TRABALHO PORTUÁRIO
CEDÊNCIA TEMPORÁRIA DE TRABALHADORES
CONTRATOS DE TRABALHO DIÁRIOS
COMUNICAÇÃO DA EMPRESA DE TRABALHO PORTUÁRIO AO TRABALHADOR PORTUÁRIO DA DECISÃO DE NÃO VOLTAR A PROCEDER À SUA REQUISIÇÃO
Sumário

I - Atenta a similitude existente entre o trabalho portuário e o trabalho temporário, estabeleceu-se que ao trabalho portuário se aplica subsidiariamente o disposto no regime previsto para o trabalho temporário.
II - A vinculação laboral dos trabalhadores cedidos temporariamente por empresa de trabalho portuário pode ser por contrato de trabalho por tempo indeterminado ou por contrato de trabalho temporário.
III - No âmbito de aplicação do Código do Trabalho de 2009 (como já sucedia no Código do Trabalho de 2003) não existe proibição legal de celebração de um contrato a termo por parte do trabalhador já contratado por tempo indeterminado. Por identidade de razões a mesma possibilidade deverá ser admitida quanto à celebração de contratos de trabalho temporário.
IV - Não constitui despedimento ilícito por falta de processo disciplinar a comunicação da empresa de trabalho portuário ao trabalhador portuário da decisão de não voltar a proceder à sua requisição na situação em que a relação existente se constitui por meio de contratos de trabalho temporários portuários, diários, cuja celebração depende da requisição diária do operador portuário e caducam com a conclusão da tarefa que lhes serve de justificação, chegando aquela comunicação ao conhecimento do trabalhador já depois de cessado o contrato temporário.

Texto Integral

Proc. n.º 1156/23.0T8AVR.P1

Origem: Comarca ..., Juízo do Trabalho ... - Juiz 2

Acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

AA intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra A..., Unipessoal, Lda. e B..., Unipessoal, Lda., pretendendo que o seu despedimento seja declarado ilícito, sendo reintegrado, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e que a entidade empregadora seja condenada a pagar-lhe, acrescido de juros até efetivo e integral pagamento, o valor de€ 2.097,02 a título de formação não ministrada; o valor de € 27.683,04 (vinte e sete mil seiscentos e oitenta e três euros e quatro cêntimos) a título de trabalho suplementar; o valor de € 25.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais; o valor de € 1.300,00 a título de subsídio de Natal; o valor de € 1.300,00 a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.

Alegou, em síntese, que as rés são materialmente a mesma entidade, tendo o mesmo sócio, sendo que o autor sempre trabalhou para as duas empresas, recebendo ordens das duas (que é apenas uma), trabalhando no mesmo local e com a mesma hierarquia.

Acrescentou que iniciou funções na 1.ª ré sem assinar qualquer contrato de trabalho escrito, encontrando-se, por isso, vinculado por contrato de trabalho por tempo indeterminado, para um horário de 40 horas semanais, mas que todos os dias entrava às 8h e saía de madrugada ou quando o deixavam, sem receber qualquer pagamento extraordinário e sem usufruir de descanso compensatório.

Aditou que já depois disso foi obrigado a assinar contratos diários fraudulentos e que, após a cessação do último deles, continuou a prestar trabalho normalmente sem qualquer contrato que o titulasse. Ademais, os contratos contêm como justificação as cargas e descargas de determinadas embarcações, mas que o autor diariamente prestava outros tipos de trabalhos.

Invocou ainda que a ré reconhece a antiguidade do autor a 01 de março de 2016, e que não havia necessidades temporárias da empresa, antes uma atividade contínua e continuada, para o exercício da sua atividade habitual.

Alega que em 04/04/2022, a 1.ª ré o despediu sem procedimento disciplinar, invocando factos graves, falsos e difamatórios e sem lhe conceder qualquer direito de defesa. Que essa imputação lhe causou danos emocionais, sociais e psicológicos. E que a inconstância dos contratos que era forçado a assinar contribuiu para esses danos.

Por fim, refere que sempre prestou trabalho suplementar, que lhe era exigido aos berros e com ameaças de despedimento, e que não recebia o respetivo pagamento, liquidando-o em 2 horas diárias.

Frustrada a conciliação em sede de audiência de partes, as rés contestaram, defendendo-se por exceção/impugnação, pugnando pela improcedência da ação.

Identificaram-se como entidades jurídicas distintas, que apenas têm em comum a gerência.

Explicaram que a 1.ª ré é uma empresa de trabalho portuário, que se dedica exclusivamente à cedência temporária de trabalhadores portuários, qualificados, e que cede a empresas que se dedicam a operações portuárias de movimentação de cargas (empresas de estiva), como a 2.ª ré, ou a utentes de áreas portuárias privativas.

Acrescentaram que a 2.ª ré tem um quadro privativo de trabalhadores em número insuficiente para as necessidades de cargas e descargas de navios que chegam ao porto ... e que requisita trabalhadores à 1.ª ré.

Alegaram nunca ter sido celebrado qualquer contrato de trabalho por tempo indeterminado com o autor, mas sim contratos de trabalho temporário portuário com validade diária, executados por períodos específicos e constantes do seu teor, e referentes a tarefas neles devidamente concretizadas.

Afirmaram que o autor faz parte de uma listagem de trabalhadores priorizados por força do acordo celebrado com o sindicato em que este se encontra filiado e que a sua contratação estava sempre condicionada à prévia disponibilidade manifestada pelo próprio autor para ser contratado. E que foi nesse contexto que o autor foi sendo contratado, em inúmeros contratos diários celebrados para prestar trabalho de acordo com as indicações da 2.ª ré, mantendo a 1.ª ré o poder disciplinar e os pagamentos, como o autor sabia.

Negaram a prestação pelo autor de 8 horas trabalho por dia e 40 horas semanais e a prestação de trabalho suplementar, exceto em situações identificadas e pelas quais era pago.

No que tange ao alegado despedimento, explicaram que inexistia qualquer contrato vigente pois os contratos iam caducando à medida em que se executavam, e que a 1.ª ré comunicou ao autor a decisão de não mais o requisitar fundamentando a sua decisão.

No que concerne aos danos não patrimoniais, alegaram que os mesmos não têm dignidade para tutela legal e que em momento algum imputaram ao ator os factos que o mesmo refere.

Invocaram a caducidade dos créditos de formação.

Acrescentaram que o subsídio de Natal reclamado foi pago e que não são devidos os proporcionais peticionados, tendo-os, de resto, pago em excesso, pelo que a 1.ª ré peticiona, a título de reconvenção, a devolução da quantia de € 1.359,15.

O autor respondeu, impugnando o valor peticionado pela 1.ª ré, alegando que o mesmo foi pago a título de créditos anteriores, vencidos e correspondentes ao trabalho prestado, nada tendo a ver com o trabalho prestado em 2022.

A reconvenção foi admitida e foi dispensada a audiência prévia, abstendo-se o tribunal de proferir o despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas de prova.

Foi proferido despacho saneador tabelar.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, no âmbito da qual foi expressamente concedido ao autor o contraditório quanto à exceção de caducidade. No seu decurso as rés opuseram-se à reintegração, tendo sido concedido o contraditório quanto à eventual extemporaneidade de tal requerimento, sendo que o autor declarou não se opor.

Foi proferida sentença que culminou no seguinte dispositivo:

«Em face do exposto, julga-se a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e o pedido reconvencional parcialmente procedente, e, em consequência, reconhecendo-se a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre as partes:

a) declara-se a ilicitude do despedimento do autor, levado a cabo pela 1.ª ré,

b) condena-se a 1.ª ré no pagamento ao autor:

i. de uma indemnização em lugar da reintegração, pelo despedimento ilícito, na proporção de 45 dias por cada ano de antiguidade, até ao trânsito em julgado da decisão, a liquidar em incidente de liquidação de sentença, e que à data da presente decisão se cifra em € 17.550,00 (dezassete mil quinhentos e cinquenta euros;

ii. das retribuições que este tenha deixado de auferir desde o despedimento ilícito até ao trânsito em julgado da decisão, deduzidas dos valores que recebeu e vier a receber, nos termos do artigo 390.º, n.º 2, al. c) do Código do Trabalho, e cuja quantificação se relega para incidente de liquidação de sentença, mas que à presente data se cifram em € 33.681,70 (trinta e três mil seiscentos e oitenta e um euros e setenta cêntimos), já deduzidos os montantes devidos pelo autor à ré, no âmbito do pedido reconvencional (ao abrigo do disposto no artigo 390.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho);

iii. da quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros) a título de crédito de horas de formação não ministrada;

iv. da quantia de € 1.300,00 (mil e trezentos euros), a título de subsídio de natal de 2021;

v. dos juros de mora, vencidos, desde a data de vencimento de cada um dos créditos, e vincendos, à taxa supletiva legal em vigor de 4% ao ano, nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se a 1.ª ré do demais peticionado.

c) absolve-se a 2.ª ré dos pedidos.»


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Inconformada, a 1.ª ré interpôs o presente recurso, com impugnação da decisão da matéria de facto, com vista à sua absolvição dos pedidos relativos à ilicitude do despedimento e de pagamento do subsídio de Natal e à redução do valor devido a título de formação não ministrada. Para o caso de se manter a decisão na parte relativa à ilicitude do despedimento, sem prejuízo do mais, a recorrente pretende a redução do valor devido a título de retribuições intercalares.

Formula as seguintes conclusões:

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O autor contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, pelos fundamentos que sintetizou nas seguintes conclusões:

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Verificando-se os requisitos legais para o efeito, o recurso foi admitido na forma própria, com regime de subida e efeito adequados.

Neste tribunal os autos foram ao parecer do Ministério Público, que, como questão prévia, requereu que a recorrente fosse convidada a aperfeiçoar as conclusões, o que foi indeferido.

Foi então emitido parecer nos ermos e para os efeitos do art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, pugnando o Ministério Público pela manutenção do julgado, quer de facto, quer de direito.

Notificadas as partes, a recorrente pronunciou-se manifestando a sua discordância relativamente ao parecer e reiterou as suas alegações e conclusões.


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Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.

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Delimitação do objeto do recurso

Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

1- impugnação da decisão da matéria de facto;

2 - se entre o autor e a 1.ª ré foi celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado;

3 - se contrato se mantinha em 04/04/2022;

4 - se o autor foi despedido ilicitamente;

5 - exceção do abuso de direito;

6 - caso se conclua que o autor foi despedido ilicitamente determinar o valor das retribuições intercalares vencidas até à prolação da sentença.

7 - valor do crédito relativo às horas de formação não ministrada;

8 - se o subsídio de Natal reclamado pelo autor já foi pago;


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Fundamentação de facto

Foram os seguintes os factos dados como provados em 1.ª instância:

«1. A 1.ª ré designa-se A..., Unipessoal Lda, tem sede no Edifício ..., ..., ..., ..., na ..., em ..., Aveiro, tem o número de identificação de pessoa coletiva ..., e dedica-se à cedência temporária de trabalhadores portuários.

2. A 1.ª ré é uma empresa de trabalho portuário (ETP), constituída sob a forma de Sociedade por quotas, estando licenciada para o exercício da sua atividade, que consiste exclusivamente na cedência temporária de trabalhadores portuários.

3. Os trabalhadores contratados pela 1.ª ré, incluindo o autor, são qualificados, cedidos a empresas que têm por objeto a operação portuária de movimentação de cargas (empresas de estiva), ou a utentes de áreas portuárias privativas, para que as referidas empresas de estiva utilizem essa mão-de-obra nas tarefas de embarcar ou desembarcar na zona portuária, compreendendo as atividades de estiva, desestiva, conferência, carga, descarga, transbordo, movimentação e arrumação de mercadorias em cais, terminais, armazéns e parques, manobramento de máquinas, bem como de formação e decomposição de unidades de carga, e ainda de receção, armazenagem e expedição de mercadorias.

4. A 2.ª ré designa-se B..., Unipessoal Lda, tem sede no Edifício ..., ..., ..., ... na ..., em ..., Aveiro, tem o número de identificação de pessoa coletiva ..., e dedica-se ao armazenamento, manuseamento e movimentação de cargas e organização do transporte designadamente o transporte por mar; atividades de agente marítimo e fretadores; e aluguer de transportes marítimos.

5. As rés partilham instalações.

6. A 2.ª ré é uma empresa de estiva e tem no seu quadro privativo trabalhadores em número insuficiente para as necessidades de cargas e descargas de navios que chegam ao porto ....

7. Ambas as rés têm o mesmo sócio único, C..., S.L., e a mesma gerência, que é exercida pela mesma pessoa - BB.

8. A 2ª Ré requisita à 1ª Ré os trabalhadores de que necessita para efetuar os trabalhos de carga e descarga de navios.

9. O autor é sindicalizado no Sindicato ....

10. Em 03 de novembro de 2014, a 2.ª ré celebrou, com o Sindicato ..., um acordo de empresa, com vista a estabelecer o regime de prestação de trabalho portuário aplicável às relações de trabalho entre, por um lado, a 2.ª ré e, por outro, os trabalhadores que lhe prestem serviço desenvolvendo a sua atividade profissional na movimentação de cargas no Porto ..., representados pelo Sindicato ..., e ao qual a 1.ª ré aderiu.

11. Na mesma data, as rés celebraram, com o Sindicato ..., o Acordo de Prioridade na Contratação e na Colocação para o quadro de pessoal da B..., Lda. e da A..., Unipessoal, Lda..

12. No âmbito do referido Acordo de Prioridade na Contratação, as rés aceitam, concordam e vinculam-se a dar prioridade na contratação e na colocação para o seu quadro pessoal, aos trabalhadores que à data da celebração desse acordo, integrem o quadro pessoal da Associação ... (ETP) ..., da qual fazia parte o autor.

13. O autor fazia e sempre fez parte, pelo menos desde março de 2016, de um conjunto de trabalhadores, entre outros que, tendo demonstrado nisso interesse, se encontravam identificados e incluídos numa listagem própria para serem contratados pela 1 .a ré quando as necessidades de mão-de-obra o exigissem, para que a sua disponibilidade fosse cedida à 2.ª ré enquanto empresa de estiva sempre e quando esta requisitasse mão de obra.

14. A 29 de fevereiro de 2016 foi celebrada uma Adenda ao Acordo de prioridade na contratação e na colocação para o quadro de pessoal da B..., Unipessoal Lda. e da A..., Unipessoal Lda.

15. O autor, à data da celebração e outorga da referida adenda, fazia parte do quadro pessoal da Associação ... (ETP) ... que tinha por objeto a cedência temporária de trabalhadores portuários às empresas de estiva - como era o caso da 2.ª ré.

16. A Associação ... (ETP) ... é associada do Sindicato ....

17. O controlo do cumprimento da regulamentação do trabalho portuário é continuamente vigiado e fiscalizado pelo próprio Sindicato ....

18. A partir do dia 01 de março de 2016, a 1.ª ré contratava verbalmente o autor e outros trabalhadores, para satisfazer a mão de obra necessária e requisitada de trabalhadores pelas empresas de estiva que operavam no Porto ..., tendo em vista a cedência temporária dessa mão de obra a essas empresas.

19. Essa contratação surgia mediante requisição por empresas de estiva, por um período de tempo de trabalho previamente definido, habitualmente de 7 e 8 horas, ou por meios períodos de 3 e 4 horas (08/12H; 13/17H; 21/24H; 00/03H;).

20. Para que o autor fosse trabalhar, teria este de ter manifestado previamente a sua disponibilidade para ser contratado naquele dia afim de ser cedido à empresa de estiva (por norma a 2.ª ré) para o exercício das funções de Trabalhador Portuário de Base em períodos concretos, de acordo com as necessidades das empresas de estiva, estas sempre dependentes da flutuação irregular da atividade portuária, verificada de forma intermitente, durante dias ou partes do dia.

21. A frequência da requisição do autor pela 1.ª ré era variável, dependendo das flutuações da atividade portuária e da própria disponibilidade do autor para prestar o seu trabalho naquelas datas, previamente manifestada por este, situação que o autor sabia e aceitava.

22. Mesmo na eventualidade da empresa de estiva (2.ª ré) tivesse necessidade de mão de obra para a realização de tarefas de movimentação de cargas na área portuária do Porto ... e em consequência tivesse requisitado à 1.ª ré a satisfação dessa mão de obra, não existia qualquer garantia para o autor que fosse chamado pela 1.ª ré, pois é a 1.ª ré que escolhe os trabalhadores a contratar para a sua cedência à empresa de estiva, a partir de um conjunto de trabalhadores que manifestaram a sua disponibilidade para prestar o seu trabalho naquele dia/data.

23. O trabalho do autor era prestado nos locais (navios, armazéns, terraplenos, etc.) da área portuária que lhe eram indicados pelas empresas de estiva (2.ª ré), normalmente no Porto ....

24. O horário de trabalho (período de trabalho) do autor era definido aquando da celebração de cada um dos contratos de trabalho temporário portuário, e correspondia aos períodos de trabalho para os quais a disponibilidade do autor e de outros trabalhadores era requisitada pelas empresas de estiva (normalmente 2.ª ré).

25. Em momento não concretamente apurado, posterior ao início da atividade pelo autor, a 1.ª ré impôs ao autor a assinatura de contratos de trabalho temporário diários e sucessivos, nos termos dos quais prestaria a sua atividade a empresas de estiva, normalmente a 2.ª ré, colocando no contrato cargas e descargas de navios, e identificando o navio onde o autor ia desempenhar as suas funções, o dia e hora de início do trabalho, e a função.

26. Os contratos de trabalho celebrados entre a 1ª ré e o autor dizem respeito às requisições feitas pela 2.ª ré à 1.ª ré desde de março de 2016 a 30 junho de 2018, as quais eram feitas para um determinado dia.

27. Foi no âmbito do Acordo de prioridade e da respetiva adenda, e do acordo de empresa, que autor e a 1.ª ré celebraram os contratos.

28. Os navios indicados nos contratos diários nem sempre correspondiam àqueles em que o autor prestava trabalho.

29. A ré comunicava à Segurança Social a caducidade de cada contrato celebrado.

30. Era a 1.ª ré quem detinha o poder disciplinar sobre o autor.

31. O trabalho prestado pelo autor estava condicionado às ordens e direção da empresa de estiva (normalmente 2ª ré) - empresa utilizadora -, sendo a esta e aos seus representantes que o autor devia obediência em tudo o que respeitasse à execução do trabalho.

32. Era à empresa de estiva (normalmente 2.ª ré) - enquanto empresa utilizadora - que competia dirigir e coordenar todas as funções e tarefas que integram as operações de carga e descarga realizadas pelos trabalhadores.

33. A 1.ª ré pagava a remuneração ao autor mensalmente, em função do número de períodos de trabalho no qual o autor tinha trabalhado naquele mês.

34. O valor da retribuição de cada um dos períodos de trabalho encontrava-se definido quer no acordo de empresa quer no acordo de prioridade de contratação.

35. A retribuição a pagar ao trabalhador pelo trabalho prestado tinha variáveis: se o trabalhador atingisse num determinado mês 12 e 19 períodos de trabalho, o valor pago ao trabalhador sofria alterações.

36. O autor normalmente trabalhava o número de horas correspondente ao período de trabalho para o qual era contratado pela 1.ª ré, e se por qualquer motivo, lhe fosse solicitado para executar trabalho para além do período para o qual tinha sido contratado ou em dia de descanso compensatório, esse período suplementar era pago ao autor nos termos constantes quer do Acordo de Empresa quer do Acordo de Prioridade de contratação - que preveem este tipo de situação.

37. A 1.ª ré não tinha uma necessidade temporária, mas sim perfeitamente contínua e continuada, sendo essa a sua atividade habitual, à data e atualmente.

38. No recibo de vencimento do autor, vem reconhecida a sua antiguidade por referência a 01 de março de 206.

39. Além das cargas e descargas, o autor também prestava pontualmente, entre outros, trabalho de limpeza, serviços de mecânica, reparações, manutenções externas.

40. Por missiva datada de 04/04/2022, a 1.ª ré comunicou ao autor ter tomado a seguinte decisão «não mais proceder à sua requisição diária para prestar trabalho na nossa empresa», invocando um comportamento «inadequado e chantagista» do autor.

41. A decisão referida no facto precedente não foi antecedida por procedimento disciplinar.

42. A ré pagou ao autor:

a. a título de subsídio de férias referente ao ano de 2022, o montante de € 1.359.15;

b. a título de férias não gozadas referentes ao ano de 2022, o valor de € 1.359.15, de forma antecipada aquando do pagamento do mês de janeiro de 2022, antecipação que fez desde 2016.»


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E foi considerado não provado o seguinte:

«a) As rés têm participações socias distintas.

b) As rés são uma só entidade, com a mesma estrutura e hierarquia.

c) A 1.ª ré iniciou a sua atividade em março de 2016, data em que obteve o licenciamento para o exercício da sua atividade.

d) No dia 01 de março de 2016, o autor e a 1.ª ré acordaram verbalmente que o autor desempenharia para a ré as funções de trabalhador portuário de base, num horário de 8 horas diárias, sendo 40 horas semanais, mediante o pagamento base de € 1.300,00 por mês.

e) O primeiro contrato assinado entre o autor e a 1.ª ré teve início às 08.00H e termino às 17.00H do dia 01 de março de 2016.

f) Todos os dias o autor entrava às 8h da manhã e saía de madrugada ou quando o deixavam, sem qualquer remuneração extraordinária, por esse período e sem qualquer descanso.

g) O autor trabalhava incessantemente horas e horas, sem descanso compensatório, muitas vezes sem intervalos entre jornadas laborais, num verdadeiro inferno.

h) Se o trabalhador atingisse num determinado mês 12 e 19 períodos de trabalho o valor pago ao trabalhador sofria alterações, sendo que, em 2022, último ano em que o autor foi contratado pela 1.ª ré:

a. se o Autor trabalhasse até 12 períodos num mês o valor que este iria receber por cada período era de trabalho era de 86.15€;

b. Se o trabalhador trabalhasse entre 12 a 18 períodos num mês o valor que este iria receber por cada período era de trabalho era de 75.38€;

c. Se trabalhasse mais de 18 períodos num mês o valor que este iria receber por cada período era de trabalho era de 67.31€.

i) O autor sempre trabalhou para ambas a rés.

j) Os navios indicados nos contratos diários eram aleatórios, muitos dos quais o trabalhador nunca ouviu falar.

k) Os contratos foram sempre executados nos períodos (horário de trabalho) específicos e constantes nos referidos contratos.

l) O trabalhador prestava sempre o seu trabalho igual, de forma normal e contínua.

m) A 1.ª ré realizava um pagamento arbitrário de trabalho prestado além do horário normal que não correspondia sequer a 25% do trabalhado extra efetivamente prestado, e nem quando era prestado, isto é, noturno, ao fim-de-semana e feriados.

n) A 1.ª ré nunca disponibilizava, apesar de o trabalhador pedir insistentemente, o registo das horas efetivamente prestadas pelo trabalhador.

o) A formação era dada ao autor e aos restantes trabalhadores no contexto de trabalho e durante a própria execução dos mesmos.

p) Quando terminou o último dos contratos assinados, o autor continuou a prestar a sua atividade de forma habitual, sem qualquer documento que a titulasse.

q) Os factos invocados pela 1.ª ré para cessar o contrato são falsos e causaram ao autor perturbações emocionais, sociais e psicológicas, imputando-lhe um comportamento «inadequado e chantagista», que o autor não teve.

r) O autor viveu e vive ainda momentos de profunda depressão e terrível angústia, em resultado do seu despedimento, sentindo-se envergonhado, vexado, humilhado, sendo acompanhado por uma constante tristeza.

s) O autor não consegue dormir e não tem vontade de sair e fazer vida social, sentindo-se inútil e encontrando-se profundamente sem ânimo.

t) O autor não se sente com capacidade relacional, tem dificuldades em estar com pessoas e sente-se mal.

u) O autor é visto como uma pessoa que se portou mal na empresa, tendo ficado devastado e tendo a sua imagem, bom nome e credibilidade sido gravemente afetadas, de forma irreparável.

v) O autor sofreu uma enorme tristeza, angustia e graves crises de ansiedade.

w) O autor foi apodado de mau trabalhador e é considerado uma pessoa de má índole.

x) O autor é considerado uma pessoa sem escrúpulos, na sua família e comunidade, em virtude da forma como foi despedido e das afirmações difamatórias e insultos dos quais nem se pôde defender nem exercer o seu legítimo e democrático direito ao contraditório.

y) O trabalho suplementar prestado e não pago determinou que o autor ficasse psicologicamente e emocionalmente abalado, debilitado e sofrido.

z) O autor era obrigado a realizar trabalho além do seu horário, sendo as ordens de trabalho sempre dadas "aos berros", com constantes ameaças e sempre afirmando que se não fizesse era despedido e deixava de ter dinheiro para sustentar a sua família e por "pão na mesa".

aa) A inconstância de trabalho, com sucessivos contratos de trabalho fraudulentos que o trabalhador era obrigado a assinar, determinou um constante sobressalto e instabilidade, que afetou psicologicamente e emocionalmente o trabalhador, de forma séria e muito grave, marcante para a sua vida.

bb) A ré afirmou que quem fosse testemunhar a favor do trabalhador ia também ser despedido.

cc) A ré todos os dias dizia ao autor «Se não ficares até à meia-noite, depois queixa-te que não tens trabalho» e que se não trabalhasse ao fim-de-semana e feriados, seria imediatamente despedido e ficaria sem sustento.

dd) Em momento algum, desde março de 2016, o autor procedeu a uma qualquer interpelação junto de qualquer uma das rés de que estaria em falta o pagamento de um qualquer valor a título de trabalho extraordinário / noturno / ou em dia de descanso complementar ou obrigatório que aquele tenha realizado e não lhe tenha sido pago.

ee) O autor era daqueles trabalhadores, que com alguma regularidade, logo que atingisse os 18 períodos de trabalho num mês, manifestava de imediato a sua indisponibilidade para ser requisitado para prestar o seu trabalho nos restantes dias do mês.

ff) Agindo dessa maneira, o autor evitava a redução do valor / período para o escalão de valor de remuneração mais baixo.

gg) O pagamento do subsídio de natal de 2021 ao autor, pela 1.ª ré.»


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Apreciação

1.ª questão: impugnação da decisão da matéria de facto

Seguindo a ordem imposta pela precedência lógica (cfr. art.º 608.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), importa começar a apreciação do recurso pelas questões atinentes à matéria de facto.

Antes, contudo, de proceder à análise da pretensão da recorrente, importa proceder à alteração oficiosa da decisão e facto.

Com efeito, o Tribunal da Relação deve, mesmo oficiosamente, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se tal se impuser (art.º 662º, nº 1 do CPC), como é o caso de existir matéria de direito e/ou conclusiva a invadir a matéria de factos.

Na verdade, o comando normativo do art.º 607.º relativo à discriminação dos factos aplica-se, também, ao Tribunal da Relação, atento o disposto pelo art.º 663.º, n.º 2 do CPC, não podendo o acórdão que aprecie o recurso interposto fundar-se em afirmações meramente conclusivas ou que constituam descrições jurídicas.

São, pois, de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da decisão do litígio, ou seja, na expressão do Ac. do STJ de 09/12/2010[1], que invadam o domínio de uma questão de direito essencial.

Como se escreve no Ac. RP de 08/02/2021[2], “sendo a matéria daqueles itens de natureza conclusiva e também de direito, a mesma é contrária à matéria estritamente factual que deve ser seleccionada para a fundamentação de facto da sentença, como explicitamente decorre do nº4 do art. 607º do CPC [note-se que a inclusão nos fundamentos de facto da sentença de matéria conclusiva (desde que não se reconduza a juízos periciais de facto) e/ou de direito enquadra-se na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do CPC, considerando-se uma deficiência na decisão da matéria de facto]”. E como se lê no Ac. RP de 23-11-2017[3], com o qual concordamos, “a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante- artº 607º, nº 4, NPCP”.

No caso concreto, constitui matéria ostensivamente conclusiva e de direito, que como tal deve ser expurgada da decisão, pelo menos, a seguinte:

- o segmento “a 1.ª ré impôs ao autor a assinatura de contrato de trabalho temporário diários e sucessivos” constante do ponto 25. dos factos provados, a qual, ao contrário do que seria imprescindível, não se mostra sustentada e qualquer atuação da 1.ª ré, factualmente alegada ou descrita. De resto, na petição inicial o ator limitou-se a alegar que «Já vinculado por contrato por tempo indeterminado a 1ª Outorgante “obriga” o trabalhador a assinar uns contratos falsos…» e só nas contra-alegações, sendo como tal inatendível, veio esboçar uma tentativa de concretização, afirmando que «em momento posterior ao início da prestação de trabalho, os contratos passaram a ser enviados em envelopes contendo o nome de cada trabalhador e os respetivos contratos, para que fossem assinados» e que «Este procedimento, embora possa parecer formal, caracteriza-se por uma imposição indireta, uma vez que os trabalhadores não tinham margem para contestar ou para rejeitar a assinatura dos contratos que lhes eram entregues de forma repetitiva e padronizada. O envio dos contratos em envelopes prontos para serem assinados, sem qualquer intervenção dos trabalhadores, demonstra uma conduta de imposição por parte da ia Ré, que os colocava perante uma situação de "aceitação forçada".

- a matéria do ponto 28. dos factos provados cujo teor é: «Os navios indicados nos contratos diários nem sempre correspondiam àqueles em que o autor prestava trabalho.». Na verdade, a circunstância de correspondência não existir em todos os contratos não significa que não existisse nalguns deles, mas não foi concretizada nem uma nem outra das situações, tornando a afirmação desprovida de conteúdo fáctico. E a ausência de concretização, por um lado e a sua imprescindibilidade, por outro, são ainda mais evidentes na medida em que não foi dado como provado que os navios indicados nos contratos eram aleatórios [alínea j)], como o autor havia alegado. Por fim, nem sequer resulta da matéria de facto que, para além dos juntos aos autos, não tenham sido assinados outros contratos de trabalho portuário e a redação genérica do ponto 28. não permite sequer perceber se se refere ou não apenas aos contratos juntos.

- toda a matéria do ponto 37. dos factos provados, cujo teor é “A 1.ª ré não tinha uma necessidade temporária, mas sim perfeitamente contínua e continuada sendo essa a sua atividade habitual, à data e atualmente”. Ora, discutindo-se nos autos, além do mais, a verificação das condições de celebração dos contratos de trabalho portuário temporários, é evidente que a afirmação contida no ponto 37 constitui não só matéria conclusiva, como matéria de direito.

- a matéria do ponto 38. dos factos provados, onde se escreveu «38. No recibo de vencimento do autor, vem reconhecida a sua antiguidade por referência a 01 de março de 206». – é evidente o lapso quanto à indicação do ano, referindo-se obviamente o tribunal ao ano de 2016.

Não se questiona que nos recibos de vencimento do autor consta como data de admissão 1 de março de 2016, o que poderia ser considerado um facto instrumental com vista à determinação da data de admissão do autor pela 1.ª ré (sobre o qual nem é devido um juízo probatório de provado ou não provado[4]), mas que o tribunal “a quo” nem valorou, como resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto relativa ao facto provado 18. e ao facto não provado da alínea d).

Contudo, não deixando de ter natureza meramente instrumental, o que o tribunal considerou como provado, nem sequer foi isso, foi que nos recibos vem reconhecida a antiguidade do autor. Ora, o reconhecimento da antiguidade que foi dado como provado não constitui um facto, mas sim uma valoração jurídica do facto, motivo pelo qual deve ser eliminado do elenco dos factos provados.

Sempre se dirá que, sendo os recibos meros documentos particulares, sem força probatória especial, as declarações deles constantes só podem valer como reconhecimento dos factos neles contidos, na medida em que forem contrários aos interesses dos declarantes se estiverem assinados (arts. 373.º, n.º 1 e 376.º, ambos do Código Civil), o que não acontece no caso dos autos.

Nesta medida, decide-se alterar o ponto 25. dos factos provados, eliminando o segmento “a 1.ª ré impôs ao autor a assinatura de contrato de trabalho temporário diários e sucessivos”, conferindo a este ponto a redação final que adiante concretizaremos e eliminar os pontos 28., 37. e 38. dos factos provados.


*

Vejamos agora a impugnação da matéria de facto deduzida pela recorrente.

Nos termos do disposto pelo art.º 662.º, n.º 1 Código de Processo Civil «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»

A Relação tem efetivamente poderes de reapreciação da decisão da matéria de facto decidida pela 1ª instância, impondo-se-lhe no que respeita à prova sujeita à livre apreciação do julgado, a (re)análise dos meios de prova produzidos em 1ª instância, desde que o recorrente cumpra os ónus definidos pelo art.º 640.º do Código de Processo Civil.

Na verdade, quando estão em causa meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, decorre da conjugação dos art.º 635.º, nº 4, 639.º, nº 1 e 640.º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que considera errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respetiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão[5].

No caso dos autos, analisadas as alegações e conclusões do recurso aqueles ónus mostram-se suficientemente cumpridos, pelo que nada obsta ao conhecimento da impugnação.

A impugnação incide sobre os pontos 16., 18., 25., 28., 37., 38. e 39., dos factos provados e sobre a alínea gg) dos factos não provados.

O provado em 16. tem o seguinte teor:

«16. A Associação ... (ETP) ... é associada do Sindicato ...

A recorrente pretende que tal facto seja considerado como não provado, uma vez que, no seu entender, o que resulta do documento que fundamentou a decisão do tribunal “a quo” é exatamente o oposto, ou seja que Sindicato ... é que é associado da Associação ... (ETP) ....

A motivação da decisão na sentença foi a seguinte: « - o documento n.° 16 vem atestado pelo documento n.° 3 da petição inicial.»

Não podemos deixar de denotar o evidente e, por isso inócuo, lapso na referência ao “documento 16», pois até pela cronologia da motivação, se percebe que o tribunal pretendia referir-se ao facto provado nº 16.

Por outro lado, importa referir que o facto em causa foi alegado pela própria recorrente, na contestação, com base no documento n.º 3 da p.i., nos exatos termos em que o mesmo foi considerado provado.

De todo o modo, analisado o documento em causa, no qual foram outorgantes as duas rés e o Sindicato ..., verifica-se que consta da sua cláusula 2.ª, única com relevo quanto a questão em análise, que:

«Em complemento ao Acordo de Empresa referido na cláusula anterior deste Acordo, vêm pelo presente as 1.ªs e 2ª Outorgantes aceitar, concordar e vincular-se a dar prioridade na contratação e na colocação para o seu quadro de pessoal aos trabalhadores que à data da celebração deste acordo integrem o quadro de pessoal da Associação ... (ETP) ..., que são associados do 3.° Outorgante.»

Nenhuma referência existe a qualquer relação entre o Sindicato e a Associação. O que resulta da referida cláusula é declaração de aceitação de dar prioridade aos os trabalhadores que integravam o quadro de pessoal da Associação e que simultaneamente eram associados do sindicato.

Por isso, decide-se julgar procedente a impugnação, eliminado o ponto 16. dos factos provados, que deverá passar a constar do elenco dos factos não provados sob a alínea hh).

A recorrente impugna a decisão relativa ao ponto 18. dos factos provados cujo teor é o seguinte:

«18. A partir do dia 01 de março de 2016, a 1.ª ré contratava verbalmente o autor e outros trabalhadores, para satisfazer a mão de obra necessária e requisitada de trabalhadores pelas empresas de estiva que operavam no Porto ..., tendo em vista a cedência temporária dessa mão de obra a essas empresas

Pretende a recorrente que a redação de tal facto deverá ser alterada passando ser a seguinte:

«A partir do dia 01 de março de 2016, a 1.ª ré contratava o autor e outros trabalhadores, para satisfazer a mão de obra necessária e requisitada de trabalhadores pelas empresas de estiva que operavam no Porto ..., tendo em vista a cedência temporária dessa mão de obra a essas empresas».

A pretensão da recorrente resume-se, pois, à eliminação do advérbio “verbalmente”.

Em abono da sua pretensão, invoca os depoimentos das testemunhas CC, DD, EE, FF e GG, a circunstância de o próprio autor/recorrido não ter alegado tal matéria e na existência de contradição com o facto não provado d) e respetiva fundamentação.

O tribunal fundamentou a decisão quanto ao facto 18. nos seguintes termos: «o facto provado n.º 18 é fruto do depoimento das testemunhas todas e, quanto à data, da convergência temporal que resulta dos articulados das partes.»

Ouvidos os depoimentos verifica-se que a testemunha DD, estivador apenas passou a trabalhar para a 1.ª ré em Setembro de 2018, pelo que não tem conhecimento das condições em que o autor exerceu a atividade a partir de março de 2016 em diante, tendo até afirmado quanto à assinatura dos contratos pelo autor que não fazia ideia porque não era algo sobre o qual dialogassem.

A testemunha EE, encarregado também só passou a trabalhar para a 1.ª ré desde 2017 e nada esclareceu quanto às circunstâncias em que o autor passou a trabalhar para a 1.ª ré.

A testemunha CC, estivador passou a trabalhar para a 1.ª ré ao mesmo tempo que o autor, mas não esclareceu as circunstâncias concretas em que tal sucedeu,, o que não surpreende, dado que segundo a testemunha estava numa situação diferente da do autor, pois fazia parte do efetivo do porto.

Ainda assim, o depoimento desta testemunha focou-se na questão da assinatura dos contratos temporários após a prestação efetiva de trabalho, que afirmou acontecer. Sucede, porém, que, como refere a recorrente, não é essa a alegação do autor. Este alegou ter celebrado em 1 de março de 2016 um contrato com a 1.ª ré não reduzido a escrito e como tal por tempo indeterminado e que, depois de vinculado por esse contrato, a 1.ª ré o obrigou a assinar uns contratos falsos pelos quais este prestaria trabalho à 2ª ré quando na realidade são a mesma empresa, como os inúmeros contratos sucessivos são fraudulentos pois são contratos diários sempre com a 2.ª ré, não eram nem podiam ser temporários não apenas porque o trabalhador encontrava-se vinculado por contrato por tempo indeterminado como pelo fundamento ser falso.

Em parte alguma o autor alegou que, no seu caso, o procedimento fosse o descrito pela testemunha, pois, nunca invocou que os contratos assinados seriam relativos a trabalho já prestado, muito menos que desde 1 de março de 2016 prestou qualquer atividade por conta da 1.ª ré relativamente à qual lhe tenha sido posteriormente dado qualquer contrato para assinar.

As mesmas limitações resultam do depoimento da testemunha FF, estivador, que disse trabalhar para a 1.ª ré desde 1 e março de 2016 e que, sem concretizar a situação específica do autor, se focou também na questão da assinatura dos contratos após a prestação efetiva de trabalho que, como afirmado supra não corresponde sequer ao que o autor alegou e como tal ao que se discute nos autos.

Finalmente a testemunha GG, trabalhador portuário e presidente do Sindicato ..., tendo explicado o percurso dos trabalhadores que antes estavam vinculados à Associação ... e ao que ficou acordado com as rés relativamente a tais trabalhadores, afirmou que, com exceção dos que integraram os quadros da 1.ª ré, nenhum desses trabalhadores assinou contrato por tempo indeterminado com a aquela. Mas o que não afirmou foi que tais trabalhadores, designadamente o autor, tenha iniciado a prestação de atividade para a 1.ª ré mediante contrato verbal.

Por outro lado, ainda que não se acompanhe a recorrente quando alega que existe contradição entre o facto provado 18 e o facto não provado na alínea d), pois o que se afirma neste é que não ficou demonstrado que o autor tenha sido admitido para desempenhar funções em determinadas condições de horário e de retribuição, o que sai reforçado pela motivação de tal decisão, tal motivação, na parte em que refere, acertadamente, que “ficou amplamente demonstrado, através da prova testemunhal, que as contratações do autor pela ré eram casuísticas/diárias, embora regulares e muitas vezes diárias”, conjugado com os factos provados 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15., 19., 20., 21., 22., 26. e 27., permite trazer alguma luz ao que nos parece ser uma certa confusão entre o regime e momento da contratação do autor para o exercício efetivo das funções de estivador e o momento em que o autor passou a integrar a listagem dos trabalhadores disponíveis para serem contratados pela 1.ª ré quando as necessidades de mão-de-obra o exigissem, importando realçar que a integração nessa lista, por si só, no caso concreto, não se confunde com a celebração de qualquer contrato de trabalho entre a 1.ª ré e o autor.

Em consonância decide-se julgar a impugnação procedente quanto ao facto provado 18., alterado a sua redação que passará a ser a proposta pela recorrente:

«18. A partir do dia 01 de março de 2016, a 1.ª ré contratava o autor e outros trabalhadores, para satisfazer a mão de obra necessária e requisitada de trabalhadores pelas empresas de estiva que operavam no Porto ..., tendo em vista a cedência temporária dessa mão de obra a essas empresas.»

A recorrente pretende também a alteração do facto 25. ao qual o tribunal deu a seguinte redação:

«25. Em momento não concretamente apurado, posterior ao início da atividade pelo autor, a 1.ª ré impôs ao autor a assinatura de contratos de trabalho temporário diários e sucessivos, nos termos dos quais prestaria a sua atividade a empresas de estiva, normalmente a 2.ª ré, colocando no contrato cargas e descargas de navios, e identificando o navio onde o autor ia desempenhar as suas funções, o dia e hora de início do trabalho, e a função

A fundamentação da decisão do tribunal “a quo” quanto a este ponto da matéria de facto provada foi a seguinte:

«o facto provado n.º 25 é fruto da análise dos documento n.º 4 da petição inicial e documentos n.º 1 a 461 da contestação à luz dos depoimentos de DD e FF.»

Pretende a recorrente que a redação de tal facto deverá ser alterada, por entender que nem dos documentos, nem dos depoimentos das testemunhas invocados pelo tribunal resulta o afirmado, propondo que passe a ser a seguinte a redação do ponto em causa:

«A 1.ª ré celebrou com o Autor contratos de trabalho temporários diários e sucessivos, nos termos dos quais prestaria a sua atividade a empresas de estiva, normalmente a 2.ª ré, colocando no contrato cargas e descargas de navios, e identificando o navio onde o autor ia desempenhar as suas funções, o dia e hora de início do trabalho, e a função

Relembramos que já foi oficiosamente introduzida uma alteração à redação deste ponto, tendo-se decidido acima eliminar o segmento “a 1.ª ré impôs ao autor a assinatura de contratos de trabalho temporários e sucessivos”, pelo que, analisaremos a pretensão deduzida pela recorrente apenas quanto ao mais.

E fazendo-o importa começar por reafirmar que em parte alguma o autor alegou que os contratos assinados seriam relativos a trabalho já prestado, muito menos que desde 1 de março de 2016 prestou qualquer atividade por conta da 1.ª ré relativamente à qual lhe tenha sido posteriormente dado qualquer contrato para assinar. O que o autor alegou foi que os contratos que assinou não podem ser considerados como de trabalho temporário porque no momento em que passou a assiná-los já vigorava entre as partes um contrato de trabalho por tempo indeterminado e porque os fundamentos invocados nos contratos são falsos.

Assim, a afirmação no ponto 25. da matéria de facto provada segundo a qual a assinatura dos contratos teria ocorrido em momento concretamente não apurado posterior ao início da atividade pelo autor não tem respaldo na matéria de facto por este alegada.

Ora, não resulta dos autos, nomeadamente da ata da audiência de julgamento que, a requerimento de qualquer das partes ou oficiosamente pelo tribunal, tenha sido desencadeado o mecanismo previsto pelo art.º 72.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, o qual deveria ter sido anunciado às partes, com vista a sobre ele poderem exercer o respetivo contraditório, não sendo suficiente para tal efeito, a mera presença das partes em audiência de julgamento, uma vez que não ocorreu qualquer anúncio de que o facto poderia vir a ser utilizado.

Nesta medida, afigura-se-nos que a matéria em causa não poderia ter sido considerada provada pelo tribunal, ainda que a mesma pudesse resultar de meios de prova produzidos.

Mas mesmo a prova produzida que no entender do tribunal “a quo” sustentou a decisão, não conduziria, no caso concreto, à decisão proferida.

Na verdade, os documentos n.º 4 da petição inicial e documentos n.º 1 a 461, os contratos assinados pelas partes, estão datados, mas deles nada resulta que permita ancorar a conclusão de que foram assinados em data diversa da deles constate.

O primeiro contrato dos juntos aos autos é datado de 21/03/2016 (doc. n.º 1 da contestação) e dos depoimentos das testemunhas DD e FF não se pode inferir se o autor, até aquela data, já tinha prestado ou não qualquer atividade concreta, por requisição da 2.ª ré à 1.ª

Também não resulta do depoimento da testemunha DD que o autor assinou os contratos em momento posterior ao inicio da atividade, sendo que, a testemunha só a partir de setembro de 2018 (data a partir da qual passou a trabalhar para a 1.ª ré) poderia ter conhecimento dos factos e que afirmou não fazer ideia se o que se passava com ele quanto à assinatura dos contratos também se passou com o autor porque não dialogavam sobre esse assunto.

Por sua vez o depoimento da testemunha FF, colega do autor durante quase 20 anos, e trabalhador da 1.ª ré há 8 anos, como bem referiu a Mm.ª Juiz “a quo”, foi algo confuso e reticente, com reservas quanto à 1.ª ré, pelo que, na nossa perspetiva, ainda que aquele tenha afirmado que os contratos são entregues depois do trabalho ter sido prestado, o que se aplicava também ao autor, não pode, sem outros meios de prova que o corroborem e que já vimos não existirem, relevar para interpretar os contratos no que respeita à data da sua assinatura, no sentido que lhe foi dado pelo tribunal.

É, pois, de julgar procedente a impugnação, em consequência do que se determina a alteração da redação do ponto 25. dos factos proados que passará a ser a seguinte:

«A 1.ª ré celebrou com o Autor contratos de trabalho temporários diários e sucessivos juntos como doc. 4 da petição inicial e 1 a 461 da contestação, cujo teor se reproduz, nos termos dos quais prestaria a sua atividade a empresas de estiva, normalmente a 2.ª ré, colocando no contrato cargas e descargas de navios, e identificando o navio onde o autor ia desempenhar as suas funções, o dia e hora de início do trabalho, e a função

A apreciação da impugnação relativa aos pontos 28., 37. e 38. mostra-se prejudicada pela decisão já proferida supra.

No ponto 39. o tribunal “a quo” considerou provado o seguinte:

«39. Além das cargas e descargas, o autor também prestava pontualmente, entre outros, trabalho de limpeza, serviços de mecânica, reparações, manutenções externas

A decisão mostra-se fundamentada nos seguintes termos:

« - o facto provado n.º 39 é fruto dos depoimentos de CC, DD e EE.»

A recorrente pretende que tal facto seja dado como não provado, alegando que, do depoimento as testemunhas identificadas pelo tribunal, não resulta o que foi afirmado pelo tribunal.

A recorrente tem razão, mas apenas parcialmente.

Com efeito, a testemunha CC nada disse com relevo, limitando-se à afirmação de que se houver navios trabalha-se, sem se referir a quaisquer outras tarefas que fossem desempenhadas para além das cargas e descargas.

A testemunha EE afirmou que se o navio não entrasse eram atribuídas outras funções, sem as especificar.

Já a testemunha DD afirmou que pode haver uma rara exceção de o barco não ter entrado e os trabalhadores serem destacados para outras tarefas, como manutenção às zonas de trabalho ou nos armazéns.

Por isso, não tendo sido feita qualquer referência pelas testemunhas a trabalhos de limpeza, serviços de mecânica e reparações, afigura-se que apenas poderia ter sido considerada prova a execução de tarefas de manutenções externas.

Decide-se, em conformidade, alterar a redação do ponto 39. dos factos provados que passará a ser a seguinte:

«39. Além das cargas e descargas, quando o navio para o qual tinha sido contratado não chegava a entrar no porto, o autor fazia manutenções externas».

Finalmente, o tribunal deu como não provado sob a línea gg) o pagamento au autor pela 1.ª ré do subsídio de natal de 2021, decisão que fundamentou do seguinte modo: «- o facto gg) foi assim considerado pois os documento juntos pela ré para o provar - documentos n.º 465 a 468 - não o fazem. Provam outros pagamentos, sim, mas não o do subsídio de natal, o que resulta da mera análise das rubricas ali espelhadas.»

A recorrente pretende que o pagamento do subsídio de natal de 2021 está demonstrado pelo documento n.º 482 da contestação que terá sido desconsiderado pelo tribunal.

O recorrido, com vista à manutenção do decidido na alínea gg), alegou que apesar de o Tribunal a quo ter referido o ano de 2021 como tendo sido o ano em que não se procedeu ao pagamento do subsídio de Natal, depreende-se, pela análise da motivação, que tal não passou de um mero lapso, pois da motivação, constata-se que o Tribunal “a quo” recorreu aos documentos nº 465 a 468, os quais correspondem a recibos de 2022 e não de 2021, configurando um lapso do Tribunal, que ao referir-se ao ano de 2021 na alínea gg) dos factos não provados, pretendia claramente mencionar o ano de 2022, visto que os recibos de 2022 (documentos 465 a 468) não comprovam o pagamento do subsídio de Natal referente a esse ano, concluindo que mesmo que o subsídio de Natal de 2021 tenha sido efetivamente pago, como demonstrado no documento 482, é sobre o ano de 2022 que se refere a ausência de comprovativo de pagamento do subsídio de Natal, o que justifica a decisão tomada na sentença.

Na petição inicial o autor não identificou qual o ano a que se reportava o subsídio de Natal cujo pagamento reclamou e para além dele pediu ainda a condenação no pagamento do subsídio de Natal proporcional.

Importa ter presente que o subsídio de Natal se vence no ano da prestação do trabalho sendo referente ao próprio ano e pago até ao dia 15 de Dezembro de cada (art.º 263.º do Código do Trabalho)e não, como acontece quanto às férias, respetiva retribuição e subsídio, relativo ao trabalho do ano anterior (art.º 237.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho).

Por isso, afigura-se-nos não existir qualquer lapso do tribunal ao considerar que estava em causa o não pagamento do subsídio de Natal referente ao ano de 2021, sendo que relativamente ao ano de 2022, no qual o autor invocou ter ocorrido a cessação do contrato de trabalho, se refere o proporcional (art.º 263.º, n.º 2, al. b) do Código do Trabalho), igualmente peticionado e que resulta dos documentos n.º 469, 474, 476, 478 e 480 da contestação, que a 1.ª ré pagou ao autor o subsídio de Natal referente aos anos anteriores.

Ora, os documentos 465 a 468 da contestação referem-se aos pagamentos respeitantes aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2022, e efetivamente deles não resulta o pagamento de qualquer quantia a título de subsídio de Natal, mas do documento 482 que não foi impugnado, como refere a recorrente e o recorrido aceita nas contra-alegações, resulta o pagamento do subsídio de Natal referente a 2021 no valor de € 1 359,15.

Nessa medida, importa eliminar a alínea gg) dos factos não provados e aditar ao ponto 42 a alínea c. com o seguinte teor:

«c. a título de subsídio de natal referente ao ano de 2021, a 1.ª ré pagou ao autor em Novembro de 2021, o montante de € 1.359.15».

Procede, pois, em parte a impugnação da decisão da matéria de facto.


*

Assim, em virtude do que se deixa exposto, enuncia-se a matéria de facto provada com as alterações introduzidas assinaladas a itálico:

«1. A 1.ª ré designa-se A..., Unipessoal Lda, tem sede no Edifício ..., ..., ..., ..., na ..., em ..., Aveiro, tem o número de identificação de pessoa coletiva ..., e dedica-se à cedência temporária de trabalhadores portuários.

2. A 1.ª ré é uma empresa de trabalho portuário (ETP), constituída sob a forma de Sociedade por quotas, estando licenciada para o exercício da sua atividade, que consiste exclusivamente na cedência temporária de trabalhadores portuários.

3. Os trabalhadores contratados pela 1.ª ré, incluindo o autor, são qualificados, cedidos a empresas que têm por objeto a operação portuária de movimentação de cargas (empresas de estiva), ou a utentes de áreas portuárias privativas, para que as referidas empresas de estiva utilizem essa mão-de-obra nas tarefas de embarcar ou desembarcar na zona portuária, compreendendo as atividades de estiva, desestiva, conferência, carga, descarga, transbordo, movimentação e arrumação de mercadorias em cais, terminais, armazéns e parques, manobramento de máquinas, bem como de formação e decomposição de unidades de carga, e ainda de receção, armazenagem e expedição de mercadorias.

4. A 2.ª ré designa-se B..., Unipessoal Lda, tem sede no Edifício ..., ..., ..., ... na ..., em ..., Aveiro, tem o número de identificação de pessoa coletiva ..., e dedica-se ao armazenamento, manuseamento e movimentação de cargas e organização do transporte designadamente o transporte por mar; atividades de agente marítimo e fretadores; e aluguer de transportes marítimos.

5. As rés partilham instalações.

6. A 2.ª ré é uma empresa de estiva e tem no seu quadro privativo trabalhadores em número insuficiente para as necessidades de cargas e descargas de navios que chegam ao porto ....

7. Ambas as rés têm o mesmo sócio único, C..., S.L., e a mesma gerência, que é exercida pela mesma pessoa - BB.

8. A 2ª Ré requisita à 1ª Ré os trabalhadores de que necessita para efetuar os trabalhos de carga e descarga de navios.

9. O autor é sindicalizado no Sindicato ....

10. Em 03 de novembro de 2014, a 2.ª ré celebrou, com o Sindicato ..., um acordo de empresa, com vista a estabelecer o regime de prestação de trabalho portuário aplicável às relações de trabalho entre, por um lado, a 2.ª ré e, por outro, os trabalhadores que lhe prestem serviço desenvolvendo a sua atividade profissional na movimentação de cargas no Porto ..., representados pelo Sindicato ..., e ao qual a 1.ª ré aderiu.

11. Na mesma data, as rés celebraram, com o Sindicato ..., o Acordo de Prioridade na Contratação e na Colocação para o quadro de pessoal da B..., Lda. e da A..., Unipessoal, Lda..

12. No âmbito do referido Acordo de Prioridade na Contratação, as rés aceitam, concordam e vinculam-se a dar prioridade na contratação e na colocação para o seu quadro pessoal, aos trabalhadores que à data da celebração desse acordo, integrem o quadro pessoal da Associação ... (ETP) ..., da qual fazia parte o autor.

13. O autor fazia e sempre fez parte, pelo menos desde março de 2016, de um conjunto de trabalhadores, entre outros que, tendo demonstrado nisso interesse, se encontravam identificados e incluídos numa listagem própria para serem contratados pela 1 .a ré quando as necessidades de mão-de-obra o exigissem, para que a sua disponibilidade fosse cedida à 2.ª ré enquanto empresa de estiva sempre e quando esta requisitasse mão de obra.

14. A 29 de fevereiro de 2016 foi celebrada uma Adenda ao Acordo de prioridade na contratação e na colocação para o quadro de pessoal da B..., Unipessoal Lda. e da A..., Unipessoal Lda.

15. O autor, à data da celebração e outorga da referida adenda, fazia parte do quadro pessoal da Associação ... (ETP) ... que tinha por objeto a cedência temporária de trabalhadores portuários às empresas de estiva - como era o caso da 2.ª ré.

16. Eliminado.

17. O controlo do cumprimento da regulamentação do trabalho portuário é continuamente vigiado e fiscalizado pelo próprio Sindicato ....

18. A partir do dia 01 de março de 2016, a 1.ª ré contratava o autor e outros trabalhadores, para satisfazer a mão de obra necessária e requisitada de trabalhadores pelas empresas de estiva que operavam no Porto ..., tendo em vista a cedência temporária dessa mão de obra a essas empresas.

19. Essa contratação surgia mediante requisição por empresas de estiva, por um período de tempo de trabalho previamente definido, habitualmente de 7 e 8 horas, ou por meios períodos de 3 e 4 horas (08/12H; 13/17H; 21/24H; 00/03H;).

20. Para que o autor fosse trabalhar, teria este de ter manifestado previamente a sua disponibilidade para ser contratado naquele dia afim de ser cedido à empresa de estiva (por norma a 2.ª ré) para o exercício das funções de Trabalhador Portuário de Base em períodos concretos, de acordo com as necessidades das empresas de estiva, estas sempre dependentes da flutuação irregular da atividade portuária, verificada de forma intermitente, durante dias ou partes do dia.

21. A frequência da requisição do autor pela 1.ª ré era variável, dependendo das flutuações da atividade portuária e da própria disponibilidade do autor para prestar o seu trabalho naquelas datas, previamente manifestada por este, situação que o autor sabia e aceitava.

22. Mesmo na eventualidade da empresa de estiva (2.ª ré) tivesse necessidade de mão de obra para a realização de tarefas de movimentação de cargas na área portuária do Porto ... e em consequência tivesse requisitado à 1.ª ré a satisfação dessa mão de obra, não existia qualquer garantia para o autor que fosse chamado pela 1.ª ré, pois é a 1.ª ré que escolhe os trabalhadores a contratar para a sua cedência à empresa de estiva, a partir de um conjunto de trabalhadores que manifestaram a sua disponibilidade para prestar o seu trabalho naquele dia/data.

23. O trabalho do autor era prestado nos locais (navios, armazéns, terraplenos, etc.) da área portuária que lhe eram indicados pelas empresas de estiva (2.ª ré), normalmente no Porto ....

24. O horário de trabalho (período de trabalho) do autor era definido aquando da celebração de cada um dos contratos de trabalho temporário portuário, e correspondia aos períodos de trabalho para os quais a disponibilidade do autor e de outros trabalhadores era requisitada pelas empresas de estiva (normalmente 2.ª ré).

25. A 1.ª ré celebrou com o Autor contratos de trabalho temporários diários e sucessivos juntos como doc. 4 da petição inicial e 1 a 461 da contestação, cujo teor se reproduz, nos termos dos quais prestaria a sua atividade a empresas de estiva, normalmente a 2.ª ré, colocando no contrato cargas e descargas de navios, e identificando o navio onde o autor ia desempenhar as suas funções, o dia e hora de início do trabalho, e a função.

26. Os contratos de trabalho celebrados entre a 1ª ré e o autor dizem respeito às requisições feitas pela 2.ª ré à 1.ª ré desde de março de 2016 a 30 junho de 2018, as quais eram feitas para um determinado dia.

27. Foi no âmbito do Acordo de prioridade e da respetiva adenda, e do acordo de empresa, que autor e a 1.ª ré celebraram os contratos.

28. Eliminado.

29. A ré comunicava à Segurança Social a caducidade de cada contrato celebrado.

30. Era a 1.ª ré quem detinha o poder disciplinar sobre o autor.

31. O trabalho prestado pelo autor estava condicionado às ordens e direção da empresa de estiva (normalmente 2ª ré) - empresa utilizadora -, sendo a esta e aos seus representantes que o autor devia obediência em tudo o que respeitasse à execução do trabalho.

32. Era à empresa de estiva (normalmente 2.ª ré) - enquanto empresa utilizadora - que competia dirigir e coordenar todas as funções e tarefas que integram as operações de carga e descarga realizadas pelos trabalhadores.

33. A 1.ª ré pagava a remuneração ao autor mensalmente, em função do número de períodos de trabalho no qual o autor tinha trabalhado naquele mês.

34. O valor da retribuição de cada um dos períodos de trabalho encontrava-se definido quer no acordo de empresa quer no acordo de prioridade de contratação.

35. A retribuição a pagar ao trabalhador pelo trabalho prestado tinha variáveis: se o trabalhador atingisse num determinado mês 12 e 19 períodos de trabalho, o valor pago ao trabalhador sofria alterações.

36. O autor normalmente trabalhava o número de horas correspondente ao período de trabalho para o qual era contratado pela 1.ª ré, e se por qualquer motivo, lhe fosse solicitado para executar trabalho para além do período para o qual tinha sido contratado ou em dia de descanso compensatório, esse período suplementar era pago ao autor nos termos constantes quer do Acordo de Empresa quer do Acordo de Prioridade de contratação - que preveem este tipo de situação.

37.Eliminado.

38. Eliminado.

39. Além das cargas e descargas, quando o navio para o qual tinha sido contratado não chegava a entrar no porto, o autor fazia manutenções externas.

40. Por missiva datada de 04/04/2022, a 1.ª ré comunicou ao autor ter tomado a seguinte decisão «não mais proceder à sua requisição diária para prestar trabalho na nossa empresa», invocando um comportamento «inadequado e chantagista» do autor.

41. A decisão referida no facto precedente não foi antecedida por procedimento disciplinar.

42. A ré pagou ao autor:

a. a título de subsídio de férias referente ao ano de 2022, o montante de € 1.359.15;

b. a título de férias não gozadas referentes ao ano de 2022, o valor de € 1.359.15, de forma antecipada aquando do pagamento do mês de janeiro de 2022, antecipação que fez desde 2016.

c. a título de subsídio de natal referente ao ano de 2021, a 1.ª ré pagou ao autor em Novembro de 2021, o montante de € 1.359.15.


*

2.ª questão: se entre o autor e a 1.ª ré foi celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Trata-se de questão que constitui antecedente necessário à apreciação da licitude da cessação do vínculo existente entre partes pela qual a recorrente pugna, ao contrário do decidido na sentença recorrida que concluiu pela procedência do pedido do autor de declaração de ilicitude do despedimento por falta de procedimento disciplinar no pressuposto de que existia entre as partes um contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Como resulta da factualidade provada, a ré é uma empresa de trabalho portuário, licenciada para esse efeito, consistindo a sua atividade exclusivamente na cedência temporária de trabalhadores portuários.

Ao trabalho portuário é aplicável o DL n.º 280/93, de 13 de agosto, que estabelece o regime jurídico do trabalho portuário, com a redação decorrente da Lei n.º 3/2013, de 14 de janeiro, aplicando-se também o Decreto Regulamentar n.º 2/94, de 13 de agosto (que regula o exercício da atividade portuária) e a Portaria 178/94, de 29 de março (onde se preveem os requisitos de atribuição de licença as entidades que pretendam exercer a atividade de cedência de mão de obra).

Para o que ora releva, importa destacar do referido DL n.º 280/93, o seguinte:

“Art.º 1.º

(…)

2 - Considera-se, trabalho portuário, para efeitos do presente diploma, o prestado nas diversas tarefas de movimentação de cargas nas áreas portuárias de prestação de serviço público e nas áreas portuárias de serviço privativo, dentro da zona portuária”.

Art.º 2.º

Para efeitos do presente diploma, entende-se por:

a) - «Efetivo dos portos», o conjunto de trabalhadores que, possuindo aptidões e qualificação profissional adequadas ao exercício da profissão, desenvolvem a sua atividade profissional na movimentação de cargas, ao abrigo de um contrato de trabalho;

b) - «Atividade de movimentação de cargas», a atividade de estiva, desestiva, conferência, carga, descarga, transbordo, movimentação e arrumação de mercadorias em cais, parques e terminais;

c) - «Empresa de trabalho portuário», a pessoa coletiva cuja atividade consiste exclusivamente na cedência de trabalhadores qualificados para o exercício das diferentes tarefas portuárias de movimentação de cargas;

(…).

Art.º 3.º

Às relações entre o trabalhador que desenvolve a sua atividade profissional na movimentação de cargas e as empresas de estiva, as empresas de trabalho portuário e as empresas que explorem áreas de serviço privativo é aplicável o disposto no presente diploma, no Código do Trabalho e demais legislação complementar”.

Art.º 7.º

1- É aplicável à atividade de movimentação de cargas o disposto no artigo 142.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, não podendo a duração total de contratos de trabalho a termo de muito curta duração celebrados com o mesmo empregador para a atividade de movimentação de cargas exceder 120 dias de trabalho no ano civil.

2 - O contrato de trabalho a termo para movimentação de cargas pode ser celebrado por prazo inferior a seis meses, desde que a sua duração não seja inferior à prevista para a tarefa ou serviço a realizar.

3 - O contrato de trabalho a termo celebrado para movimentação de cargas não tem limite de renovações, não podendo, no entanto, a sua duração exceder três anos.

4 - É admitida a prestação de trabalho de movimentação de cargas na modalidade de trabalho intermitente. (…).

Art.º 9.º

(…)

3- Aplica-se subsidiariamente à atividade das empresas referidas nos números anteriores o disposto no Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de outubro.

4- As empresas de trabalho portuário podem ceder trabalhadores que para esse efeito tenham contratado diretamente ou, nos termos a definir em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, com recurso a relações contratuais celebradas com empresas de trabalho temporário, não constituindo esta relação cedência ilícita tal como prevista no n.º 2 do artigo 173.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro”.

Atentas as particularidades que envolvem o trabalho portuário, que se caracteriza pela imprevisibilidade, depende dos fluxos (irregulares) de bens ou mercadorias, e implica para as empresas portuárias a impossibilidade de manterem um contingente fixo de trabalhadores permanentes, tendo antes de recorrer a trabalhadores externos quando as necessidades de trabalho justifiquem, o legislador criou um regime especial para o contrato de trabalho portuário, a que se aplica o Código do Trabalho, nos termos do transcrito art.º 3.º do DL 280/93 de 13/08 e do art.º 9.º do Código do Trabalho, segundo o qual “Ao contrato de trabalho com regime especial aplicam-se as regras gerais deste Código que sejam compatíveis com a sua especificidade”.

Importa ainda considerar, que atenta a similitude existente entre o trabalho portuário e o trabalho temporário, estabeleceu-se que ao trabalho portuário se aplica subsidiariamente o disposto no regime previsto para o trabalho temporário - atualmente regulado pelo Código de Trabalho de 2009 (artigos 172.º a 192.º) e pela Lei n.º 19/2007, de 22 de maio, na parte não revogada pela Lei n.º 7/2009, que aprovou aquele Código (respeitante à matéria relacionada com a empresa de trabalho temporário e exercício da respetiva atividade).

Na verdade, em ambas as modalidades de trabalho, a relação laboral encontra-se fragmentada, assumindo carácter tripartido, integrante de uma união de contratos. À semelhança do trabalho temporário, também no trabalho portuário, existe um contrato de prestação de serviços (correspondente ao contrato de utilização entre operador portuário que explora áreas de serviço privativo e a empresa de trabalho portuário) e um contrato de trabalho por tempo indeterminado ou a termo entre a empresa de trabalho portuário e o trabalhador portuário. Existindo ainda, na terceira vertente desta relação tripartida, uma relação jurídica legal (não contratual) entre o trabalhador e o utilizador, ou seja, o operador portuário (empresa de estiva) ou a empresa que explora áreas de serviço privativo.

Como sustenta Maria do Rosário Ramalho, “a operação de cedência dos trabalhadores portuários pelas empresas de trabalho portuário às empresas de estiva é titulada por um contrato de utilização (artigo 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/94) e tal como sucede no contrato de trabalho temporário, observa-se aqui, em maior ou menor grau, um desdobramento dos poderes laborais, com a atribuição do poder diretivo à entidade que utiliza os serviços de trabalho portuário, mas mantendo-se o poder disciplinar na esfera do empregador”.

Essa similaridade é, igualmente, reconhecida por Pedro Romano Martinez, que afirma que “o trabalho portuário se enquadra num regime análogo ao do trabalho temporário, em que também há uma relação tripartida; os trabalhadores são contratados por empresas de trabalho portuário para trabalhar em tarefas portuárias de movimentação de cargas em benefício de diferentes empresas que dirigem esse trabalho”[6].

Realce-se ainda que as semelhanças ocorrem, sobretudo, em termos estruturais (no modo como estão delineadas as relações entre os agentes envolvidos), não se devendo olvidar as particularidades que rodeiam o trabalho portuário, que o distinguem do demais – particularidades essas a refletir-se, também, no modelo jurídico traçado para essa modalidade de trabalho.

Efetivamente, como refere Nunes de Carvalho[7] “[…] procurou-se aproveitar um modelo legal existente mas com as limitações postuladas pela especificidade da atividade portuária e, necessariamente, com as adaptações devidas e que decorriam, desde logo, do perfil dado pelo legislador às empresas de trabalho portuário (processo e requisitos próprios de licenciamento, regime de admissão de trabalhadores, etc.)”.

Vejamos o caso dos autos!

O autor invocou ter celebrado com a 1.ª ré, empresa de trabalho portuário, um contrato de trabalho verbal, por tempo indeterminado, para o exercício das funções de trabalhador portuário de base, e que os contratos de trabalho temporário que celebrou com a 1.ª ré são nulos devido à pré-existência do contrato de trabalho sem termo e à falsidade dos motivos da contratação deles constantes. Por sua vez a recorrente invocou que não celebrou com o autor qualquer contrato de trabalho por tempo indeterminado, mas vários contratos de trabalho temporário válidos.

Como referido na sentença recorrida, citando o Ac. do STJ de 18/11/2009[8], a vinculação laboral dos trabalhadores cedidos temporariamente pela empresa de trabalho portuário pode ser por contrato de trabalho por tempo indeterminado ou por contrato de trabalho temporário (arts. 3.º, 7.º e 9.º, n.º 3 do DL 280/933 de 13/08).

O contrato de trabalho por tempo indeterminado pode ser o contrato de trabalho “comum” a que se refere o art.º 11.º do Código do Trabalho, ou seja, um contrato pelo qual o trabalhador se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas, e que não se encontra sujeito a qualquer requisito de forma (art.º 110.º do Código do Trabalho), ou pode ser um contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária, definido no art.º 172.º, al. b) do Código do Trabalho, como “o contrato e trabalho por tempo indeterminado celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar temporariamente a sua atividade a utilizadores, mantendo-se vinculado à empresa de trabalho temporário, o qual está sujeito a forma escrita, sob pena de o trabalho e considerar prestado em regime de contrato de trabalho sem termo não destinado à prestação de trabalho temporário, nos termos do disposto pelo art.º 183.º, n.º 1 e 3 do Código do Trabalho.

O contrato de trabalho temporário é, nos termos do art.º 172.º al. a) do Código do trabalho, “o contrato de trabalho a termo celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar a sua atividade a utilizadores, mantendo-se vinculado à empresa de trabalho temporário”, estando sujeito a forma escrita, cuja inobservância determina que o trabalho se considera prestado à empresa de trabalho temporário em regime do contrato de trabalho sem termo, como resulta do art.º 181.º, n.º 1 e 2 do Código do Trabalho.

Ora, o autor não logrou demonstrar, como lhe competia nos termos do art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil, ter celebrado o alegado acordo verbal com a recorrente para desempenhar as funções de trabalhador portuário de base, num horário de 8 horas diárias, sendo 40 horas semanais, mediante o pagamento base de € 1.300,00 por mês (alínea d) dos factos não provados).

E não resultaram demonstrados quaisquer outros factos que permitam alcançar a conclusão de que o vínculo laboral existente entre o autor e a recorrente, não estava subordinado “ab initio” a um prazo.

Pelo contrário, o que ficou demonstrado foi que, fazendo o autor, por nisso ter demonstrado interesse, parte de uma listagem para ser contratado pela 1.ª ré quando as necessidades de mão-de-obra o exigisse, para que a sua disponibilidade fosse cedida à 2.ª ré sempre e quando esta requisitasse mão de obra, a partir do dia 01 de março de 2016, a recorrente passou a contratar o autor para satisfazer a mão de obra necessária e requisitada de trabalhadores pelas empresas de estiva que operavam no Porto ..., tendo em vista a cedência temporária dessa mão de obra a tais empresas, surgindo a contratação mediante requisição por empresas de estiva, por um período de tempo de trabalho previamente definido.

A frequência da requisição do autor pela 1.ª ré era variável, dependendo das flutuações da atividade portuária e da própria disponibilidade do autor para prestar o seu trabalho naquelas datas, previamente manifestada por este, situação que o autor sabia e aceitava.

Mesmo que a empresa de estiva (2.ª ré) tivesse necessidade de mão de obra para a realização de tarefas de movimentação de cargas na área portuária e que tivesse requisitado à 1.ª ré a satisfação dessa mão de obra, não existia qualquer garantia para o autor de que fosse chamado pela 1.ª ré, pois é esta que escolhe os trabalhadores a contratar para a sua cedência à empresa de estiva, a partir de um conjunto de trabalhadores que manifestaram a sua disponibilidade para prestar o seu trabalho naquele dia/data.

O horário de trabalho (período de trabalho) do autor era definido aquando da celebração de cada um dos contratos de trabalho temporário portuário, e correspondia aos períodos de trabalho para os quais a disponibilidade do autor e de outros trabalhadores era requisitada pelas empresas de estiva (normalmente 2.ª ré).

Assim, o que resulta da matéria de facto provada é que o autor e a recorrente (empresa de trabalho portuário, devidamente licenciada para o efeito) acordaram a prestação de atividade pelo autor mediante requisição pela de empresa de estiva, habitualmente a 2.ª ré, por períodos de tempo de trabalho previamente definidos e com frequência variável, o que não se subsume ao estabelecimento de um vínculo sem termo, mas antes de um vínculo laboral temporário, cujo regime é o dos arts. 180.º a 182.º do Código do Trabalho.

Importa, ainda assim, perceber se se verifica qualquer motivo para que o trabalho do autor se considere prestado em regime do contrato de trabalho sem termo, designadamente por inobservância da forma escrita (art.º 181.º, n.º 1 e 2 do Código do Trabalho).

O autor alegou que só depois de vinculado à recorrente por contrato de trabalho por tempo indeterminado foi obrigado por esta a assinar “uns contratos falsos, pelos quais este prestaria trabalho à 2ªR”.

Ora, demonstrou-se que a recorrente celebrou com o Autor contratos de trabalho temporários diários e sucessivos juntos como doc. 4 da petição inicial e 1 a 461 da contestação, nos termos dos quais prestaria a sua atividade a empresas de estiva, normalmente a 2.ª ré, colocando no contrato cargas e descargas de navios, e identificando o navio onde o autor ia desempenhar as suas funções, o dia e hora de início do trabalho, e a função.

O primeiro daqueles contratos data de 21/03/2016. Não se provou que o autor antes dessa data tenha acordado com a recorrente a prestação de qualquer trabalho, nomeadamente à 2.ª ré, ou sequer que nesse período, ou naqueles que decorreram entre os contratos escritos que outorgou, tenha executado qualquer trabalho, isto é que o autor já tinha iniciado funções quando passou a assinar os contratos, pelo que não se pode corroborar a sentença recorrida quando nela se afirma que o autor iniciou funções mediante requisições para cedência à 2.ª ré, no dia 01 de março de 2016 e que apenas mais tarde surgiram contratos para assinar, pelo que, o contrato, sendo verbal, seria nulo por vício de forma, concluindo-se ali que o autor se vinculou ab initio” à 1.ª ré, num contrato sem termo.

Ao contrário, tanto quanto resulta da matéria de facto, a atividade prestada pelo autor à 2.ª ré, ocorreu a coberto dos contratos de trabalho temporário escritos celebrados entre aquele e a 1.ª ré, nos dias e horários deles constantes, inexistindo qualquer vício de forma na contratação.

E também não podemos corroborar a sentença recorrida na parte em que afirma que “Ainda que não se considerasse que essa vinculação foi inicial, sempre se redundaria na mesma conclusão, por força da ausência de correspondência entre o motivo justificativo indicado em cada um dos contratos diários assinados pelo autor com a 1.ª ré, e a realidade das tarefas para que fora contratado. Com efeito, resulta dos factos provados que nem sempre se verificava essa correspondência, sendo que além de os navios nem sempre coincidirem com a realidade, o autor também fazia trabalhos no porto e que os mesmos não se consubstanciavam em tarefas de carga e descarga. Donde, a relação do autor é com a 1.ª ré, e considera-se uma relação de trabalho por tempo indeterminado.”

Na verdade, socorrendo-nos mais uma vez do disposto pelo art.º 180.º do Código do Trabalho, atenta a remissão expressa do art.º 9.º, n.º 3 do DL 2880/93 para o regime do trabalho temporário, se o contrato de trabalho temporário for celebrado fora das situações previstas para a celebração de contrato de utilização, o termo estipulado é nulo, considerando-se o trabalho como prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo, previsão na qual estão, do nosso ponto de vista, incluídas as situações em que o motivo invocado no contrato de trabalho temporário sendo abstratamente subsumível às situações em que é admissível a celebração de contrato de utilização não é, contudo, verdadeiro.

Nos contratos em apreciação, os motivos invocados para a contratação temporária reconduziram-se à «execução de uma tarefa claramente definida e não duradoura e para fazer face a uma necessidade pontual e concreta decorrente de flutuação irregular da actividade portuária, que se verifica de forma intermitente», indicando-se ainda o dia e hora do trabalho, a empresa de estiva para que os autores iriam trabalhar, o trabalho concreto que iam desempenhar e o nome do navio e respectiva mercadoria (cláusulas 2.ª e 7.ª dos contratos em causa).

Com relevo, ficou provado que:

A 2.ª ré é uma empresa de estiva e tem no seu quadro privativo trabalhadores em número insuficiente para as necessidades de cargas e descargas de avios que chegam ao porto ....

A 2.ª ré requisita à 1.ª ré os trabalhadores de que necessita para efetuar os trabalhos de carga e descarga de navios

Em 03 de novembro de 2014, a 2.ª ré celebrou, com o Sindicato ..., um acordo de empresa, com vista a estabelecer o regime de prestação de trabalho portuário aplicável às relações de trabalho entre, por um lado, a 2.ª ré e, por outro, os trabalhadores que lhe prestem serviço desenvolvendo a sua atividade profissional na movimentação de cargas no Porto ..., representados pelo Sindicato ..., e ao qual a 1.ª ré aderiu.

Na mesma data, as rés celebraram, com o Sindicato ..., o Acordo de Prioridade na Contratação e na Colocação para o quadro de pessoal da B..., Lda. e da A..., Unipessoal, Lda.

No âmbito do referido Acordo de Prioridade na Contratação, as rés aceitam, concordam e vinculam-se a dar prioridade na contratação e na colocação para o seu quadro pessoal, aos trabalhadores que à data da celebração desse acordo, integrem o quadro pessoal da Associação ... (ETP) ..., da qual fazia parte o autor.

O autor, à data da celebração e outorga da referida adenda, fazia parte do quadro pessoal da Associação ... (ETP) ... que tinha por objeto a cedência temporária de trabalhadores portuários às empresas de estiva - como era o caso da 2.ª ré.

O autor fazia e faz parte, pelo menos desde março de 2016, de um conjunto de trabalhadores, que tendo demonstrado nisso interesse, se encontravam identificados e incluídos em listagem própria para serem contratados pela 1.ª ré quando as necessidades de mão de obra o exigissem, para que a sua disponibilidade fosse cedida à 2.ªré, sempre e quando esta requisitasse mão de obra.

A partir de 01 de março de 2016, a 1.ª ré contratava o autor e outros trabalhadores, para satisfazer a mão de obra necessária e requisitada de trabalhadores pelas empresas de estiva que operavam no Porto ..., tendo em vista a cedência temporária dessa mão de obra a essas empresas.

Essa contratação surgia mediante requisição por empresas de estiva, por um período de tempo de trabalho previamente definido, habitualmente de 7 e 8 horas, ou por meios períodos de 3 e 4 horas (08/12H; 13/17H; 21/24H; 00/03H;).

Para que o autor fosse trabalhar, teria este de ter manifestado previamente a sua disponibilidade para ser contratado naquele dia afim de ser cedido à empresa de estiva (por norma a 2.ª ré) para o exercício das funções de Trabalhador Portuário de Base em períodos concretos, de acordo com as necessidades das empresas de estiva, estas sempre dependentes da flutuação irregular da atividade portuária, verificada de forma intermitente, durante dias ou partes do dia.

A frequência da requisição do autor pela 1.ª ré era variável, dependendo das flutuações da atividade portuária e da própria disponibilidade do autor para prestar o seu trabalho naquelas datas, previamente manifestada por este, situação que o autor sabia e aceitava.

Os contratos de trabalho celebrados entre a 1ª ré e o autor dizem respeito às requisições feitas pela 2.ª ré à 1.ª ré desde de março de 2016 a 30 junho de 2018, as quais eram feitas para um determinado dia.

Foi no âmbito do Acordo de prioridade e da respetiva adenda, e do acordo de empresa, que autor e a 1.ª ré celebraram os contratos.

Ora, face a esta factualidade, tendo-se ainda em consideração as especificidades próprias do trabalho portuários, não se vislumbra qualquer motivo para considerar que os motivos invocados nos contratos são falsos, ressaltando, pelo contrário a sua veracidade, sendo certo que a tal conclusão não obsta a circunstância de ter ficado também provado que, além das cargas e descargas, quando o navio para o qual tinha sido contratado não chegava a entrar no porto, o autor fazia manutenções externas, não só por se tratar de situações pontuais, mas também por não ter sido concretizada por referência aos contratos celebrados, qualquer situação em que tal tenha efetivamente acontecido.

Conclui-se, pois, ao contrário da 1.ª instância que o autor não esteve vinculado à 1.ª ré por contrato de trabalho por tempo indeterminado, mas por sucessivos contratos de trabalho temporário.


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3.ª questão: se o contrato de trabalho por tempo indeterminado se mantinha em 04/04/2022.

Face à resposta dada à questão antecedente é evidente que fica prejudicada a apreciação desta questão como enunciada.

Não podemos, contudo, a este propósito de deixar de dizer que mesmo que se tivesse concluído que os contratos de trabalho temporário tinham sido outorgados na pendência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, sendo tais contratos formal e substantivamente válidos, a sua outorga sempre determinaria a cessação daquele contrato.

De facto, ao contrário do que sucedia ao abrigo da Lei 64-A/89 de 27/02, na redação da Lei 18/2001, de 03/07 que no seu art.º 41.º-A, cominava com a nulidade o contrato a termo celebrado na pendência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, atualmente no âmbito de aplicação do Código do Trabalho de 2009 (como já sucedia no Código do Trabalho de 2003) não existe proibição legal de celebração de um contrato a termo por parte do trabalhador já contratado por tempo indeterminado, motivo pelo qual tal possibilidade tem vindo a ser equacionada[9], considerando-se revogado o contrato de trabalho por tempo indeterminado anterior.

Por identidade de razões sendo admissível a celebração de contrato a termo na vigência de contrato por tempo indeterminado, a mesma possibilidade deverá ser admitida quanto à celebração de contratos de trabalho temporário, inexistindo também neste âmbito, qualquer proibição legal.

Daí que, no caso dos autos, sendo, face ao acervo factual relevante, nomeadamente o dos pontos provados 13, 20, 21, 23, 24 e 25, inquestionável a vontade do autor de se vincular à recorrente por meio de contratos temporários, sempre teria de se concluir que com a celebração de tais contratos havia cessado qualquer contrato de trabalho por tempo indeterminado vigente.


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4.ª questão: se o autor foi despedido ilicitamente.

O autor alegou ter sido ilicitamente despedido pela recorrente por missiva de 04/04/2022, já que o mesmo não foi precedido de processo disciplinar, o que o tribunal, no pressuposto de que vigorava entre as partes um contrato de trabalho por tempo indeterminado, “a quo” confirmou.

A recorrente, por sua vez, considera que a comunicação constante no facto provado 40 não configura qualquer comunicação de despedimento.

Ora, estando causa um contrato de trabalho por tempo indeterminado, a sua cessação por iniciativa do empregador, estaria, em princípio, sujeita ao cumprimento das formalidades e à procedência dos motivos justificativos do despedimento, seja individual, seja coletivo, seja por extinção do posto de trabalho, seja ainda por inadaptação (cfr. art.º 340.º do CT), exigências que entroncam nas garantias constitucionais da segurança do emprego e da proibição dos despedimentos arbitrários consagradas no já mencionado art.º 53.º da CRP.

Nessa medida, se nada mais houvesse a considerar, a comunicação suprarreferida, como concluiu o tribunal “a quo” configuraria um despedimento ilícito, por, tratando-se de uma decisão unilateral da empregadora, ter sido consumado fora das condições legalmente admissíveis, por ausência do imprescindível procedimento (art.º 381.º, al. c) do CT).

Contudo, no caso, já concluímos que não ficou demonstrada a vigência entre as partes de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, mas que vigoraram entre as partes contratos de trabalho temporário portuário, o que prejudica a conclusão a que chegou o tribunal “a quo”.

É certo que a ilicitude dos despedimentos por falta do procedimento legalmente exigível, nomeadamente de processo disciplinar, não é privativa dos contratos por tempo indeterminado, podendo-se admitir a possibilidade de despedimentos por facto imputável ao trabalhador no âmbito de contratos de trabalho a termo ou temporário.

Contudo, no caso dos autos, atentas as especificidades do regime da contratação, afigura-se-nos que a comunicação suprarreferida não consubstancia sequer um despedimento.

Na verdade, os contratos de trabalho celebrados entre as partes caducavam com a conclusão da tarefa que lhes servia de justificação.

Isso mesmo resulta da sua cláusula oitava cujo teor era a seguinte: “O presente contrato caduca com a conclusão da tarefa referida na Cláusula Segunda, no termo de vigência acima referido da Cláusula Quinta, entendendo-se não ser suscetível de renovação em virtude da sua excecionalidade e duração. De todo o modo, e para o caso de se entender que tal é necessário, considera-se desde já efetuada, por este meio, a comunicação da A..., Lda ao trabalhador acima identificado, manifestando a vontade de não proceder à respetiva renovação.”

Por outro lado, tais contratos eram diários, dependiam da requisição diária de mão de obra e da escolha da recorrente de entre aqueles que tivessem manifestado disponibilidade para trabalhara no concreto dia em causa.

Ora, o despedimento promovido pela entidade empregadora, constitui uma declaração negocial recetícia, tornando-se eficaz logo que seja levada ao conhecimento do trabalhador (cfr. art.º 224.º do Código Civil), momento a partir do qual se torna irrevogável.

No caso, sendo a comunicação datada de 04/04/2022 ignora-se, porque não foi alegado e não resulta da matéria de facto, em que data é que o autor a recebeu ou dela tomou conhecimento, sendo de admitir que, tratando-se de carta registada com aviso de receção, como resulta do documento junto pelo autor, só tenha sido entregue ao autor passados alguns dias, ou seja, já depois de ter caducado o contrato de trabalho.

De resto, assim se compreende que o que foi comunicado ao autor não tenha sido a cessação de qualquer contrato vigente, mas antes que não voltaria a ser contratado, resultando da matéria de facto provada que o que, em 04/04/2022 a 1.ª ré comunicou ao autor, foi ter tomado a decisão de não mais proceder à sua requisição diária para prestar trabalho na empresa.

Procede, pois, o recurso nesta parte, concluindo-se que o autor não foi ilicitamente despedido pela recorrente, o que determina a absolvição da recorrente relativamente ao reconhecimento da existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre as partes, à declaração de ilicitude do despedimento do autor e ao pagamento de uma indemnização em lugar da reintegração, pelo despedimento ilícito e das retribuições que este tenha deixado de auferir desde o despedimento ilícito até ao trânsito em julgado da decisão, ficando prejudicada a apreciação das 5.ª e 6.ª questões supra enunciadas (art.º 608.º, n.º 2 do CPC).


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7.ª questão: valor do crédito relativo às horas de formação não ministrada.

Nos termos da cláusula 38.ª do Acordo de Empresa e Acordo de Adesão aplicáveis, publicados no BTE n.º 5, de 08/02/2015, “Às matérias respeitantes a formação profissional, em tudo o que não estiver previsto no presente acordo, nomeadamente, objectivos, formação contínua, crédito de horas, subsídio e conteúdo da formação contínua, bem como aos efeitos e ou direitos em caso de cessação do contrato, e todas as demais matérias sobre formação profissional previstas no Código do Trabalho, aplica-se o disposto neste código.”

Nos termos do disposto pelo art.º 131.º, n.º 2 do CT “O trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de quarenta horas de formação contínua ou, sendo contratado a tempo por período igual ou superior a três meses, a um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano”.

Por sua vez nos termos do disposto pelo art.º 187.º, n.º 1 do CT “A empresa de trabalho temporário deve assegurar a formação profissional de trabalhador temporário contratado a termo sempre que a duração do contrato, incluindo renovações, ou a soma de contratos de trabalho temporário sucessivos num ano civil seja superior a três meses”, devendo, nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal, ter a duração mínima de oito horas, ou duração mais elevada de acordo com o n.º2 do art. 131.º”

Na medida em que a recorrente não a impugna nessa parte, a sentença recorrida transitou em julgado relativamente ao reconhecimento do direito do autor ao crédito correspondente a 120 horas de formação dos anos de 2020, 2021 e 2022.

O que a recorrente põe em causa é que para o cálculo do valor devido a esse título seja considerada a retribuição diária de € 10,00 calculada com base no período normal de trabalho semanal de 30h de trabalho, considerando que o período normal de trabalho semanal devera ser de 40h, e o valor diário de € 7,50.

Recupera-se o que foi decidido na sentença sobre esta matéria: «(…) o autor tem direito aos créditos de horas de formação dos anos de 2020, 2021 e 2022, num total de 120 horas de formação, a apurar de acordo com a seguinte fórmula: [(Retribuição mensal x 12)/(52 x período normal de trabalho por semana)] x n.º de horas de formação não ministrada.

Não resulta dos factos provados o número de horas de trabalho acordado entre as partes. Porém, à relação em apreço é aplicável, conforme se mencionou já, o Acordo de Empresa publicado no BTE n.º 5, de 08/02/2015.

Na respetiva cláusula 13.ª, consta que o horário de trabalho é composto por 6 horas diárias consecutivas, de segunda a sexta-feira.

Donde, o universo em causa é de 30 horas semanais.

Por conseguinte, o valor hora do autor cifra-se em (€ 1.300,00 x 12)/(52 x 30) = € 15.600,00/1.560,00 = € 10,00, tendo, então, direito a 120 x € 10,00 = € 1.200,00, a título de horas de formação não ministrada.»

Efetivamente, na falta de outra disposição relativa ao cálculo do valor da retribuição diária, é aplicável a fórmula prevista pelo art.º 271.º do CT, a considerada pela Mm.ª Juiz “a quo”, segundo a qual o valor da retribuição horária é calculado segundo a fórmula: (Rm x 12): (52 x n), em que Rm é o valor da retribuição mensal e n o período normal de trabalho semanal.

A única variável cuja determinação está posta em causa é o período normal de trabalho semanal, ou seja, o tempo e trabalho que o trabalhador se obriga a prestar por semana (cfr. art.º 198.º do CT).

Apesar de a recorrente invocar que dos registos de tempo de trabalho juntos aos autos resulta que o autor cumpria por regra 8h de trabalho diárias em 5 dias por semana, para sustentar que o período normal de trabalho semanal do autor era de 40h, não foi impugnada a decisão da matéria de facto constante dos pontos 19), 24) e 36) e, de todo o modo aqueles registos em sequer são relativos ao período a todo o tempo relevante.

Ora, resulta da matéria de facto provada que os contratos de trabalho celebrados pelas partes eram diários e quanto ao horário apenas ficou provado [ponto 19) dos factos provados] que a contratação do autor era por períodos de tempo de trabalho previamente definidos, habitualmente de 7 e 8 horas, ou por meios períodos de 3 e 4 horas (08/12H; 13/17H; 21/24H; 00/03H;); que horário de trabalho (período de trabalho) do autor era definido aquando da celebração de cada um dos contratos de trabalho temporário portuário, e correspondia aos períodos de trabalho para os quais a disponibilidade do autor e de outros trabalhadores era requisitada pela 2.ª ré[ponto 24) dos factos provados; e que o autor normalmente trabalhava o número de horas correspondente ao período de trabalho para o qual era contratado pela 1.ª ré [ponto 36) dos factos provados].

Tais factos não permitem aferir com precisão quantas horas de trabalho por semana o autor se obrigou a prestar à recorrente (ou pelo menos quantas horas de trabalho diário, prestou em média em cada semana ou em cada mês), ou seja, qual o período normal de trabalho semanal do autor.

Por outro lado, soçobrando a qualificação do contrato como contrato por tempo indeterminado, que havia sido pressuposto do tribunal “a quo”, também quanto à formação profissional, não se vislumbra existir base factual bastante para a determinação do período normal de trabalho semanal com recurso à cláusula 13.ª, als. a) e b) do Acordo de Empresa e Acordo de Adesão aplicáveis, publicados no BTE n.º 5, de 08/02/2015, na qual se fixam os horários de trabalho a praticar, mas sem prejuízo de outros que possam vir a ser determinados pela empresa dentro dos limites legais e convencionais.

Sabe-se que o autor era contratado por períodos meios períodos de 3 e 4h ou por períodos de 7 e 8h, mas não se sabe quantos períodos com cada uma dessas durações trabalhou efetivamente, o que, consequentemente, não permite determinar o período semanal de trabalho, logo, o valor da retribuição diária do autor com apelo à formula fixada pelo citado art.º 271.º do CT.

Mas, ainda assim, existem elementos que permitem encontrar o valor da retribuição horária do autor a considerar.

Com efeito, o valor da retribuição horária é relevante para diversos efeitos, entre os quais a determinação dos acréscimos remuneratórios por trabalho suplementar.

Ora, resulta da cláusula 1.ª, als. h. e i. da Adenda ao Acordo de Prioridade na contratação e na colocação para o quadro de pessoal da B..., Unipessoal, Lda (2.ª ré) e da A..., Unipessoal, Lda (1.ª ré) do qual foram outorgantes as duas rés e o Sindicato ..., no qual o autor é sindicalizado, que o trabalho suplementar prestado em dia útil, na 1.ª hora (das 17h às 18h, nos casos em que a operação portuária se tenha iniciado às 8h), será remunerado pelo valor de € 9,38, valor calculado por referência ao salário para o trabalhador portuário de base constante do Acordo (€ 1.300,00, nos termos da cláusula 3.ª, n.º 1, al. c) do dito Acordo), acrescida da majoração prevista no Código do Trabalho.

Sendo o dito acréscimo de remuneração de 25% nos termos do art.º 268.º, n.º 1, al. a), 1.ª parte do CT, aquele valor da remuneração da hora suplementar fixado na referida adenda corresponde à retribuição horária de € 7,50 acrescido de 25% (€ 7,50 + 25% = € 9,375).

Por isso, na falta de outros elementos, do nosso ponto de vista, nada obsta a que o valor da retribuição horária o autor a considerar para fixar o crédito relativo à formação profissional não ministrada, seja aquele que as partes consideraram relevante para cálculo do valor a pagar pela 1.ª hora de trabalho suplementar diurno.

Assim, estando definitivamente fixado que o autor tem direito ao crédito correspondente a 120 horas de formação profissional não ministrada, o valor devido pela recorrente ascende a € 900,00 (120h x € 7,50 = € 900,00).

Procede parcialmente, nesta parte, o recurso.


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8.ª questão: se o subsídio de Natal reclamado pelo autor já foi pago.

Antes de mais, impõe-se salientar que o que está aqui em causa é se o subsídio de Natal do ano de 2021 foi pago, tendo a sentença transitado em julgado no que respeita ao reconhecimento da existência do direito, já que a recorrente não questionou o direito do autor a receber subsídio de Natal naquele ano.

Por outro lado, afigura-se útil reiterar aqui o que referimos ao apreciar a impugnação da alínea gg) dos factos não provados, onde concluímos que não havia qualquer lapso do tribunal “a quo” ao ter-se pronunciado sobre o subsídio de Natal relativo ao ano de 2021 e que o subsídio de Natal reclamado pelo autor na petição inicial foi esse e não o de 2022 como parece resultar das contra-alegações.

De facto, como então afirmámos o subsídio de Natal vence-se no ano da prestação do trabalho sendo referente ao próprio ano e pago até ao dia 15 de Dezembro de cada (art.º 263.º do Código do Trabalho)e não sendo, como acontece quanto às férias, respetiva retribuição e subsídio, relativo ao trabalho do ano anterior (art.º 237.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho).

Por outro lado, apesar de o autor, na petição inicial, não concretizar o ano, o mesmo reclamou também o proporcional do subsídio de Natal relativamente ao ano de 2022, o da invocada cessação do contrato de trabalho (art.º 263.º, n.º 2, al. b) do Código do Trabalho). De resto, resulta dos documentos n.º 469, 474, 476, 478 e 480 da contestação, que a 1.ª ré pagou ao autor o subsídio de Natal referente aos anos anteriores.

Por isso, bem andou o tribunal ao considerar que o subsídio de Natal pelo mesmo reclamado se refere ao ano de 2021.

Resultou, contudo, provado, em consequência da procedência da dita impugnação da al. gg) que a recorrente pagou ao autor no mês de Novembro de 2021 o subsídio de Natal, pelo que, procede o recurso nesta parte, devendo a recorrente ser absolvida do pedido, nesta parte.

O recurso procede nesta parte.


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Considerando o exposto, importa modificar o decidido em 1.ª instância quanto às custas, cuja responsabilidade, sendo embora de ambas as partes nos termos do disposto pelo art.º 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, como ali decidido, é no que respeita à 1.ª ré em função do decaimento de 1,57% e no que respeita ao autor em função do decaimento de 98,43%.

As custas do recurso, atento o disposto pela mesma disposição legal, são da inteira responsabilidade do autor/recorrido, que decaiu totalmente.


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Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes desta secção social:

a) alterar oficiosamente a decisão da matéria de facto, eliminando-se a 1.ª parte do ponto 25. e os pontos 28., 37. e 38. dos factos provados;

b) julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pela recorrente, eliminando os pontos 16. dos factos provados e gg) dos factos não provados, alterando a redação dos pontos 18., 25. e 39. dos facos provados e aditando a alínea c) ao ponto 42, nos termos exarados supra.

c) julgar o recurso procedente, revogando as alíneas a), b) i., ii. e iv do dispositivo da sentença, absolvendo-se a recorrente dos correspondentes pedidos e revogando parcialmente a alínea b) iii. do dispositivo, condenando a recorrente a pagar ao autor a quantia de € 900,00 (novecentos euros) a título de crédito de horas de formação não ministrada, absolvendo-se a recorrente da parte restante;

d) alterar a decisão relativa à responsabilidade pelas custas na 1.ª instância, condenando o autor e a 1.ª ré na proporção dos respetivos decaimentos, que se fixam respetivamente em 98,43% e 1,56%.

d) condenar o autor/recorrido nas custas do recurso.


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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

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Notifique.

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Porto, 18/11/2024
Maria Luzia Carvalho
Rita Romeira
Nelson Fernandes

(assinaturas eletrónicas nos termos dos arts. 132º, n.º 2, 153.º, n.º 1, ambos do CPC e do art.º 19º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08)
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Sumário
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[1] Processo 838/06.5TTMTS.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[2] Processo n.º 701/19.0T8PFR.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[3] Processo n.º 811/13.3TBPRD.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[4] António Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil anotado, vol. I, 2.ª edição, pág. 744.
[5]A respeito do cumprimento dos ónus impostos pelo art.º 640.º do Código de Processo Civil, importa ter presente o Ac. do STJ, Uniformizador de Jurisprudência n. º 12/2023, de 17/10/2023, publicado no DR, I série, de 14/11/2023, com Declaração de Retificação n.º 35/2023, publicada no DR, I série, de 28/11/2023.
[6] Direito do Trabalho, 4.ª ed., pág. 710.
[7] Liberdade e Compromisso – Estudos dedicados ao Professor Mário Fernando Campos Pinto, Trabalho Portuário: especificidades, evolução histórica e regime atual”; UCP Vol. II, pág. 188.
[8] Processo n.º 842/06.3TTAVR.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Acs. RP de 07/12/2018, processo n.º 834/17.7T8MAI.P1, de 09/07/2014, processo n.º 180/10.7TTVRL.P1, de 08/04/2013, proc. n.º 1277/10.9TTGMR.P1, Ac. RL de 08/05/2013, processo n.º 479/09.4TTLDB.L1, todos acessíveis em www.dgsi.pt e Ac. STJ de 27/03/2003 CJ STJ, Ano XI, Tomo I, pág. 281 a 283 e na doutrina, Júlio Gomes, Direito do Trabalho, pág. 602, nota 1527.