ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
NEXO DE CAUSALIDADE
ATROPELAMENTO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
MORTE
Sumário

1-A insuficiência da fundamentação de direito não gera o vício da nulidade da sentença; apenas a falta absoluta de fundamentação é causa dessa nulidade.
2- A agravação da responsabilidade do empregador por falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho a que alude o artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro opera se se apurar um nexo causal entre essa violação e o acidente de trabalho.
3- O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2024, publicado no Diário da República n.º 92/2024, Série I de 2024-05-13, uniformizou jurisprudência no sentido de que «para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador, ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1 da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.”
4- Aumentou a probabilidade de ocorrência do acidente que vitimou o falecido, a inexistência de retrovisores exteriores e a inoperacionalidade da luz rotativa associada a uma fraca iluminação do local onde operava a empilhadora, a inexistência de instruções da empregadora no sentido de aquela máquina não ser utilizada sem os mencionados equipamentos e a inexistência de um plano de circulação de veículos e peões.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
AA, residente na Avenida..., contribuinte nº..., e BB, contribuinte n.º ..., residente na Avenida..., vieram intentar acção especial emergente de acidente de trabalho contra XX, S.A., com sede na Rua..., titular único de registo e pessoa colectiva n.º ..., CC, Presidente do Conselho de Administração da 1ª Ré, contribuinte n.º ..., com a morada da Ré, DD, Vogal do Conselho de Administração da 1ª Ré, com a mesma morada da Ré e GENERALI COMPANHIA DE SEGUROS S.A. NIPC n.º ..., com sede na Avenida..., pedindo que a acção seja julgada procedente e que, por via disso, sejam os réus condenados a pagarem, solidariamente:
I – À primeira Autora:
a) –uma pensão por morte, paga, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, vitalícia, em montante anual, no valor de € 16.384,71 (dezasseis mil trezentos e oitenta e quatro euros e setenta e um cêntimos), com início em 5 de Março de 2021, até perfazer a reforma por velhice e 40% a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho.
Os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 cada, da pensão anual, deverão, respectivamente, ser pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano.
b) metade do subsídio por morte, no valor de € 2.896,15 ( dois mil oitocentos e noventa e seis euros e quinze cêntimos );
c) um subsídio por despesas de funeral no valor de € 1.300,00 ( mil e trezentos euros ).
d) metade do valor correspondente à indemnização pelo dano perda da vida do falecido EE - € 50.000,00 (cinquenta mil euros ) – no montante de € 25.000,00 ( vinte cinco mil euros );
e) € 40.000,00 (quarenta mil euros ) a título de danos não patrimoniais próprios sofridos com a morte do seu companheiro EE;
II – Ao segundo Autor:
a) Uma pensão paga, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, no valor anual de € 10.923,14 ( dez mil novecentos e vinte e três euros e catorze cêntimos ), com início em 5 de Março de 2021, a qual deverá ser paga entre os 20 e os 25 anos enquanto o segundo Autor frequentar curso de nível superior ou equiparado-art.º 60.º, nº1, al. c) e 2, da Lei nº 98/2009, de 4-9.
A referida pensão será paga nos termos do art.º 72º. n.ºs 1º e n.º 2º da Lei 98/2009, de 4-9, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo, cada prestação, a 1/14 da pensão anual.
Os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 cada, da pensão anual, são, respectivamente, pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano.
b) metade do subsídio por morte, no valor de € 2.896,15 ( dois mil oitocentos e noventa e seis euros e quinze cêntimos );
d) metade do valor correspondente à indemnização pelo dano perda da vida do falecido EE - € 50.000,00 ( cinquenta mil euros ) – no montante de € 25.000,00 ( vinte cinco mil euros );
e) € 25.000,00 ( vinte e cinco mil euros ), a título de danos não patrimoniais próprios sofridos com a morte do seu pai, EE;
III – Juros: todos os montantes vencidos a partir de 5 de Março até à presente data com juros à taxa de 4% ao ano, contabilizados até à data do efectivo pagamento, devendo todos os valores relativos a danos não patrimoniais, ser pagos com juros vencidos desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Tudo com as legais consequências.
Para tanto invocaram, em resumo, que: no dia 4 de Março de 2021, faleceu EE vítima de acidente de trabalho; a 1.ª Autora vivia em união de facto com o falecido desde 2006 e até à data do falecimento; o 2.º Autor é maior de 21 anos, solteiro e filho do falecido, pelo que ambos gozam de legitimidade para intentar a acção; o falecido foi trabalhador da Ré desde 01.06.2002 tendo, à data da sua morte, a categoria profissional de Coordenador e sempre prestou trabalho no Porto de Lisboa; a 1.ª Ré celebrou com a 2.ª Ré um contrato de seguro de acidentes de trabalho que abrangia o trabalhador EE à data do falecimento do mesmo; o falecido tinha um horário diário de 8horas e de 40 horas semanais e sempre trabalhou por turnos, bem como sempre prestou trabalho suplementar; no dia 04/03/2021, o falecido iniciou o seu trabalho às 08,00h, tendo sido colocado pela 1ª Ré a prestar trabalho em dois turnos consecutivos ( 08,00h/17,00h - 17,00h/24,00 ); às 18h42, FF, trabalhador da 1ª Ré, manobrador de empilhador de contentores, encontrava-se no cais concessionado àquela, a efectuar operações de contentores para expedição por via marítima com o equipamento “YY”, da marca ZZ; a luminosidade no local era muito fraca, sendo igualmente fraca a visibilidade do condutor da máquina e estava a chover; quando FF estava a retirar um contentor, ao efectuar a manobra de marcha-atrás embateu nos trabalhadores EE e GG, este também trabalhador da ré, os quais estavam no local a localizar um outro contentor para expedição; o falecido EE teve morte imediata por esmagamento do crânio e tórax, pelo rodar da máquina, tendo o trabalhador GG também sido colhido pelo contrapeso do contentor e caído ao chão, não tendo sido atropelado porque se conseguiu agarrar ao eixo da roda; no momento em que ocorreu o acidente a máquina não tinha em funcionamento a luz rotativa de emergência (pirilampo), o que impediu o falecido EE de se aperceber da aproximação da mesma; com o barulho de toda a operação portuária que se encontrava a decorrer naquele momento, a sinalização sonora da máquina era manifestamente insuficiente para os trabalhadores que circulavam no parque se aperceberem da aproximação da máquina, o que não permitiu que tanto o trabalhador da Ré e colega do falecido, GG, se apercebessem de que a máquina se encontrava a manobrar no local; no momento do acidente, a máquina não possuía retrovisores sendo que na página 9 do seu manual de instruções o fabricante reforça que a máquina não deve operar sem retrovisores; à data do acidente, a primeira Ré não tinha em vigor qualquer tipo de norma interna escrita que regulasse os procedimentos concernentes a instruções de segurança relativos à condução/circulação de máquinas/equipamentos e pessoas, à delimitação de áreas de circulação de máquinas/veículos e peões nem à verificação do estado dos equipamentos, sendo certo que, no decurso normal da sua actividade, a 1.ª ré utiliza diariamente máquinas, tendo igualmente lugar a circulação diária de pessoas no cais em que opera, sendo por isso constante o risco para os seus trabalhadores, o qual só pode ser minimizado através da implementação de procedimentos de segurança; a ACT elaborou relatório e face às conclusões a que chegou decidiu instaurar dois processos de contra-ordenação à empregadora, um por violação da alínea d), do nº2 do art.º15º do Regime Jurídico da Promoção e Segurança e Saúde no Trabalho, aprovado pela Lei nº102/2009, de 10 de Setembro na redacção actual e outro processo por violação da alínea d), do nº1 do art.º 26.º e do art.º18.º do Decreto-Lei nº50/2005, de 25 de Fevereiro; o falecido tinha 57 anos, era uma pessoa activa e o acidente, além de o privar da vida, aconteceu em circunstâncias aterradoras, sendo impossível que, ao sentir o contacto com a máquina não tenha tido a percepção de que a sua morte estava iminente e tal percepção, mesmo que num lapso de tempo muito curto, implica um sofrimento incomensurável, sendo que o pavor da morte provocado por tal sensação não é sequer passível de quantificação; e os Autores sofreram grande sofrimento com a perda do falecido com quem mantinham laços afectivos.
Citados os Réus vieram contestar invocando, em suma:
-A Ré seguradora:
Confirma a existência de contrato de seguro e a transferência da responsabilidade pela totalidade da retribuição auferida pelo falecido, mas entende que a responsabilidade pelo acidente recai, na totalidade, sobre a empregadora por violação das condições de segurança no trabalho e que, caso tivessem sido implementadas as competentes medidas de segurança necessárias à prevenção desse risco – como viria a fazer apenas posteriormente –, nunca teria o sinistrado sofrido a morte ocorrida, verificando-se, pois nexo de causalidade entre a inobservância das regras e a produção do acidente. Mais invocou o direito de regresso contra a empregadora e acrescentou que a Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, não confere aos Autores o direito a exigir da Ré seguradora qualquer indemnização por alegados danos morais decorrentes de acidente de trabalho e que, igualmente, não são devidos à 1.ª Autora os montantes relativos às alegadas despesas de funeral.
Finalizou pedindo que a acção seja julgada improcedente quanto à Ré seguradora absolvendo-se a mesma do pedido e julgando-se a Ré empregadora (ou demais responsáveis, conforme se venha a apurar) como responsável(eis) pelo acidente de trabalho em apreço e pela globalidade da indemnização devida, face à violação das regras de segurança e higiene no trabalho que são causa exclusiva para a ocorrência do mesmo e que, caso assim não se considere, deverá ser expressamente determinado o direito de regresso da ora Ré, face à actuação culposa daquela.
-Os Réus XX, S.A., CC e DD:
Os 2.º e 3.º Réus são partes ilegítimas na medida em que o artigo 18.º da LAT não configura a inclusão, na discussão, de outras partes para além da empregadora, pelo que devem ser absolvidos da instância.
Mais invocaram que: no dia em que ocorreu o acidente estava a anoitecer e com alguma
chuva, estando a iluminação artificial do parque em funcionamento; todos os trabalhadores eram portadores de equipamentos de protecção individual, nomeadamente vestuário de alta visibilidade fornecidos pelo 1º R..; durante as manobras de carregamento de contentores – está vedada/proibida a permanência de trabalhadores apeados no cais enquanto se manobram e carregam os navios, existindo no cais a delimitação das zonas de circulação de peões e máquinas/veículos, em função da actividade em curso; no dia em questão, o trabalhador conferente GG, encontrava-se a atribuir tarefas à máquina de contentores, manobrada por FF, sendo dadas as instruções ao manobrador quanto à localização dos contentores a serem carregados, via rádio; os trabalhadores que colaboram nas operações de carga e descarga apeados, encontram-se sempre junto ao navio, a aguardar a vinda do manobrador, por questões de segurança; o conferente GG, após dar instruções via rádio ao manobrador para retirar um contentor de uma fileira, procurava no mapa do parque o contentor seguinte para ser retirado/transportado, mas como não encontrava o contentor, solicitou ajuda ao trabalhador falecido, que se encontrava no parque a observar as operações – junto ao navio - para que ambos encontrassem o contentor em questão; ambos deslocaram-se a pé às filas de contentores onde o manobrador estava a operar, passaram pela fiada de contentores onde estava o empilhador e pararam uma a duas fiadas à frente, para consultar o mapa à procura do tal contentor; não o tendo encontrado, recomeçaram a andar, de costas para a fiada de contentores de onde provinha o empilhador, em manobra de marcha atrás; este ao sair da fiada em marcha atrás, rodou sobre a sua direita, para finalizar a manobra, com o objectivo de seguir em frente para o local onde se encontrava o navio e ao finalizar a manobra,
colheu os dois trabalhadores, que se encontravam de costas para a fiada de contentores de onde o empilhador saiu, dando-se o trágico acidente.
Mais alegaram que o empilhador em causa foi sujeito a Relatório de Verificação em Março de 2020 e foi considerado como apto a desempenhar as funções, sendo que, após o acidente, a 1ª Ré, solicitou nova verificação ao empilhador, realizada a 09 de Março de 2021 e, dessa verificação, foi considerado que o equipamento cumpria com os requisitos legais, estando apto ao uso em condições de segurança; em momento algum, foi referido que tal equipamento deveria estar equipado com tais espelhos retrovisores exteriores, mas logo que foi notificada a 1ª R. para essa necessidade, os mesmos foram de imediato colocados; no que respeita à sinalização rotativa luminosa, pirilampo, a mesma terá deixado de funcionar durante a manobra que estava a ser realizada pelo manobrador, que não se terá apercebido disso, não tendo por esse facto comunicado qualquer irregularidade do equipamento aos serviços de manutenção do 1º R; não foi a ausência de espelhos retrovisores exteriores nem a avaria do pirilampo que deram causa ao acidente, pois conforme resulta dos Relatórios o empilhador estava a realizar a manobra de marcha-atrás, numa fiada de contentores, estando os trabalhadores em questão apeados, atrás dessa fiada de contentores, a olhar para o mapa, a fim de encontrarem um contentor para ser carregado; a existência de espelhos retrovisores exteriores é irrelevante, pois o manobrador, só quando inicia a manobra de marcha-atrás é que olha para trás, depois, fica exclusivamente concentrado no que se passa na parte da frente do equipamento, por questões de segurança do próprio manobrador; o trabalhador GG e a infeliz vítima não se encontravam em local em que pudessem ser avistados pelo manobrador do empilhador quando este iniciou a manobra de marcha atrás, estavam fora do corredor, numa localização de ângulo morto para quem estivesse a manobrar o empilhador e, assim, mesmo que o empilhador tivesse espelhos retrovisores exteriores, a visualização dos trabalhadores apeados não era possível; o pirilampo também não teria produzido qualquer efeito na prevenção do acidente, dado que os trabalhadores GG e EE estavam de costas para a fieira de contentores de onde saiu o empilhador logo, também não seriam alertados pela luz; e os trabalhadores terão desvalorizado os alertas sonoros de marcha-atrás do empilhador e não avistaram a luz traseira do empilhador sinalizadora da manobra de marcha atrás por se encontrarem de costas, logo, também não teriam avistado a luz rotativa.
Concluiu que o acidente ocorre por confluência de vários factores, que isolados não o provocariam, em nada relacionados com normas de segurança, mas a sua verificação simultânea fez com que o mesmo viesse, infelizmente a ocorrer, pelo que, nada têm a liquidar aos Autores.
Concluíram pedindo que a excepção dilatória de ilegitimidade seja julgada procedente e os 2º e 3º Réus absolvidos da instância, mais devendo a acção ser julgada totalmente improcedente absolvendo-se o 1.º Réu do pedido.
O Instituto da Segurança Social IP deduziu contra a Ré seguradora pedido de reembolso de prestações da Segurança Social, invocando, em suma, que pagou a título de Pensões de Sobrevivência, relativamente à Autora o montante total de €4.637,52 no período de 2022-06 a 2022-07 e que tem direito ao reembolso dos montantes indicados, do responsável pelo acidente que causou a morte em causa por força da sub-rogação legal prevista no art.º 70º da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro e nos termos do disposto no DL nº 59/89, de 22 de Fevereiro, sem prejuízo de, no decurso da audiência, vir a actualizar o respectivo pedido com o valor das pensões pagas na pendência da ação.
Concluiu que devem, a final, os demandados ser condenados a pagar ao ISS, IP/CNP a quantia peticionada de €4637,52 acrescida das pensões que se vencerem e forem pagas na pendência da ação, até ao limite da indemnização a conceder, bem como os respectivos juros de mora legais, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
A Ré seguradora, notificada da contestação dos Réus veio reiterar integralmente o teor da respectiva defesa, impugnando o teor desse articulado e da documentação anexa.
Os Autores também impugnaram o teor dos documentos juntos com as contestações.
A Ré seguradora respondeu ao pedido de reembolso apresentado pelo Instituto da Segurança Social, I.P. reiterando o teor da sua contestação e pedindo que o pedido fosse julgado em conformidade com a prova que se produzisse.
Os Autores pronunciaram-se sobre a excepção da ilegitimidade, pugnando pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador que declarou que as partes têm legitimidade ad causam, foram fixados os factos assentes e enunciados os temas da prova.
Realizou-se a audiência de julgamento e após foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
“Nos termos e fundamentos, julgo a acção procedente, e, em consequência, decido:
1 – Condenar a ré XX, S.A., a pagar à autora AA:
a - uma pensão anual e vitalícia, desde 5 de março de 2021, no valor anual de 32.768,41€ (trinta e dois mil, setecentos e sessenta e oito euros e quarenta e um cêntimos) e respectivas actualizações.
b – uma prestação única, a título de subsídio por morte a quantia de € 2.896,14 (dois mil, oitocentos e noventa e seis euros e catorze cêntimos);
c – a quantia de 1.300,00€ (mil e trezentos euros), a título de reparação das despesas de funeral;
d – a quantia de 30.000,00€ (trinta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais;
e – a quantia de 25.000,00€ (trinta mil euros), a título de indemnização pela perda de vida.
f – juros de mora, à taxa legal que se mostre em vigor, desde a data de vencimento quanto às prestações referidas em a), b) e c) desde a respectiva data de vencimento e quanto às prestações referidas em e) e f), desde a data da sentença e até integral e efectivo pagamento.
2 - Condenar a ré XX, S.A., a pagar ao autor BB:
a - uma pensão anual e vitalícia, desde 5 de março de 2021, no valor anual de 21.846,28€ (vinte e um mil, oitocentos e quarenta e seis euros e vinte e oito cêntimos) e respectivas actualizações, enquanto se verifiquem as circunstâncias previstas no artigo 60.º LAT.
b – uma prestação única, a título de subsídio por morte a quantia de € 2.896,14 (dois mil, oitocentos e noventa e seis euros e catorze cêntimos);
c – a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros), a título de indemnização por danos não
patrimoniais;
d – a quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros), a título de indemnização pela perda de vida.
e – juros de mora, à taxa legal que se mostre em vigor, desde a data de vencimento quanto às prestações referidas em a), b) e c) desde a respectiva data de vencimento e quanto às prestações referidas em d) e e), desde a data da sentença e até integral e efectivo pagamento.
3 - Condenar a Generali Seguros, S.A. sem prejuízo do direito de regresso sobre a ré XX, S.A. caso proceda ao seu pagamento:
a - A assegurar ou satisfazer à beneficiária AA, uma pensão anual, com início a 5 de março de 2021, no montante de 16.384,71€ (dezasseis mil, trezentos e oitenta e quatro euros e setenta e um cêntimos), respectivas actualizações legais que passará a 21.846,28€ (vinte e um mil, oitocentos e quarenta e seis euros e vinte e oito cêntimos) após a idade da reforma da 1.ª autora ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de ganho.
b – uma prestação única, a título de subsídio por morte a quantia de € 2.896,14 (dois mil, oitocentos e noventa e seis euros e catorze cêntimos);
c – a quantia de 1.300,00€ (mil e trezentos euros), a título de reparação das despesas de funeral;
4 - Condenar a Generali Seguros, S.A., sem prejuízo do direito de regresso sobre a ré XX, S.A. caso proceda ao seu pagamento,:
a - A assegurar ou satisfazer ao beneficiário BB com início no dia 5 de março de 2021, uma pensão anual no montante de 10.923,14€ (dez mil, novecentos e vinte e três euros e catorze cêntimos) enquanto se verifiquem as circunstâncias previstas no artigo 60.º LAT.
b – uma prestação única, a título de subsídio por morte a quantia de € 2.896,14 (dois mil, oitocentos e noventa e seis euros e catorze cêntimos);
c – juros de mora, à taxa legal que se mostre em vigor, desde a data de vencimento quanto às prestações referidas em a) e b) e até integral e efectivo pagamento.
5 – Condenar a ré XX, S.A., a pagar ao Instituto da Segurança Social, IP:
a – A quantia de da quantia de € 4.637,52 (quatro mil, seiscentos e trinta e sete euros e
cinquenta cêntimos), acrescida dos valores da pensão que, entretanto, tenha pago e que vier a pagar até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescida de juros de mora à taxa legal que estiver em vigor, desde a citação até integral e efectivo pagamento.
6 - Absolver os réus CC e DD do pedido.
Fixo o valor da causa em 643.736,27€ (seiscentos e quarenta e três mil, setecentos e trinta e seis euros e vinte e sete cêntimos) (art.º 120º, nº 1 e 2 do C. P. Trabalho e Portaria 11/2000 de 13 de janeiro).
Notifique.
Registe.”
Inconformada com a sentença, a Ré XX, S.A. recorreu e formulou as seguintes conclusões:
“1ª O Recorrente considera que o douto Tribunal recorrido avaliou erradamente a prova produzida em audiência de julgamento, quer quanto aos depoimentos testemunhais, quer
quanto à prova documental, considerando provados factos que não correspondem à prova produzida e omitindo factos que deveriam ter sido considerado provados;
2ª - Os Pontos da Matéria de Facto incorrectamente dados como provados são:
23) Os trabalhadores GG e EE seguem por um corredor perpendicular ao corredor onde se encontrava o trabalhador a movimentar a carga.
26) No movimento de marcha atrás terá atingido, o sinistrado e o trabalhador GG que terá caído ao solo devido ao embate sem danos corporais relevantes.
32) Aquando do evento, a ré não tinha plano de circulação de pessoas e veículos, não havendo delimitação visível para a circulação de pessoas.
33) A ré nunca emitiu qualquer instrução aos trabalhadores para não operarem o empilhador se o mesmo não tivesse retrovisores ou dispositivo luminoso/pirilampo a funcionar.
3ª – Por outro lado, apuraram-se factos que foram desconsiderados pelo Tribunal a quo, tais como:
1) O Terminal em causa é um terminal multiusos, que recebe mercadoria diversa, que tanto pode ser contentores, como carga a granel, como areia, cereais, entre outros;
2) O Terminal tem assinalado no chão, junto aos armazéns e na portaria, zonas delimitadas no pavimento, devidamente pintadas, que indicam a zona de passagem dos peões;
3) O trabalhador GG, após solicitar ajuda via rádio ao trabalhador EE, não avisou via rádio o trabalhador FF, que manobrava o empilhador da sua deslocação para procurar um contentor;
4) O trabalhador GG sabia onde se encontrava o empilhador, dado ter instruído o mesmo para ir ao local efectuar o transporte do mesmo para o navio;
5) Os trabalhadores GG e EE, circulavam pelo cais, numa zona aberta e ampla, junto das fileiras de contentores;
6) Os trabalhadores GG e EE eram portadores de equipamentos de protecção individual, nomeadamente vestuário de alta visibilidade fornecidos pelo XX, S.A.;
7) Os trabalhadores GG e EE, pararam junto a um contentor, de costas para o corredor onde se encontrava o empilhador, num local onde não eram avistáveis para o manobrador do empilhador que se encontrava no corredor formado pelos contentores
parqueados;
8) O manobrador do empilhador, após iniciar a marcha em marcha atrás, tem a sua atenção totalmente focada na frente do veículo, de modo a que o contentor que transporta à frente, não colida com os restantes contentores parqueados;
9) O acidente ocorreu no momento da saída do empilhador do corredor dos contentores, em marcha atrás, quando ao rodar a sua traseira para a direita, de modo a corrigir a sua marcha e seguir em frente, colhe os trabalhadores que se encontravam de costas para o corredor de onde saiu o empilhador;
10) O local onde se encontravam os trabalhadores representava um ângulo morto para a visibilidade do manobrador do empilhador, pois encontravam-se perto de uma fileira de contentores, fora do corredor onde circulava o empilhador;
11) O empilhador de marca ZZ foi sujeito a verificação técnica a 09 de Março de 2020 e a 9 de Março de 2021, por entidades externas, ao abrigo do Decreto-Lei nº 50/2005, de 25/02 e foi considerado apto para desempenhar as funções;
12) O empilhador de marca ZZ possuía espelho retrovisor interior;
13) O pirilampo do empilhador terá deixado de funcionar durante a manobra que estava a ser sinalizada pelo manobrador;
14) Durante as manobras de carregamento dos contentores – está vedada/proibida a permanência de trabalhadores apeados no cais enquanto se manobram e carregam navios;
3ª – A apreciação errada em sede de matéria de facto indicada nas conclusões 2ª e 3ª, resulta dos depoimentos testemunhais prestados nas sessões de audiência de julgamento, nomeadamente: GG – ouvido na sessão do dia 26.10.2023, rotação da gravação 14:24 a 15:15; FF - ouvido na sessão do dia 26.10.2023; rotação da gravação 15:15 a 15:57; HH - ouvido na sessão do dia 26.10.2023; rotação da gravação 15:57 a 16:20, II - ouvido na sessão do dia 16.11.2023; rotação da gravação 14:58 a 15:25, JJ - ouvido na sessão do dia 16.11.2023; rotação da gravação 15:25 a 16:04 e KK - ouvido na sessão do dia 15.12.2023, rotação da gravação 10:21 a 11:06, a par da documentação constante dos autos;
4ª – Dos depoimentos testemunhais supra indicados, resulta a errada apreciação dos pontos 23, 26, 32 e 33 da matéria de facto provada, devendo a mesma ser suprimida, resultando ainda apurados os factos ora indicados de 1) a 14), devendo tal matéria ser incluída no capítulo dos factos provados;
5ª – Por outro lado, há uma contradição insanável entre a matéria constante no facto nº 15 e no nº 20, ambos dados como provados pelo Tribunal a quo: no primeiro o Tribunal considera que a altura dos contentores parqueados era de 4 metros, para no segundo considerar que a altura dos contentores empilhados era de 4 contentores;
6ª – Como resulta do depoimento da testemunha GG, cada contentor tem a altura de 2,80 metros, logo, sendo empilhados 4 contentores, nunca a altura seria de 4 metros,
mas sim 4x2,80 = 11,20 metros;
7ª – a deficiente e errada ponderação da prova produzida, provocou uma deficiente e errada decisão quanto à matéria de facto, plena de contradições, algumas insanáveis, que redundou com a decisão proferida nos presentes autos;
8ª – Apreciando correctamente os depoimentos prestados em audiência de julgamento, com a demais prova documental junta aos autos, podemos afirmar que o mesmo ocorreu pela conjugação simultânea de vários factores que não podem ser imputados ao Recorrente, como erradamente considerou o tribunal a quo;
9ª – Considerou de igual modo o douto Tribunal recorrido, que para apreciação das regras de segurança, iria unicamente ponderar alguns testemunhos – os que considerou mais
credíveis, tal como resulta da fundamentação plasmada na sentença ora em crise. Porém, não fundamentou minimamente a razão pela qual considerou o tribunal os restantes depoimentos menos credíveis, tanto mais que o relatório elaborado pelo Inspector da ACT assentou no relatório elaborado pelo Perito do ISQ, relatório esse que o Técnico da ACT considerou muito bem elaborado!
10ª – Ainda que a apreciação da prova seja livre, a credibilização de um depoimento em detrimento de outro, sem qualquer razão de ciência que a suporte é processualmente inadmissível;
11ª – Por outro lado, o uso parcial do depoimento de uma testemunha, quase num tom
jocoso, tal como: “As declarações das testemunhas acima referidas, não foram infirmadas pelas declarações da testemunha JJ, pois não obstante ter explicitado procedimentos de reporte de avaria desconhecia qualquer documento produzido pelo condutor da máquina. A testemunha referiu ainda algo que consideramos curioso, que é o facto, se o trabalhador que deve reportar a avaria não o fizer, a ré não tem como saber da referida avaria, não estando assim, criados mecanismos de um segundo controle da existência de uma avaria do género uma vez que a máquina continua a funcionar”, consideração falsa como se constata da audição da testemunha em causa, e transcrita no capítulo próprio, consubstancia uma postura perigosa vinda de um tribunal: ignorar parcialmente o que uma testemunha refere, transcrevendo apenas a primeira parte do que é dito e ignorando toda a afirmação da testemunha, desvirtuando o seu sentido, com vista a reforçar uma decisão, representa uma atitude inaceitável num órgão de soberania de um estado de Direito;
12ª - O Recorrente foi condenado a liquidar quantia suportada pelo Instituto da Segurança Social, I.P., sem que tal entidade tenha peticionado qualquer pedido contra o ora
Recorrente;
13ª - A decisão em causa, no que respeita ao ora Recorrente, configura uma decisão surpresa, dado que não foi peticionado o pedido de reembolso pelo Instituto da Segurança Social, I.P., bem como nulidade prevista na alínea d) do nº 1, do art. 615º do CPC, aplicável ex vi pelo art. 77º do CPT, ao ter o Tribunal recorrido conhecido da condenação do ora Recorrente quando em relação a este não o podia ter feito, sendo por isso nula.
14ª - A decisão recorrida é nula por falta de fundamentação de Direito quanto às regras e normas de segurança que terão sido violadas pela Recorrente.
15ª - Para esse efeito, a mera referência ao artigo 281.º do Código do Trabalho é totalmente insuficiente e constitui falta de fundamentação.
16ª - Igualmente, a decisão recorrida não fundamentou a existência de nexo de causalidade entre a pretensa violação de tais normas e a ocorrência do acidente de trabalho.
17ª - Como tal, não podia concluir a decisão recorrida pela aplicação do regime gravoso do artigo 18.º da LAT.
18ª - A decisão recorrida obnubilou por completo os preceitos legais, convencionais e regulamentares atinentes às matérias de segurança no trabalho relevantes no contexto da actividade da Recorrente e das circunstâncias do acidente.
19ª - Desses preceitos resulta que a Recorrida não violou quaisquer normas de segurança,
20ª - Ainda que assim não se entendesse, a violação isolada ou conjunta de tais normas
não seria causa do acidente.
21ª - Aliás, não pode deixar de se considerar que os intervenientes no acidente não acautelaram os aspectos de segurança que resultam dos deveres legais aos quais estavam adstritos, em particular o próprio Sinistrado como responsável pela segurança.
22ª - A Recorrente não pode ser responsabilizada pelo acidente para efeitos do artigo 18.º, n.º1 da LAT.
23ª - Consequentemente, devem improceder todos os pedidos deduzidos pelos Recorrentes.
24ª - Ainda que assim não se entendesse, a decisão recorrida violou o artigo 496.º do Código Civil no que respeita à atribuição e montantes das indemnizações por danos não patrimoniais.
25ª - A decisão recorrida não atendeu ao artigo 60.º da LAT para efeito da pensão de
sobrevivência do 2.º Recorrido.
26ª - A decisão recorrida é nula, pelo que deve ser revogada.
27ª - Ainda que assim não se entenda, a decisão recorrida procedeu à incorrecta determinação das normas que constituem seu fundamento jurídico - rectius, omitiu-as por completo – e procedeu erradamente à determinação da norma aplicável para fundamento do sentido da decisão.
28ª - Também por estes motivos, a decisão recorrida deve ser revogada.
Nestes termos,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e proferido Acórdão absolvendo o Recorrente de todos os pedidos.
Só assim decidindo será feita Justiça e aplicado o Direito!”
A seguradora contra-alegou e formulou as conclusões seguintes:
“1. Insurge-se a Recorrente contra a decisão constante Sentença, que julga aquela entidade a responsável única e exclusiva pelo acidente de trabalho dos autos, por violação de
condições de segurança, condenando a mesma, com responsabilidade agravada, ao ressarcimento dos danos (patrimoniais e não patrimoniais) dele decorrentes, isto sem prejuízo do eventual direito de regresso da aqui Recorrida, caso esta tenha de proceder ao pagamento de qualquer das prestações normais previstas na lei – e não as agravadas, dado que estas nunca poderia assegurar.
2. Ora, tal como resulta do recurso ora interposto a Recorrente, esta considera que o Tribunal a quo avaliou erradamente a prova produzida em audiência de julgamento, quer quanto aos depoimentos testemunhais, quer quanto à prova documental, considerando provados factos que não correspondem à prova e omitindo factos que deveriam ter sido considerado provados.
3. Impugna, por isso, os Pontos 23, 26, 32 e 33 da Matéria de Facto, que considera incorrectamente dados como provados, sugerindo também treze novos factos que foram desconsiderados pelo Tribunal a quo e que deverão, segundo a mesma, ser nos factos provados. Considera também haver contradição insanável entre a matéria constante no facto nº 15 e no nº 20, ambos dados como provados pelo Tribunal a quo: no primeiro o Tribunal considera que a altura dos contentores parqueados era de 4 metros, para no segundo considerar que a altura dos contentores empilhados era de 4 contentores.
4. Por outro lado, considera também que a condenação ao reembolso dos valores entregues pelo Instituto da Segurança Social, I.P., configura uma decisão surpresa, dado que não foi peticionado o pedido de reembolso pelo Instituto da Segurança Social, I.P., bem como
nulidade prevista na alínea d) do nº 1, do art. 615º do CPC, aplicável ex vi pelo art. 77º do CPT, ao ter o Tribunal recorrido conhecido da condenação da Recorrente quando em relação a este não o podia ter feito, sendo por isso nula.
5. Por fim, entende que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação de Direito quanto às regras e normas de segurança que terão sido violadas pela Recorrente e que não fundamentou a existência de nexo de causalidade entre a pretensa violação de tais normas e a ocorrência do acidente de trabalho, não podendo concluir-se a decisão recorrida pela aplicação do regime gravoso do artigo 18.º da LAT pois que a Recorrida não violou quaisquer normas de segurança.
6. De resto, entende que não pode deixar de se considerar que os intervenientes no acidente não acautelaram os aspectos de segurança que resultam dos deveres legais aos quais
estavam adstritos, em particular o próprio Sinistrado como responsável pela segurança, não podendo a Recorrente não pode ser responsabilizada pelo acidente.
7. Diga-se, antes de mais, que a aqui Recorrida, desde logo por uma questão de economia processual e identidade de posição, subscreve o teor da Resposta apresentada ao referido Recurso pelos Autores, muito especificamente no que concerne à matéria atinente à dinâmica do acidente e às circunstancias de tempo, modo e lugar do mesmo e suas causas, incluindo o estado do empilhador à data e as condições de trabalho no local, a demonstrarem a responsabilidade da Recorrente no acidente, decisão esta que, como é da elementar justiça, se mostra em total e absoluta correspondência com a prova produzida – devidamente contemplada no elenco dos factos bem considerados provados – e todos os aplicáveis dispositivos legais.
8. Quanto à Motivação Da Matéria De Facto, diz a Sentença, no que concerne aos factos relevantes no apuramento dos factos que
(Transcrição da motivação de facto)
9. No que concerne, por sua vez, à Fundamentação de Direito, considera-se o seguinte na Sentença:
Transcrição da motivação de direito)
10. Ora, como se vê, à saciedade, face ao já transcrito, as aludidas decisões de facto e também a direito que sustentam a condenação da Recorrente tomadas nestes autos mostram-se em absoluta conformidade com a prova produzida nos autos e bem assim com todos os inerentes dispositivos legais.
11. De facto, conforme havia sido oportunamente alegado nos autos – cfr. Contestação da Recorrida seguradora, de fls … - o acidente resultou, efectivamente, da falha de observância
das regras de segurança, aliás como também os Autores invocaram na sua P.I., imputando a ocorrência do acidente dos autos à violação culposa de condições de segurança por parte da Entidade Empregadora, a Recorrente.
12. Em face das averiguações feitas à data pelos serviços da Recorrida, o sinistrado e o trabalhador GG, estariam a procurar e a seleccionar os contentores pela ordem de carga, e encontravam-se junto de vários contentores empilhados até à altura de quatro (4) contentores, fazendo a pesquisa visual pelos números dos contentores.
Em simultâneo, outro trabalhador, FF, operaria o reach stacker – empilhador retrátil usado para manipular contentores –, transportando contentores do parque central para a prumada do navio, para serem levantados pela grua.
13. Assim, perante tais indicações, foram contactados os representantes do tomador bem como os intervenientes e testemunhas, bem como foi igualmente observado, em 16.03.2021, o local do acidente e o empilhador nele envolvido, como decorre do competente Suporte Fotográfico – cfr. Doc. 1 anexo à Contestação da Recorrida.
14. Também tanto quanto foi possível apurar à data, a tomadora do seguro, a Entidade Patronal, estava licenciada como entreposto aduaneiro Tipo A, permitindo que, com a capacidade instalada quer de meios humanos, quer de equipamentos e de armazenagem, seja utilizado como centro de distribuição logística das mercadorias movimentadas.
15. O terminal tem 500 m de comprimento de cais acostável e 20.500 m2 de área de total, com área coberta e dispõe de armazéns para diversos tipos de mercadorias, tais como acondicionadas em contentores, a garnel e/ou em cisternas climatizadas.
16. à data do sinistro, os trabalhadores envolvidos – o sinistrado, o trabalhador FF, manobrador empilhador, e o trabalhador GG – procediam à carga do navio de bandeira ...de nome ... com 89,98 m de comprimento, com contentores devidamente parqueados no parque descoberto da empresa. Os contentores encontravam- se parqueados até 4 de altura, pelo que tendo em conta as instruções do comandante do navio acerca da carga e consequente distribuição de peso, era necessário un(s) trabalhador(es) apeado(s) para identificar os contentores e a ordem de carga.
17. Nesse contexto, o trabalhador FF manobrava o empilhador retrátil de marca ZZ, enquanto os trabalhadores EE e GG faziam a identificação dos contentores a carregar, pelo que deambulavam por entre os contentores e com alguma proximidade do referido empilhador. Numa das manobras para retirar um contentor, o manobrador, ao efectuar marcha atrás, terá embatido nos dois trabalhadores apeados.
18. Tanto quanto indicado, após o empilhador retirar um contentor, de entre outros diversos contentores, de seguida recuou em marcha atrás fazendo a manobra de inversão de marcha, virando as rodas direcionais traseiras.
19. Neste movimento terá atingido o sinistrado e o trabalhador GG.
Este terá caído ao solo devido ao embate, mas sem danos corporais relevantes, enquanto o sinistrado foi atingido por uma das rodas do empilhador, ficando com o corpo parcialmente esmagado e sofrendo morte imediata.
20. Viria a ser elaborado o Inquérito de Acidente de Trabalho da ACT, datado de 12.01.2022, de fls …, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e que trouxe aos autos informações de enormíssima relevância quanto às circunstâncias em que havia ocorrido o acidente e que apontam, sem margem para dúvidas, no sentido da efectiva violação de regras de segurança pela Entidade Empregadora, a qual terá originado e dado lugar à lamentável ocorrência de 04.03.2021.
21. a 37 (Transcrição do teor do relatório da ACT) que concluiu:
38. Por outro lado, verificou-se que “aquando do acidente de trabalho, as luzes de marcha atrás e frontais estavam operacionais, mas não o pirilampo. Constata-se, também, que o acidente ocorreu ao final do dia, com chuva, pouca luminosidade – já com a iluminação artificial ligada – e os trabalhadores usavam vestuário de alta visibilidade (cfr. documentos que se juntam em anexo sob o n.º 36 e 37 e que se dão aqui por integralmente reproduzidos)
“Face ao exposto, o acidente de trabalho mortal ocorrido deveu-se à conjugação, pelo menos, dos seguintes factores determinantes, cujo efeito cumulativo esteve na sua origem, nomeadamente:
h) A XX, S.A. não avaliou adequadamente os riscos associados à circulação de máquina/veículo, nem definiu as medidas de prevenção adequadas para eliminar ou reduzir esses riscos;
i) O tempo de trabalho acumulado pelos trabalhadores FF, GG e EE no dia 04-03-2021 era de cerca de 9h30. A isto acresce o facto de no dia anterior – 03-03-2021 – FF ter prestado trabalho entre as 8h00 e as 24h00 e EE e GG, entre as 8h00 e as 17h00 e as 21h00 e 24h00;
j) O manobrador FF desconhecia que o sinistrado se encontrava no parque de contentores, bem como do paradeiro de GG;
k) Aquando da manobra de retirada de contentor em marcha-atrás – que redunda no atropelamento dos trabalhadores – o manobrador estar particularmente focado no contentor à sua frente e não na sua rectaguarda;
l) A visibilidade no interior da cabine à rectaguarda ser condicionada pela inexistência de espelhos retrovisores exteriores , pela estrutura da cabine e pelo formato do contrapeso do
empilhador;
m) Não funcionamento da luz rotativa de emergência (pirilampo);
n) O acidente ocorreu ao final da tarde – pelas 18h42 – com pouca luminosidade e chuva.” (sublinhado e evidenciado nosso)
39. Assim, em suma e de acordo com os elementos recolhidos pela ACT, o sinistro terá ocorreu na execução de tarefa laboral, estando o risco de atropelamento devidamente previsto e avaliado, embora não devidamente prevenido, sendo certo que à Entidade Empregadora eram-lhe a tomada e implementação de medidas de segurança que acautelassem as devidas condições de segurança aos trabalhadores.
40. Fica clara a existência de diversas falhas, as quais deram efectivamente lugar ao
lamentável acidente dos autos.
41. Desde logo, e face às indicações do Manual de Instruções (não disponibilizado aos
trabalhadores), e dada a evidência dos riscos de atropelamento existentes, deveria ter sido o equipamento dotado, atempadamente, de retrovisores exteriores e luz rotativa de emergência (pirilampo) em condições de funcionamento – dando condições aos trabalhadores para se aperceberem da proximidade do equipamento ou o manobrador visualizar o reflexo do pirilampo sobre o vestuário de alta visibilidade –, o que à data não se verificava, sendo também certo que a posição do “pirilampo” à data do acidente não se encontrava de acordo com o diagrama representativo do manual.
42. No âmbito dos riscos profissionais estava perfeitamente identificado o risco de atropelamento, estando também prevista a sua prevenção ou mitigação através de formação em higiene e segurança no trabalho, instruções de segurança relativamente à circulação de máquinas/equipamentos e sinalização/delimitação das vias de circulação de veículos, o que não se executou atempadamente.
43. Foi também verificado que o acidente ocorre num local amplamente sonoro e cheio de ruídos e num período do dia em que já existe pouca luminosidade - num dia de chuva e em que, além do mais, os trabalhadores envolvidos trabalhavam já há muitas horas – sendo certo que do interior da cabine a visão lateral era limitada, motivado pelo formato do contrapeso e da estrutura da cabine, pelo que a inexistência de retrovisores exteriores ou sistema de vídeo para apoio ao manobrador na visão da envolvente mostrava-se, efectiva e manifestamente, relevante e indicada à prevenção do risco de atropelamento que se viria a verificar.
44. Verifica-se igualmente a falta de formação e informação aos trabalhadores, com um plano previamente conhecido e adequado à circulação de máquina e peões e procedimentos
escritos quanto à circulação de viaturas e pessoas nas instalações. Regras, formação e informação fundamental à prevenção do risco de atropelamento.
45. De facto, inexistiam quaisquer procedimentos escritos concernentes a instruções de
segurança relativos à condução/circulação de máquinas/equipamentos e pessoas, à delimitação de áreas circulação de máquinas/veículos e peões ou à verificação do estado dos equipamentos. Os trabalhadores não tinham conhecimento da existência de procedimentos escritos quanto à realização deste tipo de operações – de movimentação de contentores – nem lhes foi disponibilizado o Manual de Instruções do equipamento em causa. Inexistiam quaisquer procedimentos a atentar, na verdade.
46. Ora, era, de facto, obrigação da Entidade Empregadora – conhecedora de todos os
factores descritos, das específicas condições de trabalho em causa e do risco de atropelamento identificado – acautelar eficaz e devidamente as condições de segurança dos trabalhadores, o que bem poderia e deveria ter feito (e fez, mas apenas posteriormente) promovendo informação e/ou procedimento escrito/fichas de segurança relativos à circulação e controlo de movimentação de veículos e pessoas, promovendo indicações para a comunicação da não passagem pela zona posterior do equipamento ao manobrador, dotando o equipamento de espelhos retrovisores e vídeo e dotando-o de dispositivo de alerta luminoso (“pirilampo”) em condições de funcionalidade.
47. Independentemente dos elementos técnicos em falta tendentes a prevenir o risco em
causa, os trabalhadores – manobradores e peões – deveriam estar, é óbvio, devidamente informados e alertados para os riscos de atropelamento especialmente existentes naquelas funções, por forma a que – sem prejuízo do auxílio desses meios técnicos que estavam em falta – se mostrassem sensibilizados para o perigo existente (quer para o manobrador quer para o peão) e pudessem dessa forma previamente adequar as suas condutas e comportamentos ao risco em causa.
48. Apesar de ter claramente identificado o risco de atropelamento/colhimento, incluindo para a tarefa “deslocação no terminal” – a ser desempenhada pelo trabalhador sinistrado -, a Entidade Empregadora não cuidou de tomar as medidas preventivas indispensáveis para assegurar aos trabalhadores as condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho, não adoptando quaisquer adequadas medidas de protecção concernentes aos riscos de atropelamento/colhimento.
49. Assim mesmo se mostrou totalmente demonstrado e confirmado perante a prova produzida em audiência, contrariamente ao referido pela Recorrente.
50. Vejamos, para o efeito, além da prova documental, os depoimentos, totalmente esclarecedores, desde logo, das testemunhas GG, FF, HH e LL, assim como as próprias declarações de parte do Réu DD, demonstrativas da inexistência de condições de segurança do equipamento, da prevenção dos riscos a que os trabalhadores se submetiam e da total ausência de organização e segurança nos trabalhos que ali se executavam.
(transcrição de depoimentos)
57. Em acréscimo a tal prova testemunhal, importa também tomar em devida linha de conta toda a prova documental constante dos autos.
58. Muito especialmente no já aludido Relatório da ACT - a fls. 192 a 206 e cd que faz parte do mesmo incluindo as imagens quer fotográficas como vídeo que do mesmo fazem parte –donde resultam de forma clara e cristalina, as características do local do sinistro bem como dimensões do Parque e as características do equipamento de trabalho envolvido (empilhadora) – relatório esse amplamente suportado, também, no depoimento do Inspector da ACT, a testemunha LL, que descreveu pormenorizadamente o local, a maneira como manobrava o empilhador e se movimentaram os trabalhadores no dia do acidente.
59. Dali – Relatório e depoimento – resulta também a análise clara, rigorosa e fundamentada sobre as circunstâncias do espaço e modo de execução dos trabalhos, circunstâncias do acidente e suas causas.
60. Em acréscimo, e no mesmo sentido, refira-se o relatório de investigação do acidente junto aos autos elaborado por MM (Doc. 3 anexo à Contestação da Recorrente), técnico superior de segurança no trabalho, anteriormente trabalhador de uma empresa que foi contratada pela para fazer a investigação do acidente em discussão nos autos, o qual aponta, entre outras, como causas, a falta de luminosidade e défice de atenção, provavelmente por fadiga,
61. bem como o relatório de KK (Doc. 4 anexo à Contestação da Recorrente), que exerceu funções de inspecção de máquinas/equipamentos e peritagens de acidentes de trabalho para o ISQ, testemunha que também salienta o dispositivo luminoso (desligado ou inoperacional), a falta de visibilidade, falta de procedimentos escritos, confirmando que o dispositivo luminoso (pirilampo) não estava a funcional bem como a falta de retrovisores, identificando estas falhas como delas podendo resultar o acidente.
62. Em face da prova produzida nos autos fica claro que o acidente ocorreu no Parque Central..., Rua..., quando estava a ser feita a operação de carga de um navio, que transporta principalmente contentores, com contentores parqueados no parque descoberto da empresa, tendo tal terminal 500 metros de comprimento de cais acostável e 20.500m2 de área total, com área coberta e dispõe de armazéns para diversos tipos de mercadorias tais como acondicionadas em contentores, a granel e/ou cisternas climatizadas.
63. Os contentores encontravam-se parqueados até 4 de altura, pelo que tendo em conta as instruções do comandante do navio da carga e consequente distribuição de peso, era necessário un(s) trabalhadore(s) apeado(s) para identificar os contentores e a ordem de carga.
64. A luminosidade do local era fraca, estando a chover nesse dia.
65. O trabalhador FF manobrava o empilhador retrátil de marca ZZ e GG, encontrava-se no parque exterior à procura de um contentor.
66. Depois de o procurar, sem sucesso, solicitou ajuda a EE via rádio sobre a confirmação da entrada do respectivo contentor, tendo este confirmado a sua presença e deslocou-se para o parque ao encontro daquele.
67. Estavam, assim, juntos a procurar e selecionar os contentores pela ordem de carga e encontravam-se junto de vários contentores empilhados até à altura de 4 contentores, fazendo pesquisa visual pelos números de contentores.
68. Simultaneamente, o trabalhador FF operava o reach Stacker – empilhador retrátil usado para manipular contentores-, transportando contentores do parque central para a prumada do navio, para serem levantados pela grua.
69. Os contentores a movimentar pelo manobrador são indicados pelo conferente da prumada, no caso, GG.
70. Os trabalhadores GG e EE seguem por um corredor perpendicular ao corredor onde se encontrava o trabalhador a movimentar a carga.
71. No decurso pensam ter identificado o contentor e ficam numa posição frontal para o contentor para tentar validar a informação.
72. O trabalhador após retirar o contentor da prumada e elevar a mesma inicia o movimento das marcha atrás para executar a manobra de inversão de marcha.
73. No movimento de marcha atrás atinge o sinistrado e o trabalhador GG que cai ao solo devido ao embate sem danos corporais relevantes e o sinistrado é atingido por uma das rodas do empilhador, ficando com corpo parcialmente esmagado e sofrendo morte imediata.
74. Ficou claro também que, no dia 03.03.2021, FF, começou a jornada de trabalho às 08h00 e terminou às 24h00e e que o sinistrado e GG realizaram o 1.º turno, tendo ainda trabalhado entre as 21h00 e as 24hoo desse dia. No dia 04.03.2021, GG e o sinistrado iniciaram a jornada de trabalho às 08h00 – (factos 28, 29 e 30).
75. Ficou demonstrado também que, aquando do evento, o empilhador ZZ n.º 93 não dispunha de espelhos retrovisores e a luz rotativa de emergência não estava operacional, e não havia plano de circulação de pessoas e veículos, não havendo delimitação visível para a circulação de pessoas.
76. Ficou igualmente provado que a Recorrente nunca emitiu qualquer instrução aos trabalhadores para não operarem o empilhador se o mesmo não tivesse retrovisores ou pirilampo a funcionar.
77. Mostra-se claramente demonstrada, assim, a violação de condições de segurança pela Recorrente e o nexo causal entre essa violação e o lamentável acidente.
78. Assim resulta, entre o mais, do conhecimento directo dos factos relatados pelas testemunhas FF, GG, HH e LL, donde se retiram as circunstâncias do acidente, as condições do trabalho e os tempos de trabalho.
79. Como se diz na sentença:
(transcrição da sentença)
80. Face a tudo o descrito e também ao não adoptar as medidas de proteção a prevenir o risco de atropelamento/colhimento, sem planificação de prevenção ou outra, embora tivesse o risco perfeitamente identificado, o presente e lamentável sinistro decorre de actuação culposa da Recorrente, nos termos dos artigos 18º da LAT.
81. Competia-lhe, de facto e além de tudo, planear escrupulosamente os trabalhos, assegurando aquelas funções em condições de segurança, eliminando os riscos do equipamento e da circulação de pessoas e viaturas, aplicando medidas de proteção apropriadas quer no próprio equipamento de trabalho, quer dotando os trabalhadores de regras de segurança, formação e informação necessária a exercerem as suas funções sem criar perigo para os próprios ou outros trabalhadores, especialmente considerando as condições de trabalho severas em causa, incluindo a falta de visibilidade, a fadiga, a sonoridade, assegurando que estava minimamente garantida a segurança dos trabalhadores, adequada às características das tarefas em causa.
82. Face ao apurado, nenhuma das competências da Recorrente foi assegurada, destacando- se a não implementação das medidas preventivas para os trabalhos em causa, como era seu dever nos precisos termos, desde logo, dos artigos 3º, 18º e 26º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro e artigos 15º, 19º e 20º da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, não eliminando e/ou minimizando o risco de atropelamento/colhimento. Tudo em manifesta violação das supra referidas normas legais. E cujo cumprimento teria evitado a ocorrência do acidente de trabalho verificado.
83. Como se refere na Sentença:
(transcrição da sentença)
84. (Transcrição sentença)
85. Nos termos dos ns.º 1 e 2 do artigo 15º da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, sobre o empregador recai a obrigação de acautelar as regras básicas sobre a segurança e saúde no trabalho, assegurando tais condições segurança e saúde e ponderando, prevenindo e integrando os riscos laborais no local de trabalho. O empregador é obrigado a assegurar, nomeadamente, condições de segurança em todos os aspectos relacionados com o trabalho. O empregador deve prevenir os riscos previsíveis combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, de forma a garantir um nível eficaz de protecção.
86. Não há quaisquer dúvidas no sentido de atribuir à entidade patronal do sinistrado, a Recorrente, a responsabilidade na produção do sinistro dos autos por inobservância das regras sobre segurança a que se encontrava obrigada, bem como dos mais elementares princípios de segurança e higiene e saúde no trabalho previstos no artigo 281º do Código do Trabalho e por se verificar o nexo de causalidade entre essa inobservância e a produção do acidente.
87. O local e a actividade nele desenvolvida pelo trabalhador mostram-se, obviamente, associadas ao risco de atropelamento/colhimento que estava já, de resto, totalmente identificado.
88. Ficou clara porém a falta de formação e informação aos trabalhadores, a falta de implementação de fichas de segurança e regras de circulação in loco, a utilização de um equipamento de trabalho deficitário e sem as necessárias condições de segurança.
89. Ora, apenas tais medidas se mostravam adequadas a evitar o acidente de trabalho que se veio a verificar, ocorrendo o mesmo, exclusivamente, pelo seu incumprimento e inexistência.
90. Para que possa atribuir-se a eclosão do evento infortunístico à inobservância das regras sobre a segurança no trabalho é necessário que, cumulativamente, se mostre a violação de uma regra ou norma concreta sobre segurança no trabalho e que haja estabelecimento de um nexo de causalidade entre essa violação ou inobservância e o acidente.
91. Refira-se que o juízo sobre a selecção e utilização dos meios de protecção necessários tem de ser feito em concreto, considerando as características concretas da prestação laboral e seu local, a natureza dos trabalhos, etc, para se assim se aferir sobre a respectiva necessidade, possibilidade e viabilidade. Parece absolutamente claro que o risco de atropelamento/colhimento era evidente no âmbito do trabalho que o trabalhador desempenhava.
92. Caso tivessem sido implementadas as competentes medidas de segurança necessárias e já identificadas à prevenção desse risco – como viria a fazer apenas posteriormente – nunca teria o mesmo sinistrado sofrido a morte ocorrida.
93. Pelo que face a todo o exposto e à prova produzida nos autos, atribui-se à Entidade Patronal do sinistrado, a Recorrente, a responsabilidade na produção do sinistro dos autos por inobservância das regras sobre segurança a que estava obrigada e por se verificar o nexo de causalidade entre essa inobservância e a produção do acidente.
94. Não pode, em consequência, a ora Recorrida assumir a responsabilidade relativamente ao acidente em causa, aplicando-se ao caso dos autos, o disposto no artigo 18º da Lei n.º 98/2009. Pelo que, face a tudo o descrito, deverá a Recorrente ser considerada a exclusiva e única responsável pelo acidente ocorrido, abrangendo a sua responsabilidade a indemnização pela totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
Indemnização essa que, pela mesma razão, deverá imputada única, exclusiva e directamente a tal Recorrente, nos termos do referido n.º 1 do artigo 18º da LAT, pois que se encontra devidamente representada e demandada nos autos e a tanto deve ser condenada por ser a sua efectiva responsável.
95. Caso venha a aqui Recorrida a satisfazer o pagamento de quaisquer prestações devidas caso não houvesse actuação culposa (e só dessas evidentemente, pois que as demais, decorrentes do agravamento legal, jamais lhe seriam imputáveis, em caso algum, como também decorre da Sentença), então desde já expressamente se renova o competente direito de regresso, conforme previsto no n.º 3 do artigo 79º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que, nesse caso hipotético, pretende exercer relativamente à RR. Entidade empregadora do sinistrado face à actuação culposa, causadora do acidente de trabalho em apreço.
96. Desta forma, em suma, entende a Recorrida que a decisão de facto e de direito que conduziu à decisão impugnada se mostra em total e absoluta conformidade com a prova produzida nos autos, tendo-lhe sido dado o competente e legal enquadramento jurídico, inexistindo qualquer erro ou extrapolação na apreciação da prova, devendo a mesma manter-se integralmente. Improcedem assim, totalmente, as alegações tendentes à impugnação da matéria de facto, mostrando-se efectivamente provados os pontos da matéria de facto 23, 26, 32 e 33 ora impugnados.
97. Não se mostra, por outro lado, relevante ou consentânea com a prova a matéria que a Recorrente pretende aditar ao elenco dos factos provados, tanto mais que não mostra qualquer apoio na prova testemunhal e documental transcrita e, bem assim, na demais prova documental supra referida (sobretudo Relatório da ACT e seus anexos, incluindo fotográficos), que a infirma expressamente.
98. No que se refere à alegada contradição insanável referida pela Recorrente, não passa a mesma de um manifesto e irrelevante lapso de escrita, bem compreendido por quem assim pretenda e sem razão de ser alguma para qualquer alegada “errada ponderação da prova”, irreal e sem fundamento, sendo evidente que se pretende referir, como indicado testemunhalmente, que a altura dos empilhadores parqueados era de 4 contentores (aliás como expressamente alegado pela aqui Recorrida no artigo 26º da sua Contestação).
99. Falecem, no entender da Recorrida, integralmente, todas as considerações da Recorrente, mostrando-se a livre apreciação da prova devidamente fundamentada e criticamente demonstrada e explicada, ficando claro o regime e fundamento jurídico e factual que sustenta a violação de condições de segurança por parte da Recorrente e o seu nexo causal
exclusivo com o acidente dos autos.
100. No que concerne, por fim, a qualquer alegada decisão-surpresa, diga-se que, nos termos do art.º 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que contém as bases gerais do sistema de segurança social, “No caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder”. Como vem esclarecendo Jurisprudência, a sub-rogação é uma forma de transmissão das obrigações, que coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo.
101. Ora, in casu, apurado que o I.S.S. satisfez prestações, sendo essas efectivamente decorrentes do acidente de trabalho dos autos e sendo este imputado na PI à Recorrente, então e porque esta é efectivamente a responsável pela reparação, dada a sua responsabilidade culposa face ao mesmo, verificam-se os pressupostos do reembolso pela sub-rogação, dado que aquela entidade satisfez uma obrigação que pertencia a esta.
102. Tais prestações foram invocadas nos autos e eram do conhecimento da Recorrente,
de que foi também então notificada, a qual - enquanto responsável do sinistro e no processo – responde pelas prestações adiantadas pela instituição, nos termos legais.
103. Em suma, a decisão de facto e de direito dos autos mostra-se em total e absoluta conformidade com a prova produzida nos autos, tendo-lhe sido dado o competente e legal enquadramento jurídico, inexistindo qualquer erro ou extrapolação na apreciação da prova, devendo a mesma manter-se integralmente, devendo manter-se, por isso, a decisão recorrida, porque legal e em conformidade com os dispositivos legais aplicáveis.”
Os Autores também contra alegaram apresentando as seguintes conclusões:
“I Os pontos 23 e 26 dos factos provados foram correctamente julgados pelo Meritíssimo Tribunal a quo.
II Os elementos probatórios que alicerçam tal entendimento são o documento elaborado pela Autoridade Para as Condições de Trabalho (documento nº17-PI), que não mereceu qualquer tipo de impugnação por parte da recorrente, o Relatório do ISQ, elaborado a pedido da recorrente, e junto por esta (documento nº4 -Contestação da recorrente), e os depoimentos das testemunhas LL, 34m,00s a 35m,30s – cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 16-11-2023, refª. citius 430421792 - e GG, 16m,55s a 23m,50s – cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 26-10-2023, refª. citius 429820945 -.
III O ponto 32 dos factos provados também foi correctamente julgado pelo Meritíssimo Tribunal a quo.
IV Quanto ao referido ponto 32, os elementos probatórios que alicerçam a sua prova são, igualmente, o documento elaborado pela Autoridade Para as Condições de Trabalho (documento nº17-PI), que não mereceu qualquer tipo de impugnação por parte da recorrente, o Relatório do ISQ, elaborado a pedido da recorrente, e junto por esta (documento nº4 -Contestação da recorrente), e os depoimentos das testemunhas KK, 03m,36s a 07m,30s – cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 15-12-2023, refª. Citius 431309505 [Nota: por lapso no texto da acta aparece a data de 16-11-2023] -, LL, 26m,00s a 28m,10s – cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 16-11-2023, refª. citius 430421792 -, GG, 22m,00s a 23m,10s – cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 26-10-2023, refª. citius 429820945 -, FF, 06m,20s a 08m,00s – cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 26-10-2023, refª. citius 429820945 - e HH, 12m,18s a 14m,10s – cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 26-10-2023, refª. citius 429820945 -.
V O ponto 33 dos factos provados foi igualmente julgado de forma correcta pelo Meritíssimo Tribunal a quo.
VI Os elementos probatórios que alicerçam a sua prova são, essencialmente, os depoimentos das testemunhas GG, 47m,01s a 48m,00s – cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 26-10-2023, refª. citius 429820945 -, FF, 11m,15s a 13m,20s – cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 26-10-2023, refª. citius 429820945 - e HH, 10m,00s a 11m,30s – cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 26-10-2023, refª. citius 429820945 -.
VII O facto indicado no ponto 1) da conclusão 3ª do douto recurso da ré - 1) O Terminal em causa é um terminal multiusos, que recebe mercadoria diversa, que tanto pode ser contentores, como carga a granel, como areia, cereais, entre outros; - é meramente instrumental, e não tem qualquer relevância na situação em apreço.
VIII O facto indicado no ponto 2) da conclusão 3ª do douto recurso da ré - 2) O Terminal tem assinalado no chão, junto aos armazéns e na portaria, zonas delimitadas no pavimento, devidamente pintadas, que indicam a zona de passagem dos peões; - não tem suporte nos elementos probatórios constantes dos autos, nomeadamente naqueles que suportaram a prova do facto provado sob o nº32.
VIII O facto indicado no ponto 3) da conclusão 3ª do douto recurso da ré - 3) O Terminal tem assinalado no chão, junto aos armazéns e na portaria, zonas delimitadas no pavimento, devidamente pintadas, que indicam a zona de passagem dos peões; - não tem qualquer suporte probatório nos autos, sendo, de resto, contrariado pelo disposto na cláusula 17ª, nº1, do IRCT aplicável à recorrente e aos seus trabalhadores - Contrato Coletivo de Trabalho entre a AOPL - Associação de Operadores do Porto de Lisboa e outras e o Sindicato dos Estivadores, Trabalhadores do Tráfego e Conferentes Marítimos do Centro e Sul de Portugal, publicado no BTE nº37, de 08/10/2016 ( documento 15-PI ), e pelos depoimentos das testemunhas GG, 06m,17s a 11m,00s – cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 26-10-2023, refª. citius 429820945 -, FF, 21m,30s a 23m,30s – cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 26-10-2023, refª. citius 429820945 – e HH, 04m,00s a 06m,30s – cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 26-10-2023, refª. citius 429820945 -.
IX O facto indicado no ponto 4) da conclusão 3ª do douto recurso da ré - 4) O trabalhador GG sabia onde se encontrava o empilhador, dado ter instruído o mesmo para ir ao local efectuar o transporte do mesmo para o navio; - é contraditado pelos depoimentos das testemunhas GG, 11m,55s a 13m,12s – cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 26-10-2023, refª. citius 429820945 -, FF, 13m,60s a 18m,10s – cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 26-10-2023, refª. citius 429820945 -.
X O facto indicado no ponto 5) da conclusão 3ª do douto recurso da ré - 5) O trabalhador GG sabia onde se encontrava o empilhador, dado ter instruído o mesmo para ir ao local efectuar o transporte do mesmo para o navio; - é totalmente irrelevante para a situação em apreço, na medida em que, por um lado, o procedimento normal no terminal da recorrente, era, e continua a ser, a circulação simultânea de máquinas e de peões, sendo que quando há contentores é impossível a operação decorrer sem que o conferente circule na parque; por outro lado, a relevância da localização do falecido Sr. EE e do seu colega, a testemunha GG, está perfeitamente definida nos documentos da ACT e do ISQ acima citados, não havendo ninguém que tivesse contraditado os mesmos.
XI O facto indicado no ponto 6) da conclusão 3ª do douto recurso da ré - 6) Os trabalhadores GG e EE eram portadores de equipamentos de protecção individual, nomeadamente vestuário de alta visibilidade fornecidos pelo XX, S.A.; - é completamente irrelevante, porque o modo como ocorreu o acidente teve várias causas, nenhuma delas relacionada com o tipo de vestuário fornecido pela recorrente.
XII O facto indicado nos pontos 7), 8), 9) e 10) da conclusão 3ª do douto recurso da recorrente estão todos interligados com a dinâmica do acidente, a saber:
7) Os trabalhadores GG e EE, pararam junto a um contentor, de costas para o corredor onde se encontrava o empilhador, num local onde não eram avistáveis para o manobrador do empilhador que se encontrava no corredor formado pelos contentores parqueados;
8) O manobrador do empilhador, após iniciar a marcha em marcha atrás, tem a sua atenção totalmente focada na frente do veículo, de modo a que o contentor que transporta à frente, não colida com os restantes contentores parqueados;
9) O acidente ocorreu no momento da saída do empilhador do corredor dos contentores, Em marcha atrás, quando ao rodar a sua traseira para a direita, de modo a corrigir a sua marcha e seguir em frente, colhe os trabalhadores que se encontravam de costas para o corredor de onde saiu o empilhador;
10) O local onde se encontravam os trabalhadores representava um ângulo morto para a visibilidade do manobrador do empilhador, pois encontravam-se perto de uma fileira de contentores, fora do corredor onde circulava o empilhador;
XIII Resulta dos elementos probatórios constantes dos autos que as causas do acidente estão para além da conduta dos intervenientes, pois, quaisquer outras pessoas, colocadas em idênticas circunstâncias, não conseguiriam impedir o mesmo.
XIV Os elementos probatórios relevantes para o efeito são o documento elaborado pela Autoridade Para as Condições de Trabalho (documento nº17-PI), que não mereceu qualquer tipo de impugnação por parte da recorrente, o Relatório do ISQ, elaborado a pedido da recorrente, e junto por esta (documento nº4 -Contestação da recorrente), e os depoimentos das testemunhas KK (ISQ) e LL (ACT), corroborados pelos depoimentos das testemunhas GG (trabalhador que também foi colhido pela máquina), FF (condutor da máquina), e HH (trabalhador portuário da recorrente que exerce actualmente as mesmas funções que exercia o trabalhador falecido no acidente).
XV Para além disso, resulta também claro que por opção da recorrente, o equipamento que a máquina podia ter para melhorar de forma muitíssimo substancial o trabalho no terminal, câmara de TV e monitor na máquina, não foi instalado, apesar de ser disponibilizado como equipamento opcional da mesma pelo fabricante.
XVI O facto indicado no ponto 11) da conclusão 3ª do douto recurso da ré - 11) O empilhador de marca ZZ foi sujeito a verificação técnica a 09 de Março de 2020 e a 9 de Março de 2021, por entidades externas, ao abrigo do Decreto- Lei nº 50/2005, de 25/02 e foi considerado apto para desempenhar as funções; - não foi confirmado pela prova produzida nos autos, pois o acidente que vitimou o Sr. EE ocorreu no dia 4 de Março de 2021, sendo que o Relatório da ACT (documento 17 – PI= e o Relatório do ISQ (documento nº4 -Contestação da recorrente), contradizem frontalmente o teor do mesmo, sendo que o teor de ambos foi confirmado pelos autores dos dois relatórios, as testemunhas KK (ISQ) e LL (ACT), que tiveram os seus
depoimentos corroborados pelos depoimentos das testemunhas GG (trabalhador que também foi colhido pela máquina), FF (condutor da máquina), e HH (trabalhador portuário da recorrente que exerce actualmente as mesmas funções que exercia o trabalhador falecido no acidente).
XVII O facto indicado no ponto 12) da conclusão 3ª do douto recurso da ré - 12) O empilhador de marca ZZ possuía espelho retrovisor interior;
- uma vez que não foi a inexistência de espelho retrovisor interior que esteve na origem do acidente.
XVIII O facto indicado no ponto 13) da conclusão 3ª do douto recurso da ré - 13) O pirilampo do empilhador terá deixado de funcionar durante a manobra que estava a ser sinalizada pelo manobrador; - é contraditado pelo ponto 31 dos factos provados, o qual resulta comprovado pelo teor do depoimento da testemunha GG, 15m,10s a 20m,48s – cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 26-10-2023, refª. citius 429820945 -, e também pelos Relatórios da ACT [documento 17 – PI) e do ISQ (documento nº4 -Contestação da recorrente), dos quais resulta que o pirilampo não estava a funcionar no momento do acidente.
XIX O facto indicado no ponto 14) da conclusão 3ª do douto recurso da ré - 14) Durante as manobras de carregamento dos contentores – está vedada/proibida a permanência de trabalhadores apeados no cais enquanto se manobram e carregam navios; - não resultou provado por força de ter resultado da audiência de julgamento que o normal desenrolar das operações portuárias da recorrente, de acordo com as regras fixadas pela mesma, implicava, e ainda implica, que quando há movimentação de contentores no parque haja sempre trabalhadores – conferentes – a circular pelo parque, uma vez que a exiguidade do mesmo não permite realizar a referida movimentação em espaço adequado.
XX Mais se apurou na audiência de julgamento, que é normal surgirem situações em que existem contentores “perdidos” no meio da arrumação possível do parque – chegam a haver corredores com 4 contentores de alto (empilhados) -, cuja movimentação só pode ser feita de o conferente ir ao parque, verificar a localização exacta do mesmo, e avisar o manobrador do local onde deve proceder ao levantamento do contentor, chegando mesmo a haver situações em que o conferente dá várias instruções ao manobrador, indicando a localização dos vários contentores “perdidos” no meio da operação.
XXI Tudo o supra dito foi confirmado pelas testemunhas GG (trabalhador que também foi colhido pela máquina), FF (condutor da máquina), e HH (trabalhador portuário da recorrente que exerce actualmente as mesmas funções que exercia o trabalhador falecido no acidente), que depuseram com total isenção e espontaneidade, não tendo qualquer um deles interesse próprio no desfecho destes autos.
XXII No que concerne às conclusões 5º e 6º, há um mero lapso de escrita no ponto 15 da matéria de facto considerada como provada por parte do Meritíssimo Tribunal a quo, na medida em que dos depoimentos das testemunhas GG, 06m,20s a 07m,30s 11m,45s a 12m,30s - cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 26-10-2023, refª. citius 429820945 - e HH, 06m,40s a 07m,45s – cfr. Acta da Audiência de Julgamento, sessão de 26-10-2023, refª. citius 429820945 -, mencionam a expressão 4 contentores de alto (empilhados).
XXIII Para efeitos os objecto de acção, o referido lapso de escrita é irrelevante, na medida em que a parte essencial para a mesma se prende com a organização do contentores no parque da recorrente – empilhados em filas de 3, 4 de alto -, a disposição dos mesmos – corredores quase sem visibilidade, e um espaço mínimo para circulação das máquinas -, e o modo de circulação das máquinas e dos peões no parque.
XXIV Por isso, a alegada contradição sustentada pela recorrente entre os pontos 15 e 20 da matéria de facto provada não existe, verificando-se apenas um mero lapso de escrita, que é totalmente irrelevante para a boa decisão da causa.
XXV Resulta de págs.16 a 30 da douta sentença, para se constatar que não há qualquer omissão de fundamentação em matéria de direito, sendo claro todo o raciocínio do Meritíssimo Tribunal a quo é, como de costume, muitíssimo claro e escorreito, sendo perfeitamente visível, e compreensível, o itinerário cognoscitivo e valorativo do mesmo em matéria de aplicação do direito aos factos.
XXVI No que concerne à conclusão 21ª, a mesma não tem qualquer sentido, uma vez que resulta de todo o acervo probatório dos autos que o falecido Sr. EE apenas foi vítima no acidente porque foi ajudar um colega conferente, a testemunha GG, a encontrar um contentor que, como muitos outros, estava “perdido” no meio do exíguo parque de que a recorrente dispõe para movimentação de contentores.
XXVII Tal comportamento era normal, tendo sido confirmado pelas testemunhas que ainda hoje prestam trabalho portuário à recorrente, as quais foram unânimes em afirmar que é impossível o trabalho de movimentação de contentores sem que os conferentes tenham de andar no parque, sendo que o acidente apenas ocorreu por culpa total e exclusiva da recorrente.
XXVIII In casu, resultou claro que entre as causas do acidente de trabalho que vitimou o trabalhador da recorrente, Sr. EE, estavam precisamente violações das regras de segurança, pelo que na fixação dos danos não patrimoniais não houve qualquer violação da lei por parte do Meritíssimo Tribunal a quo.
XXIX Considerando o teor dos pontos 10 e 11 da matéria de facto dada como provada pelo Meritíssimo Tribunal a quo, que não foram objecto de qualquer tipo de impugnação judicial por parte da recorrente, constata-se que a factualidade provada nos dois referidos pontos é subsumível no nº1, alínea c) do artº.60º da LAT.
Nestes termos e nos mais de Direito, que V.Exªs. doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado totalmente não provado e improcedente, mantendo-se na íntegra a douta decisão aqui em crise, tudo com as legais consequências.”
Foi proferido despacho que admitiu o recurso mas não se pronunciou sobre as arguidas nulidades da sentença.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer enunciando lapsos de escrita contidos na sentença e no sentido de que não se verificam as alegadas nulidades e que o recurso deve improceder.
Não houve resposta ao Parecer.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º n.º 2 do CPC).
No presente recurso há que apreciar as seguintes questões:
1.ª- Se a sentença é nula.
2.ª – Se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto.
3.ª- Se a Ré não violou normas de segurança sobre o trabalho não podendo ser responsabilizada nos termos do artigo 18.º da LAT e se, no caso de se entender que houve essa violação, a mesma não é causal do acidente.
4.ª- Se a sentença errou na atribuição e no montante dos danos não patrimoniais.
5.ª-Se a sentença não atendeu ao disposto no artigo 60.º da LAT para efeitos da pensão de sobrevivência do 2.º Recorrido.
Fundamentação de facto
A sentença considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 4 de Março de 2021, pelas 18h44m, em ..., EE, trabalhava sob a autoridade, direcção e fiscalização de “XX, S.A.”, com a categoria profissional de ..., mediante a remuneração anual de € 54.615,69 (€ 2.368,90 x 14 (mensal) + € 230,37 x 11/subsídio de alimentação + € 18.917,02 x 1/outras remunerações) – (A).
2. Nas circunstâncias de tempo e modo acima referidas, o sinistrado EE, sofreu um atropelamento por uma empilhadora Reachstacker de marca n.º 93 no local de trabalho – (B).
3. O sinistrado EE sofreu as lesões corporais e na saúde acima descritas no relatório de autópsia de fls. 167 a 169 dos autos que lhe determinaram a morte como efeito necessário e directo no dia 4 de Março de 2021 – (C).
4. A entidade empregadora tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho
transferida para a ré Generali Seguros, S.A., mediante um contrato de seguro do ramo Acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º ... de prémio variável celebrado com a entidade patronal do trabalhador/sinistrado, a ré XX, S.A. – (D).
5. À data do acidente, encontrava-se transferida a responsabilidade infortunística, no que respeita ao sinistrado EE, pelo salário indicado, correspondente a € 2.368,90 x 14 meses, a título de salário base, acrescido de € 230,37 x 11, a título de subsídio de alimentação e € 18.917,02 x 1 (outras remunerações), ou seja, pela retribuição anual de € 54.615,69 – (E).
6. A primeira ré é uma empresa que tem por objecto o exercício da actividade de movimentação de cargas em portos compreendendo as actividades de estiva, desestiva, conferência, carga, descarga, transbordo, movimentação e arrumação de mercadorias em cais, terminais, armazéns e parques, bem como de formação e decomposição de unidades de carga e ainda de recepção, armazenagem e expedição de mercadorias, bem como o exercício do direito de exploração comercial de áreas portuárias e o exercício de todas as demais actividades que possam considerar acessórias das anteriormente referidas – (F).
7. O sinistrado EE foi trabalhador da ré desde 1 de junho de 2002 – (G).
8. …tendo à data da sua morte a categoria profissional de Coordenador – (H).
9. A autora AA vivia em união de facto com o sinistrado EE desde 13 de Março de 2006 – (I).
10. BB nasceu em 6 de Fevereiro de 2001 e era filho do sinistrado EE – (J).
11. … E frequentava no ano lectivo de 2020/2021 o 2.º ano do ciclo de estudos de Curso Técnico Superior Profissional em Tecnologias e Programação de Sistemas de Informação -ESTBarreiro – (L).
12. O Instituto da Segurança Social/Centro Nacional de Pensões pagou à beneficiária AA a título de pensões de sobrevivência, por morte do beneficiário n.º ... EE, o total de € 4.637,52 (quatro mil, seiscentos e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos), no período de Junho de 2022 a Julho de 2022, sendo o valor mensal àquela data de € 1.929,84 (mil novecentos e vinte e nove euros e oitenta e quatro cêntimos) – (M).
13. Nas circunstâncias de tempo referidas em 1, no Parque Central..., Rua..., estava a ser feita a operação de carga de um navio, que transporta principalmente contentores, com contentores parqueados no parque descoberto da empresa.
14. O terminal tem 500 metros de comprimento de cais acostável e 20.500m2 de área total, com área coberta e dispõe de armazéns para diversos tipos de mercadorias, tais como acondicionadas em contentores, a granel e/ou cisternas climatizadas.
15. Os contentores encontravam-se parqueados até 4 metros de altura, pelo que tendo em conta as instruções do comandante do navio da carga e consequente distribuição de peso, era necessário un(s) trabalhadore(s) apeado(s) para identificar os contentores e a ordem de carga.
16. A luminosidade do local era fraca, estando a chover nesse dia.
17. Neste contexto, o trabalhador FF manobrava o empilhador retrátil de marca ZZ.
18. O trabalhador GG, encontrava-se no parque exterior à procura de um contentor.
19. Após procura sem sucesso, solicitou ajuda a EE via rádio sobre a confirmação da entrada do respectivo contentor, tendo este confirmado a sua presença e deslocou-se para o parque ao encontro do seu Colega.
20. O sinistrado e o trabalhador GG, encontravam-se a procurar e selecionar os contentores pela ordem de carga e encontravam-se junto de vários contentores empilhados até à altura de 4 contentores, fazendo pesquisa visual pelos números de contentores.
21. Neste contexto e, em simultâneo, o trabalhador, FF, operava o reach Stacker – empilhador retrátil usado para manipular contentores-, transportando contentores do parque central para a prumada do navio, para serem levantados pela grua.
22. Os contentores a movimentar pelo manobrador são indicados pelo conferente da prumada, no caso, GG.
23. Os trabalhadores GG e EE seguem por um corredor perpendicular ao corredor onde se encontrava o trabalhador a movimentar a carga.
24. No decurso pensam ter identificado o contentor e ficam numa posição frontal para o contentor para tentar validar a informação.
25. O trabalhador após retirar o contentor da prumada e elevar a mesma inicia o movimento da marcha atrás para executar a manobra de inversão de marcha.
26. No movimento de marcha atrás terá atingido, o sinistrado e o trabalhador GG que terá caído ao solo devido ao embate sem danos corporais relevantes.
27. O sinistrado foi atingido por uma das rodas do empilhador, ficando com o corpo parcialmente esmagado e sofrendo morte imediata.
28. No dia 03.03.2021, FF, começou a jornada de trabalho às 08h00 e terminou às 24h00.
29. No dia 03.03.2021, o sinistrado e GG realizaram o 1.º turno, tendo ainda trabalhado entre as 21h00 e as 24hoo desse dia.
30. No dia 04.03.2021, GG e o sinistrado iniciaram a jornada de trabalho às 08h00.
31. Aquando do evento, o empilhador ZZ n.º 93 não dispunha de espelhos retrovisores e a luz rotativa de emergência não estava operacional.
32. Aquando do evento, a ré não tinha plano de circulação de pessoas e veículos, não havendo delimitação visível para a circulação de pessoas.
33. A ré nunca emitiu qualquer instrução aos trabalhadores para não operarem o empilhador se o mesmo não tivesse retrovisores ou dispositivo luminoso/pirilampo a funcionar.
34. Em 29.03.2021, a entidade patronal apresentou fotografias do empilhador kalmar n.º 93 dotado de retrovisores exteriores.
35. O que foi constatado em visita inspectiva de 31.03.2021, assim como a operacionalidade do pirilampo.
36. À data do acidente EE tinha reatado a relação com os seus dois filhos, designadamente com o ora beneficiário EE, após um período de afastamento decorrente do divórcio da mãe dos seus filhos.
37. Encontrando-se numa fase de fortalecimento da relação com os filhos designadamente com o beneficiário EE, manifestando interesse pelo seu futuro.
38. E suportando financeiramente alguma das suas despesas designadamente roupa, calçado e material escolar.
39. A morte do sinistrado causou ao beneficiário grande sofrimento.
40. A morte do sinistrado EE causou à sua companheira, AA um grande sofrimento.
41. Deixando-a também numa precária situação financeira necessitando de ajuda da mãe do sinistrado e do irmão deste.
42. A autora AA pagou as despesas de funeral no valor de 1.300,00€.
*
A sentença considerou que não se provaram outro factos, designadamente:
1 - Que o pirilampo do empilhador terá deixado de funcionar durante a manobra que estava a ser sinalizada pelo manobrador;
2 - Que durante as manobras de carregamento dos contentores – está vedada/proibida a
permanência de trabalhadores apeados no cais enquanto se manobram e carregam navios;
3- Que existem no Cais a delimitação das zonas de circulação de peões e máquinas/Veículos, em função da actividade em curso: carga e descarga de contentores ou de outros materiais fora de contentores;
Fundamentação de direito
Comecemos por apreciar se a sentença é nula.
A este propósito invoca a Recorrente, em suma, que foi condenada a liquidar quantia suportada pelo Instituto da Segurança Social, I.P., sem que tal entidade tenha formulado qualquer pedido contra ela, configurando a decisão em causa, no que respeita à Recorrente, uma decisão surpresa e padecendo a sentença da causa de nulidade prevista na alínea d) do nº 1, do art. 615º do CPC, aplicável ex vi pelo art. 77º do CPT, por ter o Tribunal recorrido conhecido da condenação da Recorrente quando em relação a esta não o podia ter feito.
Da alegada decisão surpresa:
Nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do CPC, aplicável ao caso por via do artigo 1.º n.º 2 al.a) do CPT, “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
Consagra esta norma o princípio do contraditório.
A propósito das normas do artigo 3.º n.º3 e 4 do CPC, escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 1.º, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pag.7:” Resultam estes preceitos duma conceção moderna do princípio do contraditório, mais ampla do que a do direito anterior à sua introdução no nosso ordenamento.
Não se trata já apenas de, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dada à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção. Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma conceção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio (factos, provas, questões de direito) que se encontram em ligação direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.”
E como se afirma no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10.09.2020, Proc. n.º 12841/19.0T8LSB.L2-6, consultável em www.dgsi.pt, entendimento que temos acompanhado, “I) A correcta compreensão do princípio do contraditório não se basta com a garantia de que as partes tenham a possibilidade de intervir no processo, tendo conhecimento e possibilidade de pronúncia quanto aos pedidos que deduzem ou contra si são deduzidos; implica ainda que as partes possam pronunciar-se quanto a questões determinantes para a decisão a proferir e que, constituindo novidade no processo, não tenham sido objecto de pronúncia no decurso do normal contraditório previsto na tramitação processual.
II) O princípio do contraditório assume-se, nesta dimensão, como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio.
III) A efectiva possibilidade de pronúncia não exige a efectiva pronúncia e não impõe que a todo o tempo a prolação de uma decisão imponha a audição das partes quanto ao sentido da mesma, nomeadamente imponha a apresentação às partes de uma espécie de projecto de decisão.
(…).”
E quanto à decisão surpresa escreve-se na obra supra citada, pags.9 e 10: “ No plano das questões de direito, é expressamente proibida, desde a revisão do CPC de 1961, a decisão surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.
Esta vertente do princípio tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado, pois as que estejam na disponibilidade exclusiva das partes, tal como as que sejam oficiosamente cognoscíveis mas na realidade tenham sido levantadas por uma das partes, são naturalmente objeto de discussão antes da decisão, sem que o facto de a parte que as não tenha levantado não ter exercido o direito de resposta (desde que este lhe tenha sido facultado) implique falta de contraditoriedade. Antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho-saneador, sentença, instância de recurso).
(…).
A omissão do convite às partes para tomarem posição sobre a questão oficiosamente levantada gera nulidade, a apreciar nos termos gerais do artigo 201.º.”
Repare-se que a violação do contraditório, na vertente da decisão surpresa, integra nulidade processual (art.195.º do CPC) a ser arguida no prazo de 10 dias (art.199.º do CPC).
Porém, tendo a referida nulidade sido sancionada pela sentença, entendemos que pode ser suscitada em sede de recurso. Com efeito, como escrevem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora na obra “ Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Revista e Actualizada de acordo como Dec.-Lei 242/85, Coimbra Editora, Limitada, pag.393, citando Manuel de Andrade, Noções Elementares, pag.183, “ Se, entretanto o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão.”
Revertendo ao caso, verifica-se que:
Por despacho de 03.07.2022 foi ordenada a citação do Instituto da Segurança Social para, querendo, deduzir nestes autos eventual pedido de reembolso, nos termos do disposto no art. 1º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-lei n.º 59/89, de 22.02.
Em 21.07.2022, o Instituto da Segurança Social, IP veio aos autos deduzir contra a Ré Generali, Companhia de Seguros S.A., pedido de reembolso da quantia de €4 637,52 paga a título de Pensões de Sobrevivência, relativamente à unida de facto do falecido.
E finalizou pedindo: “Devem a final os demandados ser condenados a pagar ao ISS, IP/CNP a quantia peticionada de €4 637,52 (quatro mil seiscentos e trinta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescida das pensões que se vencerem e forem pagas na pendência da ação, até ao limite da indemnização a conceder, bem como os respetivos juros de mora legais, desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.”
Nos termos do artigo 1.º n.ºs 1 e 2 do DL n.º 59/89, de 22 de Fevereiro:
“1 - Em todas as acções cíveis em que seja formulado pedido de indemnização de perdas e danos por acidente de trabalho ou acto de terceiro que tenha determinado incapacidade temporária ou definitiva para o exercício da actividade profissional, ou morte, o autor deve identificar na petição a sua qualidade de beneficiário da Segurança Social ou a do ofendido e a instituição ou instituições pelas quais se encontra abrangido.
2 - As instituições de segurança social competentes para a concessão das prestações são citadas para, no prazo da contestação, deduzirem pedido de reembolso de montantes que tenham pago em consequência dos eventos referidos no número anterior.”
Por seu turno, estatui o artigo 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, estabelece as Bases Gerais do Sistema de Segurança Social que, “No caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder.”
Destas normas entendemos resultar que basta ao Instituto da Segurança Social vir aos autos alegar e provar que procedeu ao pagamento das prestações aos beneficiários e formular o pedido de condenação do responsável pela reparação do acidente (seja ele quem for, no caso seguradora ou empregadora) no reembolso das prestações pagas, para que se imponha a condenação daquele responsável.
Assim, face aos n.ºs 1 e 2 do DL n.º 59/89, de 22 de Fevereiro, tendo sido formulado pedido de reembolso pelo Instituto de Segurança Social, como foi, a provar-se tais pagamentos, o responsável pela reparação do acidente deve ser condenado nestes autos, condenação que resulta directamente daquelas normas.
Por outro lado, tendo a Ré seguradora, na sua contestação, que foi notificada à Ré XX, S.A., declinado a sua responsabilidade na reparação do acidente de trabalho (cfr. ainda o auto de tentativa de conciliação), por entender que este ocorreu em virtude da violação das regras de segurança sobre o trabalho por parte da empregadora e sendo certo que, no despacho saneador, consignou-se na alínea M) dos factos assentes que “M. O Instituto da Segurança Social/Centro Nacional de Pensões pagou à beneficiária AA a título de pensões de sobrevivência, por morte do beneficiário n.º ... EE, o total de € 4.637,52 (quatro mil, seiscentos e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos), no período de Junho de 2022 a Julho de 2022, sendo o valor mensal àquela data de € 1.929,84 (mil novecentos e vinte e nove euros e oitenta e quatro cêntimos”, naturalmente que se colocou a possibilidade de os reembolsos solicitados pelo Instituto da Segurança Social, nos presentes autos, serem devidos pela Recorrente.
Por isso, salvo o devido respeito, não obstante o pedido do Instituto de Segurança Social ter sido dirigido contra a Ré seguradora, o que só poderá ter acontecido por lapso na medida em que na formulação do mesmo são referidos “os demandados”, o que pressupõe que o requerente teve em vista qualquer responsável pelo pagamento das prestações, o segmento da decisão que condenou a Recorrente no pagamento das quantias pedidas pelo Instituto da Segurança Social não configura uma decisão surpresa. Aliás, tendo a sentença concluído no sentido da responsabilidade agravada da empregadora, só poderia ter condenado esta Ré no pedido formulado pelo Instituto da Segurança Social.
Consequentemente, improcede a arguida nulidade.
Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia:
Mas ainda invoca a Recorrente, quanto ao pedido de reembolso, que a sentença é nula por excesso de pronúncia, na medida em que conheceu da condenação da Recorrente quando em relação a esta não o podia ter feito.
O artigo 615.º do CPC, aplicável ao caso por força do artigo 77.º do CPT, enuncia, de modo taxativo, as causas de nulidade da sentença.
Nos termos do n.º 1, al.d) do referido artigo, “é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta norma está em estreita relação com a 2.ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC que estatui que o juiz “ não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Assim, como escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre na obra supra citada, Volume 2.º, pag. 737 “ Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art.608.º-2) é nula a sentença em que o faça”.
E como elucida Alberto dos Reis no “Código de Processo Civil anotado”, Volume V, (Reimpressão), Coimbra Editora, LIM, pags143 e 144: “ O juiz conheceu na sentença, de questão de que não podia tomar conhecimento. Quando isso suceder, a sentença é nula.(…) Proíbe-se aqui ao juiz que se ocupe de questões que as partes não tenham suscitado, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso. Portanto, a nulidade prevista na 2.ª parte do n.º 4 do art.668.º desenha-se assim: A sentença conheceu de questão que nenhuma das partes submeteu à apreciação do juiz.
Mas não existe nulidade, se por lei o juiz tinha o poder ou o dever de conhecer ex officio da questão respectiva.”
No caso, a sentença conheceu de questão de que devia ter conhecido: o pedido de reembolso formulado pelo Instituto da Segurança Social. A questão que se poderá eventualmente colocar é se ocorreu erro de julgamento quanto à condenação da Recorrente, o que traduz questão diversa da alegada nulidade da sentença, que não se verifica.
Da nulidade da sentença por falta de fundamentação de direito.
A este propósito, invoca a Recorrente que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação de direito quanto à imputada violação de normas e regras de segurança e por falta de especificação de quaisquer fundamentos de direito quanto à pretensa existência de nexo de causalidade tendo obnubilado por completo os preceitos legais, convencionais e regulamentares atinentes às matérias de segurança no trabalho relevantes no contexto da actividade da Recorrente e das circunstâncias do acidente, pois não enquadrou a actividade da Recorrente na no Deccreto-Lei n.º 280/93, de 13 de Agosto, como devia, nem aplicou a regulamentação que consta do Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho, aprovado pela Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro e pelo Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, nos quais a decisão recorrida poderia perscrutar fundamento jurídico para sustentar as suas conclusões, sendo que a mera referência ao artigo 281.º do Código do Trabalho é totalmente insuficiente e constitui falta de fundamentação. Especificou a Recorrente que a sentença recorrida não fundamentou de direito a pretensa violação de normas de segurança sobre organização do parque multiusos, designadamente a inexistência de um plano de circulação e veículos e a omissão de zonas delimitadas de circulação de máquinas e peões, a inexistência de espelhos retrovisores e da inoperacionalidade da luz rotativa de emergência, a pretensa inexistência de ordens para não operar a empilhadora quando esta não possuísse retrovisor ou pirilampo a pretensa inexistência de implementação de um sistema que permitisse o controlo das avarias de modo mais eficaz e que também não aludiu aos fundamentos de direito quanto aos pedidos de indemnização por danos não patrimoniais e dano morte.
Estatui a al.b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que é nula a sentença quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”
O dever de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente encontra consagração no artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 154.º e 607.º n.º 3 do CPC. A violação do dever de fundamentação, quer na vertente dos factos, quer na vertente do direito, gera a nulidade da sentença.
Em anotação a esta norma escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre na obra já citada, Volume 2.º, 3.ª Edição, pags.735 e 736: ”Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art.607-3). Há nulidade (no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (ac. STJ de 17.10.90, KK, AJ,12,p.20:constitui nulidade a falta de discriminação dos factos provados). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (ac. do TRP de 6.1.94, CJ, 1984, I, p.197: a simples indicação do preceito legal aplicável constitui fundamentação suficiente da decisão de condenação da parte como litigante de má fé.)”
A propósito desta causa de nulidade da sentença escreve Alberto dos Reis no “Código de Processo Civil anotado, Volume V (Reimpressão), Coimbra Editora LIM, pag.139 e 140:
“ Uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base.
(…).
As razões por que a lei atribuiu à motivação esta importância são fáceis de descortinar.
Razão substancial. A sentença deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação do juiz; ao comando geral e abstracto da lei o magistrado substitui um comando particular e concreto. Mas este comando não se pode gerar arbitrariamente; porque o juiz não tem, em princípio, o poder de ditar normas de conduta, de impor a sua vontade às vontades individuais que estão em conflito, porque a sua atribuição é unicamente a de extrair da norma formulada pelo legislador a disciplina que se ajusta ao caso sujeito à sua decisão, cumpre-lhe demonstrar que a solução dada ao caso é legal e justa ou, por outras palavras, que é a emanação correcta da vontade da lei.
É esta a função específica dos fundamentos.
Razões práticas. As partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior. Este carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso.
Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos. Referimo-nos ao valor doutrinal, ao valor como elemento de convicção, e não ao valor legal. Este deriva, como já assinalámos, do poder de jurisdição de que o juiz está investido.
Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do art.668.”
Ora, da leitura e análise da sentença decorre que esta especificou os fundamentos de facto. No que respeita aos fundamentos de direito, quanto à fixação da pensão atendeu ao disposto nos artigos 18.º, n.ºs 4 e 5, 57.º a 61.º e 72. ºn.ºs 1 e 2 da LAT, quanto ao subsídio por morte atendeu ao artigo 65.º n.º 2 al.a) da LAT, quanto ao subsídio por despesas com o funeral atendeu ao disposto no artigo 66.º n.ºs 1. 2 e 4 da LAT e quanto aos danos não patrimoniais considerou o disposto no artigo 18.º da LAT, nos artigos 483.º n.º 1 e 496.º n.º 1 do Código Civil e socorreu-se de critérios de equidade para determinar os valores compensatórios.
Por conseguinte, é de concluir que não se verifica a alegada falta de fundamentação de direito quanto a estas matérias.
Por outro lado, no que concerne à violação das normas e regras de segurança no trabalho, que considerou ter ocorrido, para além da jurisprudência que cita, a sentença recorrida fundamentou tal violação no artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro e no artigo 281.º n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho, não cuidando de enquadrar a actividade da Recorrente no regime jurídico do trabalho portuário nem na respectiva regulamentação que vem identificada pela Recorrente e aplicável ao caso (Decreto-Lei n.º 280/93, de 13 de Agosto, Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho, aprovado pela Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro e Decreto-Lei n.º 50/2005 de 22 de Fevereiro). Ou seja, nesta parte, o enquadramento jurídico operado pela sentença recorrida é parco e esqueceu, por completo, as normas essenciais ao apuramento da imputada violação das regras de segurança, o que redunda numa evidente fundamentação insuficiente ou deficitária.
Contudo, como resulta da doutrina citada, a insuficiência da fundamentação de direito ou de facto não gera a nulidade da sentença que é um vício estrutural da sentença; apenas a falta absoluta de fundamentação acarreta esse vício. E esta não se verifica.
Acresce que, para além da referida insuficiência de fundamentação, não notamos que a sentença padeça de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, sendo perfeitamente apreensível o seu sentido.
Consequentemente, deve ser julgada improcedente a arguida nulidade da sentença por falta de fundamentação.
*
Apreciemos, agora, se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
A Recorrente expressou a sua vontade no sentido de ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
Como é sabido, no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova (art.607.º n.º 5 do CPC). Ou seja, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; (…)”.
Assim, independentemente dos princípios da oralidade, da concentração e da imediação, que privilegiam a posição do julgador a quo perante a produção da prova, o princípio da livre apreciação da prova também se aplica ao Tribunal da Relação quando este é chamado a apreciar o recurso da matéria de facto.
E como se sabe, o n.º 1 do artigo 662.º do CPC impõe ao Tribunal da Relação o dever de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Debruçando-se sobre esta temática, escreve o Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes, na obra “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pags. 221 e 222, “Fica seguro que a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”.
E nas páginas 235 e 236 da mesma obra lemos: “É verdade que a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.
Mas se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão.”
E como afirma o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.03.2023, proferido no Processo n.º2755/20.7T8FAR.E1.S1, consultável em www.dgs.pt, “(…) I- A 2.ª instância assume-se como um verdadeiro e próprio segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto, com autonomia volitiva e decisória nessa sede, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostraram acessíveis com observância do princípio do dispositivo.
(…).”
Assim, se a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou constantes do processo impuserem um juízo diverso do formulado pelo Tribunal de 1.ª instância, é dever da Relação modificar a decisão da matéria de facto.
Sucede, porém, que sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto recaem ónus que devem ser observados, sob pena de imediata rejeição do recurso, os quais estão enunciados no artigo 640º do CPC (anterior artigo 685º-B do CPC, embora com algumas alterações) e que estabelece:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na al.b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso, na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3- O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º.”
Assim, como se escreve no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.01.2016, Proc. n.º 3316/10.4TBLRA.C1.S1, pesquisa em www.dgsi.pt, cujo entendimento temos perfilhado, “1) A impugnação da decisão sobre a matéria de facto impõe ao recorrente que, nos termos do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil especifique os pontos concretos que considera incorrectamente julgados (a); os concretos meios probatórios constantes do processo, ou de registo ou gravação nele realizado, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida (b); a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (c).
(…)”
Sobre estes ónus escreve o Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes, na pag.128 da obra citada:
”Importa observar que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”
Há ainda a sublinhar que, relativamente ao ónus a que alude a al.c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, de 14 de Novembro, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I, de 2023-11-14 uniformizou a jurisprudência no sentido de que “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”
Regressando ao caso dos presentes autos.
Sustenta a Recorrente, em primeiro lugar, que devem ser considerados não provados os factos provados 23, 26, 32 e 33 que têm a seguinte redacção:
“23. Os trabalhadores GG e EE seguem por um corredor perpendicular ao corredor onde se encontrava o trabalhador a movimentar a carga.
26. No movimento de marcha atrás terá atingido, o sinistrado e o trabalhador GG que terá caído ao solo devido ao embate sem danos corporais relevantes.
32. Aquando do evento, a ré não tinha plano de circulação de pessoas e veículos, não havendo delimitação visível para a circulação de pessoas.
33. A ré nunca emitiu qualquer instrução aos trabalhadores para não operarem o empilhador se o mesmo não tivesse retrovisores ou dispositivo luminoso/pirilampo a funcionar.”
Em segundo lugar, defende a Recorrente que devem ser considerados provados os factos não provados sob os pontos 1 e 2 que têm a seguinte redacção:
“1 – que o pirilampo do empilhador terá deixado de funcionar durante a manobra que estava a ser sinalizada pelo manobrador;
2 – que durante as manobras de carregamento dos contentores – está vedada/proibida a permanência de trabalhadores apeados no cais enquanto se manobram e carregam navios;”
E, em terceiro lugar, sustenta a Recorrente que ainda devem ser considerados provados os seguintes factos que, em seu entender, resultaram provados mas que foram desconsiderados pelo Tribunal a quo:
“1 – O Terminal em causa é um terminal multiusos, que recebe mercadoria diversa, que tanto pode ser contentores, como carga a granel, como areia, cereais, entre outros;
2 – O Terminal tem assinalado no chão, junto aos armazéns e na portaria, zonas delimitadas no pavimento, devidamente pintadas, que indicam a zona de passagem dos peões;
3 – O trabalhador GG, após solicitar ajuda via rádio ao trabalhador EE, não avisou via rádio o trabalhador FF, que manobrava o empilhador da sua deslocação para procurar um contentor;
4 – O trabalhador GG sabia onde se encontrava o empilhador, dado ter instruído o mesmo para ir ao local efectuar o transporte do mesmo para o navio;
5 – Os trabalhadores GG e EE, circulavam pelo cais, numa zona aberta e ampla, junto das fileiras de contentores;
6 – Os trabalhadores GG e EE eram portadores de equipamentos de protecção individual, nomeadamente vestuário de alta visibilidade fornecidos pelo XX, S.A.;
7 - Os trabalhadores GG e EE, pararam junto a um contentor, de costas para o corredor onde se encontrava o empilhador, num local onde não eram avistáveis para o manobrador do empilhador que se encontrava no corredor formado pelos contentores parqueados;
8 – O manobrador do empilhador, após iniciar a marcha em marcha atrás, tem a sua atenção totalmente focada na frente do veículo, de modo a que o contentor que transporta à frente, não colida com os restantes contentores parqueados;
9 - O acidente ocorreu no momento da saída do empilhador do corredor dos contentores, em marcha atrás, quando ao rodar a sua traseira para a direita, de modo a corrigir a sua marcha e seguir em frente, colhe os trabalhadores que se encontravam de costas para o corredor de onde saiu o empilhador;
10 – O local onde se encontravam os trabalhadores representava um ângulo morto para a visibilidade do manobrador do empilhador, pois encontravam-se perto de uma fileira de contentores, fora do corredor onde circulava o empilhador;
11 – O empilhador de marca ZZ foi sujeito a verificação técnica a 09 de Março de 2020 e a 9 de Março de 2021, por entidades externas, ao abrigo do Decreto-Lei nº 50/2005, de 25/02 e foi considerado apto para desempenhar as funções;
12 – O empilhador de marca ZZ possuía espelho retrovisor interior.”
Para sustentar o seu entendimento a Recorrente refere:
“E) Dos depoimentos testemunhais
Para fundamentar a prova produzida que suporta os factos que entendemos estarem provados e não foram considerados pelo Tribunal, bem como os factos que no nosso humilde entendimento foram erradamente apreciados e julgados provados, iremos transcrever parcialmente os depoimentos testemunhais que fundamentam o nosso entendimento.
Foram ouvidos na qualidade de testemunhas, os trabalhadores que estiveram envolvidos no acidente, o Conferente GG e o Manobrador FF, bem como o trabalhador HH, que também se encontrava a trabalhar no dia do acidente.
Vejamos os depoimentos de cada um:
(…)”
E de seguida a Recorrente transcreveu excertos dos depoimentos das testemunhas, GG, FF e HH indicando as passagens da gravação.
Após referiu a Recorrente: “Para além destas testemunhas supra indicadas, foram ouvidas outras duas testemunhas, igualmente trabalhadores do Recorrente, a saber, II e JJ, com conhecimento directo do modo de funcionamento do terminal e questões de formação e segurança. Vejamos os seus depoimentos:
E transcreveu excertos do depoimento das mencionadas testemunhas cujas passagens da gravação identificou.
Referiu também “Por último, e no que respeita à prova gravada, pretendemos analisar o depoimento do Eng. KK, que elaborou o relatório do ISQ, junto aos autos. Vejamos o que o mesmo referiu:
E transcreveu excertos do depoimento da referida testemunha, indicando as passagens da gravação.
Após, a Recorrente fez um resumo do que considerou resultar dos depoimentos e do Relatório da ACT, afirmando o seguinte:
Da análise dos depoimentos parcialmente transcritos, resulta provado o seguinte:
Dinâmica do acidente
O trabalhador GG, trabalhador portuário desde 2003 e não cerca de um ano, conforme certamente por lapso é mencionado na sentença, no dia do acidente, enquanto conferente, deu instruções via rádio ao manobrador do empilhador para ir buscar um contentor, a fim de ser carregado no navio, e o trabalhador conferente, ao não encontrar um outro contentor, pediu ajuda ao Chefe de Operação, Sr. EE, para este o ajudar a encontrar.
Foram ao parque, à procura do contentor mas antes de sair do local onde se encontrava, não avisou via rádio o manobrador que iria deslocar-se pelo parque acompanhado do Sr. ...
Resulta claro porém, que o conferente sabia onde estaria o manobrador, dado que foi o conferente que lhe deu as instruções da localização do contentor.
Ao pararem junto de uma fileira de contentores, tendo passado pelo corredor onde estava o empilhador e não se terem apercebido da sua presença, apesar do empilhador estar a trabalhar e como tal, audível para quem circulasse no local, a par das luzes ligadas, imobilizaram-se junto a uma fileira de contentores, com estes do lado esquerdo, ficando de costas para o corredor onde se encontrava o empilhador.
O empilhador, sai e ao finalizar a manobra de marcha atrás, estando os trabalhadores GG e EE num ângulo morto e fora de qualquer possibilidade de avistamento, não se aperceberam do barulho da máquina, nem do aviso sonoro de marcha atrás, nem da luz sinalizadora da marcha atrás do empilhador e foram colhidos, no momento em que o empilhador virava sobre a sua direita, em finalização da manobra de marcha atrás, para seguir em frente em direcção ao navio.
Comunicação de avarias
Mais referiu o trabalhador GG que já foi manobrador e trabalhou com a máquina envolvida no acidente, que de acordo com a formação de manobrador que lhe foi ministrada, sempre que entrava na máquina averiguava as condições da máquina e se a mesma não estivesse em condições, preenchia relatório escrito, que era entregue ao responsável, no caso o trabalhador EE, e este último depois passava à oficina.
Mais disse que caso não detectasse alguma situação, os colegas chamavam à atenção para tal, como luzes desligadas. Confirmou que o Manual da máquina se encontrava dentro da máquina e que no dia do fatídico acidente, ninguém constatou que o pirilampo não estava a funcionar.
O procedimento relativo à comunicação de avarias foi igualmente confirmado pelos trabalhadores HH e JJ, tendo este último esclarecido que a forma de controlar as avarias sempre que os trabalhadores não as comunicam, é através da manutenção, que diariamente faz vistoria nas máquinas, a fim de anotar o número de horas trabalhadas, e verifica o estado das máquinas e eventuais avarias, bem como o nível de óleo e combustível das mesmas.
O trabalhador JJ referiu também que as operações param caso exista alguma avaria num equipamento que comprometa a segurança e que os trabalhadores têm conhecimento dessa obrigação, até pelas formações que frequentaram.
Características do Terminal e regras de circulação
Por outro lado, todas as testemunhas, com excepção da testemunha FF, mencionaram a existência de delimitações de passagem para peões, que foram repintadas após o acidente, mas que sempre existiram no local, tendo sido explicado pela testemunha JJ os procedimentos de entrada no terminal: através da portaria, onde existem folhetos com informação de segurança relativa às zonas de circulação de peões e quanto à sinalética de perigos face às máquinas em manobras.
Foi também sempre referido por todas as testemunhas o facto de se tratar de um terminal multiusos, o que levou à ponderação do motivo pelo qual era sempre feita essa referência.
Foi explicado pela testemunha II, JJ, GG e demais testemunhas que, enquanto terminal multiusos, recebe diversos tipos de carga, não recebe apenas contentores.
E a necessidade de realçar tal características, prende-se com o facto de, num terminal de contentores os espaços de parqueamento dos contentores e de circulação de máquinas estarem devidamente assinalados no pavimento, mas num terminal multiusos, considerando que tanto recebe contentores como cargas a granel, tal não é possível, dada as características de carga diferentes e muitas vezes a granel.
No terminal apenas de contentores, consegue-se delimitar no pavimento as zonas de parqueamento e de circulação de máquinas, porque recebe sempre o mesmo tipo de carga – contentores – num terminal que recebe diversos tipos de carga já não é possível e como tal, a delimitação de circulação de peões e de máquinas existente no local é a única possível face a tais características do terminal.
Aviso Luminoso (v. pirilampo) e espelhos retrovisores exteriores
Quanto aos espelhos retrovisores e pirilampo, convém especificar: o empilhador em questão possuía espelho retrovisor interior, conforme é mencionado pela testemunha KK, não possuía sim, espelhos retrovisores exteriores.
Tal máquina foi sujeita a vistoria/verificação técnica no ano de 2020 e 5 dias após o acidente, a 09 de Março de 2021, e as duas verificações técnicas externas ao equipamento em causa consideraram o mesmo apto para laborar, conforme documentos juntos aos autos, pelo que, não podia o Recorrente considerar que tal equipamento estaria desconforme, atento o resultado de duas verificações técnicas que consideraram o mesmo apto para as funções de laboração.
Quanto ao aviso luminoso, v. pirilampo, a testemunha FF, que manobrava o equipamento no dia do acidente, disse não se recordar se o pirilampo estava a funcionar, mas referiu que iniciou o trabalho no empilhador em questão às 5 da tarde e que era de dia.
Pode parecer irrelevante, mas tal afirmação – de ser de dia - conjugada com o depoimento da testemunha HH, que referiu que só se apercebe do não funcionamento do pirilampo se for de noite, pode explicar a razão pela qual o manobrador do empilhador, nesse dia, não se apercebeu que o mesmo não estava a funcionar, nem qualquer outro dos trabalhadores presentes no terminal. Tal avaria, ao ocorrer durante a laboração da máquina, pode não permitir, de imediato a sua constatação, até porque a luminosidade que transmite não é passível de ser detectada facilmente com a luz do dia. De notar também que no dia e hora do acidente – 04 de Março pelas 18:40, está-se na transição do período de dia para o período da noite, não está suficientemente escuro, de modo a permitir detectar-se o não funcionamento do pirilampo.
Do local onde se encontravam os trabalhadores EE e GG
Tal como consta do Relatório do ISQ e do depoimento do subscritor do mesmo, KK, o local onde os trabalhadores estavam imediatamente antes do acidente/atropelamento, configura um ângulo morto para o manobrador do empilhador, que não consegue vê-los durante toda a manobra de marcha atrás, aliás, só os conseguiria avistar já na eminência da ocorrência do acidente, ao que acresce que durante a realização da manobra de marcha atrás, o manobrador tem a sua atenção no que se passa à frente, de modo a que o contentor que transporta não embata nos restantes contentores.
Pelo exposto, resulta, no entender do Recorrente, que os factos indicados como incorrectamente julgados devem ser suprimidos, a saber:
23. Os trabalhadores GG e EE seguem por um corredor perpendicular ao corredor onde se encontrava o trabalhador a movimentar a carga.
26. No movimento de marcha atrás terá atingido, o sinistrado e o trabalhador GG que terá caído ao solo devido ao embate sem danos corporais relevantes.
32. Aquando do evento, a ré não tinha plano de circulação de pessoas e veículos, não havendo delimitação visível para a circulação de pessoas.
33. A ré nunca emitiu qualquer instrução aos trabalhadores para não operarem o empilhador se o mesmo não tivesse retrovisores ou dispositivo luminoso/pirilampo a funcionar.
Mais considera o Recorrente que, face à prova produzida, deve ser aditados ao elenco dos factos provados os seguintes factos:
1 – O Terminal em causa é um terminal multiusos, que recebe mercadoria diversa, que tanto pode ser contentores, como carga a granel, como areia, cereais, entre outros;
2 – O Terminal tem assinalado no chão, junto aos armazéns e na portaria, zonas delimitadas no pavimento, devidamente pintadas, que indicam a zona de passagem dos peões;
3 – O trabalhador GG, após solicitar ajuda via rádio ao trabalhador EE, não avisou via rádio o trabalhador FF, que manobrava o empilhador da sua deslocação para procurar um contentor;
4 – O trabalhador GG sabia onde se encontrava o empilhador, dado ter instruído o mesmo para ir ao local efectuar o transporte do mesmo para o navio;
5 – Os trabalhadores GG e EE, circulavam pelo cais, numa zona aberta e ampla, junto das fileiras de contentores;
6 – Os trabalhadores GG e EE eram portadores de equipamentos de protecção individual, nomeadamente vestuário de alta visibilidade fornecidos pelo XX, S.A.;
7 - Os trabalhadores GG e EE, pararam junto a um contentor, de costas para o corredor onde se encontrava o empilhador, num local onde não eram avistáveis para o manobrador do empilhador que se encontrava no corredor formado pelos contentores parqueados;
8 – O manobrador do empilhador, após iniciar a marcha em marcha atrás, tem a sua atenção totalmente focada na frente do veículo, de modo a que o contentor que transporta à frente, não colida com os restantes contentores parqueados;
9 - O acidente ocorreu no momento da saída do empilhador do corredor dos contentores, em marcha atrás, quando ao rodar a sua traseira para a direita, de modo a corrigir a sua marcha e seguir em frente, colhe os trabalhadores que se encontravam de costas para o corredor de onde saiu o empilhador;
10 – O local onde se encontravam os trabalhadores representava um ângulo morto para a visibilidade do manobrador do empilhador, pois encontravam-se perto de uma fileira de contentores, fora do corredor onde circulava o empilhador.
11 – O empilhador de marca ZZ foi sujeito a verificação técnica a 09 de Março de 2020 e a 9 de Março de 2021, por entidades externas, ao abrigo do Decreto-Lei nº 50/2005, de 25/02 e foi considerado apto para desempenhar as funções.
12 – O empilhador de marca ZZ possuía espelho retrovisor interior.
Devendo ainda ser considerados provados os factos:
13 – que o pirilampo do empilhador terá deixado de funcionar durante a manobra que estava a ser sinalizada pelo manobrador;
14 – que durante as manobras de carregamento dos contentores – está vedada/proibida a permanência de trabalhadores apeados no cais enquanto se manobram e carregam navios;”
Do exposto resulta que a Recorrente fez uma impugnação da matéria de facto em bloco, apesar de os factos impugnados e os que pretende ver aditados não respeitarem todos à mesma realidade e resumiu as declarações das testemunhas e do que consta do Relatório Técnico e do Relatório da ACT juntos aos autos para concluir que deve ser alterada a decisão de facto nos termos que indica.
Ora, como se afirma no Acórdão deste Tribunal e Secção de 14.09.2022, proferido no Processo n.º 1829/21.1T8FNC.L1: «O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que o artº 640ºdo CPC impõe que a concretização dos meios de prova e as passagens das gravações sejam efectuadas relativamente a cada um dos pontos de facto impugnados (neste sentido, Acórdão de 20.12.2017 - relatado pelo Conselheiro Ribeiro Cardoso- Acórdão de 05.09.2018, relatado pelo Conselheiro Gonçalves Rocha e Acórdão de 19/12/2018 - relatado pelo Conselheiro Ribeiro Cardoso- www.dgsi.pt
Com efeito, escreve-se no sumário do Acórdão do STJ de 20.12.2017, proferido no Processo n.º299/13.2TTVRL.G1.S2 “ I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.”
E no Acórdão do STJ de 05.09.2018, proferido no Processo n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2 afirma-se “I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em vários blocos de factos e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.”
E igual sumário consta do Acórdão do mesmo Tribunal de 19/12/2018 proferido no Processo n.º271/14.5TTMTS.P1.S1.
Por seu turno, elucida o Acórdão do STJ de 19-05-2021, proferido no Processo n.º 4925/17.6T8OAZ.P1.S1, “I. A exigência, imposta pelo art.º 640.º, n.º1, al. b), do Código de Processo Civil, de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados, com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II. Quando o conjunto de factos impugnados se refere à mesma realidade e os concretos meios de prova indicados pelo recorrente sejam comuns a esses factos, a impugnação dos mesmos em bloco não obstaculiza a perceção da matéria que se pretende impugnar, pelo que deve ser admitida a impugnação.”
Sucede, porém, que, no caso, os factos impugnados e aqueles que a Recorrente pretende sejam aditados não respeitam à mesma realidade. Com efeito, uns respeitam à dinâmica do acidente, nomeadamente ao local onde se encontravam o falecido e o trabalhador GG no momento do acidente, outros ao local onde opera a Recorrente, outros às características da máquina empilhadora e outros ao modo como era executado o trabalho do trabalhador que operava com a referida máquina. E daquilo que se apreendeu, os meios de prova indicados pela Recorrente não eram comuns a todos os factos impugnados, sendo certo que, salvo o devido respeito, não cabe a este Tribunal escolher de, entre os meios de prova indicados pela Recorrente, aqueles que se adequam a cada facto impugnado.
Assim, é de concluir que a Recorrente não cumpriu o ónus a que alude o artigo 640.º n.º 1 al.b) , o que nos termos do n.º 1 determina a rejeição da impugnação da matéria de facto.
A Recorrente ainda alegou que a “(…) sentença proferida enferma de graves erros de apreciação da prova, patentes na motivação exposta e que não podemos deixar de mencionar:
“No que concerne à prova testemunhal produzida em julgamento, há que distinguir uma questão fundamental em torno da qual a prova foi discutida: a alegada violação das regras de segurança por parte da ré XX, S.A..
No tocante a este tema, os depoimentos que se nos afiguraram globalmente mais credíveis e reveladores de conhecimento directo dos factos foram os prestados pelas testemunhas FF e GG ao que acrescem as declarações de LL, Inspector do Trabalho, que fez a análise das circunstâncias do acidente.”
(…)
O Tribunal considerou ainda as declarações coincidentes da testemunha quanto há diminuição de sensibilidade ao sinal sonoro da máquina pelo barulho existente no Parque. O Tribunal considerou as declarações quanto às circunstâncias do acidente, descrevendo-o como aquele ocorreu da sua perspectiva estando a testemunha preocupada que o contentor que foi buscar não batesse em alguma coisa, deu a volta à máquina e não viu o sinistrado e só se apercebeu do sucedido quando foi avisado. O Tribunal considerou as declarações da testemunha que referiu que se a máquina tivesse os retrovisores teria visto o Colega e se tivesse pirilampo aqueles teriam visto a máquina.
(…)
As declarações das testemunhas acima referidas, não foram infirmadas pelas declarações da testemunha JJ, pois não obstante ter explicitado procedimentos de reporte de avaria desconhecia qualquer documento produzido pelo condutor da máquina.
A testemunha referiu ainda algo que consideramos curioso, que é o facto, se o trabalhador que deve reportar a avaria não o fizer, a ré não tem como saber da referida avaria, não estando assim, criados mecanismos de um segundo controle da existência de uma avaria do género uma vez que a máquina continua a funcionar.
Considerou o douto Tribunal recorrido que os depoimentos que considerava mais credíveis e como tal iria apreciar, seriam os das testemunhas GG e FF, conjugadas com o depoimento da testemunha LL, técnico da ACT.
Tal declaração prévia, sem qualquer outra razão de ciência que a fundamente, revela uma atitude excessiva face ao critério da livre apreciação da prova, pois a análise crítica das provas deve sempre ser efectuada e o douto Tribunal recorrido, delineou a prova que entendia credível sem que tivesse fundamentado a razão de tal credibilidade, por contraponto com a falta de credibilidade das restantes testemunhas.
Aliás, diga-se, que a não apreciação crítica da prova produzida, levou o tribunal a considerar conforme supra transcrito, que a testemunha JJ admitiu em julgamento que se o trabalhador não reportar a avaria, o ora Recorrente não tem como saber da referida avaria, concluindo assim pela inexistência de mecanismos de controlo. Tal não é verdade e representa uma postura perigosa vinda de um tribunal: ignorar parcialmente o que uma testemunha refere, transcrevendo apenas a primeira parte do que é dito e ignorando toda a afirmação da testemunha, desvirtuando o seu sentido, com vista a reforçar uma decisão, representa uma atitude inaceitável num órgão de soberania de um estado de Direito.
Toda a motivação e fundamentação da sentença ora em crise foi construída e assenta em premissas erradas e reprováveis, resultando numa clara violação ao disposto no art. 607º do CPC, aplicável ex vi pelo art. 1º, nº 2, do CPT.
Não obstante a conclusão que retirou, salvo o devido respeito, não vislumbramos qual o efeito que a Recorrente pretende retirar dos vícios que apontou à motivação da decisão de facto, sendo certo que tais efeitos sempre se repercutiriam na impugnação da matéria de facto que, no caso, foi rejeitada.
Invoca ainda a Recorrente que existe contradição entre os factos provados sob 15 e 20 na parte relativa à altura dos contentores.
Relembrando o teor dos factos provados sob 15 e 20:
15. Os contentores encontravam-se parqueados até 4 metros de altura, pelo que tendo em conta as instruções do comandante do navio da carga e consequente distribuição de peso, era necessário un(s) trabalhadore(s) apeado(s) para identificar os contentores e a ordem de carga.
20. O sinistrado e o trabalhador GG, encontravam-se a procurar e selecionar os contentores pela ordem de carga e encontravam-se junto de vários contentores empilhados até à altura de 4 contentores, fazendo pesquisa visual pelos números de contentores.
A matéria em causa foi articulada pela Ré Seguradora nos artigos 21.º e 26.º da sua contestação, nos seguintes termos:
“21.º Ao indicado, o sinistrado e o trabalhador GG, estariam a procurar e a seleccionar os contentores pela ordem de carga, e encontravam-se junto de vários contentores empilhados até à altura de quatro (4) contentores, fazendo a pesquisa visual pelos números dos contentores. Em simultâneo, outro trabalhador, FF, operaria o reach stacker – empilhador retrátil usado para manipular contentores –, transportando contentores do parque central para a prumada do navio, para serem levantados pela grua.
“26.º Os contentores encontravam-se parqueados até 4 de altura, pelo que tendo em conta as instruções do comandante do navio acerca da carga e consequente distribuição de peso, era necessário un(s) trabalhador(es) apeado(s) para identificar os contentores e a ordem de carga.”
Assim, não existem dúvidas de que a redacção do facto provado 15, na parte em que refere “4 m de altura”, contém um mero erro de escrita resultante de lapso manifesto, o qual é rectificável, nos termos do artigo 614.º n.º 1 do CPC.
Nesta sequência, rectifica-se o facto provado 15 que passa a ter a seguinte redacção:
“15. Os contentores encontravam-se parqueados até à altura de 4, pelo que tendo em conta as instruções do comandante do navio da carga e consequente distribuição de peso, era necessário un(s) trabalhadore(s) apeado(s) para identificar os contentores e a ordem de carga.”
*
Atendo o teor dos factos provados 25 e 27, é manifesto que não se pode manter a redacção do facto provado 26 cuja fórmula verbal induz incerteza quanto ao facto comprovado de que o sinistrado e o trabalhador que estava consigo foram atingidos pela empilhadora na manobra de marcha atrás.
Assim, o facto provado 26 passa a ter a seguinte redacção:
26. No movimento de marcha atrás atingiu o sinistrado e o trabalhador GG que caiu ao solo devido ao embate sem danos corporais relevantes
*
Os factos provados 36 e 37 enfermam de lapsos de escrita manifestos na parte em que se referem ao beneficiário do falecido como sendo EE, quando o beneficiário é BB.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 614.º n.º 1 do CPC, rectifica-se os referidos pontos da matéria de facto que passam a ter a seguinte redacção:
36. À data do acidente EE tinha reatado a relação com os seus dois filhos, designadamente com o ora beneficiário BB, após um período de afastamento decorrente do divórcio da mãe dos seus filhos.
37. Encontrando-se numa fase de fortalecimento da relação com os filhos designadamente com o beneficiário BB, manifestando interesse pelo seu futuro.
*
Debrucemo-nos, agora, sobre a questão de saber se a Ré não violou normas de segurança sobre o trabalho não podendo ser responsabilizada nos termos do artigo 18.º da LAT e se, no caso de se entender que houve essa violação, a mesma não é causal do acidente.
Sobre a violação das regras de segurança pela Ré empregadora, pronuncia-se a sentença recorrida nos seguintes termos:
“i. Atento o alegado pela ré seguradora cumprirá aquilatar, antes do mais, da violação, pela ré entidade empregadora das normas de segurança.
De acordo com o disposto no art.º 18º, nº 1 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, “ (Q)uando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante (…), ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”, importando analisar, face à matéria de facto provada, este último aspecto e sem olvidar que é necessário não só a violação das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, como também o nexo de causalidade entre a inobservância dessas regras e o acidente.
Este entendimento é pacifico na jurisprudência. Neste sentido, podem ver-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 24.10.2002, proferido no processo nº 01S4201, de 27.05.2004, proferido no processo nº 04S1280, de 16.06.2004, proferido no processo nº 04S339 e de 24.01.2007, proferido no processo nº 06S2073, todos disponíveis em www.dgsi.pt, tendo neste último sido elaborado o seguinte sumário doutrinal:
«I – Para fazer responder de forma principal a entidade empregadora em virtude de o acidente de trabalho resultar de falta de cumprimento de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho (arts. 18.º e 37.º da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro – LAT), é necessário que a seguradora demonstre aquela falta de cumprimento de regras de segurança por parte da entidade empregadora e o nexo de causalidade adequada entre essa falta e o evento infortunístico.»
Ainda como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.06.2023, “(…). IV – Para que ocorra o preenchimento do quadro normativo previsto no n.º 1 daquele art.º 18 é necessário que se prove a violação de uma regra ou norma concreta sobre segurança no trabalho (não bastando a violação de regras genéricas ou programáticas sobre esta segurança).»
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.01.2013, que conclui, entre outros que, “A imputação, à entidade empregadora, da responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho por violação de regras de segurança pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) que sobre a entidade empregadora impenda o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança; (ii) que aquela não as haja, efectivamente, observado; (iii) que se verifique demonstrada relação de causalidade adequada entre a omissão e o acidente.”
E no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.06.2023, onde se sumariou, “I – A responsabilidade prevista no artº 18 da LAT pressupõe a verificação cumulativa do incumprimento do dever de observância de regras de segurança e saúde no trabalho e de uma relação de causalidade adequada entre tal omissão e o acidente. II – O nosso sistema positivo acolheu a “teoria de causalidade”, ao consignar, no artigo 563.º do Código Civil que “…a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. III – Para prova do nexo causal, basta a demonstração de que o sinistro é uma consequência normal, previsível da violação das regras de segurança, independentemente de se provar ou não, com todo o rigor e extensão, a dinâmica do acidente”.
O acidente dos autos ocorreu, nas circunstâncias de tempo referidas em 1, no Parque Central..., Rua..., estava a ser feita a operação de carga de um navio, que transporta principalmente contentores, com contentores parqueados no parque descoberto da empresa. O terminal tem 500 metros de comprimento de cais acostável e 20.500m2 de área total, com área coberta e dispõe de armazéns para diversos tipos de mercadorias, tais como acondicionadas em contentores, a granel e/ou cisternas climatizadas. Os contentores encontravam-se parqueados até 4 metros de altura, pelo que tendo em conta as instruções do comandante do navio da carga e consequente distribuição de peso, era necessário un(s) trabalhadore(s) apeado(s) para identificar os contentores e a ordem de carga. A luminosidade do local era fraca, estando a chover nesse dia. Neste contexto, o trabalhador FF manobrava o empilhador retrátil de marca ZZ. O trabalhador GG, encontrava-se no parque exterior à procura de um contentor. Após procura sem sucesso, solicitou ajuda a EE via rádio sobre a confirmação da entrada do respectivo contentor, tendo este confirmado a sua presença e deslocou-se para o parque ao encontro do seu Colega. O sinistrado e o trabalhador GG, encontravam-se a procurar e selecionar os contentores pela ordem de carga e encontravam-se junto de vários contentores empilhados até à altura de 4 contentores, fazendo pesquisa visual pelos números de contentores. Neste contexto e, em simultâneo, o trabalhador, FF, operava o reach Stacker – empilhador retrátil usado para manipular contentores-, transportando contentores do parque central para a prumada do navio, para serem levantados pela grua. Os contentores a movimentar pelo manobrador são indicados pelo conferente da prumada, no caso, GG. Os trabalhadores GG e EE seguem por um corredor perpendicular ao corredor onde se encontrava o trabalhador a movimentar a carga.
No decurso pensam ter identificado o contentor e ficam numa posição frontal para o contentor para tentar validar a informação. O trabalhador após retirar o contentor da prumada e elevar a mesma inicia o movimento das marcha atrás para executar a manobra de inversão de marcha. No movimento de marcha atrás terá atingido, o sinistrado e o trabalhador GG que terá caído ao solo devido ao embate sem danos corporais relevantes. O sinistrado foi atingido por uma das rodas do empilhador, ficando com corpo parcialmente esmagado e sofrendo morte imediata – (factos 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 27).
Mais se provou que, no dia 03.03.2021, FF, começou a jornada de trabalho às 08h00 e terminou às 24h00. No dia 03.03.2021, o sinistrado e GG realizaram o 1.º turno, tendo ainda trabalhado entre as 21h00 e as 24hoo desse dia. No dia 04.03.2021, GG e o sinistrado iniciaram a jornada de trabalho às 08h00 – (factos 28, 29 e 30).
Aquando do evento, o empilhador ZZ n.º 93 não dispunha de espelhos retrovisores e a luz rotativa de emergência não estava operacional, e não havia plano de circulação de pessoas e veículos, não havendo delimitação visível para a circulação de pessoas. A ré nunca emitiu qualquer instrução aos trabalhadores para não operarem o empilhador se o mesmo não tivesse retrovisores ou pirilampo a funcionar – (factos 31, 32 e 33).
Conforme resulta do art.º 281º, nº 2 e 3 do Código do Trabalho, “o empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção” (nº 2), e que, “na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa” (nº 3).
A sequência fáctica acima descrita revela, salvo melhor opinião, a violação do dever de cuidado por parte da empregadora do sinistrado, uma vez que descurou normas de segurança designadamente quanto à organização do parque multiusos, designadamente pela omissão de zonas delimitadas de circulação de máquinas e peões, inexistência de ordens para não operar a empilhadora quando esta não possuísse retrovisor ou pirilampo, sendo que compete em última instância zelar pelo bom funcionamento dos equipamentos bem como a implementação de um sistema que permitisse o controlo das avarias de modos mais eficaz. Por outro lado, não olvidando a especificidade do trabalho portuário, a organização do tempo de trabalho designadamente quanto à fadiga dos trabalhadores, contribuiu também para o desfecho ocorrido.
Salvo melhor opinião, existe um claro nexo de causalidade entre a actuação negligente da 1.ª ré e o resultado danoso verificado, traduzido na morte de uma pessoa, razão pela qual imputamos a responsabilidade do acidente à entidade patronal do sinistrado para responder pelas consequências do acidente.
Nesta conformidade, existindo nexo de causalidade entre a actuação negligente da ré e o acidente verificado, pelo que é aplicável ao caso o disposto no art.º 18º, nº 1 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, ou seja, responsabilidade da seguradora é afastada, sendo a entidade empregadora a responder pelas consequências do acidente de trabalho.”
Discordando do entendimento do Tribunal a quo defende a Recorrente, em suma, e sem prejuízo da alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação de Direito que analisámos supra e se concluiu não existir, que lhe são aplicáveis as normas relativas ao Trabalho Portuário, regulado no Decreto-Lei n.º 280/ 93 de 13 de Agosto, bem como as normas do Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho, aprovado pela Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro (“RJSST”) e a regulamentação prevista no Decreto-Lei n.º 50/2009, de 25.02., que do regime do Trabalho Portuário não resulta o dever de existência do plano de circulação de pessoas, que no que respeita à inexistência de espelhos retrovisores exteriores e da inoperacionalidade da luz rotativa de emergência, para além de a sentença não referir qual a norma violada, quando deveria ter considerado a norma do artigo 26.ºals.d) e e) do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro que não estipula que o empilhador deve estar dotado de retrovisores exteriores e/ou interiores e que mesmo existindo tal dever, o que a lei impõe é a instalação de dispositivos que aumentem a visibilidade, que não terão necessariamente de ser retrovisores (pense-se no caso de uma câmara), que, no caso, o empilhador estava dotado de retrovisor interior e que o espelho retrovisor não aumenta a visibilidade do condutor para a frente (já de si reduzida ou obstruída pela carga) nem para a rectaguarda, dado que não era insuficiente, bastando-lhe rodar o pescoço e olhar para trás e que o espelho interior instalado no empilhador já assegurava um simultâneo duplo campo de visão (à frente e à rectaguarda), que o empilhador em causa foi objecto de verificações técnicas ao abrigo do Decreto-Lei nº 50/2005), um ano antes do acidente e logo após este evento, conduzidas por entidades externas, tendo sido considerado operacional, que a lei também não impõe especificamente que o empilhador esteja dotado de uma luz rotativa/pirilampo, mas sim de dispositivos que assegurem uma iluminação adequada ao trabalho, no caso de utilização nocturna, que relativamente à inexistência de ordens para não operar a empilhadora quando esta não possuísse retrovisor ou pirilampo e da inexistência de implementação de um sistema que permitisse o controlo das avarias de modo mais eficaz, a sentença não concretiza qualquer fundamento jurídico que os sustente, sendo que existem meios de reporte e o sinistrado como coordenador devia fazer o reporte das avarias e que, quanto à alegada fadiga dos trabalhadores, a decisão recorrida não apresenta qualquer fundamento – de facto ou de Direito – que o evidencie, devendo concluir-se que as horas de trabalho prestadas em ambos os dias não determinam a ultrapassagem de qualquer limite legal ou convencional.
Acrescentou que a sentença nada refere sobre qual a relevância causal de cada uma das supostas violações de regras de segurança para a existência de tal suposto nexo ou se todas consideradas em conjunto e concluiu ser patente que não se verificam os requisitos dos quais depende o agravamento da responsabilidade previsto no artigo 18.º da LAT e que a sentença desconsiderou as normas aplicáveis a respeito da pretensa violação de regras de segurança, das quais resulta que tal violação não se verificou e mesmo que assim não se entendesse, a violação isolada ou conjunta de tais normas não seria causa do acidente, não podendo a Ré ser responsabilizada pelo acidente para efeitos do artigo 18.º, n.º1 da LAT.
Vejamos:
Estatui o artigo 59.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa que “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
(…);
c) A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde.”
Por seu turno, dispõe o n.º 1 do artigo 127.º do Código do Trabalho sob a epígrafe Deveres do empregador:
1 - O empregador deve, nomeadamente:
(…);
c) Proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral;
g) Prevenir riscos e doenças profissionais, tendo em conta a protecção da segurança e saúde do trabalhador, devendo indemnizá-lo dos prejuízos resultantes de acidentes de trabalho;
h) Adoptar, no que se refere a segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
i) Fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos de acidente ou doença;
E o artigo 281.º do Código do Trabalho determina, sob a epígrafe Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho:
“1 - O trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde.
2 - O empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção.
3 - Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa.
4 - Os empregadores que desenvolvam simultaneamente actividades no mesmo local de trabalho devem cooperar na protecção da segurança e da saúde dos respectivos trabalhadores, tendo em conta a natureza das actividades de cada um.
5 - A lei regula os modos de organização e funcionamento dos serviços de segurança e saúde no trabalho, que o empregador deve assegurar.
6 - São proibidos ou condicionados os trabalhos que sejam considerados, por regulamentação em legislação especial, susceptíveis de implicar riscos para o património genético do trabalhador ou dos seus descendentes.
7 - Os trabalhadores devem cumprir as prescrições de segurança e saúde no trabalho estabelecidas na lei ou em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, ou determinadas pelo empregador.”
No caso presente considerou a sentença recorrida que a Ré empregadora violou normas sobre segurança no trabalho e que essa violação foi causal do acidente de trabalho que vitimou mortalmente EE.
Sobre a actuação do empregador que determina o agravamento da responsabilidade, estabelece o n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (LAT), aplicável ao caso atenta a data do acidente (cfr. artigos 187.º n.º 1 e 188.º da mesma Lei):
“1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.”
Sobre esta norma escreve-se no Acórdão do STJ de 06.05.2015, proferido no Processo n.º 220/11.2TTTVD.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt: “Resulta deste artigo um regime específico de reparação de acidentes de trabalho, quando os mesmos resultem de uma actuação culposa do empregador ou de outrem que o represente ou actue no seu interesse, nomeadamente, quando «sejam provocados pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra», ou quando resultem de uma actuação culposa materializada na «falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho».
A especificidade do regime reflecte-se também na dimensão da reparação estabelecida e na determinação dos seus destinatários.
Este regime projecta-se nas relações entre as empregadoras e as seguradoras para quem tenha sido transferida a responsabilidade pela reparação dos danos derivados dos acidentes estabelecidas no artigo 79.º daquela Lei, que é do seguinte teor:
«Artigo 79.º
Sistema e unidade de seguro
1 - O empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro.
2 - A obrigação prevista no número anterior vale igualmente em relação ao empregador que contrate trabalhadores exclusivamente para prestar trabalho noutras empresas.
3 - Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.
4 - Quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a seguradora só é responsável em relação àquela retribuição, que não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida.
5 - No caso previsto no número anterior, o empregador responde pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção.»
Por força do disposto no n.º 3 deste artigo, nas situações previstas no artigo 18.º desta lei, «a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso».
O regime estabelecido nesta Lei, relativamente ao envolvimento das seguradoras na reparação dos danos derivados destes acidentes, afasta-se do que resultava da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais), que previa no n.º 2 do seu artigo 37.º que «verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, n.º 1, a responsabilidade nele prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na presente lei».
De um regime de mera responsabilidade subsidiária, passou-se, na vigência da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, para um regime de responsabilidade a título principal, embora limitada, tal como no anterior diploma, às prestações que seriam devidas «caso não houvesse actuação culposa», consagrando-se, contudo, o direito de regresso contra os outros responsáveis.”
Por outro lado, atento o disposto no artigo 342º n.ºs 1 e 2 do Código Civil, o ónus da prova dos factos que agravam a responsabilidade da empregadora recai sobre os beneficiários do falecido e/ou sobre a Ré seguradora. Donde, a estes cabe alegar e provar que a empregadora violou as regras sobre segurança no trabalho, bem como a existência de nexo de causalidade entre a inobservância dessas regras e o acidente de trabalho.
Com efeito, como se escreve no Acórdão do STJ que vimos citando, “Tal como no regime decorrente da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, cabe aos beneficiários do direito à reparação por acidente de trabalho, bem como às seguradoras que pretendam ver reconhecido o seu direito de regresso, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por culpa do empregador ou de outrem actuando no seu interesse, ou que o mesmo resultou da inobservância por parte daqueles de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.
Não basta, contudo, que se verifique um comportamento culposo daqueles responsáveis, ou uma situação de inobservância por parte dos mesmos das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, para a responsabilização agravada, pela reparação das consequências do acidente, tornando-se, ainda, necessária a prova do nexo de causalidade entre a conduta culposa daqueles responsáveis ou a inobservância pelos mesmos das regras de segurança e a produção do acidente.
Torna-se pois necessário demonstrar o relevo do desrespeito pela norma de segurança para a ocorrência do sinistro em termos de causalidade adequada.”
Mais recentemente, o Acórdão do STJ n.º 6/2024, publicado no Diário da República n.º 92/2024, Série I de 2024-05-13, uniformizou jurisprudência no sentido de que «para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador, ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1 da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.”
E refere o mencionado aresto, “Antes de mais, sublinhe-se que há indícios de que a imputação do dano nos acidentes de trabalho não está sujeita exatamente ao mesmo regime que o consagrado na lei civil, como decorre, por exemplo, do artigo 11.º n.º 1 da LAT.
Mas, e sobretudo, não só não é pacífico que o Código Civil português tenha adotado a chamada “causalidade adequada”, como mesmo os autores que defendem a consagração legal dessa teoria tendem a defender a versão ou formulação negativa da causalidade adequada.
A esse respeito pode ler-se no Acórdão desta Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça proferido a 03-11-2023, no processo n.º 151/21.8T8OAZ.P1.S1, o seguinte:
“Entre nós, rege o art. 563.º, do Código Civil, que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, norma que, de acordo com o entendimento tradicional da jurisprudência e da doutrina6, consagra a formulação negativa da teoria da causalidade, a qual exigiria a verificação de dois requisitos: i) que o facto tenha sido, no caso concreto, condição sine qua non do dano (sendo que, naturalisticamente, uma conduta é causa do dano sempre que se conclua que este não se teria verificado sem aquela), sendo que, segundo Antunes Varela, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano” 7; ii) que, em abstrato, o facto seja idóneo a produzir o tipo de dano ocorrido ou, mais exatamente, que se conclua que provavelmente o lesado não teria sofrido os danos se o facto não tivesse tido lugar (ou, por outras palavras, que o facto não tenha sido indiferente à produção do dano, não tendo este sobrevindo devido à ocorrência de um evento anormal, extraordinário), devendo este juízo de prognose póstuma basear-se naquilo que um observador experiente teria conhecido no momento da prática do facto e ainda naquilo de que o lesante, à data, efetivamente conhecia 8.
Contra esta visão bipartida (e estanque) se insurgem os autores mais atuais, como Mafalda Miranda Barbosa, que adverte, em linha com Carlo Gómez Ligüerre, quanto à existência de “uma cisão entre um problema estrito de causalidade e um problema de imputação objetiva do resultado ao causante, ou, numa outra perspetiva, um duplo grau de sindicância, que não permitiria verdadeiramente que, por via da adequação, se obviassem os problemas a que o jurista se condena com a condicionalidade”, logo acrescentando: “No fundo, confrontamo-nos com uma alternativa. Ou a causalidade adequada vem complementar a doutrina da conditio sine qua non, e o jurista continua preso aos problemas já referidos anteriormente; ou a causalidade adequada vem, para além de um segmento imputacional, corrigir a indagação condicional, pela introdução da nota probabilística, com o que se mostra a verdadeira intencionalidade que subjaz ao critério da adequação” 9.
Com efeito, em face das limitações das teorias tradicionais da causalidade, “incapazes de garantir segurança jurídica e justiça no trato da obrigação de indenizar”10, mormente para que nalguns casos “este pressuposto da responsabilidade civil não se converta numa prova diabólica ou quase impossível para o lesado”11, a doutrina e a jurisprudência vêm desenvolvendo soluções dogmáticas destinadas a facilitar a prova do nexo de causalidade, construindo alternativas às formulações centradas na ideia de causalidade.
Entre estas últimas, destacam-se as teorias do escopo da norma violada (ou do escopo de proteção da norma), do bem jurídico tutelado e das esferas de risco, estruturadas na base de um nexo de imputação (entre conduta e resultado) que se reconduz a juízos estritamente normativos.
Nos seus desenvolvimentos mais recentes, também a formulação negativa da teoria da causalidade adequada vem incorporando as dimensões mais relevantes daquelas teorias, devendo atender, designadamente, ao escopo da norma violada, a qual é mais um corretivo daquela do que propriamente um seu substituto, como sustenta, v. g., Júlio Manuel Vieira Gomes12.
Na verdade, apesar de a teoria da causalidade adequada ser “filha da tradição filosófica da causalidade enquanto regularidade entre factos naturais, portanto, com os pés fincados no mundo naturalístico”, impõe-se reconhecer que na sua versão negativa “- ao incluir no nexo de causalidade mesmo resultados que não possuam constância fáctica com os factos [...], desde que não sejam tidos por extraordinários - afasta a construção de seu leito originário, qual seja o terreno da investigação empírica, factual”13. Vale por dizer que, “sem confissão, a teoria deixa de ser uma teoria centrada na reconstrução fáctica para abarcar um juízo de valor normativo e axiológico, pois o juízo de indiferença próprio da perspetiva negativa pouco tem de naturalístico” 14.
Percebe-se, assim, que tenha passado a questionar-se o próprio nome da teoria, “que de teoria da causalidade adequada passaria a ser denominada, simplesmente, de teoria da adequação, sendo a supressão da expressão causalidade forma de demonstrar o seu descolamento da questão fáctica [...]” 15.
Reconhecendo a generalidade da doutrina mais moderna que pode haver causalidade naturalística sem que exista imputação, tal como esta pode existir independentemente daquela, a dificuldade está em harmonizar a tensão que neste âmbito se evidencia entre dois polos: i) por um lado, libertar a obrigação de indemnizar de um critério naturalístico de causalidade; ii) por outro, a impossibilidade de o “ordenamento jurídico agir como se pudesse construir um mundo paralelo, desconectado da realidade da vida”16.
Em suma, um importante setor da doutrina portuguesa nega hoje que o Código Civil tenha consagrado a teoria da causalidade adequada - é o caso por exemplo de ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO 17 para quem na esteira de GOMES DA SILVA se deve partir sobretudo do escopo de proteção da norma e de uma visão probabilística da “causalidade”.
Mas mesmo quem continua a defender que a causalidade adequada foi adotada no nosso Código Civil defende também que se deve adotar a formulação negativa e que, tendo o lesado provado o dano, deveria o lesante invocar que o mesmo se ficou a dever a um outro fator que não a sua conduta, fator esse imprevisível e excecional. O que, em todo o caso, o empregador não logrou demonstrar no caso dos autos.”
Aqui chegados cumpre questionar, em primeiro lugar, que regras foram inobservadas pela empregadora.
A sentença limitou-se a invocar a violação do artigo 281.º do Código do trabalho, norma que encerra os princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho.
Sustenta a Recorrente que tal invocação é insuficiente e, por si, traz aos autos as normas dos regimes jurídicos que entende serem os aplicáveis para, depois, concluir que não houve violação dessas normas.
Considerando o teor do facto provado sob 6 (6. A primeira ré é uma empresa que tem por objecto o exercício da actividade de movimentação de cargas em portos compreendendo as actividades de estiva, desestiva, conferência, carga, descarga, transbordo, movimentação e arrumação de mercadorias em cais, terminais, armazéns e parques, bem como de formação e decomposição de unidades de carga e ainda de recepção, armazenagem e expedição de mercadorias, bem como, bem como o exercício do direito de exploração comercial de áreas portuárias e o exercício de todas as demais actividades que possam considerar acessórias das anteriormente referidas – (F), tem razão a Recorrente quando afirma que lhe aplicável o regime jurídico do Trabalho Portuário consagrado no Decreto-Lei n.º 280/93, de 13 de Agosto.
Na verdade, dispõe o artigo 1.º n.º 2 do mencionado diploma legal que “Considera-se trabalho portuário, para efeitos do presente diploma, o prestado nas diversas tarefas de movimentação de cargas nas áreas portuárias de prestação de serviço público e nas áreas portuárias de serviço privativo, dentro da zona portuária.”
E a al.b) do artigo 2.º refere que para efeitos de tal diploma considera-se “b) «Atividade de movimentação de cargas», a atividade de estiva, desestiva, conferência, carga, descarga, transbordo, movimentação e arrumação de mercadorias em cais, parques e terminais;”actividade esta compreendida no objecto da Recorrente.
Nos termos do artigo 6.º-A do mencionado Decreto-Lei:
Proteção da saúde e segurança no trabalho
1 - É aplicável à atividade de movimentação de cargas o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, aprovado pela Lei nº 102/2009, de 10 de setembro, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - A entidade empregadora deve assegurar ao trabalhador condições de saúde e segurança em todos os aspetos relacionados com a atividade de movimentação de cargas, nomeadamente no plano da instalação e manutenção da sinalização de segurança nas áreas portuárias.
3 - Sem prejuízo da formação prevista no artigo 6.º do presente diploma, a entidade empregadora deve assegurar ao trabalhador uma formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho.
4 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 2 e 3.”
E de acordo com o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro:
“1 - O trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador ou, nas situações identificadas na lei, pela pessoa, individual ou coletiva, que detenha a gestão das instalações em que a atividade é desenvolvida.”
Nos termos do artigo 15.º da mesma Lei:
1- O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho.
2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Evitar os riscos;
b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos fatores ambientais;
c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;
d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adotar as medidas adequadas de proteção;
(…).
l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.
(…);
14 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.ºs 1 a 12.
Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 50/2009, de 25 de Fevereiro, transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, e revoga o Decreto-Lei n.º 82/99, de 16 de Março, determina no seu artigo 2.º quanto às definições que:
“Para efeitos do presente diploma, entende-se por:
a) «Equipamento de trabalho» qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho;
b) «Utilização de um equipamento de trabalho» qualquer actividade em que o trabalhador contacte com um equipamento de trabalho, nomeadamente a colocação em serviço ou fora dele, o uso, o transporte, a reparação, a transformação, a manutenção e a conservação, incluindo a limpeza;
c) «Zona perigosa» qualquer zona dentro ou em torno de um equipamento de trabalho onde a presença de um trabalhador exposto o submeta a riscos para a sua segurança ou saúde;
(…).”
Estatui o artigo 3.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe Obrigações gerais do empregador:
Para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve:
a) Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização;
b) Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização;
c) Tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos;
d) Quando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não permitam assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes;
e) Assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores.”
Nos termos do artigo 11.º n.º 3 “O operador deve poder certificar-se a partir do posto de comando principal da ausência de pessoas nas zonas perigosas ou, se tal não for possível, o arranque deve ser automaticamente precedido de um sistema de aviso seguro, nomeadamente de um sinal sonoro ou visual.”
E o artigo 18.º prevê que “Os dispositivos de alerta do equipamento de trabalho devem poder ser ouvidos e compreendidos facilmente e sem ambiguidades.”
Por fim, o artigo 26.º do mencionado Decreto-Lei, quanto aos equipamentos móveis automotores estatui:
“1 - Os equipamentos móveis automotores cuja movimentação pode originar riscos para os trabalhadores devem dispor de dispositivos que:
a) Evitem a entrada em funcionamento não autorizada;
b) Reduzam as consequências de colisão em caso de movimentação simultânea de diversos equipamentos de trabalho que se desloquem sobre carris;
c) Permitam a sua travagem e imobilização e que, se o dispositivo principal avariar e a segurança o exigir, assegurem a travagem e imobilização de emergência;
d) Aumentem a visibilidade quando o campo de visão directa do condutor for insuficiente para garantir a segurança;
e) Em caso de utilização nocturna ou em local mal iluminado, assegurem uma iluminação adequada ao trabalho.
2 - Os equipamentos móveis automotores que, pela sua estrutura, atrelados ou cargas, comportem risco de incêndio susceptível de pôr em perigo os trabalhadores devem ter dispositivos adequados de combate ao fogo, excepto se os houver disponíveis na proximidade do local de utilização.
3 - Os equipamentos telecomandados devem imobilizar-se automaticamente sempre que saiam do campo de controlo e, se, em condições normais de utilização, puderem entalar ou colidir com trabalhadores, dispor de dispositivos de protecção contra esses riscos, salvo se tiverem outros dispositivos adequados para controlar o risco de colisão.”
Traçado que está o quadro legal relativo à segurança e saúde no trabalho aplicável ao caso, debrucemo-nos sobre a factualidade provada com relevância para a questão:
Nas circunstâncias de tempo referidas em 1, no Parque Central..., Rua..., estava a ser feita a operação de carga de um navio, que transporta principalmente contentores, com contentores parqueados no parque descoberto da empresa (facto 13); Os contentores encontravam-se parqueados até à altura de 4, pelo que tendo em conta as instruções do comandante do navio da carga e consequente distribuição de peso, era necessário un(s) trabalhadore(s) apeado(s) para identificar os contentores e a ordem de carga (facto 15); A luminosidade do local era fraca, estando a chover nesse dia (facto 16);Neste contexto, o trabalhador FF manobrava o empilhador retrátil de marca ZZ (facto 17); O trabalhador GG, encontrava-se no parque exterior à procura de um contentor (facto 18);Após procura sem sucesso, solicitou ajuda a EE via rádio sobre a confirmação da entrada do respectivo contentor, tendo este confirmado a sua presença e deslocou-se para o parque ao encontro do seu Colega (facto 19); O sinistrado e o trabalhador GG, encontravam-se a procurar e selecionar os contentores pela ordem de carga e encontravam-se junto de vários contentores empilhados até à altura de 4 contentores, fazendo pesquisa visual pelos números de contentores (facto 20); Neste contexto e, em simultâneo, o trabalhador, FF, operava o reach Stacker – empilhador retrátil usado para manipular contentores-, transportando contentores do parque central para a prumada do navio, para serem levantados pela grua (facto 21); Os contentores a movimentar pelo manobrador são indicados pelo conferente da prumada, no caso, GG (facto 22); Os trabalhadores GG e EE seguem por um corredor perpendicular ao corredor onde se encontrava o trabalhador a movimentar a carga (facto 23; No decurso pensam ter identificado o contentor e ficam numa posição frontal para o contentor para tentar validar a informação (facto 24); O trabalhador após retirar o contentor da prumada e elevar a mesma inicia o movimento da marcha atrás para executar a manobra de inversão de marcha (facto 25);No movimento de marcha atrás atingiu o sinistrado e o trabalhador GG que caiu ao solo devido ao embate sem danos corporais relevantes (facto 26); O sinistrado foi atingido por uma das rodas do empilhador, ficando com o corpo parcialmente esmagado e sofrendo morte imediata (facto 27);Aquando do evento, o empilhador ZZ n.º 93 não dispunha de espelhos retrovisores e a luz rotativa de emergência não estava operacional (facto 31);Aquando do evento, a ré não tinha plano de circulação de pessoas e veículos, não havendo delimitação visível para a circulação de pessoas (facto 32); A ré nunca emitiu qualquer instrução aos trabalhadores para não operarem o empilhador se o mesmo não tivesse retrovisores ou dispositivo luminoso/pirilampo a funcionar (facto 33);Em 29.03.2021, a entidade patronal apresentou fotografias do empilhador kalmar n.º 93 dotado de retrovisores exteriores (facto 35);O que foi constatado em visita inspectiva de 31.03.2021, assim como a operacionalidade do pirilampo (facto 35).
Ora, considerando as normas de segurança no trabalho citadas supra, entendemos ser de concluir que a inexistência de espelhos retrovisores na empilhadora e a inoperacionalidade da luz rotativa da mesma violam o disposto nos artigos 3.º als.c), d) e e) e 26.º n.º 1 als.d) e e) do Decreto-Lei n.º 50/2009, de 25.02 ; a inexistência de um plano de circulação de pessoas e veículos, não havendo delimitação visível para a circulação de pessoas, como medida de prevenção de riscos que é e, por isso, a que estava obrigada a empregadora ,viola o disposto no artigo 6.º-A n.º 2 do Decreto-Lei n.º 280/93, de 13 de Agosto, bem como o disposto no artigo 15.º nº 2 als.b) e c) da Lei 102/2009, de 10 de Setembro; e a inexistência de qualquer instrução da Ré aos trabalhadores para não operarem o empilhador se o mesmo não tivesse retrovisores ou dispositivo luminoso/pirilampo a funcionar também viola o disposto no artigo 15.º nº 2 als.c) e b) da Lei 102/2009, de 10 de Setembro, bem como o previsto no artigo 15.º n.º 1 al.l) da mesma Lei.
Concluindo, a Recorrente violou as identificadas normas de segurança no trabalho.
E essa violação é causal do acidente?
Entendemos que a violação das normas relativas à inexistência de um plano de circulação de pessoas e veículos, não havendo delimitação visível para a circulação de pessoas, à inexistência de retrovisores exteriores na empilhadora e à inoperacionalidade da luz rotativa/pirilampo e à inexistência de ordens para os trabalhadores não operarem com a empilhadora em caso de inexistência de retrovisores exteriores e de inoperacionalidade da luz rotativa, face à recente jurisprudência do STJ, aumentou a probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efectivamente veio a verificar-se pelas seguintes razões:
- da factualidade provada resulta que, no momento do acidente, o falecido e o trabalhador GG estavam em posição frontal para o contentor que pensaram ter encontrado, o que significa, face às regras da vida e da experiência comum, que ambos se encontravam de costas para a empilhadora;
- a inexistência de retrovisores exteriores impediu que o operador da empilhadora, na manobra de marcha atrás, visionasse os trabalhadores que se encontravam junto ao dito contentor, sendo certo que, a existir retrovisor no interior da empilhadora, o que se desconhece, o mesmo não seria suficiente para abranger todos os ângulos e, por isso, o mencionado equipamento era um elemento essencial à execução da manobra de marcha atrás, como são os espelhos retrovisores exteriores em qualquer veículo automóvel;
- Não obstante o falecido e o trabalhador GG estarem de costas voltadas para a empilhadora, face à fraca luminosidade que se verificava no local, a operacionalidade da luz rotativa teria permitido àqueles aperceberem-se da aproximação da empilhadora na medida em que a sua luminosidade, atentas as regras da experiência comum, projectar-se-ia nos contentores alertando, assim, os trabalhadores;
- A inexistência de ordens por parte da empregadora no sentido de a empilhadora não ser utilizada nas circunstâncias em que o foi, ou seja, sem retrovisores exteriores e sem luz rotativa operacional, permitiu que a mesma fosse utilizada criando perigo para a integridade física e para a vida dos trabalhadores que se encontravam no local; e
- A inexistência de plano de circulação de pessoas e veículos, permitiu que o falecido e a empilhadora se encontrassem, em simultâneo, no mesmo espaço, sendo que a existência de circuitos distintos para peões e máquinas evitaria o risco de os trabalhadores se cruzarem ou poderem ser atingidos pela empilhadora durante as suas manobras.
Em suma, é de concluir, como concluiu a sentença recorrida, embora com fundamentos não totalmente idênticos, pela existência de nexo de causalidade entre a violação das mencionadas regras de segurança no trabalho e o acidente de trabalho, pelo que improcede esta pretensão da Recorrente.
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Debrucemo-nos, agora, sobre a questão de saber se a sentença errou na atribuição e no montante dos danos não patrimoniais.
Sobre os danos patrimoniais pronunciou-se a sentença nos seguintes termos:
“4. De acordo com o disposto no artigo 18.º da LAT, quando o acidente ocorra nas circunstâncias ali previstas, “a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.
Nos termos da lei geral, concretamente nos termos do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
O art. 496.º, n.º 1, do Código Civil, estabelece que na fixação da indemnização deve atender- se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que é, manifestamente o caso.
Na fixação da indemnização por estes danos sofridos pelos lesados está o julgador subordinado a critérios de equidade, que ponderem, todavia a situação económica dos lesados e do obrigado à reparação, a intensidade do grau de culpa do lesante, e extensão e natureza das lesões sofridas pelo titular do direito à indemnização, considerando, como ponto de equilíbrio, as próprias finalidades prosseguidas pela indemnização por este tipo de danos.
A determinação dos valores compensatórios será efetuada através da equidade, tendo em linha de consideração a especificidade do caso concreto, com especial relevância para os vínculos afectivos que ligavam os beneficiários à vitima.
No caso concreto, haverá que ponderar que:
(i) EE tinha 56 anos de idade;
(ii) EE e AA viviam, em união de facto, há quinze anos à data da sua morte e o primeiro era uma das razões de felicidade da autora;
(iii) A relação do sinistrado com a autora e filho revelava-se harmoniosa, tendo a sua morte causado uma sensação de perda e dor.
A ré entidade empregadora, desconhecendo-se concretamente a sua situação económica, agiu com negligência. O companheiro da autora tinha à data do falecimento 57 anos e os danos em causa, são naturalmente graves.
Por seu turno, o sinistrado tinha retomado nos últimos anos a relação com o filho, o beneficiário EE, procurando naturalmente recuperar as vivências que haviam perdido nos anos em que estiveram afastados e, por isso naturalmente, os danos por este sofridos são também naturalmente graves.
Assim, tudo ponderado, afigura-se-nos justa e equilibrada a indemnização de 30.000,00€ para AA e 15.000,00€ para BB.
No que tange ao dano da perda de vida, está em causa uma vítima que à data do acidente que lhe tirou a vida tinha 57 anos de idade, que vivia uma vida e relação harmoniosa quer com a sua companheira como com o seu filho, que em nada contribuiu para o acidente que o vitimou, consideramos equilibrado e respeitador fixar a indemnização no montante peticionado de 50.000,00€, na proporção de 25.000,00€ para cada um dos beneficiários.”
Alega a Recorrente que, em relação às indemnizações por danos não patrimoniais de ambos os Recorridos, a decisão recorrida limita-te a arbitrar os precisos montantes por aqueles peticionados, sob o fundamento de se afigurarem justos e equilibrados, que não é suficiente para tal juízo considerar que o Sinistrado mantinha uma relação harmoniosa com os Recorridos e que estes tiveram grande sofrimento com a morte, que, em relação ao 2.º Recorrido, da decisão recorrida não se perscruta se o reatamento da relação entre pai e filho era já efectiva ou se estavam apenas numa fase de reaproximação, sendo certo que do depoimento do irmão do 2.º Recorrente resulta que aquele nunca estivera de acordo com o relacionamento do Sinistrado com a 1.ª Recorrente, pelo que a sentença é nula.
Acrescentou que, quanto à indemnização pelo dano morte, a decisão recorrida não apresenta qualquer fundamento para além das razões indicadas para arbitrar as indemnizações por danos não patrimoniais, pelo que a ausência de fundamentação sobre a decisão deste pedido é igualmente causa de nulidade da sentença.
Como já referimos supra não se verifica a alegada nulidade da sentença.
De qualquer modo, considerando que a Recorrente estará em simultâneo a alegar um erro de julgamento importa referir que não há como não acompanhar o juízo explanado na sentença recorrida quanto a esta matéria (excepto na parte em que considera que o sinistrado à data do acidente tinha 56 anos; à data do acidente (04.03.2021) o sinistrado tinha 57 anos (segundo a certidão de óbito junta aos autos, nasceu no dia 18 de Janeiro de 1964). Resta, contudo, acrescentar que, quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelos beneficiários, é de afirmar que a factualidade provada ilustra, sem dúvidas, que a morte do sinistrado representou uma perda geradora de grande sofrimento. Mais do que isso: tratou-se da morte de um ente querido que sofreu uma morte inesperada e extremamente violenta o que, naturalmente, agudizou a dor dos familiares, no caso dos beneficiários. E o que consta dos factos provados 36.( “À data do acidente EE tinha reatado a relação com os seus dois filhos, designadamente com o ora beneficiário BB, após um período de afastamento decorrente do divórcio da mãe dos seus filhos.”) e 37 (Encontrando-se numa fase de fortalecimento da relação com os filhos designadamente com o beneficiário BB, manifestando interesse pelo seu futuro), é que o sinistrado já tinha reatado a relação com os filhos, não que ainda estava em fase de reaproximação.
Por isso, o valor compensatório arbitrado não exorbita a dor e o sofrimento advindo da morte do sinistrado.
E no que à perda do direito à vida concerne, tenha-se em conta o que se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.02.2010, processo n.º 596/07.6TCSNT.L1-6, consultável em www.dgsi.pt.,“II. O direito à vida, é um direito privilegiado e intangível na sua essência, porque a vida é única e irrepetível para cada ser humano e porque envolve matéria e espírito, está acima, ou para além, de qualquer valor monetário.
(…).”
Há ainda que relembrar que, à data do acidente, o falecido tinha apenas 57 anos de idade, sendo que, de acordo com o Portal do Instituto Nacional de Estatística, a esperança de vida à nascença em Portugal, no triénio 2021-2023, foi estimada em 81,17 anos, sendo 78,37 anos para os homens, pelo que, considerando a idade da reforma (66 anos e 4 meses) seria uma pessoa activa profissionalmente, pelo menos, por mais 9 anos.
Acresce que o sinistrado foi atingido por uma das rodas do empilhador, ficando com o corpo parcialmente esmagado e sofrendo morte imediata (facto 27), pelo que a vida foi-lhe ceifada de modo abrupto e atroz.
Por último, considerando que a jurisprudência tem vindo a fixar pela perda do direito à vida valores compensatórios que se situam entre o arbitrado pela sentença recorrida e valores superiores (cfr., entre outros, o Acórdão deste Tribunal e Secção de 06 de Novembro de 2024, proferido no processo n.º 3654/19.0T8CBR.L1-4, consultável em www.dgsi.pt) e sendo certo que, nos termos do artigo 8.º n.º 3 do Código Civil, “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, impõe-se concluir que o valor fixado é adequado.
Improcede, pois, esta pretensão da Recorrente.
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Por fim, importa conhecer se a sentença não atendeu ao disposto no artigo 60.º da LAT para efeitos da pensão de sobrevivência do 2.º Recorrido.
Invoca a Recorrente que, em relação à pensão atribuída ao 2.º Recorrido, a decisão recorrida parte do pressuposto que se mantêm as condições do artigo 60.º, n.º 1 da LAT, isto é, que aquele continua a frequentar um curso de ensino superior ou de grau equiparado, que, dos Factos Assentes n.º 10 e 11 resulta apenas que, à data da morte do Sinistrado, o 2.º Recorrido tinha 19 anos e frequentava o 2.º ano de curso técnico- superior e que, na data da sentença recorrida, o 2.º Recorrido perfizera 23 anos de idade, desconhecendo-se se, após a morte do Sinistrado, continuou a frequentar um curso de ensino superior ou equiparado que o habilite a receber a pensão, pelo que a decisão recorrida não poderia condenar a Recorrente, sem mais, até que se verifiquem as condições do artigo 60.º da LAT, as quais nem concretiza quais serão.
Sobre a pensão atribuída ao filho do falecido a sentença refere:
“Por seu turno, também para o que ora releva, o artigo 60.º da LAT, dispõe que, “1 – Se do acidente resultar a morte, têm direito à pensão os filhos que se encontrem nas seguintes condições:
(…);
b) Idade entre os 18 e os 22 anos, enquanto frequentarem o ensino secundário ou curso equiparado;
c) Entre os 18 e os 25 anos, enquanto frequentarem curso de nível superior ou equiparado; (…);
2 – O montante da pensão dos filhos é o de 20% da retribuição do sinistrado se for apenas um, 40% se forem dois, 50% se forem três ou mais, recebendo o dobro destes montantes, até ao limite de 80% da retribuição do sinistrado, se forem órfãos de pai e mãe.”
(…).
E quando os filhos da vitima perderem o direito às suas pensões, a pensão do cônjuge ou da pessoa que vivia em união de facto com o sinistrado, será aumentada até à totalidade do salário anual, ocorrendo assim a reversão das percentagens dos beneficiários que vão perdendo a pensão a favor dos restantes – é o que resulta do n.º 6 do mesmo art. 18.º.”(…).
No caso, ponderando que a 1.ª autora tem direito a 30% e que o filho tem direito a 20%, para alcançar aquele desiderato, por via do agravamento decorrente da violação das normas de segurança, a pensão anual de cada um dos beneficiários, será calculada com a seguinte fórmula:
(…).”
Ora, dos factos provados 10.º e 11.º consta o seguinte:
“10. BB nasceu em 6 de Fevereiro de 2001 e era filho do sinistrado EE – (J).
11. … E frequentava no ano lectivo de 2020/2021 o 2.º ano do ciclo de estudos de Curso Técnico Superior Profissional em Tecnologias e Programação de Sistemas de Informação – ESTBarreiro – (L).
Conforme determina o artigo 56.º n.º 2 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, “A pensão por morte, incluindo a devida a nascituro, vence-se a partir do dia seguinte ao do falecimento do sinistrado e cumula-se com quaisquer outra.”
E nos termos do artigo 18.º n.º 6 da Lei 98/2009 de 4 de Setembro “No caso de se verificar uma alteração na situação dos beneficiários, a pensão é modificada, de acordo com as regras previstas no número anterior.”
Percorrendo os factos provados e tendo em conta que a sentença foi proferida em 03.05.2024, a única alteração que, por ora, se pode constatar é que o beneficiário filho do falecido tinha, à data da sentença, 23 anos de idade. Aliás, nem a Recorrente alega que o beneficiário deixou de se enquadrar na alínea c) do artigo 60.º da LAT.
Acresce, por fim, que a sentença, no ponto 2 al.a) do dispositivo ressalvou que a pensão é devida enquanto se verificarem as circunstâncias previstas no artigo 60.º da LAT.
Consequentemente, improcede esta pretensão da Recorrente e o recurso em toda a sua extensão, devendo a sentença ser confirmada.
Considerando o disposto no artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente.

Decisão
Face ao exposto, acordam os Juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em:
- Julgar improcedentes as arguidas nulidades da sentença.
- Rejeitar a impugnação da matéria de facto.
- Julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2024
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Sérgio Almeida
Alexandra Lage