tiverem uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho.
II.Compete ao empregador provar que as quantias que paga mensalmente ao trabalhador, a título de ajudas de custo, constituem verdadeiras ajudas de custo, ou seja, se destinam a ressarcir o trabalhador de despesas efetuadas ao serviço ou no interesse da empresa (ilidindo, assim, a presunção do, n.º 3, do artigo 258.º, nos termos do, n.º 2, do artigo 350.º do Código Civil).
III.Na eventualidade de provar que o pagamento dessas quantias tinha aquele destino ou tinha uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho, tais importâncias não podem considerar-se parte integrante da retribuição.
IV.A não ser que o trabalhador consiga provar que as mesmas excediam as despesas por ele realmente efetuadas e a medida em que excediam, bem como que essas importâncias tinham sido previstas no contrato e devem considerar-se (na parte respeitante a esses excedentes) pelos usos da empresa como elemento integrante da sua retribuição [parte final da alínea a), do n.º 1, do artigo 260.º, n.º 2 e n.º 3].
É pacífico que o direito de utilização da viatura, telemóvel, cartão de crédito e afins, constitui uma prestação que não tem natureza pecuniária, mas tem valor patrimonial, e pode constituir uma prestação retributiva não pecuniária, tal como prevista no artigo 259.º, n’s 1 e 2.
Como salienta, Filipe Fraústo da Silva[6]:
«A patrimonialidade das prestações retributivas significa que nem só o que é pago em dinheiro pode ter essa natureza. A entrega de certos bens, ou a simples permissão de uso pessoal de certos bens, não tendo natureza pecuniária, pode ter evidente valor patrimonial. A este aspeto se referem, em especial, os artigos 258.º, n.º 2, e 259.º do Código do Trabalho: a retribuição deve ser satisfeita em dinheiro ou em espécie; as prestações retributivas não pecuniárias devem destinar-se à satisfação de necessidades pessoais do trabalhador ou da sua família e não lhes pode ser atribuído valor superior ao corrente na região; e a parte da retribuição satisfeita em prestações não pecuniárias não pode exceder a parte paga em dinheiro, salvo se outra coisa for estabelecida em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.» (Fim da transcrição)
Registe-se que a atribuição de instrumentos de trabalho da empresa, como veículos, telemóveis, cartões de crédito e semelhantes, não será considerada como retribuição, desde que a sua utilização se limite a fins profissionais.[7]
Distingue-se habitualmente a utilização profissional (v.g. utilização no exercício das funções contratadas e ou por causa delas), da utilização pessoal.
Tem-se vindo a entender que a utilização pessoal configura uma retribuição quando é regular e periódica. Esta utilização refere-se a casos em que não existe qualquer ligação ao exercício das funções contratadas, nomeadamente durante os fins de semana e férias, bem como em atividades de lazer nos dias de trabalho, antes ou após o horário de trabalho.
O habitual é que se verifica uma utilização total ou mista, que corresponde ao uso simultâneo para fins profissionais e pessoais.
A questão que se coloca é a de saber se tais atribuições feitas pela entidade empregadora ao trabalhador se integram na retribuição deste, especialmente quando existe utilização pessoal.
Duas teses emergem:
- A de “mera tolerância” (natureza não retributiva)
- E da disposição patrimonial (natureza retributiva)
A tese da “mera tolerância” não possui consagração legal. Aqueles que a defendem acreditam que esta se insere no oposto das prestações com caráter obrigatório.
Por outro lado, a tese da retribuição encontra suporte nos artigos 258.º, n.º 2, e 259.º.[8]
Como explícita, Filipe Fraústo da Silva[9]:
«A natureza obrigatória das prestações retributivas enquanto contrapartida do trabalho significa que estas configuram o objeto de um direito do trabalhador, com a correspetiva vinculação do empregador, direito e vinculação esses emergentes do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos; visa-se essencialmente afastar da noção legal de retribuição um núcleo (ou o essencial de um núcleo) de atribuições com real caráter de mera liberalidade, bem como excluir situações em que a atribuição é específica contrapartida de outra realidade que não o trabalho em si, ou seja, quando tem uma causa individualizável diversa da prestação principal realizada pelo trabalhador.» (Fim da transcrição)
Retorna-se ao caso dos autos:
Conforme se lê na douta sentença recorrida:
«(…)
A questão ora discussão prende-se exclusivamente com o lugar de estacionamento.
Ora, resultou provado que:
- As viaturas que foram atribuídas ao Autor foram sempre utilizadas por este quer a nível profissional, quer a nível pessoal, tendo a empregadora suportado todas as despesas, incluindo o parqueamento inerente à utilização das referidas viaturas,
- Quer nos estacionamentos abertos ao público, quer disponibilizando um lugar de aparcamento nas suas próprias instalações.
- Quer nos períodos em que o A. se encontrava ao serviço, quer nos períodos em que o A. não se encontrava ao serviço, nomeadamente, nos dias normais de trabalho após o horário de trabalho, fins-de-semana, férias, feriados e demais momentos de lazer.
- Entre as condições remuneratórias encontrava-se a disponibilização de aparcamento junto ou até no seu próprio local de trabalho, a liquidação das despesas de estacionamento ou parques que o Autor pudesse incorrer, na sua vida pessoal e profissional.
- À semelhança do que ocorria e ocorre com os seus colegas de trabalho e que inclusivamente foram igualmente objeto de decisões judiciais.
- Ao Autor foi retirada a viatura automóvel no dia 2 de junho de 2017.
- Data a partir da qual a Ré, sem o acordo do A., não só não disponibilizou uma viatura ao A., como não mais disponibilizou o lugar de estacionamento para uso do A., sito no parque ... e junto ao seu domicílio profissional na Praça ..., ... Porto.
- Lugar de estacionamento esse que o Autor poderia usufrui 24h/dia, todos os dias do ano, inclusive aos fins de semana, feriados e nas suas férias.
- No dia 23/02/2021, a Ré Banco 1... entregou ao Autor a viatura de marca Peugeot modelo ..., com a matrícula AF-...-DE, de um valor semelhante a um Renault ..., tendo dessa forma a Banco 1... dado cumprimento à obrigação da entrega da aludida viatura nos termos que tinham sido decididos no ponto II da douta sentença proferida na ação declarativa n.º 1294/17.8T8VLG.
- Nessa data, a Ré continuou a não disponibilizar o lugar de aparcamento no parque ..., como antes o fazia, sem qualquer custo para o A.
- Ao contrário dos seus colegas de trabalho, nomeadamente em relação aos Colegas Dr. DD e Dr.ª EE, que detêm a mesma categoria, as mesmas funções, o mesmo domicílio profissional, a quem a Ré veio a atribuir uma viatura e a atribuir um lugar de parqueamento no parque ..., sem qualquer custo e sem qualquer limite.
- Não obstante o A. ter solicitado a atribuição do mesmo.» (Fim da transcrição)
Da análise e cotejo dos pontos 6, 13, 14, 15, 16, 19 a 25, e 26 a 29 da factualidade provada, conclui-se que a atribuição do lugar de estacionamento ao Autor era um benefício económico acordado entre as partes e parte integrante do contrato de trabalho, e não uma mera liberalidade ou tolerância da empregadora.
Conquanto:
I.No âmbito das condições remuneratórias inerentes ao contrato de trabalho, foi disponibilizado ao Autor um lugar de estacionamento, sem qualquer custo ou limite.
II.O Autor utilizava o estacionamento tanto para fins profissionais como pessoais, incluindo fins de semana, feriados e férias, sem custos.
III.Demonstra-se a regularidade e periodicidade da atribuição do estacionamento ao longo do tempo e em diferentes locais de trabalho, sempre com os custos suportados pelas sucessivas empregadoras (D..., A... e posteriormente Banco 1...)
IV.A retirada do estacionamento ocorreu em simultâneo com a retirada da viatura, em 2 de junho de 2017, sem o acordo do Autor. A partir dessa data, o Autor passou a arcar com os custos de estacionamento.
V.Após a devolução da viatura em 23 de fevereiro de 2021, a Ré continuou a não disponibilizar o lugar de estacionamento ao Autor, ao contrário do que sucedia com colegas de trabalho na mesma categoria e com as mesmas funções.
Em suma: o Autor sempre utilizou o estacionamento, tanto para fins profissionais como pessoais, sem custos ou limites, desde o início do seu contrato com a “D...” em 2001 até novembro de 2017.
Esta utilização regular e periódica, por mais de 16 anos, solidifica o entendimento de que o estacionamento não era uma mera liberalidade ou tolerância da empregadora, mas sim um benefício económico acordado.
Ademais, a argumentação da Recorrente de que o estacionamento se baseava num "enquadramento normativo" e que a sua cessação se deveu a "novos métodos de organização" não tem respaldo nos factos.
Com base nestes factos, concorda-se com a conclusão a que chegou o Tribunal a quo quando refere que:
«Julgamos não existirem dúvidas, em face da factualidade dada como provada, que o lugar de estacionamento constitui uma componente da retribuição em espécie auferida pelo autor.» (Fim da transcrição)
O lugar de estacionamento constitui, no caso em apreciação, uma retribuição em espécie com valor patrimonial. Todavia, tal não significa que o Recorrido se possa opor à sua retirada.
É importante destacar que o empregador pode vedar ao trabalhador a utilização do lugar de estacionamento, visto não existir um verdadeiro direito de uso. Contudo, deve compensar o trabalhador por tal supressão.
Com efeito, caso tal ocorra, o trabalhador tem direito a receber uma prestação em espécie ou em dinheiro de valor equivalente, sob pena de violação do princípio da irredutibilidade da retribuição [artigo 129.º, n.º 1, alínea d), corolário da proteção especial conferida à retribuição].
Por força do princípio da irredutibilidade da retribuição, o empregador não pode efetuar qualquer redução na retribuição, salvo nos casos legalmente previstos ou em instrumento de regulamentação coletiva[10].
Este princípio tutela a retribuição global, e não cada uma das prestações pecuniárias auferidas pelo trabalhador individualmente considerada. É permitida a alteração da estrutura da retribuição, designadamente se, no caso de ela ser composta em dinheiro ou em espécie, ou por uma parte fixa e outra variável, o empregador proceder à criação ou supressão de um dos seus elementos componentes ou à mudança de frequência de outro, desde que o montante final recebido pelo trabalhador se mantenha idêntico[11].
No caso em apreço, tal não sucedeu.
Por isso, Sr.ª Juíza a quo decidiu corretamente ao afirmar que o lugar de estacionamento (no caso concreto) integra o conceito de retribuição, pelo que, tal benefício não podia ser suprimido nos termos em que o foi e de forma unilateral pela Recorrente [artigo 129.º, n.º 1, alínea d)].
Assim, as conclusões do recurso não se sustentam, mantendo-se, por conseguinte, o decidido na douta sentença recorrida.
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V. DECISÃO:
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Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente, com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao Regulamento Custas Processuais (cfr. artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais).
Valor do recurso: o da ação (artigo 12.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais).
Notifique e registe.

Porto, 18 de novembro de 2024
Sílvia Saraiva
Germana Ferreira Lopes
Nelson Fernandes
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[1] Segue-se, com ligeiras alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Objeto de transcrição: os factos não provados estão destacados em itálico.
[3] Diploma legal a que iremos fazer referência sem menção diversa – veja-se o artigo 7.º, n.º 1, do diploma preambular da Lei n.º 7/2009, de 12.02.
[4] Veja-se, por todos, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 14/2015 (relator: Joaquim Melo Lima), in Diário da República n.º 212/2015, Série I, de 29.10.2015, e, ainda, nesse sentido, os Acórdãos desta secção social de 16.12.2015 (relator: Jerónimo Freitas), Processo n.º 1457/13.5TTVNG.P1, de 04.12.2017 (relator: Domingos Morais), Processo n.º 8971/15.6T8PRT.P1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 03.05.2023 (relatora: Manuela Fialho), Processo n.º 621/21.8T8BRR.L1-4, e do Supremo Tribunal de Justiça de 07.07.2023 (relator: Domingos Morais), Processo n.º 16462/21.0T8LSB.L1.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt.
[5] Veja-se, por todos, os Acórdãos desta secção social de 12.03.2009 (relator: Ferreira Marques), Processo n.º 2195/05.8TLSB-4, e de 04.11.2019 (relator: Nelson Fernandes), Processo n.º 9109/16.8T8PRT.P2; do Tribunal da Relação de Guimarães de 02.03.2017 (relatora: Alda Martins), Processo n.º 192/16.7T8BCL.G1 e do Supremo Tribunal de Justiça de 01.06.2023 (relator: Júlio Gomes), Processo n.º 3545/18.2T8BCL.G1.S2, todos consultáveis in www.dgsi.pt.
[6] Veja-se, por todos, SILVA, Filipe Fraústo da, “Reflexões em torno do valor do uso pessoal de viatura da empresa que integre a retribuição de trabalhador”, in “Para Jorge Leite – Escritos Jurídico-Laborais”, Coimbra Editora, S.A., Vol. I, p. 950.º.
[7] Na utilização estritamente profissional: a atribuição de tais instrumentos insere-se no exercício dos poderes de gestão e direção do empregador, pelo que, por razões de gestão, em princípio pode-os retirar, mas, não de forma arbitrária e discricionária, face aos limites decorrentes da boa fé (artigo 126.º, n.º 1), e da proibição de discriminação (artigo 25.º).
[8] Neste sentido, veja-se por todos, na jurisprudência: os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30.04.2014 (relator: Pinto Hespanhol), Processo n.º 714/11.00TTPRT.P1.S1; de 13.08.2019 (relator: Ferreira Pinto), Processo n.º 7847/17.7T8LSB.L1.S1, e de 03.03.2021 (relatora: Paula Sá Fernandes), Processo n.º 28857/17.9T8LSB.L1.S1, desta secção social de 08.06.2022 (relator: Jerónimo Freitas). Processo n.º 2887/20.1T8PRT.P1, e de 23.01.2023 (relator: Jerónimo Freitas), Processo n.º 1883/21.6T8MAI.P1, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.03.2023 (relatora: Alda Martins), Processo n.º 24780/21.0T8LSB.L1-4, todos consultáveis in www.dgsi.pt.
[9] SILVA, Filipe Fraústo da, in op. citada, pp. 948.º e 949.º.
[10] Veja-se, por todos, entre outros, os Acórdãos desta secção social de 05.03.2018 (relator: Nelson Fernandes), Processo n.º 271/14.5TTMTS.P1, e do Supremo Tribunal de Justiça de 23.06.2023 (relator: Júlio Gomes), Processo n.º 1914/18.7T8BRR.L1.S2, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[11] Neste sentido, veja-se, por todos, FERNANDES, António Monteiro — Direito do trabalho. 21.ª edição. Coimbra: Almedina, 2022. ISBN 9789894003793.