Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
ADOPÇÃO
MACAU
CURADOR AD LITEM
LEGITIMIDADE
Sumário
Sumário da responsabilidade do relator: I-O acto formal de reconhecimento ou de exequatur não é outra coisa, no fundo, senão a condição necessária (conditio juris) para que a sentença estrangeira possa estender ao Estado do foro os efeitos que lhe competem: os seus efeitos de acto jurisdicional. Antes do exequatur, a sentença estrangeira não produz efeitos no Estado do foro, salvo aquele que se traduz na admissibilidade da própria acção de revisão: a sua eficácia encontra-se num estado de pendência. Quanto à sentença de confirmação, ela não tem valor constitutivo, a não ser na medida em que declara que todas as condições às quais a lex fori subordina o reconhecimento das sentenças estrangeiras se encontram preenchidas. O objectivo do processo de revisão não consiste, assim, na obtenção de uma sentença nacional idêntica à sentença estrangeira, mas de uma sentença nacional que permita que a decisão estrangeira opere na ordem jurídica do foro os efeitos que lhe são próprios, de acordo com a lei do estado de origem. II- Situações há em que com atribuição de eficácia à sentença estrangeira apenas se pretende tornar efectivas no território nacional as situações definidas na sentença estrangeira em favor do próprio peticionante, sem que haja qualquer confronto com terceiro, nesses casos a acção de revisão não se estabelece numa relação processual antagónica, em termos de autor/réu, requerente/requerido, mas numa simples demanda ao Estado de atribuição de eficácia à sentença estrangeira; ao reconhecimento da situação por ela definida. III-Neste tipo de processos, em que está em causa o reconhecimento- e consequente eficácia em Portugal- de decisões que reconheceram os requerentes como pais adoptivos de uma criança com os poderes conferidos por aquelas decisões estrangeiras a produzir efeitos em território nacional, decisões essas cuja revisão é meramente formal e não de mérito como se sabe, têm legitimidade para por si só intentarem essas acções; de igual forma temos sustentado a legitimidade do Autor/Autora ou Autores de acções de revisão de sentença estrangeira que lhes atribuem poderes de representação, como adoptantes em relação aos adoptados sejam estes menores ou maiores circunstância em que o maior terá de figurar também do lado activo. IV-O adoptando C … é menor de idade e os Autores maiores ainda não viram reconhecidos os seus poderes atribuídos pela decisão estrangeira. Os menores e os maiores acompanhados sujeitos a representação só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, excepto quanto aos actos que possam exercer pessoal e livremente (art.º 16/1) e se o incapaz não tiver representante geral deve requerer-se a nomeação de ao tribunal competente sem prejuízo da imediata designação de um curador provisório pelo juiz da causa (art.º 17/1 do CCiv), havendo conflito de interesses entre qualquer dos pais e o filho sujeito às responsabilidades parentais são os menores representados por um ou mais curadores especiais nomeados pelo tribunal nos termos do n.º 2 do art.º 1881 do CCiv. Pela simples análise da decisão revidenda verifica-se que, logo após o nascimento da criança- filho de pai incógnito-, a mãe biológica entregou-o numa instituição, por não conseguir tratar dele, designadamente por não ter condições financeiras, houve confiança administrativa com vista à adopção em processo de 2021, desde essa data que a criança vive com a requerente e sua família tendo o tribunal da decisão revidenda entendido dispensar o consentimento com base no art.º 1831 do antigo CCiv aplicável em Macau, com correspondência no nosso actual 1979 do CCiv., por conseguinte, em razão da decisão revidenda (que não evidencia qualquer situação de conflito entre os pais biológicos e os Autores, destes entre si ou entre estes e o adoptando a justificar o mecanismo do art.º 1881/2 do CCiv) quem passou a ter poderes de representação da criança foram os Autores maiores, cessando os dos pais biológicos, que não têm que ser citados igualmente, pelas citadas razões não se vislumbra razão pela para que se nomeie um curador ad litem ao mesmo.
Texto Integral
Acordam os juízes na 2.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I- RELATÓRIO A …, B …, C … , este último nascido em 26-12-2016, com os sinais dos autos (representado pelo ilustre advogado D …s, com escritório em Lisboa, conforme procurações de 1/7/2024 junta aos autos), propuseram, acção declarativa com processo especial nos termos dos art.ºs 978 e ss. do Código de Processo Civil, pedindo a revisão e a confirmação das sentenças estrangeiras de adopção do menor C … proferidas pelo Juízo de Família e Menores Administrativa Especial de Macau em relação ao menor C …, a primeira sentença decretou a adopção singular do menor pela sua mãe, que é residente em Macau, a segunda sentença que decretou a adopção do referido menor pelo marido da sua mãe (adoptiva), sendo o pai (adoptivo) do menor igualmente residente em Macau, com a mãe do menor e com o próprio (e os outros filhos menores, de cada um, à data, quer da primeira, quer da segunda adopção, os pais e o filho, ou seja todos os Requerentes, residiam (e ainda residem) em Macau, território no qual têm estatuto de residentes permanentes e o seu centro de interesses pessoal e profissional, não estando, portanto em causa o instituto da adopção internacional; no caso de ambas as sentenças estão em causa as mesmas partes, e estão ainda em causa, essencialmente, os mesmos factos, para a apreciação dos quais é competente o mesmo tribunal, sob a mesma forma de processo, que decide por aplicação e interpretação das mesmas regras de direito, decisão essa que incidirá sobre duas sentenças judiciais, ou seja, sobre o mesmo tipo de título, esta ampla conexão fundamenta, em conformidade com o artigo 36.º n.º 2 do CPC, a coligação dos Requerentes e a presente cumulação destes pedidos de revisão e de confirmação de duas sentenças estrangeiras na mesma e presente acção, e justifica-se ainda substancialmente, processualmente, e também em nome da economia processual não se verifica nenhum dos obstáculos legais à coligação, designadamente previstos no artigo 37.º, do CPC, o que se pretende é o “mero” reconhecimento da situação definida em cada uma das sentenças a rever, sem que se pretenda fazer valer contra quem quer que seja em concreto, donde que se nos afigure que esta acção deve ser proposta pelos directamente afectados no seu estado pelas sentenças. No primeiro processo foi igualmente decretada a mudança de nome do menor adoptando, que passou a chamar-se C …, a Requerente-mãe reside em Macau com o Requerente-filho e sua restante família, que inclui os seus dois filhos menores de um casamento anterior, o seu marido e aqui Requerente -pai, e dois filhos menores do primeiro casamento, embora seja residente em Macau, a Requerente-mãe tem nacionalidade portuguesa e pretende que Requerente C … seja reconhecido como seu filho em Portugal, a fim de dar início ao processo de aquisição de nacionalidade portuguesa deste, a referida sentença transitou em julgado em 31 de Outubro de 2022, dúvidas não restam quanto à autenticidade do documento onde se encontra vertida a sentença, nem quanto à inteligibilidade da mesma, nem tão pouco a decisão nele contida versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses não conduz, também, a um resultado incompatível com a ordem pública internacional vigente no Estado Português. O Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial de Base da Região Administrativa Especial de Macau veio, depois, a decretar a adopção do Requerente-filho pelo Requerente-pai também o Requerente-pai reside em Macau com o Requerente-filho e sua restante família, tal como a Requerente-mãe, embora todos os Requerentes sejam residentes em Macau, o Requerente-pai tem nacionalidade portuguesa, e pretende que o Requerente C … seja reconhecido como seu filho em Portugal, referida sentença não foi interposto recurso e esta transitou em julgado em 10 de Agosto de 2023, não existem dúvidas quanto à autenticidade do documento onde se encontra vertida a sentença, nem quanto à inteligibilidade da mesma, nem tão pouco a decisão nele contida versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses, não conduz, também, a um resultado incompatível com a ordem pública internacional do Estado Português.
Ordenado o cumprimento do art.º 982, do C.P.C., a requerente sustenta a viabilidade do pedido e a Ex. Procuradora Geral Adjunta, pugna pela nomeação de curador ad litem ao menor em suma dizendo e requerendo que “...como estão por reconhecer as sentenças revidendas (as quais não tem por ora eficácia na ordem jurídica portuguesa), não poderá o menor estar em juízo representado pelos Requerentes, nos termos do art.º 16.º, n.º 2, do CPC, já que ainda não podem ser considerados, naturalmente, como seus legais representantes... tendo em vista a nomeação de um curador especial ou ad litem, nos termos do art.º 17.º do CPC, promovo se notifiquem os requerentes para indicar pessoa idónea para representar o menor.”
Em resposta os Autores vieram em suma dizer que “...o processo de revisão de sentença estra do mérito da causa onde foi proferida tal sentença vidando apenas fiscalizar o cumprimento de determinados requisitos formais... o nosso sistema é essencialmente e em regra um sistema de revisão meramente formal ou de delibação... não estamos a fazer a verificação da decisão a rever como se certificássemos a sua conformidade com o direito substantivo português, mas antes, apenas a tomar essa decisão como um documento a que reconhecemos validade formal... em face deste contexto particular em que decorre a revisão das sentenças estrangeiras, a circunstância de o conteúdo da decisão a confirmar remeter para a adopção não permite, pois, que se lhe possa opor que os pais adoptivos não podem exercer o seu poder-dever de representação parental porquanto segundo a lei portuguesa o sujeito da adopção não está aqui registado como filho e porque estes pais não constam como tal no registo de nascimento do menor... a actividade do tribunal estrangeiro não foi simplesmente a de homologar actos dependentes apenas da disponibilidade dos Requerentes pai e mãe, mas antes fez a verificação das razões expostas e dos interesses em jogo para, no final, e na apreciação de todos esses interesses, maxime, os do Requerente filho menor, “ordenar” a constituição da filiação adoptiva, com tudo o que esta implica, incluindo o poder de representação... O que quer dizer que para os efeitos do presente processo, não deve existir qualquer dúvida de que a requerente A … é a mãe, e o requerente B … é o pai do requerente filho menor C …, Decorre do disposto nos artigos 16.º a 18.º do C.P.C. sobre a representação judiciária dos incapazes, que os menores são em primeira linha representados em juízo pelos seus pais ou por um deles (se só a ele couber o exercício das responsabilidades parentais, podendo sê-lo em última instância por um curador especial ou provisório (um curador ad litem, nomeado para um concreto processo), quando haja falta ou uma impossibilidade desses representantes e designadamente quando haja conflito de interesses entre o incapaz e o seu legal representante (cf. artigo 1881, n.º 2, do C.C.)... pode, efetivamente, acontecer que o representante legal do menor representado fique provisoriamente paralisado no exercício do correspondente poder-dever de representação que a lei lhe confere pelo facto de se orientar por outro interesse diferente do interesse do menor, com o qual antes se incompatibiliza, sentindo-se tentado a sacrificar os interesses do seu representado em benefício dos seus próprios interesses, a lei soluciona esta questão nos termos doartigo1881.º, n.º 2 do CC e assim, “se houver conflito de interesses cuja resolução dependa de autoridade pública, entre qualquer dos pais e o filho sujeito às responsabilidades parentais, ou entre os filhos, ainda que, neste caso, algum deles seja maior, são os menores representados por um ou mais curadores especiais nomeados pelo tribunal... o legislador recorre ao expediente de nomear uma pessoa diferente dos pais do menor apenas quando o menor que é parte na acção ali deva ser representado, ou assistido, por pessoa diversa do seu representante geral, por existir entre representante(s) e representado um conflito de interesses ou uma outra incompatibilidade e onde esse curador especial, no fundo, possa dirimir o alegado conflito de interesses, o que quer dizer que só se a representação pelos pais não for possível (por falta de acordo ou conflito de interesses entre os interesses dos pais e os interesses do menor) é que deve ser designado um curador especial... Do carácter funcional das responsabilidades parentais resulta que o exercício dos direitos e deveres que as definem não pode ser exercido se e quando o seu titular quiser e como queira, mas antes do modo exigido pela função do direito, ou seja na medida em que o interesse do filho o exigir... neste processo está em causa uma sentença que decreta a adopção sem que se vislumbre qualquer outra finalidade da atribuição de eficácia a tal sentença que não a de mero reconhecimento em Portugal do estado de pais e filho resultante daquela adopção, assim, não descortinamos nesta acção um qualquer conflito ou incompatibilidade de interesses entre o menor e os interesses dos seus representantes que seja susceptível de comprometer a indispensável objectividade do pai e da mãe na defesa dos interesses do filho: do ponto de vista do interesse do menor, parece antes haver uma total coincidência de interesses, e por esta razão não vemos qualquer necessidade de afastar a regra geral da representação... nem sempre a atribuição de eficácia à sentença estrangeira visa a possibilidade de a fazer impor a outrem ou de a fazer valer contra outrem, existindo situações em que, com a atribuição de eficácia à sentença estrangeira, apenas se pretende tornar efectivas no território nacional as situações definidas na sentença estrangeira em favor dos próprios, sem que haja qualquer confronto com terceiro, nestes casos, a acção de revisão não se estabelece numa relação processual antagónica, em termos de autor/réu, requerente/requerido, mas numa simples demanda ao Estado de atribuição de eficácia à sentença estrangeira, de reconhecimento da situação por ela definida e, consequentemente, não haverá qualquer sujeito a ocupar o lado passivo da relação processual (abstraindo aqui do papel do MP enquanto defensor da legalidade e dos princípios de ordem pública, e sempre se diga que se o menor não pode ser representado nesta acção pelos seus legais representantes, que são os pais, também nos suscita a maior perplexidade que estes tenham legitimidade para indicar outra pessoa para representar o filho em processo judicial, pois se não têm poderes para representar o filho, também não terão poderes para sugerir quem será a pessoa idónea diferente que deverá representá-lo6 porquanto os pais não actuam na qualidade de representantes legais, mas sim na qualidade de titulares das responsabilidades parentais exercidas por excelência em benefício dos filhos, que incluem o poder-dever de representação... no entanto, se apesar de tudo o acima exposto, o tribunal entender que para assegurar a integral prossecução dos interesses do menor este deverá ser representado por pessoa diversa da dos seus pais e titulares do poder de representação geral, então requer-se, por mera cautela de patrocínio e subsidiariamente, que seja nomeada como curadora ad-litem doRequerente C …, a senhora Dra. E …, Advogada com a cédula profissional n.º … e domicílio profissional na Rua …, n.º … – ….º andar …., em Lisboa, a qual acompanhou e apoiou os ora Requerentes durante os processos de adopção em Macau.”
O Tribunal é o competente. Questão do curador ad litem: no que respeita à legitimidade passiva a observar na acção de revisão de sentença estrangeira, nada se encontra legislativamente consagrado, quanto à intervenção, na mesma, de pessoas distintas e diversas daquelas que tenham sido parte na sentença revidenda” (www.pgdlisboa.pt Sumário do Acórdão do STJ proferido a 26 de maio de 2009, na revista 204/09.0YFLSB).
Temos vindo a entender que neste tipo de processos, em que está em causa o reconhecimento- e consequente eficácia em Portugal- de decisões que reconheceram os requerentes como pais adoptivos de uma criança conferidos por aquelas decisões estrangeiras a produzir efeitos em território nacional, decisões essas cuja revisão é meramente formal e não de mérito, como se sabe, têm legitimidade para, por si só, intentarem essas acções. De igual forma, temos sustentado a legitimidade do Autor/Autora ou Autores de acções de revisão de sentença estrangeira que lhes atribuem poderes de representação, como adoptantes em relação aos adoptados sejam estes menores ou maiores circunstância em que o maior terá de figurar também do lado activo, seguindo-se o entendimento de que “...em cada processo concreto só deve, porém, ter lugar aquilo que estando na disponibilidade das partes for de sua vontade e aquilo que for útil (artigos 137º e 265º do CPC) e adequado (artº 265-Aº do CPC) para a obtenção de uma decisão judicial sobre a pretensão deduzida (artº 2º do CPC)... o acto formal de reconhecimento ou de exequatur não é outra coisa, no fundo, senão a condição necessária (conditio juris) para que a sentença estrangeira possa estender ao Estado do foro os efeitos que lhe competem: os seus efeitos de acto jurisdicional. Antes do exequatur, a sentença estrangeira não produz efeitos no Estado do foro, salvo aquele que se traduz na admissibilidade da própria acção de revisão: a sua eficácia encontra-se num estado de pendência. Quanto à sentença de confirmação, ela não tem valor constitutivo, a não ser na medida em que declara que todas as condições às quais a lex fori subordina o reconhecimento das sentenças estrangeiras se encontram preenchidas. O objectivo do processo de revisão não consiste, assim, na obtenção de uma sentença nacional idêntica à sentença estrangeira, mas de uma sentença nacional que permita que a decisão estrangeira opere na ordem jurídica do foro os efeitos que lhe são próprios, de acordo com a lei do estado de origem(Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado – Aditamentos, Coimbra, 1973, pg 45-46.) pelo que a relação jurídica processual haverá de ser moldada em função dessa finalidade e não em função dos direitos regulados na sentença revidenda, sendo uma sentença um acto pelo qual se definem direitos, a atribuição de eficácia a uma sentença estrangeira coloca aquele a quem ela atribui direitos numa posição de, no território nacional, a fazer impor a quem aquela sentença constitui na obrigação de reconhecer aqueles direitos. Daí que o pedido de revisão dessa sentença deva ser formulado no confronto com quem possa ser directamente atingido pelo deferimento de tal pedido (daí que o pedido deva ser formulado contra quem se pretenda fazer valer a acção – e não necessariamente o vencido na mesma – no tribunal da área da sua residência para a ela ser chamado por meio de citação, mas nem sempre a atribuição de eficácia à sentença estrangeira visa a possibilidade de a fazer impor a outrem; de a fazer valer contra outrem. Com efeito, situações há em que com atribuição de eficácia à sentença estrangeira apenas se pretende tornar efectivas no território nacional as situações definidas na sentença estrangeira em favor do próprio peticionante, sem que haja qualquer confronto com terceiro, ora nesses casos a acção de revisão não se estabelece numa relação processual antagónica, em termos de autor/réu, requerente/requerido, mas numa simples demanda ao Estado de atribuição de eficácia à sentença estrangeira; ao reconhecimento da situação por ela definida. Pelo que a mesma não terá qualquer sujeito a ocupar o lado passivo da relação processual (abstraindo aqui do papel do MP enquanto defensor da legalidade e dos princípios de ordem pública), o caso paradigmático dessa situação é o pedido de revisão de sentença estrangeira de divórcio formulado por ambos os ex-cônjuges, neste processo está em causa uma sentença que decreta a adopção sem que se vislumbre qualquer outra finalidade da atribuição de eficácia a tal sentença que não a de mero reconhecimento em Portugal do estado de pais e filho resultante daquela adopção. Pretende-se, assim, o mero reconhecimento da situação definida na sentença revidenda, sem que se pretenda fazer valer contra quem quer que seja em concreto. Daí que se nos afigure dever a acção ser proposta pelos directamente afectados no seu estado pela sentença: aqueles que em face dela ficam relacionados familiarmente como pais de um determinado filho. E tanto o poderão fazer em conjunto (por haver coincidência de interesses, como é natural que ocorra as mais das vezes), caso em que não se pretende fazer valer a sentença contra ninguém em concreto; como o poderá fazer qualquer deles individualmente (quiçá por só a ele interessar a produção de efeitos no território nacional), caso em que, para além do simples reconhecimento da situação se pretende, igualmente, a imposição desses efeitos aos demais interessados, pelo que a pretensão haverá de ser deduzida contra eles. O que não se nos afigura correcto é que a relação processual se deva estabelecer entre o(s) pai(s) adoptivo(s) e o(s) pai(s) biológico(s). Com efeito, e desde logo, não se compreende porque se exclui da relação processual alguém com um manifesto interesse na causa – o adoptado. Mas, e fundamentalmente, porque tal posição concebe a relação jurídica processual a partir, não da finalidade do processo de revisão de sentença estrangeira, mas da própria relação jurídica por ela regulada e em termos que excedem essa mesma regulação. Com efeito, no ordenamento jurídico português, o processo de adopção plena, que é de jurisdição voluntária, não admite os pais biológicos como ‘parte contrária’, apenas estabelecendo a sua audição para prestação do seu consentimento (podendo, em certos casos, tal intervenção ser dispensada (cf. artigos 162º e seguintes da OTM). Ao que acresce ser tal posição incompatível com outras disposições legais; designadamente o chamamento do progenitor à acção de revisão de sentença de adopção é incompatível com as situações em que não pode ser revelada a identidade do adoptante (cf. artº 1985º do CCiv)...”[1]
O adoptando C … é menor de idade e os Autores maiores ainda não viram reconhecidos os seus poderes atribuídos pela decisão estrangeira. Os menores e os maiores acompanhados sujeitos a representação só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, excepto quanto aos actos que possam exercer pessoal e livremente (art.º 16/1) e se o incapaz não tiver representante geral deve requerer-se a nomeação de ao tribunal competente sem prejuízo da imediata designação de um curador provisório pelo juiz da causa (art.º 17/1 do CCiv). Pela simples análise da decisão revidenda verifica-se que, logo após o nascimento da criança- filho de pai incógnito-, a mãe biológica entregou-o numa instituição, por não conseguir tratar dele, designadamente por não ter condições financeiras, houve confiança administrativa com vista à adopção em processo de 2021, desde essa data que a criança viver com a requerente sua família tendo o tribunal da decisão revidenda entendido dispensar o consentimento com base no art.º 1831 do antigo CCiv aplicável em Macau, com correspondência no nossos actual 1979 do CCiv. Por conseguinte, em razão da decisão revidenda (que não evidencia qualquer situação de conflito entre os pais biológicos e os Autores, destes entre si ou entre estes e o adoptando a justificar o mecanismo do art.º 1881/2 do CCiv) quem passou a ter poderes de representação da criança foram os Autores maiores, cessando os dos pais biológicos, que não têm que ser citados igualmente, pelas citadas razões não se vislumbra razão pela para que se nomeie um curador ad litem ao mesmo. Assim também entendemos, entre outros, na nossa decisão proferida no processo de revisão de adopção plena proferida por Tribunal da Guiné Bissau (cfr. 508/23ylrsb.l1).
Assiste, assim, legitimidade processual aos Autores que representam o tutelando menor, não se verificam excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Resulta provado com relevo para a decisão:
Por decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base, Juízo de Família e de Menores, Região Autónoma Especial de Macau, aos 14/10/2022, transitada em julgado em 31/10/2022 foi decretada a adopção de F … pelo A … passando o menor a chamara-se C ….
Por decisão proferida pelo mesmo Tribunal aos 25/7/2023 transitada em julgado em 10/8/2023 foi decretada a adopção de C … por B ….
A … e B … casaram entre si aos 17/12/2021 na Conservatória do Registo Civil de Macau, República Popular da China, conforme averbamento … de …/…/2022 ao assento de nascimento da nubente A … com o n.º … de 2008 da ….ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A revisão de sentença estrangeira ou acto equiparado com vista a operar efeitos jurisdicionais na ordem jurídica nacional é de natureza formal, envolvendo, tão-só, a verificação da regularidade formal ou extrínseca da sentença revidenda, não pressupondo, por isso, a apreciação dos fundamentos de facto e de direito da mesma.
Atento o disposto no art.º 1096, do C.P.C, constituem requisitos de revisão:
Ausência de dúvidas sobre a autenticidade e sobre a inteligibilidade do documento de que conste sentença;
Trânsito em julgado da sentença;
Sentença de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada com fraude à lei e que não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
Que não possa invocar-se as excepções de litispendência ou caso julgado, com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
Citação do réu, nos termos da lei do país de origem e observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes;
Não conter a sentença decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português;
Sabendo-se que se impõe ao tribunal o conhecimento oficioso da verificação dos pressupostos a que se referem as alíneas a) a c) e f) do art.º 980 do C.P.C., há que concluir que na situação em apreço se verificam todas as condições exigidas pela lei para a revisão e confirmação da sentença estrangeira.
Não se suscitam dúvidas quanto à autenticidade e inteligibilidade dos documentos juntos pelos requerentes; por outro lado, ainda, a decisão do tribunal estrangeiro não conduziu a um resultado incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado português, como se explicará.
No que concerne aos restantes pressupostos, ou seja, o cumprimento dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, inexistência de situação de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a um tribunal português, trânsito em julgado das sentenças revidendas (certificado), face aos elementos documentais juntos aos autos é de entender que estão verificados. Não existe fundamento para considerar que a competência do Tribunal Judicial de Base, Juízo de Família e de Menores, Região Autónoma Especial de Macau, foi determinada em fraude à lei.
Resulta da decisão recorrida que logo após o nascimento da criança- filho de pai incógnito-, a mãe biológica entregou-o numa instituição, por não conseguir tratar dele, designadamente por não ter condições financeiras, houve confiança administrativa com vista à adopção em processo de 2021, desde essa data que a criança vive com a requerente sua família tendo o tribunal da decisão revidenda entendido dispensar o consentimento com base no art.º 1831 do antigo CCiv aplicável em Macau, com correspondência no nossos actual 1979 do CCiv. A revisão é meramente formal como resulta da lei e é reconhecido pela doutrina e jurisprudência.
Verificam-se, pois, os pressupostos legais da revisão e de confirmação da sentença em análise, procedendo a acção.
IV- DECISÃO
Pelo exposto, julga-se procedente a pretensão de revisão das sentenças, consequentemente confirmam-se as sentenças do Tribunal Judicial de Base, Juízo de Família e de Menores, Região Autónoma Especial de Macau, proferidasaos 14/10/2022, transitada em julgado em 31/10/2022 que decretou a adopção de F … por A … passando o menor a chamar-se C … e 25/7/2023, transitada em julgado em 10/8/2023, que decretou a adopção de C … por B ….
Valor da acção: 30.000,01 euros.As custas são da responsabilidade dos requerentes que da acção tiram proveito (art.º 535/1/a do CPC). Cumpra oportunamente o disposto no art.º 78 do CRgC.
Lisboa, 21-11-2024, Vaz Gomes Inês Moura João Paulo Raposo
[1] Decisão singular de Rijo Ferreira de 4/10/2011, proferida no processo 529/11.5YRLSB-1, disponível on line www.dgsi.pt.