SUBIDA DIFERIDA DO RECURSO
GARANTIAS DE DEFESA DO ARGUIDO
Sumário

A regra de subida diferida do recurso quando se verifica o risco de anulação de atos subsequentes ao despacho recorrido não implica qualquer violação das garantias de defesa do arguido.

Texto Integral

Pr10702/22.5T9PRT.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I –
Nos presentes autos foi proferida a decisão sumária seguinte:

«São suscitadas, na resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público junto do Tribunal da primeira instância e no parecer do Ministério Público junto desta instância as questões da intempestividade do recurso em apreço e da errada atribuição ao mesmo de efeito suspensivo.
Vejamos.
O recurso em apreço foi apresentado a 24 de abril de 2024
O recorrente foi notificado do despacho recorrido (tendo em conta o disposto no artigo 113.º, n.º 2, do Código de Processo Penal) a 18 de março de 2024.
Considerando o prazo de trinta dias fixado no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e uma vez que decorreram férias judiciais entre os dias 23 de março e 1 de abril de 2024, há que concluir pela tempestividade do recurso.
Já quanto ao efeito suspensivo que foi atribuído ao recurso, que também decorre do seu regime de subida imediata, tem razão o Ministério Público.
Ao presente recurso não deveriam ter sido (como foram) atribuídos subida imediata, nem efeito suspensivo, por a sua retenção o tornar inútil (nos termos dos artigos 407.º, n.º 1, e 408.º. n.º 3, do Código de Processo Penal). Na verdade, é entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência (ver, por exemplo, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 3ª edição atualizada. Lisboa, 2009, anotações 1 e 3 ao artigo 407.º, pgs. 1039 e 1040), o de que há que distinguir a inutilidade do recurso da possibilidade de anulação de atos subsequentes ao despacho recorrido, pois este é um risco normal da procedência dos recursos (risco que também se verifica quanto ao recurso em apreço, relativo a nulidades e irregularidades do inquérito).
Assim, o presente recurso deverá subir apenas com o recurso que eventualmente vier a ser interposto da decisão que ponha termo ao processo (artigo 407.º, n.ºs 1 e 2, a contrario, e n.º 3, do Código de Processo Penal) e não tem, por isso, efeito suspensivo do processo.
Deverão, pois, nos termos dos artigos 414.º, n.º 3, e 417.º, n.º 7, a), do Código de Processo Penal, ser os presentes autos de recurso remetidos ao Tribunal de primeira instância.»

II –
O arguido veio reclamar para a conferência, nos termos do artigo 417.º, n.º 8, do Código de Processo Penal. No seu requerimento alegou o seguinte:

«(…)
Ora, à primeira vista, e à luz do apontado entendimento sufragado na decisão reclamada, a retenção do recurso não o torna absolutamente inútil, na medida em que, se este obtiver provimento, a tramitação subsequente ao despacho recorrido poderá ser anulada.
Todavia, e tendo por base o caso concreto, como se entende dever-se ter, há que levar em consideração que a não subida imediata do recurso, de molde a definir se a acusação é válida e se verificadas estão as condições de punibilidade, implicará desde logo, a violação dos direitos de defesa do arguido, e
Terá consequência directa sobre o andamento do processo, com a realização do julgamento, convocação de inúmeras testemunhas, com um elevado risco de todo esse labor se tornar não só inútil, ao arrepio do princípio da proibição da prática destes actos, como até desprestigiante para a Justiça em geral, se a final vier a ser decidido que o julgamento deveria ser anulado ou sequer devia ter sido efectuado.
A questão vai, pois, muito para além da possibilidade de anulação do acto e actos subsequentes, já que a procedência do recurso terá a virtualidade de pôr em causa não só o inquérito, a acusação, o seu recebimento como toda a fase de julgamento.
A eficácia na realização da justiça, no mais curto espaço de tempo (celeridade processual) objectivo perseguido pelo legislador ao consagrar a subida diferida dos recursos, não pode prevalecer sobre o efeito garantístico inerente ao próprio recurso e aos direitos do arguido e utilidade dos actos praticados.
Compreende-se a posição do legislador que terá estado na base da consagração da regra de subida do recurso a final, mas não se pode ignorar que a norma em questão – da absoluta inutilidade justificativa da subida imediata - está patente logo no nº 1 do artigo 407.º do CPP, que precede os casos taxativamente enumerados, assume, desta forma, a necessária relevância representando a válvula de segurança do sistema quanto à regra da subida a final dos recursos, que o espartilho de uma interpretação restritiva, cingida à possibilidade de anulação dos actos, crê-se fazer perigar a função da mesma.
Ficando, aliás, por perceber, porque é que sendo exíguas as situações a que se aplica, não foram estas contempladas no nº 2 do art. 407.º do CPP, passando a ser taxativas as situações de subida imediato do recurso.
Nota ainda que, o legislador expressamente atribui aos recursos contemplados no nº 1 do referido art. 407.º do CPP, efeito suspensivo “quando deles depender a validade ou eficácia dos atos subsequentes suspendendo a decisão recorrida nos restantes casos” (art. 408.º nº 3 do CPP)
A retenção do recurso, desconsiderando as questões concretas do caso, e a necessária confrontação dos princípios em jogo, lesa sem justificação bastante os direitos do arguido, pondo em causa o princípio da proporcionalidade enquanto proibição do excesso, em sede de restrição de direitos.
Em suma, a interpretação feita do art. 407.º do CPP, no sentido de que o recurso interposto de decisão que indefere a nulidade do procedimento e irregularidade da notificação ao abrigo do art. 105 nº do RIGT apenas deve subir com o que vier a ser interposto da decisão final, não assegura ao arguido as garantias do processo criminal, tal como decorrem do art. 32.º da CRP, e manifesta-se violador do principio da proporcionalidade (art. 18.º nº 2 da CRP) atento aos princípios em confronto,
É por isso materialmente inconstitucional. O que se invoca.
Neste contexto será de reconhecer que, por razões que se prendem com os direitos do arguido, com a economia de meios e racionalidade da sua utilização, é do maior pragmatismo considerar a presente situação subsumível à previsão do nº 1 do art. 407.º do CPP, admitindo a subida imediata do recurso, de modo a permitir que este Tribunal, através de órgão colegial, aprecie e decida as questões que são o seu objecto.».

III-
A respeito do que é alegado pelo arguido e recorrente, há que considerar o seguinte:
A subida diferida do recurso não coloca minimamente em causa os direitos de defesa do arguido. Essa subida diferida não implica alguma forma de privação do direito ao recurso. De modo algum fica o arguido impedido de invocar o fundamento do recurso em causa, que pode levar à anulação da acusação e da própria fase do julgamento. Na perspetiva dos seus direitos de defesa, não é essa anulação que o pode prejudicar.
Fica, assim, desde logo, afastada qualquer inconstitucionalidade (por violação das garantias de defesa do arguido a que se reporta o artigo 32.º da Constituição) do artigo 407.º, n.ºs 1 e 2, a contrario, e n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação seguida pela decisão reclamada (na esteira de constante jurisprudência).
Invoca, então, o arguido uma razão pragmática relativa ao caso concreto, em que se corre o risco de anulação de grande número de atos e de toda a fase de julgamento, com o que isso implica de perda de trabalho e de tempo e de desprestígio da justiça.
Não nos cabe questionar a opção do legislador ao determinar a regra de subida diferida de recursos quando se verifica o risco de anulação de atos em caso de eventual provimento dos mesmos. O legislador quis assumir esse risco e optou por assumi-lo porque o confrontou com o risco que implicaria a regra contrária, de subida imediata e efeito suspensivo desses recursos: o risco de atrasos sucessivos provocados pela interposição de recursos que podem não vir a obter provimento (estaria aberta a porta a muitas manobras dilatórias). Pode questionar-se essa opção no plano da política legislativa, mas nesta sede há apenas que a respeitar. E, como vimos, não está em causa qualquer forma de privação, ou limitação, dos direitos de defesa do arguido, onde se inclui o direito ao recurso (mas não o seu regime de subida).
Esse respeito pela regra por que optou o legislador não pode depender (como parece ser entendimento do arguido e reclamante) das circunstâncias do caso concreto, ou seja, da maior ou menor relevância dos atos que poderão vir a ser anulados em provimento do recurso. Trata-se, obviamente, de uma regra geral
Não se vislumbra, pois, qualquer motivo para alterar a decisão sumária reclamada.

O arguido e reclamante deverá ser condenado em custas (artigo 10.º do Regulamento das Custas Processuais)

IV –
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em indeferir a reclamação apresentada pelo arguido, mantendo a decisão sumária proferida nestes autos.

Condenam o arguido e recorrente em três (3) U.C.s de taxa de justiça.

Notifique

Porto, 4 de dezembro de 2025
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Amélia Catarino
Maria Luísa Arantes