REPRESENTAÇÃO DE SOCIEDADE EXTINTA
PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO EM QUE SEJA PARTE
Sumário

I - A extinção de uma sociedade pelo registo da escritura de dissolução e liquidação e cancelamento de matrícula, não extingue as relações jurídicas de que a sociedade era titular, como resulta do preceituado nos art.s 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais.
II - A extinção da sociedade, por efeito do registo do encerramento da liquidação, não produz a extinção da instância nas acções em que a sociedade seja parte, tais acções continuam.
III – Face ao regime do art. 162º do CSC, as acções judiciais pendentes em que uma sociedade seja parte, (activa ou passiva) continuam, após a sua extinção, sendo a mesma substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários - sem que haja suspensão da instância, por não ser necessária a habilitação.

Texto Integral

Proc. nº 1906/22.1T8VLG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo –Juiz 2
Recorrente: AA
Recorrida: A..., LDA

Acordam, nesta secção do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
Em 10.06.2022, a A., AA, residente na Rua ..., n.º ..., 3.º Dto, ... ..., Gondomar, instaurou acção declarativa com processo comum contra A..., LDA., NIPC ..., com sede na Rua ..., ... Odivelas, pedindo que, “deve a presente acção ser julgada procedente por provada e em consequência declarado ilícito o despedimento e o R. condenado a:
a) reintegrar ou indemnizar a A., de acordo com a sua opção a exercer até ao termo de discussão em audiência final de julgamento;
b) pagar-lhe as prestações vencidas e vincendas até decisão final;
c) pagar-lhe os valores relativos ao subsídio de Natal dos anos de 2020, 2021 e proporcional de 2022, bem como os valores relativos à retribuição e subsídio de férias cujo direito se venceu em 01/01/2021, 01/01/2022 e no ano da contratação em 2020.
d) pagar-lhe nos termos do art.º 134º do C. T. o valor correspondente às horas de formação não prestadas;”.

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Em sede da audiência de partes, não foi possível a sua conciliação atenta a ausência da Ré que, apesar de regularmente citada, não compareceu, nem se fez representar, conforme decorre da acta de 04.07.2022, tendo sido determinada a sua notificação para contestar, nos termos e sob as comunicações decorrentes dos art.s 56º, al. a) e 57, nº 1, do CPT, o que fez, nos termos e com os fundamentos constantes do articulado junto em 01.09.2022, concluindo que, “deve a presente contestação ser julgada procedente e em consequência ser a Ré absolvida de todos os pedidos peticionados.”.
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Após, notificada para o efeito, a A. veio responder às excepções invocadas pela Ré, concluindo que deverão as mesmas serem consideradas improcedentes.
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Proferido despacho, para querendo aperfeiçoar o seu articulado, veio a A. juntar, em 28.09.2023, petição inicial aperfeiçoada, que terminou nos termos supra transcritos.
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Foi fixado o valor da acção em 8.440,62€, proferido despacho que relegou para final a apreciação da caducidade e dada a simplicidade da selecção da matéria de facto controvertida, não procedeu à enunciação do objecto do litígio e dos temas de prova e designou para a audiência a data de 13.12.2023.
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Em 11.12.2023, a Ré veio aos autos requerer “a junção de certidão comercial donde resulta que a sociedade Ré foi dissolvida.”.
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Face a isso, a Mª Juíza “a quo”, em 12.12.2023, proferiu o seguinte despacho:
«Como resulta da certidão agora junta aos autos, foi registada, em 27/12/22, a dissolução e encerramento da sociedade ré.
Com a extinção da sociedade, esta perdeu a sua personalidade jurídica e judiciária, o que determinará a extinção da instância quanto à ré.
Assim, antes de mais, notifique a autora para, querendo, se pronunciar ou requerer o que tiver por conveniente (artigo 3.º, n.º 3 do CPC).
Entretanto, em face do agora exposto, fica sem efeito a diligência para amanhã agendada.».
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Notificada, a A., na mesma data, veio nos termos do requerimento junto expor e requerer o seguinte. “o prosseguimento dos presentes autos, substituindo-se a sociedade A..., Lda., aqui Ré, pela generalidade dos sócios constantes da certidão comercial junta, a saber:
BB e CC, ambos residentes na Praça ..., ... ..., mais se adiantando, que conforme resulta da certidão comercial agora junta: foi nomeado depositário após a dissolução o referido sócio BB, com residência na morada supra indicada.”.
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Após, em 16.01.2024, a Mª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho: «Os presentes autos deram entrada já após o registo da dissolução e liquidação da sociedade ré.
Assim, considerando o agora requerido pela autora e o disposto no artigo 163.º do C. Sociedades Comerciais, notifique a autora para esclarecer quais os bens que couberam a cada um dos sócios aquando da partilha dos bens da sociedade por força da dissolução da mesma.».
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E, em 12.02.2024, proferiu sentença, nos seguintes termos:
«Como resulta da certidão junta aos autos, foi registada, em 27/12/22, a dissolução e encerramento da sociedade ré.
Com a extinção da sociedade, esta perdeu a sua personalidade jurídica e judiciária.
Porém, as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como flui do disposto nos artigos 162.º, 163.º e 164.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
Uma vez que a acção deu entrada após o registo da dissolução e encerramento daquela sociedade não é aplicável ao caso concreto o disposto no artigo 162.º do CSC, mas sim o estabelecido no artigo 163.º.
Esta norma consagra a responsabilidade dos antigos sócios pelo passivo social não satisfeito, responsabilidade esta limitada ao montante que receberem na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada, não abrangendo obviamente o seu património pessoal.
Refere Sara Cristina Trindade Augusto sobre esta matéria que “Os liquidatários são representantes legais dos sócios nas acções de responsabilidade pelo passivo superveniente e não podem renunciar às suas funções (arts. 163.º, n.º 2 e n.º 5). Contudo, em caso de morte ou incapacidade seguir-se-á a ordem estabelecida no n.º 5 para se apurar os representantes da sociedade.
Os antigos sócios são responsáveis pelo passivo da sociedade mas o art. 163.º, n.º 1 estabelece como limite o montante que receberam na partilha, salvo o disposto quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada. Estes sócios além de responderem pelo valor das suas entradas, responde pelas obrigações sociais (cfr. art. 175.º) portanto estes sócios podem ser responsabilizados para além do que receberam na partilha.
O credor pode demandar apenas um ou alguns dos sócios (art. 163.º, n.º 1) ou, de acordo com o n.º 2, podem as acções ser propostas contra a generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário 107. Os liquidatários devem dar conhecimento da acção aos antigos sócios (art. 163.º, n.º 4). Se os liquidatários actuam como representantes da generalidade dos sócios, considera-se que, para estes efeitos esta generalidade é dotada de personalidade judiciária, podendo, de acordo com o art. 5.º do CPCiv. ser parte em acções 108. Confere-se a personalidade judiciária da generalidade dos sócios, na medida em que, qualquer sócio pode intervir constituindo-se assistente atendendo o seu interesse jurídico (art. 163.º, n.º2 e art. 335.º CPCiv)” – in “A Liquidação Societária – Aspectos Teóricos e Práticos” (Dissertação de Mestrado em Direito das Empresas e dos Negócios), Universidade Católica Portuguesa - Centro Regional do Porto – Porto - 2012, pág. 39 e 40.
Como é entendido de forma maioritária na jurisprudência, é o credor que tem que alegar e provar a verificação dos pressupostos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 163.º do CSC, ou seja, que, aquando do encerramento da liquidação da extinta sociedade, esta possuía bens e/ou valores e que esses bens e/ou valores foram distribuídos pelos sócios demandados na execução - cfr. o Acórdão do STJ de 26/06/2008 e da RC de 5/05/2015, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 158.º do CSC “os liquidatários que, com culpa, nos documentos apresentados à assembleia para os efeitos do artigo anterior indicarem falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados, nos termos desta lei, são pessoalmente responsáveis, se a partilha se efectivar, para com os credores cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acautelados” (sublinhado meu).
Isto posto, temos que a autora intentou a acção contra a sociedade ré, certamente desconhecendo que esta já tinha sido extinta.
Pese embora a autora ter requerido o prosseguimento da acção contra os seus sócios/liquidatários, a verdade é que, notificada para esclarecer quais os bens que cada um recebeu, nada disse.
E, como se viu, a acção apenas poderia prosseguir contra os sócios sobre os bens que receberam na partilha.
Assim, julgo extinta a instância por inutilidade originária da lide, já que quando a autora intentou a acção a ré havia já sido dissolvida e liquidada.
Custas a cargo da autora – artigos 527º e 535º, n.º 1 do Código Processo Civil.
Notifique.».
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Inconformada a A. veio interpor recurso, nos termos das alegações juntas, que terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
“1 – Por decisão de fls. julgou o tribunal a quo julgou “extinta a instância por inutilidade originária da lide, já que quando a autora intentou a acção a ré havia já sido dissolvida e liquidada.”
2 – Considerou o Tribunal a quo que “Pese embora a autora ter requerido o prosseguimento da acção contra os seus sócios/liquidatários, a verdade é que, notificada para esclarecer quais os bens que cada um recebeu, nada disse e, como se viu, a acção apenas poderia prosseguir contra os sócios sobre os bens que receberam na partilha.”
3 – A acção foi proposta a 10/06/2022 e a dissolução e encerramento da liquidação foram registadas a 27/12/2022, portanto em data posterior.
4 - A extinção da pessoa colectiva fá-la perder a personalidade jurídica, mas não cessam as relações jurídicas de que era sujeito activo ou passivo.
5 - Nos termos do artº 1020º do Código Civil “Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios continuam responsáveis perante terceiros pelo pagamento dos débitos que não tenham sido saldados, como se não tivesse havido liquidação.”
6 - No mesmo sentido, determina o nº 1 do artº 162º do Código das Sociedades Comerciais que as “acções em que uma sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.os 3, 4 e 5, e 164º, n.os 2 e 5.”
7 - Também dispõe o art.º 335.º do Código do Trabalho que: “O sócio que, só por si ou juntamente com outros a quem esteja ligado por acordos parassociais, se encontre numa das situações previstas no artigo 83.º do Código das Sociedades Comerciais, responde nos termos do artigo anterior, desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78.º, 79.º e 83.º daquele diploma e pelo modo neles estabelecido.
8 – A acção deveria ter prosseguido os seus ulteriores termos substituindo-se a sociedade A..., Lda pela generalidade dos sócios identificados e elencados na certidão comercial permanente junta, representados pelo liquidatário.
9 - A extinção da sociedade comercial, não determina a extinção nem a suspensão da instância e o prosseguimento da instância não carece de habilitação, como determina o artº 163º do Código das Sociedades Comerciais, nos seus nºs 1 e 2.
10 - Com a extinção da sociedade são os sócios, demandados como sucessores, responsáveis pelo pagamento do passivo não incluído na liquidação, até ao montante que receberam na partilha.
11 – Considerou mal o Tribunal a quo que era à recorrente que incumbia a prova de quais os bens que cada sócio da sociedade extinta recebeu na partilha.
12 - Segundo maioritária jurisprudência e doutrina, impondo a “tese do facto impeditivo”, segundo a qual se considera que o ónus da prova traduz um facto impeditivo dos direitos dos credores, nos termos do nº 2, do artº 34º do Código Civil, o ónus da prova incumbe aos antigos sócios da sociedade extinta.
13 – É aos sócios da A... Ldª que cabe provar que esta não era detentora de bens ou valores e, por isso, nada receberam na partilha do património social ou que receberam valor inferior ao peticionado, pois só os sócios conhecem da situação económica e financeira da sociedade.
14 - À recorrente apenas cabe alegar e provar que tem um direito sobre a sociedade comercial.
15 – Veja-se o Ac. da Relação de Lisboa de 15/03/2011, Proc. nº 611/09.9TJLSB.L1-1 – “…a relação jurídica que o credor social traz à lide, nos termos do art. 163.º do CSC, é aquela que o liga à sociedade, posto que nenhuma outra, diversa e autónoma, se constitui com os respectivos sócios. Daqui retira que ao credor social apenas cabe a prova dos factos constitutivos desse seu direito sobre a sociedade (nos termos, obviamente do art. 342.º, 1 CCiv.), cabendo correspectivamente aos sócios invocar e provar que o credor está impedido de obter, naquele momento, o ressarcimento total ou parcial do seu crédito sobre a sociedade, uma vez que da liquidação da mesma não resultou qualquer saldo ou não resultou saldo suficiente.”.
16 – E também o Ac. da Relação de Lisboa de 27/01/2022, Proc. nº 12382/17.0T8LSB.L1-2 – “X – A relação jurídica que o credor social traz à lide liga-o à sociedade, pelo que aquele apenas cabe a prova dos factos constitutivos desse seu direito sobre a sociedade, cabendo correspectivamente aos antigos sócios da sociedade invocar e provar que o credor está impedido de obter, naquele momento, o ressarcimento total ou parcial do seu crédito sobre a sociedade, uma vez que da liquidação da sociedade não resultou para os sócios qualquer saldo ou não resultou saldo suficiente.”.
17 - Ainda que a acção tivesse sido proposta após a dissolução e encerramento da liquidação também o Tribunal a quo deveria ter decidido pelo prosseguimento da instância, nos termos dos nºs 1 e 2 do artº 163º do Código das Sociedades Comerciais.
18 - Decidiu mal o tribunal a quo ao extinguir a instância por inutilidade originária da lide.
Nestes termos e no mais de direito, que V. Exªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, por via dele, ser revogada a Douta Decisão recorrida, sendo substituída por outra que contemple as conclusões acima elencadas, tudo com as legais consequências.
Decidindo desta forma, farão V. Exªs INTEIRA E SÃ JUSTIÇA”.
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Não houve resposta.
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O recurso foi devidamente admitido como apelação e ordenada a subida dos autos a esta Relação.
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O Ex.mº Sr. Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso, no essencial, por considerar que “aparentemente (o douto despacho recorrido terá sido proferido com base num dado incorrecto – a data da dissolução e liquidação), assiste razão à Recorrente, pois instaurou a presente acção antes do registo de dissolução e liquidação da recorrida, devendo, então, a acção prosseguir seus trâmites, agora, contra os sócios da Recorrida, que deverão ser citados nessa qualidade.”.
Notificadas as partes, não responderam a este.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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É sabido que, salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT).
Assim, a questão suscitada e a apreciar consiste em saber se deve ser revogada a decisão recorrida e ordenado o prosseguimento dos autos, como defende a recorrente.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos a considerar são os que decorrem do relatório que antecede e que se encontram documentados nos autos.
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Vem a recorrente, através do presente recurso, insurgir-se contra a decisão recorrida, que julgou “extinta a instância por inutilidade originária da lide, já que quando a autora intentou a acção a ré havia já sido dissolvida e liquidada.”.
Ora, tal como defende e pretende a recorrente e bem refere o Ex.mo Procurador Geral Adjunto, também somos do entendimento que a decisão recorrida, não pode manter-se.
Senão, vejamos.
Como resulta da certidão junta aos autos, e bem se considerou na decisão recorrida, foi registada, em 27/12/22, a dissolução e encerramento da sociedade ré.
E resulta dos autos, a presente acção deu entrada em juízo em 10.06.2022.
Donde, não ser correcta a afirmação constante da decisão recorrida, quando diz: “que a acção deu entrada após o registo da dissolução e encerramento daquela sociedade…”, como bem diz o Ex.mo Procurador porque proferida “com base num dado incorrecto”.
Pois, o que se verifica é que aquando foi registada a dissolução e encerramento daquela sociedade, a acção já tinha sido proposta.
Deverá, então a a acção prosseguir seus trâmites, agora, contra os sócios da Recorrida, que deverão ser citados nessa qualidade, como defende a recorrente, ou “não é aplicável ao caso concreto o disposto no artigo 162.º do CSC, mas sim o estabelecido no artigo 163.º”, como se considerou na decisão recorrida.
E a resposta, só pode ser, a recorrente tem razão.
Justificando.
Comecemos pela norma geral constante do art. 1020º do CC (de natureza geral e aplicável a qualquer contrato de sociedade), que no que ao pagamento de responsabilidades respeita, sob a epígrafe, “Responsabilidade dos sócios após a liquidação”, dispõe: “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios continuam responsáveis perante terceiros pelo pagamento dos débitos que não tenham sido saldados, como se não tivesse havido liquidação”, situação que, assim, imporá a continuação das funções de liquidação.
Ou seja, a extinção da pessoa coletiva fá-la perder a personalidade jurídica, mas, nem por isso, cessam as relações jurídicas de que era sujeito ativo ou passivo.
E quando tal acontece, o CSC (Código das Sociedades Comerciais) distingue os casos em que existam acções pendentes, daqueles em que tais acções não existam ainda quando a sociedade é objecto de liquidação. No art. 162º, sob a epígrafe “Acções pendentes” dispõe:
“1 - As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5.
2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação”.
Por sua vez, no art. 163º, sob a epígrafe “Passivo superveniente” dispõe que:
“1 - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
2 - As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341.º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles.
3 - O antigo sócio que satisfizer alguma dívida, por força do disposto no n.º 1, tem direito de regresso contra os outros, de maneira a ser respeitada a proporção de cada um nos lucros e nas perdas.
4 - Os liquidatários darão conhecimento da acção a todos os antigos sócios, pela forma mais rápida que lhes for possível, e podem exigir destes adequada provisão para encargos judiciais.
5 - Os liquidatários não podem escusar-se a funções atribuídas neste artigo, sendo essas funções exercidas, quando tenham falecido, pelos últimos gerentes ou administradores ou, no caso de falecimento destes, pelos sócios, por ordem decrescente da sua participação no capital da sociedade”.
E no art. 164º trata do ativo superveniente da sociedade extinta.
Decorre da conjugação destes normativos que, havendo acções pendentes, como é o caso, as mesmas continuam o seu curso, só que com a substituição da sociedade por todos os sócios, que passam a ser representados pelos liquidatários (cfr. o referido art. 162º).
Por sua vez, nos casos em que houver passivo social não satisfeito ou acautelado, é dos sócios a respetiva responsabilidade, até ao montante do que receberam na partilha, sendo as ações necessárias para tanto, propostas contra eles, mas na pessoa dos liquidatários, considerados, para o efeito, como seus representantes legais (cfr. o, também, referido art. 163º).
E, quanto ao activo não partilhado que eventualmente possa existir, o mesmo, é levado a partilha adicional pelos liquidatários, que podem propor as acções que se revelarem necessárias para a cobrança de créditos, caso em que serão considerados representantes legais dos sócios, sem embargo de cada qual destes poder propor ação limitada ao seu interesse (cfr. art. 164º referido).
Em suma, nos termos do referido regime legal, a extinção da sociedade não produz a extinção da instância nas acções em que a sociedade seja parte. Essas acções continuam considerando-se a sociedade “substituída pela generalidade dos sócios”, sem necessidade de suspensão da instância ou de habilitação.
Razão, porque entendemos, não pode manter-se a decisão recorrida.
Conforme este entendimento e sobre a aplicação dos referidos normativos, veja-se, a título de exemplo, o decidido, entre outros, nos seguintes acórdãos, todos disponíveis in www.dgsi.pt:
- (do TRC de 02.05.2013, Proc. nº 656/12.1T4AVR-A.C1) em cujo sumário parcial se lê:
“I - Dissolvida uma sociedade, esta entra em liquidação (artº 146º/1 CSC), mantendo ainda a sua personalidade jurídica (artº 146º/2 CSC).
II - Os seus administradores passam a ser liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido (artº 151º/1 CSC), competindo-lhes, em tal veste, ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações da sociedade, cobrar os créditos, reduzir a dinheiro o património residual e propor a partilha dos haveres sociais (artº 152º/3 CSC).
III - Com a proposta respectiva, submetem a deliberação da sociedade (artº 157º/4 CSC) um relatório completo da liquidação, acompanhando as contas finais (artº 157º/1 CSC).
IV - Aprovada a deliberação, será requerido o registo do encerramento da liquidação – e é com este registo que a sociedade se considera extinta, mesmo entre os sócios, sem prejuízo das acções pendentes ou do passivo ou activo supervenientes.
V - Apesar da extinção da sociedade, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, as relações jurídicas de que a mesma era titular não se extinguem, como resulta claramente do disposto nos artºs 162º, 163º e 164º do CSC”;
- (do TRL de 12.06.2014, Proc. nº 20802/07.6YYLSB.L1), lendo-se no seu sumário que:
“I - Quando numa execução pendente se extinga a sociedade executada por dissolução e liquidação, não há que suspender a instância para potenciar a habilitação pelo exequente da generalidade dos sócios representados pelos liquidatários (ou, no caso da dissolução ter resultado do procedimento de extinção imediata consagrado no RJPADL, a habilitação dos membros do anterior orgão de administração), antes devendo aqueles, ou estes, substituírem-se automaticamente à sociedade executada”;
- (deste TRP de 23.03.2015, Proc. nº 85254/13.7YIPRT.P1) em cujo sumário lemos:
“I -Operando-se a extinção da sociedade deixa de existir a pessoa coletiva, perdendo a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como resulta do preceituado nos artigos 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais.
II - Face ao regime do art. 162º Código das Sociedade Comerciais, no que concerne às ações pendentes em que a sociedade seja parte, as mesmas continuam (após a sua extinção), que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (sem que haja suspensão da instância, por não ser necessária a habilitação): são eles que passam a ser parte na ação, representados pelos liquidatários. E estes passam a ser considerados como representantes legais da generalidade dos sócios.
III - A extinção da sociedade, por efeito do registo do encerramento da liquidação, não produz a extinção da instância nas ações em que a sociedade seja parte, pois tais ações continuam, sem prejuízo das hipóteses em que a natureza da relação jurídica controvertida torne impossível ou inútil a continuação da lide”;
- (do TRG de 26.03.2015, Proc. nº 204/05.0TBPCR-B.G1), lendo-se no seu sumário:
“I - Com a extinção da sociedade, deixa de existir a pessoa colectiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como resulta do disposto nos artigos 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais.
II - Assim, no tocante às acções pendentes em que a sociedade seja parte, elas continuam após a extinção desta, que se considera substituída – sem que haja lugar a suspensão da instância, uma vez que não é necessária habilitação – pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários. Os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha”;
- (do TRG de 04.04.2019, Proc. nº 228/16.1T8VNF-A.G1) em cujo sumário parcial, lemos:
“I - As ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, operando-se a substituição no próprio processo e sem necessidade de habilitação (art. 162.º do CSC).
II - Uma vez extinta a sociedade os antigos sócios respondem pelo passivo social, mas só até ao montante que receberam na partilha, assentando o fundamento desta limitação na distinção entre o património social e o património individual dos sócios, em obediência à autonomia da personalidade jurídica de cada um.”;
- (do TRG de 05.12.2019, Proc. nº 6925/18.0T8GMR-A.G1), lendo-se no seu sumário:
“I - Para efeito de sucessão no caso de pessoas coletivas e por analogia no caso das fundações há que atender á regra especial prevista no artº. 162º do Código das Sociedades Comerciais: dispensa-se a habilitação, prosseguindo a ação contra a generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários; o que não significa que a substituição operada tenha imediata correspondência com a titularidade da relação material”;
- (desta Relação e Secção de 04.03.2024, Proc. nº 3825/23.5T8PRT-A.P1), em cujo sumário se lê:
“I - Nas ações pendentes contra a sociedade, à data da sua extinção, ocorre uma sucessão subjetiva, sem suspensão da instância, considerando-se a mesma, automaticamente substituída pelos ex-sócios, ou seja, não é necessária habilitação, sendo que este “coletivo dos sócios”, passa a ser parte na ação, representado pelos liquidatários, «os membros da administração da sociedade» - artigos 151º e 162º do Código das Sociedades Comerciais.
II - Facultando o legislador a possibilidade da ação prosseguir desde logo contra generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário(s), resulta expressamente do artigo 163º do Código das Sociedades Comerciais, a necessidade de citação daquele(s) últimos, nessa qualidade.”.
Ora, face ao que se deixa exposto, como já havíamos antecipado, a decisão recorrida não pode manter-se e a apelação é procedente.
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III - DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida e, nessa conformidade, determina-se o prosseguimento da acção, assumindo os sócios representados pelo liquidatário a posição da sociedade/Ré na acção.
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Custas pela parte vencida a final.

Porto, 18 de Novembro de 2024
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Sílvia Saraiva
António Luís Carvalhão