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ACIDENTE DE TRABALHO
INCAPACIDADE TEMPORÁRIA
PENSÃO PROVISÓRIA
COMPENSAÇÃO
OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR
Sumário
I - Às quantias que são devidas ao autor a título de pensão e indemnização por incapacidades temporárias deverão ser descontadas as quantias que já lhe foram pagas a título de pensão provisória e de indemnização por incapacidades temporárias. II – Considerando que as quantias que já foram pagas ao autor se assemelham a prestação alimentar, nessa medida e efetuada a compensação a que se alude supra, não há lugar à restituição por parte do autor dos montantes excedam a compensação.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
1. AA, em 15 de março de 2022 instaurou ação para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho contra COMPANHIA DE SEGUROS FIDELIDADE - MUNDIAL, S.A., peticionando:
a) A pensão anual e vitalícia de 6.016,82 € com início no dia seguinte ao da alta definitiva.
b) O subsídio por situação de elevada incapacidade permanente no montante de 4.305,20 €.
c) A quantia de 18.231,44 € a título de indemnizações devidas por incapacidade temporária
d) O seguimento regular em consulta de Urologia e de medicação segundo o esquema terapêutico prescrito pelo seu médico assistente, bem como de tratamentos regulares de enfermagem.
e) A quantia de 20,00 € relativa a despesas com deslocações a este Tribunal a cargo da Ré.
Alegou, em síntese que prestava trabalho como trabalhador indiferenciado, para a sociedade "...; que no dia 4 de maio de 2013, cerca das 16:15 horas, em ..., ao descer da carroçaria de um camião, escorregou e embateu com os testículos na carroçaria, sofrendo um traumatismo direto na região perineal do que resultaram sequelas que que determinaram incapacidade de prestar trabalho durante um determinado período e incapacidade que importa ressarcir.
A ré apresentou contestação aceitando que a responsabilidade decorrente por acidentes de trabalho sofridos pelo autor se encontra transferida para si através de contrato de seguro válido, aceita a existência do acidente e a sua qualificação como acidente de trabalho, impugnando, no entanto, as lesões, sequelas e nexo de causalidade.
2. Foi proferido despacho saneador, no qual foram fixados o objeto do litígio e os temas da prova e determinada a realização da perícia médica.
3. Foi realizada junta médica com elaboração de auto.
4.Procedeu-se à realização da audiência final de julgamento tendo sido proferida sentença na qual o Tribunal decidiu: “ a) condena[r] a Ré COMPANHIA DE SEGUROS FIDELIDADE - MUNDIAL, S.A. no pagamento ao Autor, AA do valor de € 26.640,30 (vinte e seis mil seiscentos e quarenta euros e trinta cêntimos) a título de indemnização por incapacidades temporárias, abatendo-se o valor já pago ao Autor a título de incapacidade permanente parcial provisória fixada, a liquidar oportunamente; b) Condena [r] a Ré COMPANHIA DE SEGUROS FIDELIDADE - MUNDIAL, S.A. a pagar ao Autor AA o capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia de € 1.526,01 (mil quinhentos e vinte e seis euros e um cêntimo), no valor de € 22.081,36 (vinte e dois mil e oitenta e um euros e trinta e seis cêntimos) acrescida de juros moratórios vencidos à taxa legal sobre a referida quantia desde 10 de Dezembro de 2021 e vincendos até efetivo e integral pagamento. c) Condena [[r] a Ré a prestar ao Autor acompanhamento regular em consulta de Urologia e medicação segundo o esquema terapêutico prescrito pelo seu médico assistente, bem como de tratamentos regulares de enfermagem que o mesmo venha a necessitar até resolução do quadro de fistulização recidivante. d) Condena[r] a Ré COMPANHIA DE SEGUROS FIDELIDADE - MUNDIAL, S.A. no pagamento ao Autor, AA da quantia de € 20,00 (vinte euros) a título de despesas de transporte. e) absolve[r] a Ré do pagamento de um subsídio de elevada incapacidade.”
5.Inconformada com o decidido, a ré interpôs recurso para esta Relação com vista à revogação da sentença, formulando, em síntese, as seguintes conclusões (que se transcrevem): “(…) 3. O Venerando Tribunal a quo considerou provado no ponto 15 que: “Por decisão de 03 de Dezembro de 2019 foi fixada uma pensão permanente parcial provisória de 20% ao Autor, a qual vem sendo paga pela Ré.” 4. Porém, nada referiu no que se refere às quantias em que foi condenada a pagar a título provisório de indemnização por incapacidades temporárias fixadas por exame médico. 5. Com base no documento nº 2 junto à contestação (documento de fls. 31 verso), deverá ficar provado que: “A Demandada liquidou ao Autor a quantia de 51.613,13€ (cinquenta e um mil, seiscentos e treze euros e treze cêntimos), a título provisório de indemnização por incapacidade temporária fixada no douto despacho de 03-12-2019.”. 6. Caso assim não se entenda, deverá ficar provado com base na decisão de 03-12-2019 (decisão de fls. 247 a 248 verso), no documento nº2 junto à contestação (documento de fls. 315 verso), no documento nº1 junto ao requerimento datado de 11-03-2020 (documento de fls. 269) que: “Por decisão de 03 de dezembro de 2019 foi fixada a quantia de € 51.573,61 (cinquenta e um mil, quinhentos e setenta e três euros e sessenta e um cêntimo) a título provisório de indemnização por incapacidades temporárias fixadas por exame médico, montante que foi pago pela Demandada.” 7. Para além de se encontrar documentalmente provado que a Demandada liquidou a quantia de € 51.573,61 a título provisório de indemnização por incapacidades temporárias, o Autor reconheceu que recebeu as referidas quantias a título de ITA. 8. A Demandada foi condenada no pagamento ao Autor da quantia global de 48.741,66€ (cfr. als. a), b) e d) do dispositivo), ao qual acresce o dever de prestar ao Autor acompanhamento regular em consulta de Urologia e medicação segundo o esquema terapêutico prescrito pelo seu médico assistente, bem como de tratamentos regulares de enfermagem que o mesmo venha a necessitar até resolução do quadro de fistulização recidivante. (cfr. al c) do dispositivo) 9. Mais ficou decidido que ao montante referido na al. a) do dispositivo, deverá abater-se o valor já pago ao Autor a título de incapacidade permanente parcial provisória fixada, a liquidar oportunamente. 10. No dispositivo não consta que deverá ser descontado também o valor liquidado a título provisório de indemnização por incapacidades temporárias. 11. Considera a Demandada que ficou provado que a Demandada liquidou, pelo menos, a quantia de € 51.573,61 a título provisório de indemnização por incapacidades temporárias. 12. Para além dessa quantia, a Demandada liquidou ao Autor quantias a título de incapacidade permanente parcial provisória, conforme fixado na decisão de 03-12-2019. (cfr. facto provado nº15) 13. Atendendo a que o valor pago a título provisório de indemnização por incapacidades temporárias e a título de incapacidade permanente parcial provisório é superior ao valor em que a Demandada foi condenada a pagar nas al.s a), b) e d) do dispositivo, deverá a Demandada ser absolvida do pagamento das ditas parcelas. 14. Devendo ainda o Autor ser condenado a reembolsar a Demandada das quantias pagas a mais. 15. Caso assim não se entenda, deverá ser descontado às quantias referidas em a), b) e d) do dispositivo, o valor pago a título provisório de indemnização por incapacidades temporárias e a título de incapacidade permanente parcial provisório. 16. Devendo ainda o Autor ser condenado a reembolsar a Demandada das quantias pagas a mais. 17. Decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto nos art. 48º, nº3, als. c), d) e e) da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, art. 473º, nºs 1 e 2 do Código Civil.
6.O autor apresentou contra-alegações nas quais refere na conclusão que:
“É certo que a Recorrente procedeu ao pagamento de € 51.573,61 (cinquenta e um mil, quinhentos e setenta e três euros e sessenta e um cêntimo) a título provisório de indemnização por incapacidades temporárias fixadas por exame médico, montante que foi pago pela Demandada, contudo o cômputo final dos pagamentos deverá ser liquidado em sede do competente incidente, tal como o determinado no dispositivo da douta sentença a quo.”
7. O M.P. ( após a realização da tentativa de conciliação que se frustrou) pediu ao Tribunal a atribuição de pensão provisória ao sinistrado bem como o pagamento das indemnizações por incapacidades temporárias absolutas.
Em 03.12.2019, com a ref.ª citius 47953866 foi proferida decisão na qual foi fixada provisoriamente ao sinistrado uma IPP de 20% a corrigir em função da decisão a proferir na fase contenciosa e condenada a ré a pagar ao sinistrado “a) a pensão anual e vitalícia1provisória de €1.526,01 (mil quinhentos e vinte e seis euros e um cêntimo)e b) a quantia de € 51.573,61 (cinquenta e um mil euros e quinhentos e setenta e três euros e sessenta e um cêntimo) a título provisório de indemnização por incapacidades temporárias fixadas por exame médico.”
A ré seguradora através de requerimento datado de 10.12.2019, com a ref.ª citius 3522018 reclamou deste despacho nos termos do art. 124º por entender que não se verificavam os pressupostos legais aplicáveis, de acordo com o disposto no art. 121º, n.º1, n.º2 al a) do CPT e art.s 384 e ss do CPC. Em 11.12.2019 apresenta novo requerimento com a ref.ª citius 3424095 - em que solicita a substituição do requerimento de 10.12.2019 - e no qual reclama do despacho proferido alegando a inexistência de verificação dos pressupostos legais aplicáveis, a impossibilidade legal de cumulação das duas prestações (pensão e indemnização provisória e necessária adequação da tramitação do processo.
A reclamação é decidida pelo Tribunal através do despacho de 06.01.2020, com a ref.ª citius 48059548 e, ainda, por despacho de 28.01.2020, com a ref.ª citius 48155355.
II – Objeto do Recurso
Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, do CPC(Código de Processo Civil), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim, são as seguintes as questões a decidir:
a. impugnação da matéria de facto;
b. retificação do dispositivo da sentença;
c. absolvição do pagamento das quantias em que a ré foi condenada por ser o valor pago a título provisório superior aquele em que foi condenada /restituição de quantias liquidadas a mais.
III – Fundamentação de Facto
1. Independentemente da apreciação da impugnação deduzida relativamente à decisão de facto começar-se-á por elencar os factos que a 1ª instância considerou provados: “ 1 – No dia 4 de Maio de 2013, cerca das 16:15 horas, em ..., quando o Autor sinistrado trabalhava para a sua Entidade Patronal – ...., como trabalhador indiferenciado, ao descer da carroçaria de um camião, escorregou e caiu sofrendo um traumatismo direto na região perineal. 2 - A responsabilidade infortunística laboral relativa ao trabalho do Autor estava transferida para a Ré. 3 - O Autor auferia a retribuição salarial mensal de € 700,00 sobre a qual incidiam os subsídios de Natal e de férias, € 66,00 a título de subsídio de alimentação e ainda, € 374,04 a título de outras remunerações, totalizando a massa salarial do Autor o montante anual de € 10.900,04. 4 - Após o acidente o Autor e Sinistrado foi seguido no Serviço de Urologia por orquiepididimite, abcesso e corpo estranho no escroto provocado por um traumatismo escrotal, após drenagem do abcesso e remoção do corpo estranho do escroto, evoluiu para formação de abcessos do escroto de repetição. 5 - O Autor foi submetido a novas drenagens e remoção de tecido fibrosado e desvitalizado, bem como orquidectomia em fevereiro de 2016, tendo a anatomia patológica revelado ausência de lesão tumoral com necrose circundada por tecido de granulação e atrofia tubular. 6 - Posteriormente, o Autor continuou a desenvolver várias recidivas do abcesso escrotal, algumas com infeção bacteriana, sendo que a última drenagem, à data da propositura da acção, fora realizada em 14 de Julho de 2021. 7 - O espermograma realizado em 02 de Outubro de 2013 revelou Oligozoospermia moderada. 8 - A Ecotomografia escrotal realizada em 06 de Junho de 2013 revelou varicocelo grau II à direita; varicocelo grau III à esquerda; hematoma capsulado no polo superior do testículo esquerdo, provável sequela de processo traumático anterior. 9 - A Ecografia escrotal realizada em 02 de Abril de 2014 revelou espessamento do epidídimo esquerdo (epididimite); espessamento da parede anterior da bolsa escrotal à esquerda; varicocelo bilateral com refluxo venoso. 10 - Do acidente ocorrido a Autor sofreu traumatismo escrotal com hematocele pó traumático que se veio a complicar por quadro de abcessos recidivantes e que motivou já a necessidade de orquidectomia terapêutica, ficando com quadro sequelar de orquidectomia e de abcessos recidivantes. 11 – O Autor esteve com incapacidade temporária absoluta desde 05 de Maio de 2013 a 03 de Junho de 2013 e incapacidade temporária parcial de 40% desde 04 de Junho de 2013 a 09 de Dezembro de 2021. 12 - As lesões sofridas pelo sinistrado foram consideradas consolidadas em 09 de Dezembro de 2021. 13 – O Autor ficou afetado de uma incapacidade parcial permanente de 20%. 14 - O sinistrado gastou em despesas com deslocações a este Tribunal a quantia de € 20,00. 15 – Por decisão de 03 de Dezembro de 2019 foi fixada uma pensão permanente parcial provisória de 20% ao Autor, a qual vem sendo paga pela Ré. 16 – Do auto de junta médica de 21 de Março de 2024 consta que é aceitável que o Autor tenha necessidade de seguimento regular em consulta de urologia e de medicação, bem como tratamentos regulares de enfermagem até à resolução do quadro de fistulização recidivante. “
Nos termos do art. 663º, n.º2 do CPC aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais o art. 607º, n.º 4 do CPC.
Da leitura destes factos dados como provados resulta, em nosso entender a necessidade de proceder à correção oficiosa do facto n.º 2 - a respeito da identificação do número de apólice do seguro ( considerando-se a prova documental junta aos autos) – e do facto n.º 15 – para evitar obscuridade ou ambiguidade e melhor esclarecimento ( considerando-se a decisão proferida em 03.12.2019) Assim, o facto n.º 2 passará a ter a seguinte redação:
“2-A responsabilidade infortunística laboral relativa ao trabalho do Autor estava transferida para a Ré mediante contrato de seguro titulado na modalidade de prémio variável titulado pela apólice n.º AT29100434
Quanto ao facto n.º 15º o Tribunal a quo deu como provado que “Por decisão de 03 de Dezembro de 2019 foi fixada uma pensão permanente parcial provisória de 20% ao Autor, a qual vem sendo paga pela Ré.”
Ora, o que resulta da decisão de 03 de dezembro de 2019, com a ref.ª 47953866 é que foi fixada provisoriamente ao autor uma IPP de 20% e, que em consequência se condenou a ré a pagar uma pensão anual e provisória ( já vimos que a referência a vitalícia resultará de mero lapso de escrita) de € 1526,01.
Assim e conformidade, o facto nº 15 passará a ter a seguinte redação:
“15 - Por decisão de 03 de dezembro de 2019 foi fixada uma incapacidade permanente parcial provisória de 20% ao Autor condenando-se a ré no pagamento da pensão anual e provisória de € 1526,01, a qual vem sendo paga pela Ré.
2-Impugnação da matéria de facto
A recorrente demonstra o seu inconformismo com a decisão de facto do tribunal a quo por não ter sido dado como provado que liquidou ao recorrido a quantia € 51.613,13 a título provisório de indemnização por incapacidade temporária.
Para o efeito, invoca que no artigo 14º contestação alegou que liquidou ao autor a quantia de 51.613,13€ a título provisório de indemnização por incapacidade temporária fixada.
Propõe como redação do novo facto que “A Demandada liquidou ao Autor a quantia de 51.613,13€ (cinquenta e um mil, seiscentos e treze euros e treze cêntimos), a título provisório de indemnização por incapacidade temporária fixada no douto despacho de 03-12-2019” ou, em alternativa que “Por decisão de 03 de dezembro de 2019 foi fixada a quantia de € 51.573,61 (cinquenta e um mil, quinhentos e setenta e três euros e sessenta e um cêntimo) a título provisório de indemnização por incapacidades temporárias fixadas por exame médico, montante que foi pago pela Demandada.”
Para sustentar a sua pretensão baseia-se no documento n.º 2 junto com a contestação (documento de fls. 315 verso) ( quanto à primeira proposta de redação do novo facto); a decisão de 03-12-2019 (decisão de fls. 247 a 248 verso), o documento nº2 junto à contestação (documento de fls. 315 verso), o documento nº1 junto ao requerimento datado de 11-03-2020 (documento de fls. 269) ( quanto à proposta da redação em alternativa).
A recorrente cumpre os ónus de impugnação da decisão de facto consignados no artigo 640.º do CPC , aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do CPT.
Apreciando.
Da leitura que fazemos do documento n.º 2 invocado pela recorrente não resulta o pagamento da quantia € 51.613,13, já que no documento denominado “Resumo do Sinistro” em não consta qualquer menção a pagamento.
Porém, resulta da decisão proferida em 03.12.2019 que o tribunal, para além do mais, condenou a ré seguradora a pagar ao autor a quantia de € 51.573,61 a título provisório de indemnização por incapacidades temporárias.
O documento junto pela ré em 11.03.2020, ref.ª citius 3651821, comprova o pagamento do montante de €51.613,13 ao autor.
Acresce ainda que, o autor na conclusão das contra-alegações admite expressamente esse pagamento.
Em face do exposto decide-se aditar à matéria de facto um artigo com o n.º 17 e com a seguinte redação: “17 - Por decisão de 03 de dezembro de 2019 foi fixada a quantia de € 51.573,61 (cinquenta e um mil, quinhentos e setenta e três euros e sessenta e um cêntimo) a título provisório de indemnização por incapacidades temporárias fixadas por exame médico, montante que foi pago pela ré.”
Procede, assim, nesta parte a pretensão da recorrente.
3- Retificação do dispositivo da sentença.
Insurge-se a recorrente quanto ao facto de no dispositivo da sentença não constar que deverá ser descontado o valor liquidado a título provisório de indemnização por incapacidades temporárias.
No Tribunal a quo escreveu-se no dispositivo que se: “ a) condena[va] a Ré COMPANHIA DE SEGUROS FIDELIDADE - MUNDIAL, S.A. no pagamento ao Autor, AA do valor de € 26.640,30 (vinte e seis mil seiscentos e quarenta euros e trinta cêntimos) a título de indemnização por incapacidades temporárias, abatendo-se o valor já pago ao Autor a título de incapacidade permanente parcial provisória fixada, a liquidar oportunamente; b) Condena [va] a Ré COMPANHIA DE SEGUROS FIDELIDADE - MUNDIAL, S.A. a pagar ao Autor AA o capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia de € 1.526,01 (mil quinhentos e vinte e seis euros e um cêntimo), no valor de € 22.081,36 (vinte e dois mil e oitenta e um euros e trinta e seis cêntimos) acrescida de juros moratórios vencidos à taxa legal sobre a referida quantia desde 10 de Dezembro de 2021 e vincendos até efetivo e integral pagamento. c) Condena [va] a Ré a prestar ao Autor acompanhamento regular em consulta de Urologia e medicação segundo o esquema terapêutico prescrito pelo seu médico assistente, bem como de tratamentos regulares de enfermagem que o mesmo venha a necessitar até resolução do quadro de fistulização recidivante. d) Condena[va] a Ré COMPANHIA DE SEGUROS FIDELIDADE - MUNDIAL, S.A. no pagamento ao Autor, AA da quantia de € 20,00 (vinte euros) a título de despesas de transporte. e) absolve[ia] a Ré do pagamento de um subsídio de elevada incapacidade.”
Resulta da fundamentação de facto da decisão recorrida que “ Por decisão de 03 de dezembro de 2019 foi fixada uma incapacidade permanente parcial provisória de 20% ao Autor condenando-se a ré no pagamento da pensão anual e provisória de € 1526,01, a qual vem sendo paga pela Ré” – facto n.º 15 ( redação alterada oficiosamente) - e que “Por decisão de 03 de dezembro de 2019 foi fixada a quantia de € 51.573,61 (cinquenta e um mil, quinhentos e setenta e três euros e sessenta e um cêntimo) a título provisório de indemnização por incapacidades temporárias fixadas por exame médico, montante que foi pago pela ré”- facto n.º17 ( aditado à matéria de facto).
Como é sabido a parte decisória da sentença tem de refletir a fundamentação constante dessa sentença numa relação de silogismo.
Por outro lado, nada justificará que o sinistrado receba novamente aquilo que já recebeu, isto é, que receba prestações ou pensões que, em termos definitivos tem direito mas que já recebeu a título provisório.
Assim sendo, proceder-se-á a final à correção do dispositivo por forma a considerar que às quantias, que em função da prolação de decisão definitiva são devidas ao autor pela ré seguradora a título de pensão e de indemnizações por incapacidades temporárias serão descontadas as quantias que já lhe foram pagas a título provisório, com a eliminação da parte final da alínea a) e introdução de uma nova alínea.
4. Absolvição do pagamento das quantias em que a recorrente foi condenada por ser o valor pago a título provisório superior aquele em que foi condenada /restituição de quantias liquidadas.
A recorrente alegando que as quantias que o autor terá recebido a título provisório são superiores aquelas em foi condenada a pagar nas al.s a), b) e d) do dispositivo pede que seja absolvida no pagamento de tais parcelas devendo, ainda, o autor ser condenado a reembolsá-la das quantias pagas a mais.
Inexistem elementos nos autos que permitam afirmar, em concreto, quais os montantes já liquidados provisoriamente, para além da quantia a que se alude no art. 17º da fundamentação de facto, pelo que não se poderá concluir pela “absolvição” do pagamento das parcelas das alíneas a), b) e d).
Porém, tendo em conta o pagamento a título provisório de quantias relativas a pensão e incapacidades temporárias deverá o Tribunal atender às mesmas e determinar seu desconto nos montantes devidos ao sinistrado, quer por imperativo do art. 52º2 n.º 5 da LAT, quer porque nada justifica que o sinistrado receba em “ duplicado” aquilo que já recebeu e isto quer se trate dos montantes que recebeu a título provisório de pensões quer de indemnizações por incapacidade temporária.3
Mas a recorrente coloca, ainda, a questão da restituição das quantias pagas a mais.
Adiantamos, desde já que entendemos que não haverá lugar à devolução pelo autor dos montantes que lhe foram liquidados a título provisório, ainda que, estes possam ser superiores aos fixados definitivamente.
É que atendendo-se às especificidades decorrentes do acidente de trabalho, à posição de fragilidade em que se encontra o sinistrado, resultante da redução da sua capacidade de ganho e não constituindo a reparação de danos emergentes do acidente de trabalho uma reparação integral do dano, como acontece no caso da responsabilidade civil, art. 562º e ss do CC e tendo a reparação ao sinistrado um carater predominantemente alimentar, como compensação, ainda que não integral , pela diminuição da sua capacidade de ganho, a pensão e indemnização provisória que foram arbitradas ao autor assemelham-se a uma prestação alimentar.4
E, porque no caso de fixação provisória de alimentos o requerente só responde pelos danos causados com a improcedência ou caducidade do procedimento cautelar se tiver atuado de má fé e sem prejuízo do disposto no art. 2007ª, nº2 do Código Civil, o que resulta do art. 387 do CPC, “na falta de disposição expressa no CPT, não choca aplicar ao caso aplicar a norma do art. 2007, n.º 2 do C. Civil, precisamente por as situações reguladas serem idênticas e semelhantes e em causa, estar essencialmente, prevenir e garantir as necessidades essenciais do sinistrado, vítima de acidente de trabalho.”5
Por fim, refira-se que não há lugar à restituição das quantias ao abrigo do disposto no art. 473º do CC 6 sob a égide da ocorrência de enriquecimento sem causa, como preconiza a recorrente, porquanto não há lugar à restituição por enriquecimento, como determina o art.474 CC quando a lei nega o direito a essa restituição, cfr. o art. 2007º, n.º 2 do CC
Assim se concluindo que não haverá lugar à restituição dos montantes por parte do autor à ré improcedendo, nesta parte o recurso.
V- Responsabilidade pelas custas.
Na procedência parcial da pretensão do recorrente fixa-se a sua responsabilidade em 1/3 para o recorrente e 2/3 para o recorrido.
VI- Decisão.
Em face do exposto decide-se julgar parcialmente procedente o recurso e em consequência acorda-se:
A. alterar a redação dos factos n.º 2 e n.º 15 nos termos sobreditos;
B. aditar aos factos provados o facto n.º 17 nos termos sobreditos;
C) alterar o dispositivo da sentença com a eliminação na parte final da alínea a) da parte que refere “abatendo-se o valor já pago ao Autor a título de incapacidade permanente parcial provisória fixada, a liquidar oportunamente;”;
D) introduzir a alínea f) no dispositivo com a seguinte redação:
“Às quantias mencionadas nas alíneas a), b) e d) serão descontadas as quantias que a ré já tenha pago ao autor a título de pensões provisórias e de indemnização por períodos de incapacidade temporária, não havendo, no entanto, restituição pelo autor das quantias recebidas.”
Custas a cargo recorrente e recorrido, na proporção de 1/3 e 2/3, respetivamente.
Lisboa, 5 de dezembro de 2024
Alexandra Lage
Francisca Mendes
Paula Santos
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1. A referência a pensão vitalícia só poderá resultar de mero lapso de escrita do julgador, por em causa estar uma pensão provisória.
2. Este normativo prevê que, em caso de pagamento de pensão provisória que, os valores satisfeitos a esse título sejam considerados aquando da fixação final dos direitos, significando que em caso de satisfação de pensão provisória os valores pagos serão descontados naqueles que, a final, venham a ser reconhecidos ao sinistrado.
3. No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.01.2023 proferido no processo n.º 338/15.2Y3VNG( Relatora Paula Leal Carvalho) disponível em www.dgsi.pt pode ler-se que “ tendo em conta a fixação da pensão provisória, deverá o Tribunal, oficiosamente, atender à mesma, determinando o seu desconto aos montantes que sejam devidos ao sinistrado seja por imperativo do disposto no art. 52º, nº 5, da LAT, seja atento o art. 26º, nº 3, do CPT [nos termos do qual as ações emergentes de acidente de trabalho correm oficiosamente], seja porque nada justifica que o sinistrado receba, em “duplicado”, aquilo que já recebeu ou, dito de outro modo, que receba as prestações/pensões a que, em termos definitivamente fixados, tem direito, mas que já recebeu a título provisório/pensão provisória, (…).E o mesmo se dizendo relativamente às indemnizações por incapacidade temporária que sejam devidas, mas que já se encontrem pagas, sendo de descontar as que já hajam sido pagas.”
4. Veja-se o Acórdão desta Relação de 07- 10-2015, proferido no processo n.º 3761/09.8TTLSB.L1-4 ( Relatora Celina Nóbrega, tendo com Adjunta, a também aqui, Desembargadora, Paula Santos).
No sentido de que as pensões e indemnizações previstas nos art.s 121º e ss do CPT mantém, atenta a sua natureza jurídica uma similitude com o procedimento cautelar de alimentos provisórios regulado no CPC veja-se, ainda, o Acórdão da Relação de Coimbra, proferido no processo 1024/04.4TTLRA.C1, ( Relator Ramalho Pinto); Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, proferidos nos processos 0611491 e 5/09.6TUMTS.P1( Relatora Fernanda Soares), no processo 327/06.8TTGMR.P1 ( Relator Ferreira da Costa) e no processo n.º 338/15.2Y3VNG( Relatora Paula Leal Carvalho), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
No sentido de que se deverá considerar uma similitude com o procedimento cautelar de arbitramento provisório veja-se o Acórdão desta Relação, proferido no processo n.º 1001/06.0TTLSB.L1-4, ( Relatora Filomena Manso) também acessível em www.dgsi.pt.
5. Citação extraída do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 5/09.6TUMTS.P1( Relatora Fernanda Soares)
6. O art. 473º do Código Civil refere no seu n.º1 que “ aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou” e no nº2 que” aobrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.