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VENCIMENTO ANTECIPADO
JUROS REMUNERATÓRIOS
JUROS MORATÓRIOS
Sumário
Sumário da responsabilidade do Relator: I- É entendimento jurisprudencial unânime que o vencimento antecipado previsto no artigo 781.º, do Código Civil, não se estende “aos juros remuneratórios que fazem parte de cada prestação que se vence” (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 25-03-2009), pelo que os juros remuneratórios que não se chegaram a vencer não são exigíveis, salvo acordo em sentido contrário. II- Comprovando-se que o contrato foi resolvido, é pacífico, o capital todo venceu-se incluindo capital remanescente, juros contratuais (remuneratórios) e demais encargos vencidos, “sem prejuízo da incidência de juros de mora sobre toda a dívida vencida” (cláusula 10.2), dispondo-se na parte final da cláusula contratual 10.2, no que aqui releva que “Caso a A … resolva o contrato e/ou recorra a juízo para obter o pagamento, as penalidades devidas pela mora são substituídas por uma penalidade única de 8% sobre todo o saldo em dívida a título de cláusula penal”. III- Do clausulado não decorre que as partes acordaram como a exequente suportara no requerimento executivo e defende nesta acção que lhe é movida que, para a hipótese de resolução do contrato, como veio a acontecer, a aplicação de uma taxa de juros de mora de 24,72% sobre toda a dívida vencida; o que acordaram foi que sobre esse capital todo -onde se inclui o capital, juros remuneratórios vencidos, encargos-, resultante da resolução contratual, incidem juros de mora, caso não venha a ser pago, o que aconteceu, isto sem prejuízo do accionamento da cláusula penal ,cuja apreciação aqui não cabe. IV- Não havendo estipulação contratual, o juro moratório que indemniza o credor pela mora no cumprimento dessa obrigação pecuniária decorrente da resolução contratual (n.º 1 do artigo 806.º do Código Civil) é, necessariamente, o juro legal (n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil), ou seja, o estabelecido nos termos do disposto no § 3 do artigo 102.º do Código Comercial.
Texto Integral
Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO APELANTE/RÉ: A …
* APELADO/AUTOR: B … (litigando com apoio judiciário) *
Todos com os sinais dos autos. Valor da acção(fixado na sentença recorrida): 5.297,19 euros.
*
Inconformado com o teor da sentença de 11/9/2024 que, julgando a acção procedente, em consequência condenou a ré A … a restituir ao autor B … o valor em que se enriqueceu à custa do autor correspondente à diferença entre o valor integral pago no âmbito do processo de execução n.º …/…, do Juízo de Execução de Oeiras, Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, e o valor que seria devido contabilizando sobre a dívida de capital indicada no requerimento de injunção que lhe serviu de título executivo o vencimento de juros à taxa legal prevista para os juros comerciais, a liquidar em incidente próprio, dele apelou a Ré em cujas alegações conclui:
1. Entendeu o Tribunal a quo que “(…) sobre a dívida de capital indicada no requerimento de injunção que lhe serviu de título executivo vencem juros à taxa legal prevista para os juros comerciais (…)”, uma vez que, ainda que o juro de 24,72% correspondesse ao juro moratório vigente à data da resolução do contrato de mútuo, tal não releva para os autos pois esse seria o juro moratório convencionado para a pendência da mora na vigência do contrato.
2. Entende, porém, a Recorrente que, salvo o devido respeito, são devidos pelo Autor, ora Recorrido, juros vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa de 24,72%, por ser a que vigorava no momento da resolução do contrato celebrado entre as partes ao abrigo do princípio da liberdade contratual (artigos 405.º, n.º 1, 559.º, n.º 2 e 806.º, n.º 2, todos do Código Civil) - vide cláusulas 6., 7.1 e 10.1 do contrato -, sendo lícito à Recorrente exigir o pagamento do juro convencionado para o reembolso da dívida (24,72%), uma vez que sofreu privação de capital depois de ter obtido o vencimento antecipado da dívida, dado que o Recorrido não procedeu ao imediato pagamento da mesma.
3. Não pode a Recorrente admitir que o Recorrido, por via da sentença proferida pelo Tribunal a quo, fique apenas obrigado ao pagamento de juros à taxa legal prevista para os juros comerciais, pois tal beneficiaria claramente o Recorrido relativamente a todos os outros clientes da Recorrente a quem foi concedido um crédito em circunstâncias idênticas e que pontualmente cumprem com as suas obrigações e reembolsam a Recorrente.
4. É verdade que é entendimento jurisprudencial unânime que o vencimento antecipado previsto no artigo 781.º, do Código Civil, não se estende “aos juros remuneratórios que fazem parte de cada prestação que se vence” (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 25-03-2009), pelo que os juros remuneratórios que não se chegaram a vencer não são exigíveis.
5.Porém, no caso em análise, os montantes devidos não foram pagos e, portanto, o devedor, ora Recorrido, não cumpriu a obrigação de restituição imediata do valor mutuado, continuando a dispor do capital (agora, ilicitamente), dele privando a credora, ora Recorrente, sendo essa privação do capital que justifica os juros remuneratórios até à sua integral devolução, pelo que nada obsta que se possa aceitar que a credora tenha direito aos juros remuneratórios acordados até ao momento em que o devedor lhe restitua o capital mutuado, fazendo cessar a sua privação desse capital (nesse sentido, veja-se o sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18-04-2023,Processo n.º 8552/22.8T8LSB.L1-7).
6.Analisando com mais detalhe o dito acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18-04-2023, verifica-se que é referido que a ali Apelante alegou que o Tribunal a quo entendeu - mal - que a taxa convencionada pelas partes para os juros remuneratórios (13,60%) apenas se aplicava às situações de mora pontual, e não às situações de incumprimento definitivo, pelo que, consequentemente, considerou que apenas eram devidos pela ali Apelada, desde a resolução, juros de mora à taxa legal (conforme também entendeu o Tribunal a quo nos presentes autos). .
7.Mais alegou a ali Apelante que “(…) contrariamente ao que foi entendido pelo Tribunal recorrido (…)”, é legalmente permitida “(…) a contabilização de juros moratórios a uma taxa correspondente à dos juros remuneratórios, (…)”.
8.Ora, a verdade é que o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu no supra mencionado processo n.º 8552/22.8T8LSB.L1-7, com o fundamento constante do seu sumário, que “(…) Nestas circunstâncias o recurso haverá de proceder, condenando-se a Ré a pagar à Autora o montante de € 20.486,75 (20.165,17, a título de capital; 171,82, a título de seguro; 149,76, a título de encargos), acrescido dos juros moratórios e remuneratórios (e respectivo Imposto de Selo) calculados (sobre o montante do capital de 20.165,17) à taxa de 13,60% ao ano, desde 07 de Agosto de 2020, até integral pagamento. (…)” (sublinhado nosso).
9.Conclui-se, por isso, na senda do referido acórdão, que no caso sub judice deverão vencer juros à taxa de 24,72% (por ser a que vigorava no momento da resolução do contrato), até integral pagamento, e não à taxa legal prevista para os juros comerciais, conforme, com o devido respeito, erradamente entendeu o Tribunal a quo, uma vez que a Recorrente sofreu privação de capital depois de ter obtido o vencimento antecipado da dívida, dado que o Recorrido não procedeu ao imediato pagamento da mesma.
10. Ficou, assim, evidente que a decisão em crise fez uma incorrecta interpretação dos factos e desadequada aplicação do Direito, designadamente dos artigos 405.º, n.º 1, 559.º, n.º 2, 806.º, n.º 2 e 1145.º, n.º 1, todos do Código Civil, que violou, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que julgue que sobre a dívida de capital indicada no requerimento de injunção são devidos pelo Autor, ora Recorrido, juros vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa de 24,72%.
Termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que contemple as conclusões do recurso
I.2. Em contra-alegações conclui o Autor apelado:
1.ª Ao decidir pela aplicabilidade, no tocante ao período posterior à resolução do contrato de mútuo declarada pela Apelante, de juros de mora comerciais, e não de juros remuneratórios, a douta sentença impugnada aplicou correctamente a lei à situação sub judice.
2.ª Não é defensável a tese propugnada pela recorrente no sentido de a obrigação de suportar juros remuneratórios da taxa (24,72%) vigente quando da resolução do referido contrato se manter para além da declaração de resolução, com exigibilidade de todo o capital.
3.ª Ao ficar vencida a obrigação de capital, por força da resolução do contrato pela mutuante, deixou de haver lugar a remuneração pela indisponibilidade do mesmo capital.
4.ª Do mesmo passo, os juros a que passou a haver lugar só podiam ser juros moratórios, de acordo com o artigo 806.º do Código Civil, sendo que a obrigação de pagamento de tais juros – como bem refere a distinta julgadora “a quo” – “não se confunde com a obrigação de pagamento do juro remuneratório referente à obrigação de restituição do capital mutuado”.
5.ª Dado que, no Tribunal “a quo”, não foi necessário apreciar outras razões e diversa argumentação invocadas na petição inicial e tendentes a demonstrar que, também por elas, a taxa de juro cobrada pela Apelante não poderia ser aceite como legal, por uma questão de cautela e dever de patrocínio, o Apelado impetra que, no caso de não ser acolhida a tese sobre os juros moratórios comerciais adoptada na douta sentença, sejam apreciadas aquelas razões e argumentação
6.ª Ao condenar a Apelante no pagamento ao Apelado do valor correspondente à diferença entre o valor integral pago pelo Apelado no âmbito do processo de execução n.º …/…, do Juízo de Execução de Oeiras – Juiz …, e o valor que seria devido contabilizando, sobre a dívida de capital indicada no requerimento de injunção que serviu de título executivo, o vencimento de juros à taxa legal prevista para os juros comerciais, a douta sentença em recurso aplicou a solução legal e o entendimento mais correcto.
7.ª E não violou nenhum dos preceitos indicados na conclusão 10.ª da alegação da Apelante.
8.ª Deve, pois, ser negado provimento à apelação, confirmando-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.
I.3. Mantendo-se os pressupostos de validade e regularidade processual é a seguinte a questão a resolver: saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação do disposto nos art.ºs 405.º, n.º 1, 559.º, n.º 2, 806.º, n.º 2 e 1145.º, n.º 1, todos do Código Civil, que violou, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que julgue que sobre a dívida de capital indicada no requerimento de injunção são devidos pelo Autor, ora Recorrido, juros vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa de 24,72%. II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal recorrido dá como provada a seguinte factualidade, que não vem impugnada, nos termos legais:
1. A ré apresentou contra o autor requerimento de injunção a que, sob o n.º 146508/13.2YIPRT, foi aposta fórmula executória em 22.11.2013 (artigo 8.º da petição inicial, artigo 1.º da contestação)
2. No identificado requerimento de injunção foi peticionado o pagamento, pelo aqui autor, da quantia total de € 12.283,75, sendo € 10.386,27 a título de capital, € 1.744,48 a título de juros de mora e € 153,00 a título de taxa de justiça pela ali requerente, aqui ré (artigo 9.º da petição inicial).
3. Munida do identificado requerimento de injunção com aposição de fórmula executória, a aqui ré instaurou contra o aqui autor o processo de execução sumária que correu termos sob o n.º …/…, do Juízo de Execução de Oeiras, Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste (artigo 7.º da petição inicial, artigo 2.º da contestação).
4. No requerimento executivo apresentado na execução sumária identificada, a acrescentar ao referido montante de € 12.283,75, a aqui ré peticionou ainda o pagamento dos juros moratórios à taxa descrita no requerimento de injunção, que continuaram a vencer-se desde a instauração da injunção, no valor de € 1.413,88, bem como do juros compulsórios, à taxa de 5%/ano, revertendo 2,5 % para a exequente, aqui ré, e 2,5 % para o Estado, vencidos desde a aposição da força executória, no valor de € 223,36, ambos contabilizados sobre o capital de € 10.386,27, e a acrescer o valor da taxa de justiça, perfazendo o total de € 13.959,26 (artigo 10.º da petição inicial).
5. A relação subjacente ao acima identificado requerimento de injunção foi descrita pela aqui ré nos seguintes termos (artigos 15.º a 17.º da petição inicial):
“1.º
A Requerente é uma sociedade comercial cujo objecto consiste em, por um lado todas as operações de financiamento por conta de terceiros com excepção das operações de carácter puramente bancário e por outro lado a corretagem de seguros. O objecto social entende-se de maneira mais geral a todas as operações directamente ou indirectamente ligadas às actividades acima definidas, nomeadamente à criação ou aquisição de quaisquer outros fundos ou estabelecimentos da mesma natureza; à participação da sociedade quer seja por qualquer meio quer sob qualquer forma em quaisquer empresas e quaisquer sociedades criadas ou a criar e em geral a todas as operações industriais, comerciais, financeiras, mobiliárias ou imobiliárias, directamente ou indirectamente ligadas ao objecto acima definido ou a qualquer outro objecto similar ou conexo.
2.º
Nos termos contratuais, a pedido do(s) requerido(s), a A … disponibilizou–lhes a quantia de 11.624,00 € – contrato de financiamento n.º … – através de crédito na sua conta corrente.
3.º
Nos termos do contrato, o valor em dívida teria de ser reembolsado à A …, em prestações mensais, por débito em conta bancária do mutuário ou outra forma indicada pela A …, sendo o montante dessa prestação determinado em função do montante de crédito utilizado, correspondendo a €230.
4.º
Em 1 de FEVEREIRO de 2013, na data de vencimento da prestação, a mesma não foi paga.
5.º
Desde essa data que o devedor deixou de cumprir, pontualmente, o pagamento das prestações mensais.
6.º
Nada mais pagou, desde então, até à presente data, não obstante as inúmeras interpelações efectuadas pela credora A …, por carta, contacto pessoal, contacto telefónico, etc.
7.º
Em 27 de ABRIL de 2012, por iniciativa do credor, o contrato foi resolvido por incumprimento definitivo do devedor.
8.º
Nos termos contratuais, desde 1 de FEVEREIRO de 2013, o capital em dívida ascende a 10386,27 € (dez mil e trezentos e oitenta e seis euros e vinte e sete cêntimos), acrescido de juros de mora, contados desde 1 de FEVEREIRO de 2013 à taxa anual de 24,72%, por ser a que vigorava no momento da resolução do contrato, que nesta data ascendem a € 1744,48.
9.º
A quantia total em dívida ascende a € 12130,75.
10.º
A este montante deverão acrescer os juros moratórios vincendos, que deverão ser calculados até efectivo e integral pagamento, à taxa anual de 24,72%/ano, bem como os compulsórios à taxa de 5,00%/ano.”
6. No formulário do acima identificado requerimento de injunção foi indicado pela aqui ré: “Data do contrato: 15-11-2006 | Período a que se refere: 15-11-2006 a 27-04-2012” (artigo 14.º da petição inicial).
7. A agente de execução nomeada no processo executivo acima identificado notificou, em 18.06.2015, o Centro Nacional de Pensões para proceder a descontos na reforma do autor até ao montante de € 39.610,09 (artigo 19.º da petição inicial).
8. Em 07.09.2015 o aqui autor foi notificado da adjudicação à ora ré dos valores provenientes da penhora de rendimentos, sendo declarada extinta a execução (artigo 21.º da petição inicial, artigo 3.º da contestação).
9. Na mesma data foi notificado do cálculo do valor devido à aqui ré à data de 16.07.2015, que ascendia a € 14.852,98, estando recuperados € 3.724,89 (artigo 22.º da petição inicial).
10. No simulador para adjudicação de rendimentos periódicos utilizado pela agente de execução no campo “taxa de juros prevista” foi considerada uma taxa de 24,72% (artigo 23.º da petição inicial).
11. No mencionado procedimento de injunção e na mencionada ação executiva, o aqui autor não deduziu oposição à injunção, nem oposição à execução (artigo 4.º da contestação, artigo 73.º da petição inicial).
12. Na mencionada ação executiva, o autor apresentou, em 05.11.2018, requerimento com o seguinte teor:
13. O requerimento acima transcrito foi objeto de despacho de 15.01.2019 com o seguinte teor:
“A presente execução foi declarada extinta nos termos do artigo 779º, n.º 4, al. b), do CPC em Setembro de 2015, altura em que a Sra. Agente de Execução notificou as partes quer da nota discriminativa final, quer da extinção e adjudicação das quantias vincendas. Não foi deduzida qualquer reclamação aos actos assim praticados. Não foi igualmente deduzida oposição à execução nem oposição à penhora levada a cabo nos autos. Por requerimento datado de 05.11.2018 veio o executado alegar, em suma, não perceber face ao valor da quantia exequenda inscrita no auto de penhora e ao teor da conta final elaborada em Agosto de 2018 como é que a quantia exequenda não se mostra ainda paga. Em primeiro lugar cumpre referir que inexiste nos autos registo de reclamação oportuna apresentada pelo executado relativamente às notas discriminativas juntas aos autos pela Sra. Agente de Execução e respectivo acto de adjudicação. Por outro lado, a adjudicação das quantias vincendas a que se reporta o artigo 779º, n.º 4 do CPC é uma das formas de efectuar o pagamento ao exequente. Assim, quando o agente de execução adjudica as quantias provenientes dos descontos determinados na pensão do executado, opera-se essa forma de pagamento da quantia exequenda e, consequentemente, cessa a penhora, dado que o bem penhorado foi entretanto adjudicado. A adjudicação conduz à extinção da execução, situação em que se encontra a presente execução. Pelo que fica dito, atento o lapso temporal decorrido, forçoso se torna concluir que o direito do executado em reclamar quer da extinção quer da adjudicação ao exequente, mostra-se precludido pelo que se indefere o ora requerido. Sem prejuízo do acabado de referir, na eventualidade do executado concluir, com segurança, que os descontos que estão a ser feitos na sua pensão não são mais necessários para pagar ao exequente, conduzindo a que este receba quantias em excesso, poderá instaurar uma acção declarativa autónoma destinada a obter o reconhecimento de que o direito já estava extinto e a condenação do credor a restituir o indevido. Notifique.” (artigo 10.º da contestação).
14. A agente de execução nomeada no processo executivo acima identificado notificou, em 16.08.2018, o Centro Nacional de Pensões para proceder a descontos na reforma do autor até ao montante de € 15.044,23 (artigo 26.º da petição inicial).
15. No âmbito do processo n.º 3128/14.6TBOER, o Centro Nacional de Pensões efetuou a penhora mensal da pensão do autor entre 09.2018 e 21.12.2021, no montante total de € 15.044,23 (alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil).
16. Através de entregas de resultados da execução pela agente de execução no processo n.º 3128/14.6TBOER, a aqui ré recebeu os seguintes montantes: a. Em 16-07-2015 € 2.311,25;
b. Em 30-11-2015 € 1.249,64;
c. Em 21-01-2016 € 318,46;
d. Em 27-09-2016 € 2.162,84;
e. Em 05-01-2017 € 1.562,05;
f. Em 10-03-2017 € 600,80;
g. Em 14-06-2017 € 901,20 (artigo 81.º da petição inicial).
17. No formulário denominado “CONTRATO DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE” subscrito pelo autor em 09.11.2006, consta, entre outro, o seguinte teor:
(…)
(“para qualquer montante, o prazo de reembolso é de 71 mensalidades. Prazo válido para a primeira utilização sem seguro. Mediante aceitação pela A …. TAN de 16,8% o que corresponde a uma TAEG de 19,51%. Os valores das mensalidades são meramente indicativos.”). (alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil).
II.2. O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte facto que não vem impugnado:
A. Na acima mencionada ação executiva tenha sido lavrado termo de penhora em 03.09.2014, sendo o limite da penhora de € 15.355,00 (artigo 18.º da petição inicial). III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 5, 635, n.º 4, 649, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
III.3. Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação do disposto nos art.ºs 405.º, n.º 1, 559.º, n.º 2, 806.º, n.º 2 e 1145.º, n.º 1, todos do Código Civil, que violou, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que julgue que sobre a dívida de capital indicada no requerimento de injunção são devidos pelo Autor, ora Recorrido, juros vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa de 24,72%.
III.3.1. Assim delimitado o objecto do recurso, analisemos a fundamentação da decisão recorrida a este respeito. Entendeu-se aí, em suma, que:
o autor fundamenta o seu pedido também no desacordo relativamente à taxa de juro utilizada no cálculo da dívida exequenda, e cujo valor determinou o apuramento de quantia a executar que entende ser superior à devida. Considera, assim, que a ré, por via da ação executiva que promoveu, se locupletou à custa do autor, na medida do que excede a taxa de juro que defende devia ter sido utilizada no cálculo da dívida exequenda;
no que interessa a estes autos, o juro pode ser, atendendo à sua diferente função, remuneratório, se se destina pura e simplesmente a remunerar o capital, moratório, se visa indemnizar o credor de determinada obrigação pecuniária pelo atraso no cumprimento (n.º 1 do artigo 806.º do Código Civil), ou compulsório, se tem por fim compelir o devedor ao cumprimento;
se for fixado na lei, o juro é legal; se for estipulado pelas partes, o juro é convencional. No caso vertente, o autor insurge-se quanto à taxa de 24,72% utilizada no cálculo da dívida exequenda (4., 5. e 10.);
importa, assim, em primeiro lugar, perceber a que se refere esta indicada taxa, consignada no requerimento de injunção (5.), no requerimento executivo (4.) e utilizada pela agente de execução no simulador para cálculo da dívida exequenda para efeitos de adjudicação de rendimentos periódicos (10.);
ora, o juro aqui em causa é moratório, ou seja, corresponde à indemnização ao credor pelo atraso no cumprimento da obrigação pecuniária a que estava adstrito; sendo a relação material subjacente aqui em causa um contrato de mútuo, a obrigação de pagamento de juro que aqui está em causa não se confunde com a obrigação de pagamento do juro remuneratório referente à obrigação pecuniária de restituição do capital mutuado;
com efeito, como decorre do requerimento de injunção apresentado no caso vertente (5.) e do texto contratual subjacente (17.), a mora no cumprimento da obrigação pecuniária no contrato de mútuo (obrigação pecuniária que integra a obrigação de restituição do capital mutuado, o juro remuneratório e encargos) motivou a resolução do contrato de mútuo e originou, assim, o crédito da aqui ré sobre o aqui autor, composto pelos seguintes elementos: o capital mutuado não restituído; o juro remuneratório vencido (apenas o vencido: o texto do contrato (17.) refere serem devidos com a resolução juros contratuais e demais encargos vencidos, tendo a expressão “vencidos” de ser interpretada como incluindo não só encargos, mas também os mencionados juros, em consonância com a jurisprudência uniformizada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2009, de 5 de maio); iii) os encargos vencidos, o valor da cláusula penal, de 8% sobre o saldo em dívida – as partes optaram por fixar o montante da indemnização exigível pelo credor pelo incumprimento da obrigação pecuniária pelo devedor. Assim, no caso de incumprimento definitivo que motiva a resolução, não é devido o juro moratório que o contrato previa enquanto perdurasse a mora (cláusula 10.1), mas sim este valor de cláusula penal (como a cláusula 10.2 expressa e claramente consagra: “(…) Caso a A … resolva o contrato (…) as penalidades devidas pela mora são substituídas por uma penalidade única de 8% sobre todo o saldo em dívida, a título de cláusula penal”;
este direito de crédito composto da ré sobre o autor corresponde ao que, no requerimento de injunção, é identificado como “capital”, no valor de € 10.386,27, como se constata pela apreciação do extrato junto pela ré com a contestação, embora o valor constante no dito extracto defira do indicado no requerimento de injunção (em € 1.000,00 exactos), pode verificar-se que, para o apurar, foi efetivamente deduzido ao valor inicial o montante referente a “comissões por atraso no pagamento” e sobre esse valor já reduzido foi então considerada uma percentagem de 8%, a que acresceu o valor referente a imposto de selo.
cristalizada então a obrigação pecuniária do mutuário pelo incumprimento definitivo do contrato de mútuo consequentemente resolvido (no caso, € 10.386,27), o devedor que não a cumpra constitui-se em mora (sublinha-se: mora essa que não se confunde com a mora no cumprimento do contrato de mútuo que motivou a sua resolução), a mora no cumprimento desta obrigação pecuniária constitui o devedor faltoso na obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos decorrentes e que, como já referido, corresponde a juros moratórios (n.º 1 do artigo 806.º do Código Civil);
as partes fixaram apenas o valor indemnizatório pelo incumprimento (a cláusula penal de 8% sobre o montante em dívida), sendo os termos contratuais omissos quanto à mora no pagamento da obrigação pecuniária decorrente da resolução contratual (e que integra, como se viu acima, o montante da cláusula penal);
não havendo estipulação contratual, o juro moratório que indemniza o credor pela mora no cumprimento dessa obrigação pecuniária decorrente da resolução contratual (n.º 1 do artigo 806.º do Código Civil) é, necessariamente, o juro legal (n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil), ou seja, o estabelecido nos termos do disposto no § 3 do artigo 102.º do Código Comercial;
na ausência de fixação contratual, sendo então aplicável o juro legal, não cabe apreciar a suscitada questão da liberalização ou limitação dos juros convencionais;
admite-se que o juro de 24,72% correspondesse ao juro moratório vigente à data da resolução do contrato de mútuo, tal, no entanto, não releva para os autos pois, como se viu, esse seria o juro moratório convencionado para a pendência da mora na vigência do contrato (cláusula 10.1). Com a resolução do contrato, esse juro moratório é, nos termos também convencionados (cláusula 10.2), substituído pela cláusula penal, o que efetivamente aconteceu no caso vertente, não tendo as partes estabelecidos quaisquer outros valores indemnizatórios, o juro que a obrigação pecuniária decorrente da resolução do contrato de mútuo vencia era o juro legal comercial – substancialmente inferior a 24,72% considerado (de 2013 ao presente não superou o valor de 11,5%);
não existe, assim, fundamento para a consideração, no requerimento de injunção e na subsequente ação executiva, de uma taxa de juro de 24,72%, como se fez;
III.3.2. Discordando, sustenta em suma, a apelante Ré A …:
entende, porém, a recorrente que, salvo o devido respeito, são devidos pelo Autor, ora Recorrido, juros vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa de 24,72%, por ser a que vigorava no momento da resolução do contrato celebrado entre as partes ao abrigo do princípio da liberdade contratual (artigos 405.º, n.º 1, 559.º, n.º 2 e 806.º, n.º 2, todos do Código Civil) - vide cláusulas 6., 7.1 e 10.1 do contrato;
é verdade que é entendimento jurisprudencial unânime que o vencimento antecipado previsto no artigo 781.º, do Código Civil, não se estende “aos juros remuneratórios que fazem parte de cada prestação que se vence” (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 25-03-2009), pelo que os juros remuneratórios que não se chegaram a vencer não são exigíveis;
no caso em análise, os valores devidos não foram pagos e, portanto, o devedor, ora recorrido, não cumpriu a obrigação de restituição imediata do valor mutuado, continuando a dispor do capital (agora, ilicitamente), dele privando a credora, ora recorrente, sendo essa privação do capital que justifica os juros remuneratórios até à sua integral devolução, pelo que nada obsta que se possa aceitar que a credora tenha direito aos juros remuneratórios acordados até ao momento em que o devedor lhe restitua o capital mutuado, fazendo cessar a sua privação desse capital;
nesse sentido, veja-se o sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18-04-2023, Processo n.º 8552/22.8T8LSB.L1-7: I – Mantem plena aplicabilidade o entendimento que decorre do AUJ de 25/03/2009, no sentido de que “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao art.º 781º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”. II - Quanto às prestações vincendas não há juros remuneratórios: se a credora os quisesse receber deixaria que se vencessem no seu tempo e aguardaria pelo decurso do tempo da duração do contrato e o programa contratual estabelecido (aí se mantendo a disponibilidade do capital a ter de ser remunerada III - Os juros remuneratórios, como o próprio nome indica, destinam-se a remunerar o prazo do empréstimo do dinheiro pelo tempo em que o mutuante está sem o capital, proporcionando-lhe assim um valor que compense o mutuante por uma privação do capital que não deveria ter suportado. IV - Optando pelo vencimento imediato de todas as prestações e pela existência de um incumprimento definitivo, essa remuneração não faz sentido, porque o plano contratual passou a ser distinto do convencionado, porque esse tempo não chegou a ocorrer (houve um encurtamento forçado do período de disponibilização do capital) e nada há – por essa via – a ressarcir (sendo certo que – de facto – o artigo 781.º do Código Civil se reporta ao capital e não aos juros V – Vencendo-se todas as prestações e resolvendo-se o contrato, a credora mutuante o que pretende é ver-se restituída dos valores que mutuou, havendo que repor a situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato e não que repor a situação em que estaria se o/a devedor/a tivesse cumprido. VI - Pagando a devedora - nessa altura - o capital mutuado, só até esse momento seriam devidos juros remuneratórios, não podendo a credora/mutuante exigir o valor desses juros que correspondessem às prestações vincendas dentro do plano contratual inicial. VII Todavia, se a devedora não cumpre essa obrigação de restituição imediata do valor mutuado, continuando a dispor do capital (agora, ilicitamente), dele privando a credora-mutuante, continua a justificar-se que esta tenha direito aos juros remuneratórios acordados até ao momento em que lhe seja restituído o capital mutuado, fazendo aí cessar a sua privação desse montante, desse capital;
III.3.3. Em abono da decisão recorrida diz o apelado Autor, em suma, que:
a Apelante invoca, na sua alegação, as cláusulas 6, 7.1 e 10.1 do contrato em questão (junta com a douta contestação da acção), deixa de parte, o que consta do convencionado em 10.2, 10.3 e 10.4, sucedendo que o aí estipulado retira qualquer eventual dúvida sobre a falta de razão da Apelante e sobre o bem fundado e o acerto da conclusão (referida no n.º 4 antecedente) retirada pela distinta Juiz “a quo” e do decidido quanto à aplicação da taxa de juros de mora comerciais. Eis o que se lê naqueles pontos 10.2, 10.3 e 10.4: << 10.2 Mantendo-se o incumprimento, a A … pode resolver o contrato e exigir o pagamento imediato de toda a dívida (incluindo capital remanescente, juros contratuais e demais encargos vencidos, sem prejuízo da incidência de juros de mora à taxa legal sobre toda a dívida vencida; Cláusula 10.2- caso a A … resolva o contrato ou recorra a juízo para obter o pagamento, as penalidades devidas pela mora são substituídas por uma penalidade única de 8 % sobre todo o saldo em dívida, a título de cláusula penal. (sublinhado do Apelado);
na verdade, estipula-se uma penalidade única de 8% do saldo em dívida, mas nada se estipula em matéria de juros moratórios, o que bem se compreende por se estabelecer uma penalidade única;
quanto aos juros remuneratórios, é de considerar, como se fez no no Acórdão da Relação do Porto de 28-05-2023 (disponível em www.dgsi.pt – Processo 2039/21.3T8PRT-A.P1 que, << enquanto remuneratórios, os ditos juros não existem para além da vigência do contrato em que se fundam;
como se pode ler no Acórdão do STJ de 24-05-2017, disponível em www.dgsi.pt – Processo 07A930<< posto termo ao contrato mediante a manifestação da intenção de recebimento imediato da totalidade do capital em dívida por força do vencimento imediato, não são mais devidos juros remuneratórios futuros correspondentes ao período para o qual a autora, mutuante, deixou de disponibilizar ao mutuário o capital, os quais só têm razão de ser durante a vigência do contrato e não depois de o mesmo ser dado por findo, independentemente do nascimento e vencimento da obrigação de pagamento de juros moratórios.>> (sublinhado do Apelado). Seguiu essa mesma orientação, tal como vários outros arestos dos nossos tribunais superiores, o Acórdão da Relação de Coimbra de 28-05-2019 (disponível em www.dgsi.pt – Processo 5755/19.3T8CBR-C.C1);
no caso do Acórdão de 18-04-2023, e por força da mesma, existia um direito do credor, havendo mora do devedor, a juros moratórios “à taxa convencionada”, ou seja, à mesma taxa dos juros remuneratórios Quer dizer: os juros devidos, de juros remuneratórios passavam a ser desde logo juros moratórios da mesma taxa daqueles,
III.3.4. A questão dos juros após a resolução do contrato vinha sendo colocada em termos de saber se a dívida dos juros remuneratórios é ou não autónoma da do capital, se, prescindindo o mutuante do prazo pela interpelação do mutuário a pagar a totalidade das prestações vincendas aquando do incumprimento, pode ou não receber aqueles juros remuneratórios, ou seja, antecipando o mutuante o cumprimento do mútuo oneroso comercial de capital e juros fraccionados em prestações mensais e sucessivas, tem ou não direito aos juros remuneratórios incluídos nas prestações vincendas não pagas e cujo cálculo global foi feito ab initio no contrato de mútuo.
III.3.5. A questão foi alvo de acórdão uniformizador de jurisprudência 7/09, publicado no DR 1.º série de 5/05/09, cuja doutrina se impõe a esta Relação e na medida em que abrange a situação como a dos autos em que ocorre cláusula contratual geral que foi accionada em virtude do incumprimento do mutuário, com redacção conforme à do art.º 781 do CCiv e cujo teor na parte que releva e sublinhados nossos, é o seguinte:
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2009
Revista n.º 1992/08 — 6.ª Secção
Acordam no pleno da secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:
1 — O Banco Mais, S. A., propôs contra … e mulher … acção ordinária, distribuída à 3.ª Vara Cível de Lisboa, pedindo a condenação dos RR. a pagar -lhe a quantia de € 16 553,20, acrescida de juros moratórios à taxa de 23,3 % correspondente ao montante alegadamente por aqueles devido, por força do empréstimo concedido ao 1.º R. em proveito comum do casal.
Contestou apenas a 2.ª R., impugnando o montante do invocado débito, bem como o alegado proveito comum.
Efectuado o julgamento, foi proferida decisão na qual, julgando -se a acção parcialmente procedente, se condenou o 1.º R. a pagar ao A. a quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente às prestações mão pagas do capital mutuado, acrescidas dos juros de mora à taxa de 19,3 % desde 10 de Março de 2003, absolvendo -o do demais e à 2.ª R. da totalidade do pedido contra ela formulado. O A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa pedindo a revogação da sentença, por forma ao R. ser condenado na totalidade do pedido, citando a propósito um acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Janeiro de 2007, processo n.º 8208/06, da 7.ª secção no sentido da norma do artigo 781.º do Código Civil se aplicar igualmente no tocante ao vencimento imediato, às prestações de juros remuneratórios. Por acórdão da Relação de Lisboa que consta de fls. 206 a 208, o recurso foi julgado improcedente, nele assim se fundamentando a decisão proferida: «A questão a decidir resume -se [...] à apreciação da parte da decisão recorrida, na qual se considerou não ser devido o valor referente aos juros remuneratórios, incluído nas prestações posteriores à data em que se venceu o capital mutuado. No apontado sentido se tem vindo [...] a pronunciar a mais recente jurisprudência. ‘O artigo 781.º do Código Civil segundo o qual se a obrigação puder ser liquidada em prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas, tem toda a razão de ser pela perda de confiança que se instala no credor, relativamente ao cumprimento, pela falta de realização de uma das prestações. Tal preceito não conduz ao vencimento antecipado de prestações de juros, pois o que passa a ser imediatamente exigível, com a falta do pagamento de uma das prestações, pela perda do benefício do prazo, são todas as fracções da dívida única parcelada (o capital) não podendo os suplementos de juros, incluídas nas prestações do capital cujo vencimento é antecipado, serem exigidos como juros remuneratórios por não poderem ser calculados em proporção de um tempo decorrido por não corresponderem a um tempo efectivamente gasto (acórdão deste Tribunal de 19 de Abril de 2005 em www.djsi.pt).’ Os juros remuneratórios que exprimem o rendimento financeiro do capital mutuado não podem ser incluídos nas prestações do capital cujo vencimento é antecipado, mas apenas nas prestações vencidas. As dívidas do capital e dos juros são distintas, embora com forte conexão, valendo o princípio da autonomia (acórdão deste STJ de 12 de Setembro de 2006). Perfilhando -se a orientação acima expressa, entende- -se que pese embora o estipulado implicar a falta de pagamento de uma das parcelas devidas, o imediato vencimento das restantes, naquelas tão somente se poderá abranger o montante referente ao capital mutuado.» De novo inconformado, o mutuante interpôs recurso de revista para este tribunal e, no respectivo requerimento, por o decidido estar no domínio da mesma legislação, em oposição com o acórdão deste Supremo de 22 de Fevereiro de 2005 proferido no recurso n.º 3747/04/ -1.ª secção e com o decidido também pela Relação de Lisboa em acórdão de 17 de Janeiro de 2008 proferido no processo n.º 9.932/07 -2.ª secção, requereu igualmente que fosse proferido acórdão de uniformização de jurisprudência, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 678.º do Código de Processo Civil..Depois, admitido o recurso, produziu alegações em que conclui nos termos seguintes:
(...)
IV — Em face desta factualidade, considerou o acórdão recorrido não haver razões para deixar de confirmar o decidido na 1.ª instância e no fundamental assente na ideia de que o artigo 781.º do Código Civil a que se reporta a cláusula do contrato de mútuo oneroso, celebrado entre as partes e accionada pelo mutuante Banco Mais, S. A., em virtude da falta de pagamento pelo mutuário recorrido da 6.ª prestação, não podia ser interpretada no sentido de permitir que as prestações em dívida incluíssem igualmente o montante dos juros remuneratórios nelas incluídas. Invocou, como atrás dito, a orientação que vem sendo seguida por este Supremo Tribunal sobre contratos idênticos firmados pelo recorrente com clientes que deixando de pagar as prestações, motivaram um número inusitado da acções com os correspondentes recursos todos tendo genericamente como suporte o argumentado nas atrás transcritas conclusões. Entre outros, pronunciaram -se no sentido da decisão recorrida os seguintes acórdãos deste tribunal, todos disponíveis em www.dgsi.pt:
De 31 de Março de 2004, processo n.º 04B 514; De 13 de Janeiro de 2005, processo n.º 04B 3874; De 15 de Março de 2003, processo n.º 05B 282; De 19 de Abril de 2005, processo n.º 05A 493; De 27 de Abril de 2005, processo n.º 04B 2529; De 11 de Outubro de 2005, processo n.º 05B 2461; De 7 de Março de 2006, processo n.º 06A 038; De 12 de Setembro de 2006, processo n.º 03A 2338; De 14 de Novembro de 2006, processo n.º 06A 2718; De 14 de Novembro de 2006, processo n.º 06B 2911; De 6 de Fevereiro de 2007, processo n.º 06A 4524; De 10 de Janeiro de 2008, processo n.º 4304/07 — 2.ª secção. Digamos que mais recentemente são ainda de mencionar os acórdãos proferidos em 27 de Novembro de 2008 no processo n.º 3198/08 — 7.ª secção e em 9 de Dezembro de 2008 proferido no processo n.º 2924/08 — 1.ª secção. Em todos eles se sustenta, pois, a tese que fez vencimento nas instâncias. Porem, persistem decisões desconformes, mais na Relação de Lisboa do que neste Supremo, e que para o que aqui interessa são exemplo as decisões certificadas pelo recorrente a fl. 325 reportando respectivamente um Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Fevereiro de 2004, proferido na acção sumária da 11.ª Vara com o n.º 4180/99, outro desta mesma Relação de 17 de Agosto de 2008, proferido no recurso n.º 9932/7 — 2.ª, e, por fim, o único proferido neste Supremo em 22 de Fevereiro de 2005, no recurso n.º 3747/04 — 1.ª É premente, assim, que se solucione este arrastado conflito jurisprudencial, decidindo -se o recurso nos termos e para os efeitos constantes no artigo 732.º -A do Código de Processo Civil.
V — Como devidamente fundamentado no parecer do Ministério Público a questão suscitada no presente recurso e que visa saber se num contrato de mútuo oneroso comercial no âmbito do crédito ao consumo, com dívida liquidável em prestações, a exigibilidade imediata pelo mutuante do capital ao abrigo de cláusula reportada à faculdade prevista no artigo 781.º do Código Civil, o mutuário continua ou não devedor dos juros remuneratórios relativamente ao espaço temporal não decorrido como consequência da antecipação de vencimento, tem sido objecto de tratamento diferenciado na jurisprudência, designadamente ao nível da 2.ª instância. Propende o recorrente para, ao decidir -se o mérito da revista, se adopte a solução contrária à que foi expressa nas instâncias, sustentando -se, pois, no entendimento perfilhado nos acórdãos fundamento.
(...)
Estamos, pois, perante um contrato sujeito à disciplina do Decreto -Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, vulgo LCCG (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais). Nos termos do n.º 4, alínea b), das ditas «Condições gerais» do contrato, o empréstimo será reembolsado em prestações mensais e sucessivas cujo número, valor e datas de vencimento se encontram estabelecidas nas «Condições específicas». No mesmo número mas na alínea c) menciona-se que no valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro.Consta, ainda, do n.º 8, alínea b), das ditas «Condições gerais» que a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implica o imediato vencimento de todas as restantes. Ora o artigo 781.º do Código Civil estabelece que «se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de pagamento de uma delas implica o imediato vencimento das demais». Não se trata esta de uma norma imperativa, pelo que existindo uma qualquer cláusula estipulada num contrato ainda que de adesão, atribuindo outras consequências à mora do devedor será esta a prevalecer, face ao princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405.º do Código Civil, regra mínima de funcionamento do mercado. O que no caso manifestamente não acontece. Não se duvida que o conteúdo da cláusula supra leva a que se tenha por assente que a falta de pagamento pelo R. da 6.ª prestação das 60 acordadas implicou o vencimento das restantes como a A. pretende. Mas o que constitui aqui a quaestio a resolver é como interpretar a dita cláusula, no sentido de saber se o vencimento imediato das prestações por pagar deve ou não incluir os juros remuneratórios convencionados, previamente calculados pelo mutuante e nelas incorporadas ou apenas a dívida do capital. É unanimemente reconhecido que os juros (que estão no cerne do contrato de mútuo, seja civil, comercial ou bancário) são frutos civis, constituídos por coisas fungíveis que representam o rendimento de uma obrigação de capital, ou seja, a compensação que o obrigado deve pela utilização temporária de certo capital cujo montante varia em função dos factores seguintes: o valor do capital devido, o tempo durante o qual se mantém a privação deste pelo credor e a taxa de remuneração fixada por lei ou convencionada pelas partes (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª ed., pp. 28 -29, e Correia das Neves, Manual dos Juros, p. 23). Distinguem -se os juros quanto à sua fonte entre legais e convencionais, sendo os primeiros aqueles que são aplicáveis sempre que haja normas legais que determinem a sua atribuição em consequência do diferimento na realização de uma prestação, funcionando ainda supletivamente sempre que as partes estipulem a sua exigência, mas sem fixarem a taxa, e os segundos os que têm a sua taxa estipulada pelas partes, dentro dos limites legalmente estabelecidos. Porém, releva sobretudo para o que estamos a discutir a classificação dos juros no tocante à sua função ou finalidade económica e social entre juros remuneratórios, compensatórios, moratórios e indemnizatórios. Os juros remuneratórios têm uma finalidade remuneratória, correspondente ao prazo do empréstimo do dinheiro pelo tempo que o credor se priva do capital por o ter cedido ao devedor por meio de mútuo, exigindo uma remuneração por essa cedência. Os juros compensatórios destinam -se a proporcionar ao credor um pagamento que compense uma temporária privação do capital que ele não deveria ter suportado. Os juros moratórios têm uma natureza indemnizatória dos danos causados pela mora, visando recompensar o devedor pelos prejuízos em virtude do retardamento no cumprimento da obrigação pelo devedor. E, por último, os juros indemnizatórios são aqueles que se destinam a indemnizar os danos por outro facto praticado pelo devedor (v. Menezes Leitão in Direito das Obrigações, vol. I, 5.ª ed., Almedina, pp. 160 e 163). Mas outras classificações são possíveis como a que distingue entre os juros compensatórios e compulsórios, conforme pretendam respectivamente repor a degradação do capital devido ou incitar o devedor ao pagamento e a que separa os juros em civis e comerciais ou bancários, como explana Menezes Cordeiro no seu Manual de Direito Bancário, 3.ª ed., p. 535. Visam, portanto, os juros remuneratórios, aqui concretamente em causa em remunerar (retribuir) o capital e preencher em termos económicos a diferença entre o facultar desse capital, no caso por uma instituição de crédito devidamente autorizada para o efeito, em determinado momento e vir a dispor dele só depois. Ora, ponto é saber se com a perda de benefício do prazo dessa restituição e por força da exigibilidade imediata do capital pelo credor, facultado pelo artigo 781.º acima citado e transcrito, seja directamente aplicável no contrato de mútuo por vontade das partes, seja indirectamente com base em cláusula de teor idêntico, passando a faltar o diferimento no tempo entre a privação do capital e a sua recuperação pelo credor, se prevalece ou não a obrigação por parte do devedor de pagar os juros remuneratórios relativamente ao espaço temporal não decorrido como consequência da antecipação de vencimento. E a resposta não pode deixar de ser negativa. Como acentuam, na generalidade, os acórdãos acima identificados, os juros, quaisquer que sejam, são ou constituem um rendimento do capital, logo a obrigação respectiva está intrinsecamente dependente de uma obrigação de capital, ou, para sermos mais expressivos, não se concebem sem uma obrigação de capital, como refere Almeida Costa in Direito das Obrigações, 11.ª ed., p. 751. Na mesma linha ensina Menezes Cordeiro (op. cit., p. 529) que a inerente obrigação de juros pressupõe uma outra, a de capital, sendo por esta determinada, como já vimos, em função do seu montante, da sua duração e da taxa legal ou convencionada aplicável.
Sem ela, repete -se, a obrigação de juros não pode constituir -se, dispondo depois de constituída, de alguma
autonomia (artigo 561.º do Código Civil), mas mantendo ambas forte conexão, sendo, além do mais, uma obrigação por sua própria natureza temporária que vai nascendo ou surgindo à medida do decurso do próprio tempo (Vaz Serra, Obrigações de Juros, in BMJ, n.º 55, p. 162), visto no caso dos juros remuneratórios assumir ou ter como escopo retribuir ao credor o preço do capital disponibilizado durante esse período de tempo e como tal exprimindo o rendimento financeiro do mesmo (neste sentido, em especial, o Acórdão deste Supremo de 12 de Setembro de 2006, processo n.º 2338/06). Como atrás se viu, a cláusula estabelecida no contrato de que a omissão do pagamento de uma das prestações levava ao vencimento das restantes segue o preceituado naquele artigo 781.º Só que representando os juros, rectius, os juros remuneratórios, a contraprestação pela cedência do capital durante um período de tempo, assumindo mesmo carácter além de retributivo, sinalagmático, como dito na douta e bem elaborada sentença da 1.ª instância, no caso o lapso de tempo do mútuo, será então de concluir que a obrigação de juros só deve perdurar enquanto não houver vencimento antecipado das prestações vincendas e exigibilidade da dívida correspondente. Como se diz a este respeito no Acórdão deste Supremo de 6 de Fevereiro de 2007, acima referenciado: «… os juros remuneratórios abrangidos pelas prestações convencionadas são calculados tendo em conta o tempo de duração do contrato e o seu cumprimento, um certo programa contratual com a antecipação do vencimento resultante da falta de pagamento de uma das prestações, logo se vê que os juros remuneratórios calculados para todo o período de vigência do contrato não encontram correspondência ou proporcionalidade com o tempo decorrido até à exigibilidade do pagamento do capital, por perda do benefício do prazo e a natureza retributiva indexada ao tempo que apenas encerram.» Quer isto dizer, como se referiu noutro acórdão deste Supremo Tribunal proferido no processo n.º 224/08 — 1.ª que «o A. mutuante, ao ter provocado o vencimento da totalidade das prestações em falta, tornando exigível (o restante) capital em falta, seja face à cláusula indicada, seja com fundamento no disposto no artigo 781.º não poderá exigir os juros remuneratórios englobados nas prestações vincendas. Somente poderá exigir o capital mutuado e os juros remuneratórios incluídos nas prestações vencidas». Ou seja, vencida a obrigação de capital, deixa de haver lugar a remuneração pela indisponibilidade do mesmo capital. E, por isso, o vencimento automático estipulado no contrato aqui documentado não se aplica a prestações de juros e, logo, às que correspondem nas prestações do capital mutuado a esses mesmos juros, por estes, previamente calculados em proporção ao tempo que efectivamente tenha decorrido, deixariam de corresponder — sem o decurso do tempo à retribuição que por natureza, constituem (cf., igualmente, o Acórdão deste Supremo de 10 de Julho de2008, no processo n.º 1267/08).
Demais, ficou logo devidamente esclarecido na sentença da 1.ª instância, em interpretação acolhida no acórdão recorrido, que um declaratário normal, colocado na posição do R. e nos termos gerais da teoria da impressão do destinatário, consagrada no artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, a que faz apelo implícito o artigo 10.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais — não deixaria de entender a cláusula em foco no sentido supra, ou seja, a de que a falta de pagamento de uma prestação, com a inerente perda do benefício do pagamento escalonado no tempo do capital emprestado, não implicaria o pagamento de todos os juros que nasceriam até ao fim da duração prevista do contrato, sendo que ainda nela se observou que se a cláusula fosse considerada ambígua, sempre prevaleceria o sentido mais favorável ao aderente, nos termos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 11.º deste último diploma. Essa posição tem, de resto, sido sufragada na interpretação de cláusulas idênticas em contratos similares, como se pode ver do Acórdão acima listado de 14 de Novembro de 2006 e processo n.º 2718, merecendo a nossa inteira concordância. E nem se diga, em contrário, que constam do contrato em apreço as especificações sobre o número das prestações e o seu montante, pois tal não implica necessariamente que o aderente se considerasse vinculado ao seu pagamento, em caso de accionamento da dita cláusula, tanto mais que do documento que o corporiza igualmente consta o montante do empréstimo e a taxa de juros contratada, tudo, de resto, resultando de imposições legais quanto à comunicação ao mutuário dos elementos que lhe permitam saber os pagamentos que tem de efectuar e quando os tem de efectuar como observado em resposta a conclusões idênticas do recorrente (conclusões 21.ª a 24.ª) no acórdão proferido no processo n.º 3198/08, 7.ª secção. Logo, não há aqui que confundir os normativos reguladores do mútuo oneroso com a aplicabilidade do regime previsto no artigo 781.º; o mútuo oneroso que é a regra do mútuo comercial (artigo 395.º do Código Comercial) pressupõe a disponibilidade do capital e deixando o capital de estar disponível, com a exigibilidade imediata ao mutuário da sua totalidade, cessa o direito ao recebimento dos juros correspondentes. Não se está assim a ver que peque este entendimento por desconforme com o direito ou com a «boa razão», constituindo como que um prémio ao devedor relapso, um incentivo ao incumprimento, sendo, sim, inaceitável que pretendendo o mutuante usufruir as vantagens da imediata recuperação do capital disponibilizado ao mutuário, através do mecanismo do artigo 781.º do Código Civil por referência a cláusula com idêntica redacção, pretenda igual e concomitantemente que este lhe pague o rendimento do mesmo, preço do seu diferimento no tempo, situação por ele próprio feita cessar. Importa, de todo o modo, não deixarmos da analisar entre o argumentado nas conclusões da minuta, uma a uma, as questões postas em abono da tese que não obteve vencimento nas instâncias. Alude o recorrente que a lei expressamente prevê (artigo 1147.º do Código Civil) que no mútuo oneroso, o mutuário terá de pagar os juros por inteiro caso queira antecipar o cumprimento, pelo que seria errado, injusto ou despropositado pretender -se que, em caso de incumprimento, não ter ele que pagar os mesmos juros (remuneratórios) por inteiro.
No entanto, são situações que não se equivalem.
Como já dito e explicado em vários acórdãos deste Supremo, num dos casos é o mutuário quem unilateral e antecipadamente impõe o cumprimento ao mutuante, ao passo que no outro e que corresponde à situação dos autos é o mutuante que toma a iniciativa da exigibilidade imediata do capital, sendo certo que podia não utilizar esse expediente, ficando a aguardar o decurso do alegado prazo contratual.
Argumenta, também, o recorrente que o «custo total do crédito» no que concerne ao crédito ao consumo (regulado pelo Decreto -Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, que procedeu à transposição das directivas do Conselho das Comunidades Europeias n.os 87/102/CEE, de 22 de Dezembro de 1986, e 90/88, de 22 de Fevereiro de 1990) engloba o montante do empréstimo, os juros acordados e as restantes despesas e encargos a cargo do mutuário, sendo que é esse o montante global desde logo achado e calculado que é repartido em prestações uniformes que o mutuário se obriga a pagar (artigos 2.º, alínea b), d) e e) e 4.º do referido diploma) logo reforçando ainda mais aquilo que se explicitara, ou seja, tal como no mútuo oneroso meramente civil, a obrigação do mutuário fraccionada em prestações engloba o capital e a respectiva remuneração, sendo esta, pois, a obrigação ab initio do beneficiário do crédito. Mas não é assim, ainda que a consideração dessa taxa anual efectiva global (TAEG) prevista no indicado diploma e preceito tenha sido incluída na fundamentação do acórdão deste Supremo certificado nos autos para sustentar tal posição e por traduzir ela o «custo total» do crédito ao consumo, por via dos riscos elevados a este normalmente associados, riscos que, anote -se, são próprios das operações bancárias e parabancárias em geral e do sistema financeiro em que se inserem e actuam e que se minimizam e acautelam, em regra, com vários tipos de garantias. Não se discute que existe um «custo total» do crédito, mas como referido no n.º 3 do artigo 4.º do sobredito diploma, o seu cálculo e disseminação pelas prestações é efectuado no pressuposto de que o contrato de crédito vigorará pelo período de tempo acordado e de que as respectivas obrigações serão cumpridas nos prazos e datas convencionadas.
No caso, com a exigibilidade imediata da dívida por falta de pagamento de uma prestação e como se anota no já citado Acórdão de 9 de Dezembro de 2008, deixa de se verificar o pressuposto de que o montante mutuado o será pelo período de tempo assinalado, ou seja, nas palavras do sobredito acórdão «[…] exigindo o mutuante o capital antecipadamente (por virtude da dita cláusula ou em razão do disposto no artigo 781.º) não deverá receber em relação ao período antecipado, a remuneração do capital. Para evitar que isto suceda bastará ao mutuante não usar da diligência de fazer vencer todas as prestações em falta, aguardando o decurso do prazo convencionado da execução contratual.» O recorrente traz, igualmente, à liça a questão da capitalização dos juros para justificar, como diz, a capitalização dos juros remuneratórios. Independentemente do recorrente ser uma instituição de crédito (sociedade financeira de aquisições a crédito e tendo como objecto o exercício ente outras da actividade de concessão de crédito ao consumo) e logo podendo capitalizar juros (anatocismo) conforme os «usos bancários» essa questão não se coloca na temática em análise. Como resulta da leitura da norma apontada do artigo 560.º do Código Civil e segundo a qual, em regra, «para que os juros vencidos produzam juros é necessário convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros a partir da notificação feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de descapitalização» para se colocar o problema da admissibilidade dessa capitalização dos juros remuneratórios, seria necessário também que se vencessem antecipadamente, por falta de pagamento de uma prestação, aqueles que corresponderiam às prestações subsequentes, o que manifestamente não sucede (v. também neste sentido, para responder a idêntica objecção do Banco recorrente os Acórdãos deste Supremo de 31 de Outubro de 2006, processo n.º 2972/06 — 6.ª e de 27 de Novembro de 2008, processo n.º 3198/08. Mas diga -se que esta questão foi, igualmente, escalpelizada na sentença da 1.ª instância, referindo o juiz que o recorrente confundia a capitalização de juros com a génese e o vencimento destes, não podendo falar -se de uma capitalização de juros que, no fim de contas, se não chegaram a vencer.
VII — De tudo o que precede, impõe -se destacar e articular os pontos ou premissas nucleares que suportam o entendimento amplamente maioritário senão mesmo uniforme deste Supremo Tribunal sobre a questão objecto do presente recurso de revista ampliada para uniformização de jurisprudência: 1) A obrigação de capital constitui nos contratos de mútuo oneroso, comercial ou bancário, liquidável em prestações, uma obrigação de prestação fraccionada ou repartida, efectuando -se o seu cumprimento por partes, em momentos temporais diferentes, mas sem deixar de ter por objecto uma só prestação inicialmente estipulada, a realizar em fracções; 2) Diversamente, os juros remuneratórios enquanto rendimento de uma obrigação de capital, proporcional ao valor desse mesmo capital e ao tempo pelo qual o mutuante dele está privado, cumpre a sua função na medida em que exista e enquanto exista a obrigação de capital; 3) A obrigação de juros remuneratórios só se vai vencendo à medida em que o tempo a faz nascer pela disponibilidade do capital; 4) Se o mutuante, face ao não pagamento de uma prestação, encurta o período de tempo pelo qual disponibilizou o capital e pretende recuperá -lo, de imediato e na totalidade o que subsistir, só receberá o capital emprestado e a remuneração desse empréstimo através dos juros, até ao momento em que o recuperar, por via do accionamento do mecanismo previsto no artigo 781.º do Código Civil; 5) Não pode, assim, ver -se o mutuante investido no direito a receber juros remuneratórios do mutuário faltoso, porque tais juros se não venceram e, consequentemente, não existem; 6) O mutuante, caso opte pela percepção dos juros remuneratórios convencionados, terá de aguardar pelo decurso do tempo previsto para a duração do contrato e, como tal, abster -se de fazer uso da faculdade prevista no artigo 781.º do Código Civil, por directa referência à lei ou a cláusula de teor idêntico inserida no contrato; 7) Prevalecendo -se do vencimento imediato, o ressarcimento do mutuante ficará confinado aos juros moratórios, conforme as taxas acordadas e com respeito ao seu limite legal e à cláusula penal que haja sido convencionada; 8) O artigo 781.º do Código Civil e logo a cláusula que para ele remeta ou o reproduza tem apenas que ver com a capital emprestado, não com os juros remuneratórios, ainda que incorporados estes nas sucessivas prestações; 9) A razão de ser do mencionado preceito legal prende –se com a perda de confiança que se produz no mutuante/credor quanto ao cumprimento futuro da restituição do capital, face ao incumprimento da obrigação de pagamento das respectivas prestações; 10) As partes no âmbito da sua liberdade contratual podem convencionar, contudo, regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido no artigo 781.º do Código Civil. De rejeitar é, portanto, a tese propugnada pelo recorrente, sustentada nos acórdãos fundamento e com base na qual estruturou as suas alegações, pelo que nenhuma censura merece o decidido pelas instâncias.
VIII — Por todo o exposto, acordam, em plenário das secções, em «negar a revista», mantendo -se, consequentemente, na sua integralidade, a decisão das instâncias, com condenação do recorrente nas custas e uniformiza –se a jurisprudência nos seguintes termos: «No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados.»
Lisboa, 25 de Março de 2009. — António José Corte Cardoso de Albuquerque (relator) — Fernando Azevedo Ramos — Manuel José da Silva Salazar — Sebastião José Coutinho Póvoas — António Manuel Machado Moreira Alves — Salvador Pereira Nunes da Costa (com declaração de voto, que junto) — José Ferreira de Sousa — António Cardoso dos Santos Bernardino — Nuno Pedro de Melo e Vasconcelos Cameira — António Alberto Moreira Alves Velho — Armindo Ribeiro Luís — Carlos Alberto de Andrade Bettencourt de Faria — José Joaquim de Sousa Leite — José Amílcar Salreta Pereira — Custódio Pinto Montes — Joaquim Manuel Cabral e Pereira da Silva — José Rodrigues dos Santos — João Luís Marques Bernardo — João Moreira Camilo — Paulo Armínio de Oliveira e Sá — Artur José Alves da Mota Miranda — Alberto de Jesus Sobrinho — Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza — Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos — António José Pinto da Fonseca Ramos — Mário de Sousa Cruz — Ernesto António Garcia Calejo — Henrique Manuel da Cruz Serra Baptista — Lázaro Martins de Faria — Hélder João Martins Nogueira Roque — José Fernando de Salazar Casanova Abrantes — Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues — Luís António Noronha Nascimento
— (Tem voto de conformidade dos conselheiros Camilo Moreira Camilo, Urbano Aquiles Lopes Dias e Arlindo Oliveira Rocha que não puderam estar presentes.) — Luís António Noronha Nascimento.
Declaração de voto
Considerando o objecto do recurso e a motivação expendida no acórdão, uniformizaria a jurisprudência por
via da formulação da seguinte súmula: «Nos contratos de mútuo cujas obrigações sejam pagas em prestações, se o credor exigir do devedor o seu pagamento antecipado, nos termos do artigo 781.º do Código Civil, não pode exigir do último o pagamento dos juros remuneratórios originariamente incorporados no montante das prestações objecto de vencimento antecipado.» Salvador da Costa.
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III.3.6. A apelante não discorda da doutrina do AUJ o que diz é que as partes acordaram nas cláusulas 6., 7.1. e 10.1. do contrato -, aquela taxa de juros especial de 24,72% para a situação em que tendo ocorrido a resolução contratual, contabilizado o capital, juros, encargos juros em dívida em razão dessa resolução contratual, acrescido da contabilizada cláusula penal, esse valor não venha depois a ser pago.
III. 3.7. Indiscutida a liberdade contratual, será que as cláusulas em causa dizem tal?
III.3.8. A cláusula 6 intitulada “custo do crédito” refere que o mesmo custo “varia em função das utilizações, montante e duração do saldo devedor e é composto pelo crédito utilizado, juros diários vencidos, imposto e demais encargos (excepto o selo do contrato), incluindo o seguro correspondendo a uma taxa anual efectiva global (TAEG) de 19,5% calculada nos termos do DL 101/2000 d 2/6 e DL 359/91 de 2/9. O custo dos seguro que é facultativo não está incluído na TAG”; por seu turno a cláusula 7.1 sob a epígrafe “Modificação do Custo do Crédito” dispõe que “a A … pode rever e alterar a taxa de juros caso se alterem as condições que determinaram sua fixação”; por último a cláusula 10.1 sob a epígrafe “Incumprimento e Resolução do Contrato” refere “Caso o mutuário não faça o pagamento de uma prestação na data do vencimento ficará em mora, acrescendo à prestação uma penalidade mensal de 4% sobre cada uma das prestações em mora, sem prejuízo de a A … poder aplicar uma penalização adicional de valor correspondente às despesas determinada pela constituição em mora de acordo com os preçários em vigor”
III.3.9. As cláusulas mencionadas pela recorrente referem-se ao momento da execução do contrato, mas não é a essas cláusulas que há que atender após a resolução do contrato que aA … operou nos termos contratuais. O contrato foi resolvido, é pacífico, o capital todo venceu-se incluindo capital remanescente, juros contratuais (remuneratórios) e demais encargos vencidos, “sem prejuízo da incidência de juros de mora sobre toda a dívida vencida” (cláusula 10.2). Dispõe, ainda a parte final da cláusula 10.2, no que aqui releva que “Caso a A … resolva o contrato e/ou recorra a juízo para obter o pagamento, as penalidades devidas pela mora são substituídas por uma penalidade única de 8% sobre todo o saldo em dívida a título de cláusula penal”
III.3.10. Por conseguinte não é verdade que as partes acordaram, para a hipótese de resolução do contrato, como veio a acontecer, a aplicação de uma taxa de juros de mora de 24,72%,- admitindo que era essa a taxa contratualizada para o período de execução do contrato-, sobre toda a dívida vencida. O que acordaram foi que sobre esse capital (onde se inclui o capital, juros remuneratórios vencidos, encargos) todo, resultante da resolução contratual, incidem juros de mora, caso não venha a ser pago, resolução quer veio a operar, não se convencionou a aplicação da mencionada taxa, isto sem prejuízo da mencionada cláusula penal, cuja apreciação aqui não cabe. Não havendo estipulação contratual, o juro moratório que indemniza o credor pela mora no cumprimento dessa obrigação pecuniária decorrente da resolução contratual (n.º 1 do artigo 806.º do Código Civil) é, necessariamente, o juro legal (n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil), ou seja, o estabelecido nos termos do disposto no § 3 do artigo 102.º do Código Comercial Nenhum erro, pois, na decisão recorrida quando decretou que sobre o mencionado capital se vencem “juros à taxa legal prevista para os juros comerciais, a liquidar em incidente próprio”, remetendo-se para os termos da decisão recorrida (art.º 663/5).
IV- DECISÃO
Tudo visto acordam os juízes em julgar improcedente a apelação e consequentemente confirmam a decisão recorrida.
Regime da Responsabilidade por custas: as custas nesta instância recursiva são da responsabilidade da apelante A … que decai e porque decai (art.º 527/1 e 2).
Lxa., 21-11-2024 Vaz Gomes António Moreira Paulo Silva
[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/7, atento o disposto nos art.º 5/1, 8, e 7/1 (a contrario sensu) e 8 da mesma Lei que estatuem que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no passado dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente, atendendo a que a acção foi autuada e distribuída em 2020 e a data da decisão recorrida que é de 11/9/2024; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.