CONTRATO DE TRABALHO
ABANDONO DO TRABALHO
TRABALHO SUPLEMENTAR
LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
EQUIDADE
Sumário

1. Uma vez que a presunção a que alude o n.º 2 do art. 403.º do Código do Trabalho só se estabelece se se provar que, para além da falta ao serviço durante 10 dias úteis seguidos, o empregador não foi informado do motivo da ausência, a mesma não opera quando o empregador conhece ou tem obrigação de conhecer que a ausência do trabalhador se deve a outros motivos que não a vontade de pôr termo ao contrato de trabalho.
2. Sabendo o empregador, pelo menos, que o trabalhador, com uma antiguidade de mais de sete anos, estava sem se apresentar ao trabalho desde determinado dia porque ele próprio, empregador, no antecedente dia de trabalho lhe exigira a entrega das chaves de acesso à fracção e ordenara que se retirasse de imediato da obra e fosse para a sua residência, é de concluir que o empregador sabia perfeitamente que a ausência do trabalhador se devia a outros motivos que não a vontade de pôr termo ao contrato de trabalho, pelo que o dever de boa fé no exercício dos direitos emergentes de tal contrato (art. 126.º, n.º 1 do Código do Trabalho) impunha-lhe que, pelo menos, diligenciasse previamente pelo esclarecimento da situação.
3. Em caso de trabalho suplementar comprovadamente prestado mas em quantidade não apurada, é aplicável o previsto no art. 609.º, n.º 2 do CPC, quer tenha sido deduzido um pedido genérico não subsequentemente liquidado, quer tenha sido deduzido um pedido determinado em que os factos constitutivos da liquidação da obrigação não se provem, a não ser que seja viável a imediata fixação da contrapartida devida com recurso à equidade, nos termos do disposto no art. 566.º, n.º 3 do Código Civil.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra XX, Unipessoal,, Lda., pedindo que seja declarada a nulidade do despedimento do A. por ilícito e a R. seja condenada:
- A reintegrar o A. como trabalhador efectivo no seu posto de trabalho com a categoria e antiguidade que tinha à data do despedimento;
- No pagamento das retribuições mensais vencidas desde o despedimento, encontrando-se vencida a quantia de 1.332 €, bem como as vincendas, incluindo as retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal, que se vencerem até efectiva reintegração do A., acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento;
- No pagamento ao A., a título de crédito de horas de formação contínua não ministrada, do valor de 1.545,70 €, acrescido dos juros de mora vencidos no valor de 192,84 €, perfazendo o total de 1.738,54 € e vincendos até efectivo e integral pagamento;
- No pagamento do trabalho suplementar realizado ao longo do vínculo laboral em dias considerados de descanso semanal complementar, bem como em dias feriados, em montante a liquidar, a que deverá acrescer de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
- No pagamento da quantia referente ao descanso compensatório vencido, não gozado, nem pago, em montante a liquidar, acrescido de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
- No pagamento de indemnização pela violação do direito de gozo de férias nos anos de 2015 a 2021, subsídios de férias e de Natal nos anos de 2018 a 2020, remanescente no subsídio de férias de 2021, bem como proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal ao tempo de serviço prestado entre 1 de Janeiro de 2022 até à cessação do contrato,
tudo de acordo com a remuneração real mensal do A. e resultante da inclusão na sua retribuição dos valores regularmente pagos a título de “prémios de produtividade”, perfazendo o montante total em dívida de 33.445,05 €, acrescido de juros vincendos até efectivo e integral pagamento;
- No pagamento na remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, ao longo do vínculo laboral, do resultante da inclusão das médias mensais da prestação de trabalho suplementar e em dias feriados, que posteriormente se vier a apurar;
- Na regularização do pagamento das respectivas contribuições à Segurança Social ao longo da vigência do contrato de trabalho, em conformidade com as remunerações reais mensais efectivamente auferidas pelo A., sem prejuízo das que vierem a ser apuradas em sede de sentença;
- No pagamento da sanção pecuniária compulsória, à taxa diária de 150 € por cada dia em que não se realize de modo total e perfeito a reintegração do A. e caso a R. não cumpra pontual e integralmente a sentença que o tribunal venha a decretar;
- No pagamento da indemnização correspondente à violação do dever de ocupação efectiva, no valor de 3.000 €, acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo pagamento;
- No pagamento de uma indemnização por danos morais no valor de 3.000 €, acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo pagamento.
Alegou, para tanto, em breve síntese: foi admitido ao serviço pela R. como carpinteiro no dia 6.3.2015, com a retribuição mensal de 740 €, actualizada em 2022 para a quantia de 1.200 €, acrescida de um subsídio de alimentação diário de 6 €; foi estipulado entre as partes o horário de 8 horas diárias e 40 horas semanais, distribuídas de segunda a sexta-feira; a sujeição do horário de trabalho aos regimes especiais de adaptabilidade e de banco de horas foi imposto pela R. e não foi ali determinado o respectivo período de referência; a pedido da R., prestou com regularidade trabalho ao sábado e em dia feriado, das 8 horas às 17 horas, que deve ser contabilizado como trabalho suplementar; no dia 04.11.2022 foi despedido verbalmente; durante a relação laboral; não recebeu formação profissional; estão em falta os créditos peticionados.
Citada, a R. defendeu-se por excepção peremptória de abandono do trabalho, pois desde o dia 04.11.2022 que o A. não comparece ao serviço, tendo a R. remetido ao A. a carta a que o art. 403.º, n.º 3 do Código do Trabalho alude; naquele dia, o trabalhador discutiu com outro trabalhador, tendo gritado que não iria manter mais o vínculo contratual com a R.; no mais, afirmou que o A. nunca prestou trabalho suplementar; o prémio de produtividade era isso mesmo, de produtividade; o A. sempre gozou as férias; no período pandémico, a obrigação de prestar formação contínua foi suspensa.
O A. respondeu à excepção, pugnando pela sua improcedência.
Procedeu-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Concluindo, declara-se o Juízo do Trabalho incompetente pela matéria para conhecer do pedido de regularização do pagamento das contribuições à Segurança Social do A., o senhor AA, pelas remunerações reais mensais efectivamente auferidas por si, sem prejuízo das que vierem a ser apuradas em sede de sentença, absolvendo-se a R., a XX, Unipessoal,, Lda., da instância.
No restante, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência decide-se:
a. declarar ilícito o despedimento do A., o senhor AA;
b. condenar a R., a XX, Unipessoal,, Lda., na reintegração do A. no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
c. condenar a R. no pagamento da sanção pecuniária compulsória de 150 € por cada dia de atraso no cumprimento da prestação ora ordenada de reintegração do A., a contar do trânsito em julgado da presente sentença;
d. condenar a R. a pagar ao A. as retribuições, férias, subsídios de férias e Natal, incluindo o subsídio de refeição, contabilizadas desde 30 dias antes da propositura da acção, acrescidas de juros de mora vencidos sobre o montante das prestações em dívida, desde a data dos respectivos vencimentos e até integral e efectivo pagamento, nos exactos termos atrás expostos;
e. condenar a R. a pagar ao A. o que vier a ser liquidado em incidente de liquidação de sentença pelo trabalho suplementar que prestou em dia correspondente a sábado e feriado, e pelos descansos complementares, nos termos atrás exarados, acrescido de juros de mora à dita taxa legal, desde a data da notificação do requerido para os termos da liquidação e até efectivo e integral pagamento;
f. condenar a R. a pagar ao A. a quantia global ilíquida de 4.200 €, acrescida de juros de mora vencidos sobre o montante de cada uma das parcelas que a compõem, desde a data dos respectivos vencimentos até integral e efectivo pagamento, à taxa supletiva legal de 4% (ou outra que vier a vigorar como taxa supletiva legal);
g. Indo no mais absolvida.
Não se condenam as Partes por litigância de má fé.
As custas são a cargo das Partes na proporção do seu decaimento.
Notifique.
*
Tendo havido conhecimento de pagamentos não declarados à Autoridade Tributária e à Segurança Social pela R. e, bem assim, para que fique ciente para memória futura a gerência de facto (para eventuais dívidas) pelo senhor BB, desde já extraia certidão da presente sentença e remeta àquelas.
*
A R. deve dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 74.º-A do Código de Processo do Trabalho.»
A R. interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«I. O Tribunal “a quo” não fundamentou criteriosamente os factos dados como não provados em XVI a XVIII.
II. Provocando uma extrema dificuldade da Recorrente cumprir o ónus legal que lhe é imposto pelo nº 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
III. Face à incapacidade alegada, argui-se a nulidade da presente sentença nos termos e para os efeitos do disposto na 2ª parte da al c) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
I. ENQUADRAMENTO E OBJECTO DO PRESENTE RECURSO:
IV. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo apresentou uma equívoca e deficiente fundamentação quanto a certos pontos da matéria de facto face à prova produzida.
V. O presente recurso visa impugnar os pontos 5, 6, 14, 15, 16, 17, 21, 22, 23, 25 da matéria dada como provada e ainda os pontos xvi) a xxi) dos factos dados como não provados.
a. Pontos de facto que se consideram incorretamente julgados:
VI. Os factos que o Recorrente considera terem sido incorretamente julgados – por provados – são os seguintes:
“5. A senhora CC figura na respectiva matrícula como sua sócia e gerente, mas apenas pelo facto de o seu marido ter sido gerente da ZZ, S.A., e de esta ter sido declarada insolvente, sendo este que procede, por exemplo, à contratação do pessoal, faz a orçamentação das obras (com um engenheiro) e o seu acompanhamento.
6. O senhor BB entrou em contacto com o A. com o intuito de este voltar a trabalhar para si sob a empresa R., como carpinteiro.(…)
14. Por ordem da R., até 2021, o A. trabalhou ainda em alguns sábados, em número de dias e de horas não concretamente apurado, mas que em alguns dias se estendeu das 8 às 17 horas.
15. Nas mesmas circunstâncias, o A. prestou trabalho para a R alguns dias de feriado, em número de dias (com excepção dos dias 25.12 e 01.01) e de horas que não foi possível apurar, mas que em alguns dias se estendeu das 8 às 17 horas.
16. A R. pagava ao A., nesses dias, informalmente a quantia de 50 €.
17. A R. não lhe facultou, por conta desses dias, descanso complementar.
21. No dia 04.11.2022, uma sexta-feira, por volta das 10h50, encontrando-se o A. no local da referida obra, acompanhado do colega, o senhor DD, foi confrontado pelo senhor BB, que lhe exigiu a entrega das chaves de acesso à fracção e ordenou que se retirasse de imediato da obra e fosse para a sua residência, pois «já não quero que trabalhe comigo».
22. Na semana seguinte, de 7 a 09.11.2022, o A. por sua iniciativa, na companhia de um familiar, apresentou-se às 8 horas junto da porta de acesso ao prédio daquela obra, de modo a chegar à fala com o senhor BB e dele obter esclarecimentos sobre a situação laboral, ou seja, a reiteração do que dissera na sexta-feira.
23. Porém, sem qualquer sucesso, pois não o encontrou ali.
25. Apenas no dia 09.11.2022, o A. logrou aceder à obra, onde recolheu ferramentas de sua pertença, não auferindo desde então rendimentos declarados ou pagos a título de subsídio de desemprego ou prestações sociais.”.
VII. E ainda os factos não provados:
“xvi. No dia 04.11.2022, na obra, o A. discutiu com outro trabalhador da R., o senhor EE.
xvii. Fruto dessa discussão, ambos os trabalhadores não queriam continuar a exercer as suas funções na presença de cada um.
xviii. Em consequência, o senhor EE tirou o resto do dia, onde o A. retirou-se de igual forma, do local de trabalho, referindo e gritando, na presença dos outros trabalhadores, que não iria manter mais trabalhar para a R.”
VIII. A fundamentação da decisão de facto foi a que se transcreve:
Factos Provados: “Os factos provados em 14 a 17 resultaram do depoimento do já conhecido senhor FF, que o afirmou como actividade irregular e, por isso mesmo, sem o conseguir precisar no tempo (apenas conseguiu precisar que às vezes passava das 17 horas), e sem que houvesse razão para desconfiar da bondade do que disse. Aliás, a conhecida senhora também reconheceu a prática do trabalho ao sábado, ainda que irregular. Não surpreenderam, por isso, as declarações do A. quando o afirmou, ainda que sem conseguir concretizar quais os concretos dias. Quanto ao valor diário pago pela R., o A. afirmou-o pela quantia de 50€, o que encontrou eco nas palavras do senhor FF e se aceitou. Por fim, foi o A. que declarou em audiência que deixou de trabalhar aos sábados (e certamente também em dia de feriado) desde há cerca de 2 anos, por não concordar com o pagamento dos 50€. Não houve qualquer notícia, bem pelo contrário (como o demonstra o pagamento de 50€) que a R., nessas ocasiões, concedesse descanso complementar. Pelo que vai dito, resultou não provada também a alegação em iv) e vi).
O facto provado em 21 (e, concomitantemente, a alegação de facto não provada em xvi a xviii) exigem algum desenvolvimento. O A. e o senhor BB foram entre si concordantes quanto à exigência que este lhe fez nesse dia para a entrega das chaves da fracção, naturalmente correspondida. Também se revelou certo o desentendimento dos dois uma vez que o senhor BB afirmou ter mandado o A. para casa para pensar no que queria da vida. Porém, o A. contou coisa um pouco diferente, algo do género «vai procura o teu direito, eu vou procurar o meu» (m.18). E, de forma absolutamente clara, o senhor DD, a quem não se achou especial afeição ou inimizade por um deles [ou pela empresa R.] e que sem dúvida estava nesse dia no apartamento, afirmou uma e outra vez ter ouvido o senhor BB dirigir-se ao A. dizendo-lhe «já não quero que trabalhe comigo» (m.9). Por outro lado, a nebulosa lançada pelo senhor BB sobre uma discussão entre o pessoal no dia anterior e que teria também fundamentado a sua decisão (a par da baixa produtividade do A.) não foi confirmada por ninguém, Pelo contrário, nisso o senhor GG foi absolutamente claro, afirmando até que, por uma outra discussão travada em ... (cujos exactos contornos permaneceram na penumbra), os dois trabalhavam separados, e o senhor DD não o afirmou. E, do mesmo modo, não foi confirmada (bem pelo contrário) a afirmação do senhor BB de que o A. teria afirmado que não iria trabalhar mais para a R..
Quanto aos factos provados em 22 a 25 (e a alegação não provada em ix), interessou a observação das fotografias e o depoimento do senhor HH, familiar do A. e com quem se deslocou ao arruamento da obra. Por ele e pelo depoimento do senhor EE, que lhe abriu um dia a porta da fracção, permitindo-lhe que retirasse as suas ferramentas (que se resumiam a pouco, pois se falou de uma chave de fendas e pouco mais), concluiu-se que o A. pretendia chegar à fala frente a frente com o senhor BB (pois admitiu que não lhe telefonou) e na presença de uma testemunha (o familiar) obter esclarecimentos sobre a situação laboral, ou seja, a reiteração do que dissera. A roupa que levou (e que se observou nas fotografias) e a ausência de qualquer menção a recolha de vestuário profissional levaram a concluir que o A., na certa pelo que lhe fora dito na sexta-feira, sabia que não iria ali mais trabalhar. No mais, interessou a informação da Segurança Social entrada a 12.10.2023. Se isso corresponde a um verdadeiro desemprego não sabemos, atenta a informalidade que se dá na construção civil – xiii).”.
IX. Quanto aos factos não provados: xvi a xviii) da Douta Sentença, entende-se que inexistiu fundamentação percetível e devidamente separada.
X. O Tribunal a quo indicou como fundamentos decisivos para tal convicção os documentos conjugados com a prova testemunhal produzida em audiência;
XI. No entanto, os depoimentos das testemunhas do Autor foram maioritariamente formados por pessoas de muita proximidade com este, com ligação familiar e de amizade;
XII. Depoimentos esses imprecisos, vagos e muito pouco esclarecedores.
b. Do Abandono do Posto de Trabalho:
XIII. No que concerne à fundamentação dada pelo tribunal a quo para considerar os factos 22 a 23 e 25 dados como provados, considera-se um pouco desvirtuada da prova produzida.
XIV. O Autor confirmou que a testemunha BB não proferiu expressões como “estás despedido” “não apareças mais na obra”.
XV. Apenas e só lhe disse para ir para casa acalmar os ânimos, atendendo às discussões sucedidas no local de trabalho.
XVI. A versão do Autor de que o Encarregado lhe disse para “procurar os teus direitos que eu vou procurar os meus” também não foi corroborada por ninguém.
XVII. O depoimento da testemunha DD foi contraditório à versão do Autor.
XVIII. O depoimento da testemunha DD apresentou-se muito confuso, pouco coerente, e demonstrando alguma inquietação em querer apresentar a sua versão sobre os acontecimentos do dia 04 de novembro de 2022 sem ter sido previamente questionado.
XIX. O Autor abandonou o seu posto de trabalho, nunca lhe tendo sido impedida a entrada na obra ou de continuar a executar o seu trabalho.
XX. As fotografias e o depoimento do Senhor HH comprovam que o Autor esteve no interior da obra e por isso nunca foi impedido de entrar e de realizar o seu trabalho.
XXI. O Autor não contactou a testemunha BB ou a gerente da Ré para indagar sobre a sua situação laboral.
XXII. Salvo melhor opinião, tal conduta do Autor consubstancia a pretensão de não querer retornar ao trabalho e por isso verificou-se o elemento subjetivo.
XXIII. Na realidade o Autor deslocou-se à obra apenas para levantar as suas ferramentas e não mais apareceu na obra ou justificou junto da sua entidade patronal a sua ausência.
XXIV. A abertura da porta da obra de moscavide ao Autor foi feita pelo GG, para que pudesse retirar as suas ferramentas e não pelo Sr. DDEE, como erradamente consta em sentença.
XXV. No que concerne ao elemento objetivo, necessário para a verificação do abandono do posto de trabalho, o Autor ausentou-se do seu posto de trabalho por mais de 19 dias úteis.
XXVI. Em 30/11/2022 foi remetida carta ao Autor pela Ré onde se comunicou o abandono do posto de trabalho, o Autor recebeu a carta, nada fez nem disse.
XXVII. A verdade é que, de acordo com a prova produzida, o Autor teve acesso ao seu local de trabalho e não trabalhou, nesses dias, única e exclusivamente por sua decisão, pois em nenhum momento foi impedido.
XXVIII. O Autor alegou no seu depoimento que pretendia falar com o encarregado de obra e com a Recorrente, mas nunca entrou em contacto telefónico, não dirigiu uma única comunicação nem um único telefonema.
XXIX. A verdade é que a Recorrente nunca mais teve notícias do Autor, este não justificou as suas faltas e não contactou a Recorrente por nenhuma via.
XXX. O que naturalmente configura nos termos legais a presunção de Abandono de trabalho.
XXXI. Cabia ao Autor o ónus de prova em afastar tal abandono, o que não sucedeu.
XXXII. Entende a ora Recorrente que logrou-se provar o denominado “animus extintivo” do abandono de trabalho pelo Autor.
XXXIII. Face ao exposto, encontram-se verificados os requisitos do abandono do posto de trabalho, pelo que deveria o Tribunal a quo ter julgado como não provados os factos 21, bem como o 22, 23 e 25, absolvendo a Ré do peticionado.
c. Da (alegada) gerência de facto:
XXXIV. Entendeu o Tribunal a quo dar como provados os factos 5 e 6, imputando a gerência de facto ao encarregado de obra, e mera testemunha no processo, Sr. BB.
XXXV. Decidiu ainda o Tribunal a quo extrair certidão da sentença e remeter à Autoridade Tributária e à Segurança Social “…para que fique ciente para memória futura a gerência de facto (para eventuais dividas) …”.
XXXVI. Entende a Recorrente que ocorreu excesso de pronuncia na Douta Sentença.
XXXVII. E ainda não ter sido garantido o exercício ao contraditório, pois foi a testemunha impedida de alegar e provar os factos ou desconhecimento destes ou até da existência de um meio de prova que permitiria provar e afastar aquilo que lhe foi imputado.
XXXVIII. Além disso, a prova testemunhal carreada nos autos confirma que a testemunha BB é e sempre foi encarregado de obra, cujas funções é controlar, supervisionar e organizar as atividades dos trabalhadores, analisar especificações para determinar os requisitos da construção e planear procedimentos.
XXXIX. Além disso, cabe ao encarregado de obra inspecionar o progresso dos trabalhos de construção, examinar equipamento e locais de construção para assegurar que cumprem os requisitos de saúde e segurança.
XL. Entende-se, assim, que não foi feita prova da gerência de facto quanto ao Sr. BB, pois este nunca assinou cheques, letras, contratos, escrituras ou quaisquer outros documentos, em nome da sociedade.
XLI. Nem fazia compras ou vendas, nem recebeu ou recebia dinheiro de clientes nem pagou a fornecedores,
XLII. Não tomou decisões sobre pagamento ou não pagamento de impostos, não alienou património social e não teve qualquer intervenção no destino da sociedade Recorrente.
XLIII. Pelo que, deve ser declarada a nulidade da Sentença por excesso de pronúncia quanto a esta parte, por o Tribunal a quo se pronunciar sobre questões de que não poderia ter tomado conhecimento, e como não provados os factos 5 e 6.
d. Do (alegado) Trabalho Suplementar:
XLIV. Veja-se que o Autor peticiona montantes a título de sábados e feriados trabalhados e não remunerados, mas não consegue concretizar quais ou quantos sábados ou feriados trabalhou num ano.
XLV. O Autor declarou em audiência que de há 2 anos à data da cessação do vínculo laboral, que não fazia mais sábados ou feriados, confessando que não se recorda quantos sábados e feriados trabalhou, pairando a dúvida se efetivamente trabalhou.
XLVI. O Autor não conseguiu concretizar apenas um, ficando-se apenas pela expressão “foram muitos”, mas que na realidade há pelo menos 2 (dois) anos que não fazia e os que fez eram imediatamente pagos.
XLVII. Igualmente o Autor não logrou explicar cabalmente o porquê de a Ré lhe pagar 50€ em numerário quando a remuneração mensal era liquidada por transferência bancária.
XLVIII. E tendo presente a douta sentença, que condenou o recorrente “a pagar ao A. o que vier a ser liquidado em incidente de liquidação de sentença pelo trabalho suplementar que prestou em dia correspondente a sábado e feriado, e pelos descansos complementares, nos termos atrás exarados, acrescido de juros de mora à dita taxa legal, desde a data da notificação do requerido para os termos da liquidação e até efectivo e integral pagamento”,
XLIX. O crédito correspondente ao pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo, o que não foi feito nos autos em apreço por se tratar de créditos correspondentes até ao ano de 2018.
L. O Autor confirmou que não fazia trabalho suplementar desde há pelo menos 2/3 anos antes de deixar de trabalhar para a Ré, desde pelo menos 2018 e ainda que existisse, o mesmo reconheceu que lhe era pago.
LI. Por coincidência o valor legalmente devido, à data, correspondia ao valor exato que o Autor recebia em numerário a título de trabalho suplementar.
LII. Acresce que, o Tribunal a quo apenas e só fincou a sua convicção nos depoimentos vagos e incoerentes da testemunha FF e do Autor.
LIII. Incumbia ao Autor alegar e provar em que condições de TEMPO, MODO E LUGAR foi prestado esse trabalho e o conhecimento e não oposição da Recorrente.
LIV. Ao decidir-se como se decidiu concede-se ao Autor a repetição da realização da instância probatória quanto a factos já produzidos e conhecidos à data da propositura da ação, o que não se pode admitir.
LV. Assim, devem ser dados como não provados os factos 14 a 17 e absolver-se a Recorrente do aí peticionado.»
O A. apresentou resposta ao recurso da R., pugnando pela sua improcedência.
Admitido o recurso, e remetidos os autos a esta Relação, observou-se o disposto no art. 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da improcedência daquele.
Cumprido o previsto no art. 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.
2. Questões a resolver
Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes, por ordem de precedência lógica:
- nulidade da sentença por deficiente fundamentação da decisão sobre alguns factos não provados e por excesso de pronúncia quanto à questão da gerência de facto;
- impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- abandono do trabalho pelo A.;
- trabalho suplementar.
3. Fundamentação
3.1. Os factos considerados provados são os seguintes:
1. O A. conhece o senhor BB pelo menos desde Fevereiro de 2001, pois trabalhou, até Fevereiro de 2008, sob as ordens deste em outra empresa, ZZ, S.A., da qual era gerente.
2. Essa empresa foi declarada insolvente por sentença de 20.03.2012 proferida pelo então 3.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, no processo com o n.º 1665/11.3TYLSB.
3. A senhora CC é casada com o referido senhor BB.
4. A R. tem como objecto social a construção civil e restauros, inscrita na CRC no dia 30.09.2013 sob a apresentação n.º 57.
5. A senhora CC figura na respectiva matrícula como sua sócia e gerente, mas apenas pelo facto de o seu marido ter sido gerente da ZZ, S.A. e de esta ter sido declarada insolvente, sendo este que procede, por exemplo, à contratação do pessoal, faz a orçamentação das obras (com um engenheiro) e o seu acompanhamento.
6. O senhor BB entrou em contacto com o A. com o intuito de este voltar a trabalhar para si sob a empresa R., como carpinteiro.
7. No dia 06.03.2015, A. e R. assinaram um escrito intitulado «contrato de trabalho a termo certo», cujo conteúdo se dá por reproduzido, onde declararam: o A. é admitido pela R. para exercer funções inerentes à categoria profissional de Carpinteiro (limpos e bancada); «auferindo a retribuição mensal ilíquida de 740€, ao que acresce o subsídio de alimentação com um valor diário de 5,08€»; «a duração do trabalho semanal e o horário de trabalho diário serão definidos pela entidade empregadora tendo em conta, nomeadamente, os limites máximos definidos na legislação em vigor e as necessidades da própria empresa»; o A. «desde já declara aceitar as alterações ao horário de trabalho» que a R. «entenda fazer, bem como… ao regime especial de adaptabilidade de horário de trabalho previsto no artigo 208º do Código do Trabalho»; o A. «dá… a sua concordância ao regime especial de banco de horas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 208º do Código do Trabalho»; o A. «exercerá as funções para que foi contratado a partir de 06.03.2015»; «para a resolução de dúvidas eventualmente emergentes do clausulado…, aplicar-se-ão as disposições…no contrato colectivo de trabalho celebrado entre a AECOPS».
8. Foi ainda estipulado que o A. iria prestar trabalho mediante o horário normal de 8 horas diárias e 40 horas semanais, distribuídas de 2.ª a 6.ª feira das 8 horas às 17 horas, com intervalo de almoço.
9. Essa retribuição mensal foi sucessivamente actualizada:
- Em 2016: 820€;
- Em 2017: 820€;
- Em 2018: 820€;
- Em 2019: 900€;
- Em 2020: 900€;
- Em 2021: 900€;
- Em 2022: 1.200€ e o subsídio de alimentação a 6 €.
10. Ao abrigo desse acordo, o A. exerceu essa função em várias obras adjudicadas à R., com reporte às instalações sitas na Rua..., em ....
11. Até Dezembro de 2020, a R. unilateralmente pagou os subsídios de férias e de Natal em duodécimos, situação que se alterou a pedido do A..
12. Sob a rúbrica «prémio de produtividade», o A. recebeu ainda da R.:
- 02.2018: 150€;
- 05.2018: 100€;
- 06.2018: 200€;
- 07.2018: 200€;
- 08.2018: 200€;
- 09.2018: 200€;
- 10.2018: 200€;
- 11.2018: 200€;
- 12.2018: 250€;
- 01.2019 :150€;
- 02.2019: 150€;
- 03.2019: 200€:
- 04.2019: 200€;
- 05.2019: 200€;
- 06.2019: 200€;
- 07.2019: 300€;
- 08.2019: 200€:
- 09.2019: 200€;
- 10.2019: 200€;
- 11.2019: 200€;
- 12.2019: 200€;
- 01.2020: 200€;
- 02.2020: 200€;
- 03.2020: 200€;
- 04.2020: 200€;
- 05.2020: 200€;
- 06.2020: 200€;
- 07.2020: 200€;
- 08.2020: 200€;
- 09.2020: 200€;
- 10.2020: 200€;
- 11.2020: 200€;
- 12.2020: 200€;
- 01.2021: 200€;
- 02.2021: 200€;
- 03.2021: 200€;
- 04.2021: 200€;
- 05.2021: 200€;
- 06.2021: 200€;
- 07.2021: 200€;
- 08.2021: 200€;
- 09.2021: 200€;
- 10.2021: 200€;
- 11.2021: 200€;
- 12.2021: 200€.
13. Tais pagamentos foram reflectidos nos recibos de vencimento e declarados ao Instituto da Segurança Social, IP.
14. Por ordem da R., desde Novembro de 2017 até Novembro de 2020, o A. trabalhou ainda em alguns sábados, em número de dias e de horas não concretamente apurado, mas que em alguns dias se estendeu das 8 às 17 horas. (alterado nos termos do ponto 3.4.)
15. Nas mesmas circunstâncias, o A. prestou trabalho para a R. alguns dias de feriado, em número de dias (com excepção dos dias 25.12 e 01.01) e de horas que não foi possível apurar, mas que em alguns dias se estendeu das 8 às 17 horas.
16. A R. pagava ao A., nesses dias, informalmente, a quantia de 50 €.
17. A R. não lhe facultou, por conta desses dias, descanso complementar.
18. O A. gozou férias:
- Um mês de férias pelo ano de 2022;
- 9 dias de férias pelo ano de 2017.
19. Em 11.2022, o A. encontrava-se a exercer as suas funções de carpinteiro na obra adjudicada à R. de restauro da fracção correspondente ao 3.º andar do prédio sito na Estrada..., em ....
20. Para o efeito, a R. entregou ao A. as chaves de acesso à porta do prédio e dessa fracção, ficando por isso o responsável pelas “aberturas de portas” e pelo acesso diário dos demais trabalhadores da R. naquela obra.
21. No dia 04.11.2022, uma sexta-feira, por volta das 10h50, encontrando-se o A. no local da referida obra, acompanhado do colega, o senhor DD, foi confrontado pelo senhor BB, que lhe exigiu a entrega das chaves de acesso à fracção e ordenou que se retirasse de imediato da obra e fosse para a sua residência. (alterado nos termos do ponto 3.4.)
22. Na semana seguinte, de 7 a 09.11.2022, o A. por sua iniciativa, na companhia de um familiar, apresentou-se às 8 horas junto da porta de acesso ao prédio daquela obra, de modo a chegar à fala com o senhor BB e dele obter esclarecimentos sobre a situação laboral, ou seja, a reiteração do que dissera na sexta-feira.
23. Porém, sem qualquer sucesso, pois não o encontrou ali.
24. O A. não tentou falar por telefone com o senhor BB.
25. Apenas no dia 09.11.2022, o A. logrou aceder à obra, onde recolheu ferramentas de sua pertença, não auferindo desde então rendimentos declarados ou pagos a título de subsídio de desemprego ou prestações sociais.
26. A R. enviou ao A., que a recebeu a 05.12.2022, uma carta datada de 29.11.2022 sob o assunto «abandono do posto de trabalho» onde declara:
«sucede que desde o passado dia 07.11.2022 que V. Exa não comparece ao serviço ou nos escritórios da entidade patronal até à presente data inclusive. Desde essa data que não entregou qualquer comunicação à entidade patronal relativamente à denúncia do contrato de trabalho, não tendo sequer justificado a sua ausência. Assim, entende-se com toda a certeza, uma vez que a sua conduta assim o demonstra, a sua ausência no tempo e local de trabalho, na falta de qualquer comunicação justificativa daquela ausência. Verifica-se deste modo, que V. Exa incorre em situação de faltas injustificadas ao trabalho desde o passado dia 07.11.2022, as quais nesta data, totalizam mais de 10 dias úteis consecutivos de faltas injustificadas. Nos termos do disposto no artigo 403º do Código do Trabalho, os factos acima descritos constituem abandono do trabalho por V. Exa e, nessa medida, valem como denúncia do contrato de trabalho existente entre esta empresa e V. Exa. Nos termos e para os efeitos previstos na Lei, designadamente no n.º 3 do artigo 403.º do Código do Trabalho, vimos pela presente comunicação expressamente invocar a cessação do contrato de trabalho acima identificado, com fundamento em abandono do trabalho.»
27. O A. não recebeu da R. formação profissional.
28. A R. liquidou em 30.11.2022 a favor do A. as seguintes quantias:
- A crédito:
- Vencimento: 1.200€;
- Subsídio de alimentação: 18€;
- A débito:
- Segurança Social: 26,66€;
- Falta injustificada: 960€.
3.2. Os factos considerados não provados são os seguintes:
i. O A. jamais se quis assim vincular, tendo ambos os regimes sido impostos pela R. no contrato de trabalho [«sujeição do horário de trabalho do A. aos regimes especiais de adaptabilidade e de banco de horas»], não abdicando da mencionada cláusula à data da contratação.
ii. No acto de pagamento, a R. não entregou ao A. alguns dos recibos de vencimento.
iii. Após os ter solicitado por várias vezes, a R. apenas entregou ao A. alguns.
iv. O A. trabalhava, pelo menos, três sábados em cada mês.
v. A referida quantia de 200€ referia-se a trabalho suplementar realizado e deu-se após inúmeras reclamações do A.
vi. De 2016 a 2022, a R. pagou a quantia de 70€ por cada sábado trabalhado.
vii. O A. reclamou verbalmente várias vezes à R. pelo facto de não estar a receber na íntegra o subsídio de férias e de Natal, obtendo como resposta que «o pagamento estava incluído no salário».
viii. Aos inúmeros pedidos do A. à R. no sentido de lhe ser concedido o gozo de 22 dias úteis de férias a que tinha direito, obtinha sempre como resposta desta que «não podia gozar férias porque precisava do A. para assegurar o trabalho».
ix. O A. tinha, na semana seguinte, a expectativa de continuar a prestar ali trabalho.
x. O A. teve de se recorrer de familiares e amigos para pagar as suas despesas.
xi. O A. sentiu-se vexado e envergonhado perante os colegas com a situação e com a forma como tudo se passou.
xii. O que se passou em 4.11.2022 e a incerteza acerca do seu futuro profissional, foi e continua a ser para o A. causa de imenso desgosto e sentida indignação, sentindo-se desrespeitado, maltratado, em constante estado de irritabilidade e ansiedade, afectando-o psicologicamente, de tal forma que passou a sentir-se, profundamente deprimido, não conseguindo dormir durante a noite, revoltando-se com o facto de continuar impedido de entrar no seu local de trabalho e de continuar a trabalhar.
xiii. O A. encontra-se presentemente desempregado.
xiv. O A. suporta a quantia de 420€ como renda mensal do imóvel onde reside.
xv. O A. não se apresentou ao trabalho nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2021, e posteriormente em Junho de 2022 entregou à R. uma carta onde comunicou a «rescisão do meu contrato com a empresa», mas acabando por pedir à R. que o desconsiderasse.
xvi. No dia 04.11.2022, na obra, o A. discutiu com outro trabalhador da R., o senhor EE.
xvii. Fruto dessa discussão, ambos os trabalhadores não queriam continuar a exercer as suas funções na presença de cada um.
xviii. Em consequência, o senhor EE tirou o resto do dia, onde o A. retirou-se de igual forma, do local de trabalho, referindo e gritando, na presença dos outros trabalhadores, que não iria manter mais trabalhar para a R..
xix. Tais discussões eram recorrentes.
xx. No ano de 2021, o A. gozou 3 meses de férias, nomeadamente, nos meses de Janeiro, Fevereiro e Junho (Documento n.º 36 junto com a PI).
xxi. Em Dezembro de 2015, em Julho de 2016 e em Junho de 2019, o A. gozou férias.
3.3. Importa, em 1.º lugar, saber se a sentença está ferida das nulidades que a Recorrente invoca.
Estabelece o n.º 1 do art. 615.º do CPC, aplicável ex vi art. 77.º do CPT, que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
A Apelante argui a nulidade a que se refere a 2.ª parte da alínea c), invocando que o tribunal a quo não fundamentou criteriosamente os factos dados como não provados em xvi a xviii, dificultando-lhe o cumprimento do ónus legal que lhe é imposto pelo n.º 1 do art. 640.º do CPC.
Trata-se, pois, de saber se ocorre alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Ora, como ensina José Alberto dos Reis, “[a] sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.”1.
Acresce que, como resulta expressamente da norma em análise, só releva como causa de nulidade da sentença a ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, e não também a que afecte apenas a fundamentação. A ininteligibilidade da parte decisória da sentença ocorre quando um declaratário normal não possa retirar da mesma um sentido unívoco, ainda que por recurso à fundamentação para a interpretar2.
Ora, desde logo, constata-se que a Apelante não indica quais as frases ou expressões da sentença cujo sentido não se consegue perceber ou que são passíveis de dois sentidos diferentes, e, de qualquer modo, as mesmas reportar-se-iam à fundamentação, não estando em causa a clareza e inequivocidade da parte decisória da sentença, quer quanto aos factos que se consideraram provados e não provados, quer quanto aos termos em que se condenou e absolveu a R..
O vício apontado pela Recorrente não se reconduz à previsão legal invocada, podendo sim relevar, se for o caso, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. d) do CPC, nos termos do qual a Relação deve, mesmo oficiosamente, determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Em suma, inexistindo qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a parte decisória da sentença ininteligível, esta não é nula.
Por outro lado, a Apelante invoca a nulidade da sentença por excesso de pronúncia na parte em que deu como provados os factos 5 e 6 e imputou a gerência de facto ao Sr. BB e determinou a extracção e remessa de certidão da sentença à Autoridade Tributária e à Segurança Social “…para que fique ciente para memória futura a gerência de facto (para eventuais dívidas) …”.
Decorre da al. d) da norma acima transcrita que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta causa de nulidade está relacionada com o estabelecido no art. 608.º, n.º 2 do CPC, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Assim, só é relevante como causa de nulidade da sentença a omissão ou excesso de pronúncia sobre «questões», como tal se entendendo, para além das que sejam de conhecimento oficioso, os pedidos formulados e respectivas causas de pedir e as excepções que lhes sejam opostas, o mesmo não sucedendo com a falta de consideração de linhas de fundamentação que as partes hajam invocado ou, pelo contrário, com a invocação e acolhimento de linhas de fundamentação diferentes dessas3.
Para conhecimento das «questões», assim entendidas, o juiz pode servir-se de factos nos termos permitidos pelo art. 5.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, e, em processo laboral, ainda pelo art. 72.º, n.º 1 do CPT, sendo certo que, quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nos termos do n.º 3 daquele art. 5.º, o juiz não está sujeito às alegações das partes.
Ora, a factualidade constante como provada dos pontos 5 e 6 foi, no essencial, alegada pelo A. nos artigos 26.º, 27.º, 28.º, 29.º e 52.º da petição inicial, para demonstrar, conforme invocou expressamente, que a R. tinha «(…) intencionalmente, como único sócio e gerente formal a sr.ª CC, sendo gerente de facto o sr. BB» (artigo 29.º), e que «(…) foi a Ré representada pelo sr. BB que no dia 4.11.2022 (sexta-feira) comunicou ao A. que não o queria lá mais a trabalhar» (artigo 52.º), pelo que que a arguição da Recorrente carece de base factual e legal, uma vez que a questão da gerência de facto do Sr. BB foi suscitada na petição inicial como um dos fundamentos que integram a causa de pedir.
A alegação da Apelante, aliás, não é clara, e parece que ao invocar o excesso de pronúncia se refere apenas à parte do dispositivo em que se determina a extracção e remessa de certidão da sentença à Autoridade Tributária e à Segurança Social “…para que fique ciente para memória futura a gerência de facto (para eventuais dívidas) …”, por violar os direitos do Sr. BB ao contraditório e à produção de contraprova.
Mas, se assim for, é manifesto que neste concreto segmento não está em causa a pronúncia sobre «questões», isto é, sobre pedidos formulados e respectivas causas de pedir ou excepções que lhes sejam opostas, nos sobreditos termos, pelo que, a verificar-se alguma invalidade ou irregularidade, a mesma seria alheia às nulidades da sentença tipificadas no citado n.º 1 do art. 615.º do CPC.
Acresce que, em nosso entender, se trata de segmento da sentença que nem sequer é recorrível.
Com efeito, nos termos do art. 630.º, n.º 1 do CPC, não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário. E, de acordo com o art. 152.º, n.º 4 do mesmo diploma, os despachos de mero expediente são os que se destinam a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes, e os despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário são os que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador.
Ora, o que releva é que o tribunal podia e devia conhecer da questão da gerência de facto do Sr. BB, como acima explicitado, e que tal decisão forma caso julgado material apenas nos precisos limites previstos no art. 619.º, n.º 1 do CPC. Com a determinação de extracção e remessa de certidão da sentença à Autoridade Tributária e à Segurança Social, em si mesma, o tribunal nada decidiu ou interferiu quanto ao conflito de interesses entre as partes, tratando-se de um mero despacho de expediente destinado a dar conhecimento da sentença a outras autoridades para efeitos de eventuais procedimentos e decisões que lhes cumpra legalmente empreender.
Assim, como se disse, esta parte da sentença em que se determina a extracção e remessa de certidão da mesma à Autoridade Tributária e à Segurança Social “…para que fique ciente para memória futura a gerência de facto (para eventuais dívidas) …” é irrecorrível, sendo certo que, se assim não fosse, só o Sr. BB teria legitimidade para dela interpor recurso (art. 631.º, n.º 1 a contrario e n.º 2 do CPC).
Improcede, pois, também a arguição de nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
3.4. Cumpre apreciar, em 2.º lugar, a impugnação que a Recorrente faz da decisão sobre a matéria de facto.
Estabelece o art. 662.º do CPC, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por seu turno, o art. 640.º do mesmo Código, que rege sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe do seguinte modo:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)
Do regime constante do Código de Processo Civil acima delineado resulta que, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões, e acrescendo que há específicos ónus a cumprir no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por força do art. 640.º, o recorrente deve, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, conforme ensina António Santos Abrantes Geraldes4:
- especificar inequivocamente no corpo das alegações os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham uma decisão diversa, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, bem como, tratando-se de depoimentos, as passagens da gravação respectivas;
- e indicar sinteticamente nas conclusões, pelo menos, os concretos pontos da matéria de facto que pretende ver alterados.
Retornando ao caso dos autos, decorre das conclusões do recurso que a Apelante pretende impugnar os pontos 5, 6, 14, 15, 16, 17, 21, 22, 23 e 25 da matéria de facto dada como provada e os pontos xvi), xvii) e xviii) dos factos dados como não provados.
Mas, relativamente aos factos dos pontos 5 e 6, limita-se a dizer que devem considerar-se não provados na medida em que se verifica nulidade da sentença por excesso de pronúncia (o que já vimos que improcede) e resulta da fundamentação da sentença que a testemunha GG confirmou que o Sr. BB é e sempre foi encarregado de obra.
Verifica-se, assim, que a Recorrente não observou, nesta parte, o ónus de especificar os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham uma decisão diversa, indicando com exactidão as passagens da gravação respectivas, se fosse o caso, apenas discordando da convicção que o tribunal recorrido extraiu da prova produzida.
Assim, atento o disposto no art. 640.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a) do CPC, rejeita-se o recurso nesta parte.
Quanto aos pontos xvi), xvii) e xviii) da factualidade dada como não provada, a Apelante limita-se a dizer que se verifica nulidade da sentença por falta de fundamentação criteriosa, perceptível e em separado.
Ora, para além de já termos visto que o vício apontado pela Recorrente não importa nulidade da sentença mas apenas poderia relevar nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. d) do CPC, nos termos do qual a Relação deve, mesmo oficiosamente, determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados, é de entender que não se verificam os pressupostos da aplicação desta norma.
Na verdade, cabe relembrar que os factos em apreço são os seguintes:
xvi. No dia 04.11.2022, na obra, o A. discutiu com outro trabalhador da R., o senhor EE.
xvii. Fruto dessa discussão, ambos os trabalhadores não queriam continuar a exercer as suas funções na presença de cada um.
xviii. Em consequência, o senhor EE tirou o resto do dia, onde o A. retirou-se de igual forma, do local de trabalho, referindo e gritando, na presença dos outros trabalhadores, que não iria manter mais trabalhar para a R..
Ora, o tribunal fundamentou a decisão da matéria de facto, na parte em apreço, nos seguintes termos:
«Especificando os fundamentos que foram decisivos para tal convicção, importa afirmar que a resposta à matéria de facto alegada oportunamente pelas Partes resultou da análise crítica do teor dos documentos juntos aos autos, conjugada com o resultado da prova pessoal produzida em audiência, em função das regras da experiência comum e da lógica, como se passa a expor.
(…)
O facto provado em 21 (e, concomitantemente, a alegação de facto não provada em xvi a xviii) exigem algum desenvolvimento. O A. e o senhor BB foram entre si concordantes quanto à exigência que este lhe fez nesse dia para a entrega das chaves da fracção, naturalmente correspondida. Também se revelou certo o desentendimento dos dois uma vez que o senhor BB afirmou ter mandado o A. para casa para pensar no que queria da vida. Porém, o A. contou coisa um pouco diferente, algo do género «vai procura o teu direito, eu vou procurar o meu» (m.18). E, de forma absolutamente clara, o senhor DD, a quem não se achou especial afeição ou inimizade por um deles [ou pela empresa R.] e que sem dúvida estava nesse dia no apartamento, afirmou uma e outra vez ter ouvido o senhor BB dirigir-se ao A. dizendo-lhe «já não quero que trabalhe comigo» (m.9). Por outro lado, a nebulosa lançada pelo senhor BB sobre uma discussão entre o pessoal no dia anterior e que teria também fundamentado a sua decisão (a par da baixa produtividade do A.) não foi confirmada por ninguém, Pelo contrário, nisso o senhor GG foi absolutamente claro, afirmando até que, por uma outra discussão travada em ... (cujos exactos contornos permaneceram na penumbra), os dois trabalhavam separados, e o senhor DD não o afirmou. E, do mesmo modo, não foi confirmada (bem pelo contrário) a afirmação do senhor BB de que o A. teria afirmado que não iria trabalhar mais para a R.» (sublinhados nossos).
Do exposto resulta expressa, clara e distintamente que o tribunal recorrido fundamentou a sua decisão quanto aos pontos da matéria de facto em apreço, baseando-a na insuficiência do depoimento da testemunha BB, sem corroboração de outras provas, por contraposição com a existência de provas bastantes de versão divergente.
O art. 607.º, n.º 4 do CPC não permite que o tribunal fundamente a decisão sobre a matéria de facto em termos globais, gerais e abstractos, mas, ao contrário do que sustenta a Recorrente, admite que se fundamente de modo concretizado e motivado grupos de pontos da matéria de facto atinentes à mesma situação de facto, como sucede relativamente aos aqui em análise e a outros que o tribunal recorrido apreciou segundo método semelhante, não se descortinando a razão pela qual a Apelante se insurge contra tal metodologia apenas na parte em apreço.
Constata-se, aliás, que a Recorrente também impugnou os pontos da matéria de facto que pretende ver alterados de modo semelhante, isto é, por grupos referentes a situações de facto individualizáveis, o que teria de se considerar vedado à luz do art. 640.º do CPC, por identidade de razões, se a sua argumentação a propósito do citado art. 607.º, n.º 4 tivesse algum mérito, o que, felizmente para ela, não sucede.
Improcede, pois, o recurso na parte em apreço.
Resta, pois, apreciar a pretensão da Recorrente no sentido de os factos dos pontos 21, 22, 23 e 25 («do abandono do posto de trabalho»), por um lado, e 14, 15, 16 e 17 («do (alegado) trabalho suplementar»), por outro lado, serem considerados como não provados.
No que respeita ao facto que o tribunal considerou como provado sob o n.º 21, com a fundamentação acima transcrita, relembra-se que tem a seguinte redacção:
No dia 04.11.2022, uma sexta-feira, por volta das 10h50, encontrando-se o A. no local da referida obra, acompanhado do colega, o senhor DD, foi confrontado pelo senhor BB, que lhe exigiu a entrega das chaves de acesso à fracção e ordenou que se retirasse de imediato da obra e fosse para a sua residência, pois «já não quero que trabalhe comigo».
A Apelante invoca para fundamentar a sua pretensão as declarações de parte do A. e os depoimentos das testemunhas BB e DD.
Antes de mais, cumpre sublinhar que não decorre da argumentação da Recorrente que impugne mais do que a parte final do ponto 21, ou seja, que o Sr. BB tenha dito ao A. «já não quero que trabalhe comigo», aceitando que, como se refere na sentença, o restante resulta da conjugação das declarações e depoimentos em apreço.
Ora, no que concerne àquele trecho sobre o qual existe dissídio, importa referir que, na audiência de julgamento, a testemunha BB afirmou ter mandado o A. para casa para pensar no que queria da vida, enquanto o A. declarou que aquele lhe disse algo como «vai, procura o teu direito, eu vou procurar o meu», sendo apenas a testemunha DD quem referiu várias vezes, de modo até precipitado e compulsivo, que o Sr. BB disse ao A. «já não quero que trabalhe comigo».
Acresce que, com a petição inicial, o A. juntou como Docs. 69 a 71 uma carta por si assinada e dirigida à ACT logo no dia 13 de Novembro de 2022, ou seja, apenas nove dias depois do sucedido, em que refere que (ponto 9) «(…) no dia 4 de Novembro de 2022 (…) o patrão BB mandou-lhe para casa.»
Em face do exposto, entende-se que subsistem sérias dúvidas sobre a veracidade da parte final do ponto 21, posto que o depoimento da testemunha DD não foi corroborado por qualquer outro meio de prova, inclusive as declarações do próprio A. e a carta por este enviada à ACT logo após os acontecimentos, pelo que, tendo presente o disposto no art. 414.º do CPC, de acordo com o qual a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, é de considerar aquela parte final do ponto 21 como não provada.
Relativamente aos factos dos pontos 22, 23 e 25, o tribunal recorrido fundamentou a sua decisão do seguinte modo:
«Quanto aos factos provados em 22 a 25 (e a alegação não provada em ix), interessou a observação das fotografias e o depoimento do senhor HH, familiar do A. e com quem se deslocou ao arruamento da obra. Por ele e pelo depoimento do senhor EE, que lhe abriu um dia a porta da fracção, permitindo-lhe que retirasse as suas ferramentas (que se resumiam a pouco, pois se falou de uma chave de fendas e pouco mais), concluiu-se que o A. pretendia chegar à fala frente a frente com o senhor BB (pois admitiu que não lhe telefonou) e na presença de uma testemunha (o familiar) obter esclarecimentos sobre a situação laboral, ou seja, a reiteração do que dissera. A roupa que levou (e que se observou nas fotografias) e a ausência de qualquer menção a recolha de vestuário profissional levaram a concluir que o A., na certa pelo que lhe fora dito na sexta-feira, sabia que não iria ali mais trabalhar. No mais, interessou a informação da Segurança Social entrada a 12.10.2023. Se isso corresponde a um verdadeiro desemprego não sabemos, atenta a informalidade que se dá na construção civil – xiii).»
A Apelante invoca para basear a sua pretensão o depoimento da testemunha HH, o familiar que acompanhou o A., mas, essencialmente, para demonstrar que do mesmo não se extraem factos que não constam dos pontos em referência como provados (por exemplo, que o A. se dirigiu à obra para se apresentar ao trabalho), o que é manifestamente despiciendo. Compulsado o depoimento em apreço, dele decorre a confirmação dos factos ali dados como provados, no que foi corroborado, aliás, pelas declarações de parte do A. e pelo depoimento da testemunha GG (na decisão é mencionada por manifesto lapso a testemunha EE) quanto ao sucedido no dia 9 de Novembro e ao facto de o A. nessa ocasião ter perguntado pelo Sr. BB. Daqui se deduz que a comparência do A. na obra até esse dia tinha por finalidade falar com o Sr. BB para esclarecer o ocorrido na sexta-feira, caso contrário teria actuado no sentido de aceder à obra para recolher as suas ferramentas em dia anterior, o que não resulta provado que tenha feito.
Em face do exposto, improcede o recurso nesta parte.
No que toca aos factos dos pontos 14, 15, 16 e 17, a fundamentação do tribunal foi a seguinte:
«Os factos provados em 14 a 17 resultaram do depoimento do já conhecido senhor FF, que o afirmou como actividade irregular e, por isso mesmo, sem o conseguir precisar no tempo (apenas conseguiu precisar que às vezes passava das 17 horas), e sem que houvesse razão para desconfiar da bondade do que disse. Aliás, a conhecida senhora também reconheceu a prática do trabalho ao sábado, ainda que irregular. Não surpreenderam, por isso, as declarações do A. quando o afirmou, ainda que sem conseguir concretizar quais os concretos dias. Quanto ao valor diário pago pela R., o A. afirmou-o pela quantia de 50€, o que encontrou eco nas palavras do senhor FF e se aceitou. Por fim, foi o A. que declarou em audiência que deixou de trabalhar aos sábados (e certamente também em dia de feriado) desde há cerca de 2 anos, por não concordar com o pagamento dos 50€. Não houve qualquer notícia, bem pelo contrário (como o demonstra o pagamento de 50€) que a R., nessas ocasiões, concedesse descanso complementar. Pelo que vai dito, resultou não provada também a alegação em iv) e vi).»
Antes de mais, cabe referir que a Apelante tem razão quando sustenta que o tribunal recorrido violou o disposto no art. 337.º do Código do Trabalho, com a epígrafe «Prescrição e prova de crédito», cujo n.º 2 estabelece que o crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo.
Com efeito, com a fundamentação acima transcrita, deu-se como provado que:
14. Por ordem da R., até 2021, o A. trabalhou ainda em alguns sábados, em número de dias e de horas não concretamente apurado, mas que em alguns dias se estendeu das 8 às 17 horas.
15. Nas mesmas circunstâncias, o A. prestou trabalho para a R. alguns dias de feriado, em número de dias (com excepção dos dias 25.12 e 01.01) e de horas que não foi possível apurar, mas que em alguns dias se estendeu das 8 às 17 horas.
Mas, atendendo à inexistência de documento idóneo, não podia ser considerado como provado o crédito correspondente a pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, isto é, antes de Novembro de 2017, pelo que se impõe a alteração dos pontos em apreço em conformidade5.
De resto, a Apelante invoca os meios de prova tidos em conta na fundamentação acima transcrita em termos que confirmam o que, precisamente, ali se refere e foi dado como provado, ou seja, que os mesmos não lograram precisar quantos e quais os dias em que o A. trabalhou em sábados e feriados e que este deixou de o fazer cerca de 2 anos antes, pelo que se nos afigura não se impor qualquer outra alteração que não seja concretizar que tal sucedeu até Novembro de 2020.
No que concerne ao pagamento da quantia de 50,00 €, a sua verificação e pelo valor mais elevado que foi referido pelo próprio A. e pela testemunha FF é um facto favorável à R. (uma vez que se trata de quantia que terá de ser descontada no que for apurado como devido a título de trabalho suplementar), pelo que a afirmação do primeiro vale como confissão (art. 466.º, n.º 3 do CPC) e nem se alcança o propósito da impugnação da Recorrente, tendo em conta que não indica meios de prova de um valor que fosse ainda superior.
Pelo exposto, a impugnação da Apelante procede apenas na medida do acima dito.
3.5. Importa, então, decidir se, em face da factualidade provada, deve entender-se que não ocorreu o despedimento ilícito do A. pela R., em virtude de ter sido validamente invocado por esta o abandono do trabalho pelo A., como sustenta a Apelante.
Estabelece o art. 403.º do Código do Trabalho:
Abandono do trabalho
1 - Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar.
2 - Presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência.
3 - O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida deste.
4 - A presunção estabelecida no n.º 2 pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência.
5 - Em caso de abandono do trabalho, o trabalhador deve indemnizar o empregador nos termos do artigo 401.º.
Deste preceito legal decorre que são dois os elementos constitutivos do abandono do trabalho:
- um elemento objectivo, traduzido na ausência do trabalhador ao serviço, isto é, na não comparência, voluntária e injustificada, no local e no tempo de trabalho a que está obrigado;
- um elemento subjectivo, traduzido na intenção de não retomar o serviço, ou seja, na intenção de não comparência definitiva ao trabalho, a retirar de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.
Em suma, antes de mais, é suposto que o trabalhador esteja numa situação de faltas injustificadas, seja por carência de motivo atendível, seja por falta de comunicação, mas, ainda, é também necessário que o trabalhador assuma um comportamento concludente, no sentido de evidenciar que, de facto, quis pôr termo ao contrato de trabalho, embora sem proceder a uma declaração expressa nesse sentido junto do empregador.
No entanto, através da presunção de abandono do trabalho estabelecida no n.º 2 do preceito em análise, cuja base consiste na falta ao serviço durante 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência, o legislador veio libertar o empregador de provar o elemento subjectivo, pois, invocados tais elementos da presunção de abandono pelo empregador, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida do trabalhador, nos termos do n.º 3, passa a incumbir ao trabalhador a prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência.
Já esta comunicação prevista no n.º 3 não integra um facto constitutivo da denúncia do contrato por abandono do trabalho, tratando-se apenas de um requisito ou condição de atendibilidade ou de invocação da cessação do contrato pelo empregador.
Ora, resulta provado, com interesse, que o A., em Novembro de 2022, encontrava-se a exercer as suas funções de carpinteiro na obra adjudicada à R. de restauro da fracção correspondente ao 3.º andar do prédio sito na Estrada..., em ....
Para o efeito, a R. entregou ao A. as chaves de acesso à porta do prédio e dessa fracção, ficando por isso o responsável pelas “aberturas de portas” e pelo acesso diário dos demais trabalhadores da R. naquela obra.
No dia 04.11.2022, uma sexta-feira, por volta das 10h50, encontrando-se o A. no local da referida obra, acompanhado do colega, o senhor DD, foi confrontado pelo senhor BB, que lhe exigiu a entrega das chaves de acesso à fracção e ordenou que se retirasse de imediato da obra e fosse para a sua residência.
Na semana seguinte, de 7 a 09.11.2022, o A. por sua iniciativa, na companhia de um familiar, apresentou-se às 8 horas junto da porta de acesso ao prédio daquela obra, de modo a chegar à fala com o senhor BB e dele obter esclarecimentos sobre a situação laboral, ou seja, a reiteração do que dissera na sexta-feira.
Porém, sem qualquer sucesso, pois não o encontrou ali.
O A. não tentou falar por telefone com o senhor BB.
Apenas no dia 09.11.2022, o A. logrou aceder à obra, onde recolheu ferramentas de sua pertença.
A R. enviou ao A., que a recebeu a 05.12.2022, uma carta datada de 29.11.2022 sob o assunto «abandono do posto de trabalho», onde declara:
«sucede que desde o passado dia 07.11.2022 que V. Exa não comparece ao serviço ou nos escritórios da entidade patronal até à presente data inclusive. Desde essa data que não entregou qualquer comunicação à entidade patronal relativamente à denúncia do contrato de trabalho, não tendo sequer justificado a sua ausência. Assim, entende-se com toda a certeza, uma vez que a sua conduta assim o demonstra, a sua ausência no tempo e local de trabalho, na falta de qualquer comunicação justificativa daquela ausência. Verifica-se deste modo, que V. Exa incorre em situação de faltas injustificadas ao trabalho desde o passado dia 07.11.2022, as quais nesta data, totalizam mais de 10 dias úteis consecutivos de faltas injustificadas. Nos termos do disposto no artigo 403º do Código do Trabalho, os factos acima descritos constituem abandono do trabalho por V. Exa e, nessa medida, valem como denúncia do contrato de trabalho existente entre esta empresa e V. Exa. Nos termos e para os efeitos previstos na Lei, designadamente no n.º 3 do artigo 403.º do Código do Trabalho, vimos pela presente comunicação expressamente invocar a cessação do contrato de trabalho acima identificado, com fundamento em abandono do trabalho.»
Ora, nos termos dos arts. 253.º e 254.º do Código do Trabalho, o trabalhador tem a obrigação de comunicar ao empregador as ausências ao trabalho (tendo de provar o facto invocado para a justificação, em prazo razoável, apenas se o empregador o exigir), sob pena de as mesmas serem consideradas injustificadas, designadamente para efeitos disciplinares, mediante instauração do competente procedimento, mas, para que não opere a presunção de abandono do trabalho, basta que o empregador esteja por qualquer meio ou modo informado do motivo da ausência.
Assim, uma vez que a presunção a que alude o n.º 2 do art. 403.º do Código do Trabalho só se estabelece se se provar que, para além da falta ao serviço durante 10 dias úteis seguidos, o empregador não foi informado do motivo da ausência, a mesma não opera quando o empregador conhece ou tem obrigação de conhecer que a ausência do trabalhador se deve a outros motivos que não a vontade de pôr termo ao contrato de trabalho.
Neste sentido, vejam-se os Acórdãos desta Relação de Lisboa de 3 de Maio de 2023 e de 3 de Julho de 20246, bem como os aí citados.
Ora, como decorre da factualidade acima enunciada, por terem sido entregues pela R., era o A. que tinha as chaves de acesso à porta do prédio e da fracção onde decorria a obra, sendo por isso o responsável pelas “aberturas de portas” e pelo acesso diário dos demais trabalhadores da R., mas, no dia 04.11.2022, uma sexta-feira, por volta das 10h50, encontrando-se o A. no local da referida obra, acompanhado do colega DD, foi confrontado pelo senhor BB, que lhe exigiu a entrega das chaves de acesso à fracção e ordenou que se retirasse de imediato da obra e fosse para a sua residência.
Assim, sabendo a R., pelo menos, que o A., com uma antiguidade de mais de sete anos, estava sem se apresentar ao trabalho desde o dia 7 de Novembro porque ela própria, R., no antecedente dia de trabalho lhe exigira a entrega das chaves de acesso à fracção e ordenara que se retirasse de imediato da obra e fosse para a sua residência, é de concluir que a empregadora sabia perfeitamente que a ausência do trabalhador se devia a outros motivos que não a vontade de pôr termo ao contrato de trabalho, pelo que o dever de boa fé no exercício dos direitos emergentes de tal contrato (art. 126.º, n.º 1 do Código do Trabalho) impunha-lhe que, pelo menos, diligenciasse previamente pelo esclarecimento da situação.
Em face do exposto, não se estabelecendo a presunção de abandono do trabalho, nem se provando este, a comunicação de cessação do contrato de trabalho por iniciativa da R., sem que se verificassem os pressupostos do art. 403.º do Código do Trabalho, equivale a despedimento ilícito7.
Acresce que esta conclusão fica reforçada se se atender ao que a Apelante sustenta que foi dito pelo Sr. BB ao A. na ocasião acima aludida, isto é, que o mandou para casa pensar no que queria da vida, pois, como se refere na sentença recorrida, «(…) não se pode aceitar, salvo o devido respeito, à luz das regras de boa fé que presidem à execução de um qualquer contrato, é que o empregador ordene ao trabalhador que vá para casa, pensar na vida (seja lá o que isso for), e depois disso remeta a carta dando-o como tendo abandonado o trabalho. Uma tal comunicação injustificada corresponderia de igual sorte ao despedimento do trabalhador.»
Improcede, pois, o recurso quanto à questão em apreço.
3.6. Finalmente, no que toca à questão do trabalho suplementar, desde logo se impõe concluir que o recurso procede na medida em que a alteração da matéria de facto provada restringe o período durante o qual aquele foi prestado e, assim, necessariamente, a quantia devida e a liquidar no incidente próprio.
A este propósito, a Apelante sustenta que a impossibilidade de quantificação na sentença recorrida deveria conduzir à sua absolvição do pedido, sob pena de injustificadamente se conceder ao A. uma segunda oportunidade de alegação e prova de factos já ocorridos à data da propositura da acção, mas a doutrina e a jurisprudência são maioritárias no sentido de que o previsto no art. 609.º, n.º 2 do CPC é aplicável a todos os casos em que é deduzido um pedido genérico não subsequentemente liquidado (como sucede nos presentes autos) e, inclusive, àqueles em que o pedido se apresenta determinado mas os factos constitutivos da liquidação da obrigação não se provam8.
Acresce que a alternativa não seria, de modo algum, a absolvição da R. do pedido, mas sim a imediata fixação da contrapartida devida pelo trabalho suplementar, comprovadamente prestado mas em quantidade não apurada, com recurso à equidade, nos termos do disposto no art. 566.º, n.º 3 do Código Civil, pois, “sabendo-se que há/houve dano, tem que ser concedida uma indemnização – e passa ou pela fixação da indemnização com recurso à equidade (…) ou pela prolação duma condenação genérica, tendo em vista a sua posterior liquidação (…)”, nas palavras do Ac. do STJ de 15.02.2023, Proc. nº 10376/18.8T8SNT.L1.S1, 6ª Secção.”9
Na situação sub judice, o A. conformou-se com a relegação para o incidente próprio da liquidação da quantia devida, pelo que, limitando-se a Apelante a impugnar esta com a finalidade – sem fundamento legal – de obter a absolvição do pedido, sem pugnar, a título subsidiário, pela imediata fixação da mesma com recurso à equidade, entende-se que é de confirmar a sentença neste particular aspecto.
Nestes termos, o recurso na parte em apreço procede apenas parcialmente, na medida decorrente da alteração da factualidade provada.

4. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência:
- altera-se a decisão sobre a matéria de facto nos sobreditos termos;
- altera-se a alínea e) do dispositivo da sentença no sentido de restringir a condenação no pagamento de quantia a liquidar pelo trabalho suplementar e pelos descansos complementares ao que foi prestado entre Novembro de 2017 e Novembro de 2020;
- no mais, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelas partes, na proporção do decaimento.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2024
Alda Martins
Manuela Fialho
Paula Doria C. Pott
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1. Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1984 (reimpressão), p. 151.
2. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Almedina, 3.ª edição, pp. 734-735.
3. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., p. 737.
4. Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 128-129.
5. V. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-11-2021, proc. n.º 439/14.4T8FIG.1.C2.S1, disponível em www.dgsi.pt.
6. Proferidos nos processos n.ºs 10633/21.6T8LSB.L1-4 e 17090/22.8T8SNT.L1-4, respectivamente, disponíveis em www.dgsi.pt.
7. Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 2022, proc. n.º 1211/19.0T8BJA.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
8. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pp. 715 e ss..
9. V. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 2024, proc. n.º 4553/21.1T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt. Cfr., ainda, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pp. 716-717.