UNIÃO EUROPEIA
DECISÃO EUROPEIA DE INVESTIGAÇÃO
APREENSÃO DE BENS
PROVA
REGIME JURÍDICO
Sumário

I - O regime legal da DEI estabelece o regime jurídico da emissão, transmissão e do reconhecimento e execução de decisões europeias de investigação, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva 2014/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Abril de 2014. E é aplicável à obtenção de novos elementos de prova e à transmissão de elementos de prova na posse das autoridades competentes do Estado de execução, em todas as fases do processo.
II - O instrumento adequado para pedir a apreensão de uma quantia numa conta bancária sedeada em França, visando futura perda, não é a DEI, enquanto Decisão Europeia de Investigação em matéria penal, mas a RJEEDA, regime jurídico estabelecido na lei 25/2009, de 05 de Junho.
III - A necessária avaliação dos fins visados pela diligência a decidir em Portugal e a executar em país da UE, no caso em França, e durante o inquérito, decorre do que o MP pretende com a diligência requerida.

(Da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Rec. Penal n.º 7309/23.3JAPRT- A.P1

Comarca do Porto

Acórdão, em Conferência, no Tribunal da Relação do Porto.

2ª secção criminal.

I. Relatório.

Nos autos com o NUIPC 7309/23.3JAPRT, que correm termos no DIAP ... foi no juízo de instrução criminal de Matosinhos, juiz 1, proferido despacho datado de 05.09.2024, que decidiu «por insuficientes os indícios e não sendo a referida quantia de especial relevância para a prova (a prova é essencialmente digital), indefere-se a requerida emissão de DEI para a promovida apreensão».


*

Inconformado o MP interpôs recurso onde alinha as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da decisão judicial de 06 de Setembro de 2024 que negou provimento ao pedido formulado pelo Ministério Público de apreensão de saldo de conta bancária através de emissão de DEI;

2. Entende o Ministério Público que tal decisão se mostra desacertada e ilegal, desrespeitando também aquilo que são os direitos da vítima ao ressarcimento em processo penal, constituindo ainda uma violação do princípio do acusatório, porquanto ao negar tal pretensão de apreensão, o MMº JIC se substitui ao Ministério Público na condução do inquérito.

3. Os autos tiveram início com a denuncia apresentada por AA dando conta, em suma, que indivíduos cuja identidade desconhece acederam ilegitimamente à sua conta bancária aberta no Banco 1... e retiraram da mesma a quantia global de 1.441,00€ que transferiram para a conta francesa com o IBAN  ...70;

4. A quantia de 1.441,00€ que foi transferida para a conta francesa com o IBAN  ...70 é produto do crime denunciado nos autos, pelo que é possível proceder à sua apreensão.

5. Estes factos que são suscetíveis de configurar a prática de um crime abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento qualificado, p. e p. pelo artigo 225.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal e, eventualmente, branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368.º - A, n.º 1,

alíneas b), do Código Penal.

6. Pelo que se promoveu ao Senhor Juiz de Instrução, nos termos do disposto nos artigos 178.º n.ºs 1, 2 e 3, 181.º n.º 1 e 268.º n.º 1 alínea c), todos do Código de Processo Penal, através da emissão de DEI, nos moldes do prescrito pelo Regulamento (EU) 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018, fosse determinada a apreensão à ordem dos presentes autos;

7. Decisão que não obteve acolhimento junto do Senhor Juiz de Instrução, tanto quanto se entende do teor do seu despacho, por já lá não se encontrar a quantia em causa e por não existirem indícios suficientes nos autos (crê-se, da verificação de crime, porquanto não é dito);

8. Estatui o artº 178 nº1 do CPP que “São apreendidos os instrumentos, produtos ou vantagens relacionados com a prática de um facto ilícito típico, e bem assim todos os animais, as coisas e os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova.”;

9. Por seu turno, estatui o artº 181 nº1 do mesmo Código que o Juiz de Instrução pode determinar a apreensão dos valores que se encontram em estabelecimentos bancários, nomeadamente depósitos bancários, “quando tiver fundadas razões para querer que eles estão relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova”.

10. A apreensão em causa está assim concebida como uma medida cautelar que, sendo meio de obtenção da prova serve, também, quer a finalidade processual penal da descoberta da verdade, quer a finalidade substantiva de conservação de provas e segurança de bens, no sentido de respeito pelo património do ofendido, desde logo, pela consideração da natureza fungível do dinheiro e da facilidade da sua dissipação;

11. Ora, retira-se dos extractos bancários e das diligências subsequentes que a quantia em causa foi efectivamente transferida para a conta bancária sedeada em França e que foi pedida a cooperação policial com vista à sua cativação, pelo que inexiste motivos para que não seja ordenada a pretendida apreensão;

12. Ao não ordenar a apreensão o Mmº JIC prejudicou o direito ao ressarcimento das vítimas, imiscuiu-se na actividade investigatória do Ministério Público, violando o princípio do acusatório e ainda com flagrante violação do disposto nos artºs 178º, nº1 e 181º, nº1, do CPP.

Nestes termos e pelos motivos expostos, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e ordenando a imediata apreensão do saldo de €1.441,00, a executar via emissão de DEI.


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O recurso foi liminarmente admitido.

O Exmo. PGA neste Tribunal emitiu parecer no sentido do integral provimento do recurso, de onde se respiga o seguinte:

«Face à sua eloquência e acerto, mais não nos cumpre se não aderir à motivação do recurso interposto pelo Ministério Público, ao qual nos limitaremos a acrescentar que a pretensão do MP é adequada, proporcional e necessária, tal como explicam os arts 4º e 5º da L. nº 88/2017 de 21/08, relativamente à decisão europeia de investigação em matéria penal, regra geral para a emissão de qualquer DEI, expressamente e especialmente concretizada no Regulamento (UE) 2018/2015 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17/11/2018, relativo ao reconhecimento mútuo das decisões de apreensão e de perda.

Este regulamento tem como finalidade, tal como explica o seu preâmbulo, ponto 4, “assegurar a eficácia da cooperação transfronteiriça para apreender e declarar perdidos os instrumentos e os produtos do crime”, e no ponto 13 do mesmo documento que é o mesmo aplicável a todas as decisões de apreensão e perda emitidas no âmbito do processo penal, não se limitando a incluir as decisões abrangidas pela Directiva 2014/42/EU, ou seja, outros tipos de decisões proferidas sem uma condenação definitiva. Mais se acrescenta no ponto 14 que as infracções penais abrangidas não deverão ficar limitadas aos crimes particularmente graves que tenham uma dimensão transfronteiriça.

As regras são claras – ponto 21 do preambulo do regulamento – dever-se-á zelar pelo respeito dos princípios da necessidade e proporcionalidade, e só deverá ser emitida e transmitida se fosse similarmente realizada em processo penal nacional.

Estão presentes todos os requisitos para que, nas mesmas circunstâncias, fosse decidido apreender ou bloquear uma conta bancária em Portugal, com indícios suficientes da prática do crime, e utilização de meios processual adequado para assegurar um meio de prova, que, ao mesmo tempo, pode ser a forma de garantir a reintegração no património da vítima do valor em que ficou esbulhada.

Saber se a conta em causa está ou não actualmente provida de valor suficiente é questão secundária, e que nem sequer diz directamente respeito ao MMº JIC, que a tal não incumbe indagar.

Termos em que, pelas demais razões eloquentemente alegadas pelo Ministério Público e que, por razões de economia processual, nos dispensamos de reproduzir, também é nosso entendimento que o despacho deve ser revogado e substituído por outro que, como defende o Mº Pº, defira o promovido.

(...)»


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Visto não ter sido, ainda constituído qualquer arguido não foi cumprido o art. 417º, n.º 2 do CPP.

Colhidos os vistos e realizada a conferência cumpre decidir.


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II- Fundamentação.

1.- Despacho recorrido.

«Da promoção para a apreensão do saldo de 1.441,00 da conta sediada em França associada ao IBAN:  ...70, através da emissão de DEI:

Como fundamento do pedido, alega-se que a quantia de €1.441,00, transferida para a referida conta bancária francesa, é produto do crime de burla denunciado nos autos, concluindo-se pela possibilidade da sua apreensão.

Dos autos resulta que o referido valor foi fraudulentamente transferido em 29-12-2023, há mais de oito meses.

Entretanto, na informação da Polícia Judiciária registada a fls. 51 dos autos, menciona-se ter sido accionado o mecanismo de cooperação policial tendo sido solicitado a cativação do referido montante por forma a evitar a dissipação dos fundos, o que significa que as autoridades policiais francesas já tomaram conhecimento dos factos e podem, ou não, ter obtido a colaboração da instituição bancária que, em França, foi depositária daquela transferência.

A Polícia Judiciária, que propôs a DEI, não informou o resultado da solicitada cooperação policial e não indicou como objectivo daquela DEI a apreensão da quantia em causa.

A referida quantia, caso não tenha sido alvo de congelamento, pode ter sido transferida ou levantada pelo destinatário, com ou sem conhecimento da sua proveniência ilícita.

Com os elementos de investigação disponíveis neste momento não se nos afigura possível concluir que o valor transferido em 29-12-2023 para a conta acima identificada integre o saldo actual da mesma conta bancária.

Assim, por insuficientes os indícios e não sendo a referida quantia de especial relevância para a prova (a prova é essencialmente digital), indefere-se a requerida emissão de DEI para a promovida apreensão.

Notifique o Ministério Público e devolva os autos ao DIAP.»


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A anteceder o precedente despacho do Mmº JIC, foi proferido despacho datado de 05.07.2024, com a seguinte promoção.

«Encontram-se em investigação nestes autos factos que, numa análise preliminar e abstrata, são suscetíveis de configurar a prática de um crime abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento qualificado, p. e p. pelo artigo 225.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal e, eventualmente, branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368.º - A, n.º 1, alíneas b), do Código Penal.

Tais autos tiveram início com a denuncia apresentada por AA dando conta, em suma, que indivíduos cuja identidade desconhece acederam ilegitimamente à sua conta bancária aberta no Banco 1... e retiraram da mesma a quantia global de 1.441,00€ que transferiram para a conta francesa com o IBAN  ...70.

O artigo 181.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sob a epigrafe “Apreensão em estabelecimento bancário" estabelece que “O juiz procede à apreensão em bancos ou outras instituições de crédito de documentos, títulos, valores, quantias e quaisquer outros objetos, mesmo que em cofres individuais, quando tiver fundadas razões para crer que eles estão relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, mesmo que não pertençam ao arguido ou não estejam depositados em seu nome”.

No caso dos altos, resulta que a quantia de 1.441,00€ que foi transferida para a conta francesa com o IBAN  ...70 é produto do crime de burla denunciado nos autos, pelo que é possível proceder à sua apreensão.

Face ao exposto, promovo que, nos termos do disposto nos artigos 178.º n.ºs 1, 2 e 3, 181.º n.º 1 e 268.º n.º 1 alínea c), todos do Código de Processo Penal, através da emissão de DEI, nos moldes do prescrito pelo Regulamento (EU) 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018 seja determinada a apreensão à ordem dos presentes autos:

• Do saldo de 1.441,00€, da conta sediada em França associada ao IBAN  ...70 (fls. 35).

Mais promovo que tal pedido de apreensão seja solicitado através do preenchimento da certidão de apreensão, anexa ao referido Regulamento. (…)»


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3. Apreciação do recurso.

De acordo com o entendimento jurisprudencial assente, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso.

No presente recurso a questão suscitada consiste em saber se deve ser ordenada, pelo juiz de instrução, a apreensão de saldo bancário de conta sedeada em França até ao montante da transferência efetuada ilicitamente da conta da ofendida, através da emissão de uma DEI.

O Ministério Público no seu recurso usa os seguintes argumentos, visando o provimento do recurso:

- a decisão do juiz a quo mostra-se desacertada e ilegal, desrespeitando os direitos da vítima ao ressarcimento em processo penal, constituindo ainda uma violação do principio do acusatório, porquanto ao negar a pretensão de apreensão do modo como o fez, o MMº JIC substitui-se ao Ministério Público na condução do inquérito.

- a apreensão de saldos bancários não é apenas um meio de obtenção e conservação de provas, mas também de segurança de bens para garantir a execução, devendo ter lugar quando o Juiz tiver fundados motivos para crer que aqueles saldos se encontram relacionados com a prática do crime.

- sendo certo igualmente que não poderá ser estranha à decisão o fundado risco de que as quantias bancárias cuja apreensão se pretende, possam ser dispersadas.

- em nenhum momento do seu despacho colocou o Senhor Juiz adequadamente em crise os indícios da prática de crimes graves, sendo que a que a exigência constante do artº 181º, do CPP se refere a existência de “suspeita fundada” do cometimento do crime;

- a ponderação extra jurídica que foi efectuada e que lhe permitiu concluir que o valor transferido para a conta sedeada em França já lá se não encontra assenta num exercício de adivinhação e é errada;

- parece que o Senhor Juiz trata o dinheiro como se de coisa infungível fosse; explicamos, segundo o seu raciocínio, não se pode apreender a quantia de € 1.441,00 transferida a 29/12/2023 porque esta já não lá estará;

- esquece-se, todavia, que o dinheiro é coisa fungível e por isso o que se pretende é a apreensão de quantia no valor de €1.441,00 e não aqueles bits e bytes transferidos no dia 29/12/2023;

- A conta estará aprovisionada com aquele valor, tanto quanto sabemos à data, sendo que o Ministério Público carece de despacho judicial que ordene a apreensão, desde logo se comprometendo ao envio de DEI.

- Não se percebe bem como pode o Senhor Juiz de Instrução imiscuir-se no poder-dever de investigação do Ministério Publico, condicionando de forma intolerável o destino do inquérito e o ressarcimento dos ofendidos, e violando o princípio do acusatório.

- no caso em apreço, só há uma decisão certa, que é a da apreensão da quantia produto de atividade criminosa, independentemente da sua concretização efetiva;

- pese embora tenha sido solicitada via cooperação judicial a cativação da quantia de €1.441,00, podem verificar-se, a qualquer momento, circunstâncias supervenientes que na prática obstem à concreta concretização da apreensão, independentes da vontade do Juiz ou da investigação;

- é muito diferente da decisão que ordena a apreensão.

- O instituto processual da apreensão previsto no artigo 181º do CPP tutela a necessidade de recolha e conservação de prova para efeitos de instrução do processo, mas tem igualmente aplicação nas situações em que importa exclusivamente a segurança dos bens apreendidos, tendo em vista a sua disponibilização para efeitos de confisco, ou seja, um meio ao serviço da eventualidade da declaração de perda de instrumentos, produtos e vantagens do crime previstos nos artigos 109º e 110º do C.P.

Vejamos.

Compulsado o despacho sob recurso verifica-se que o Juiz a quo aceita que a quantia de €1.441,00, transferida para a conta bancária francesa identificada foi fraudulentamente transferida em 29-12-2023. Portanto, produto de um crime agora identificado como crime de burla.

Tendo em atenção que a diligência cuja autorização é requerida é para ser executada em França, a pedido de Portugal através de uma DEI[1], cumpre ter em atenção que tipo de apreensão se efetua através de uma DEI, o que passa necessariamente por verificar o que pretende o recorrente com a apreensão do saldo da conta bancária que identificou; ou dito de outro modo, passa por averiguar se a pretendida apreensão visa obter elementos de prova ou conservar prova ou se, diferentemente, visa conservar os ativos provenientes de um facto ilícito típico, não obstante o artigo 178º do CPP preveja a apreensão com um duplo objetivo.

É certo, o recorrente, não é muito assertivo no tipo de apreensão que pretende, embora se possa dizer com alguma segurança, o que emerge da argumentação que fundamenta o presente recurso e do teor da promoção anterior ao despacho em recurso, que a apreensão do referido saldo bancário visa a conservação dos ativos provenientes de um facto ilícito típico.

Com efeito, o recorrente, faz apelo aos direitos da vítima, que não estão em causa por serem em absoluto atendíveis no processo penal, e à apreensão nas “situações em que importa exclusivamente a segurança dos bens apreendidos, tendo em vista a sua disponibilização para efeitos de confisco, ou seja, um meio ao serviço da eventualidade da declaração de perda de instrumentos, produtos e vantagens do crime previstos nos artigos 109º e 110º do C.P”.

Ao que acresce que o Mmo. JIC a quo disse, o que se nos afigura não ser contrariado no presente recurso, que não é «... a referida quantia de especial relevância para a prova (a prova é essencialmente digital) ...».

E o MP no seu recurso não argumentou no sentido de demonstrar que a apreensão pretendida serve fins de prova ou é relevante para efeitos de prova.

Posto isto, concluímos, que a apreensão promovida visa garantir a execução do confisco dos produtos do crime; isto é, trata-se de uma apreensão para efeitos de confisco, pois, dada a fungibilidade do dinheiro a apreensão de uma quantia em dinheiro naquela conta não prova a sua proveniência. O recorrente não deixou de dizer isso mesmo ao referir “o dinheiro é coisa fungível e por isso o que se pretende é a apreensão de quantia no valor de €1.441,00 e não aqueles bits e bytes transferidos no dia 29/12/2023”. E, parece-nos, o JIC a quo argumentou no mesmo sentido.

Impõe-se agora, apurado a finalidade da apreensão, saber se neste caso e com o tipo de apreensão pretendida é aplicável o regime jurídico da emissão, transmissão, reconhecimento e execução de decisões europeias de investigação em matéria penal, que transpõe a diretiva 2014/41/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Abril de 2014, a lei 88/2017[2], de 21 de Agosto, como pretende o recorrente, ou se, pelo contrario, é antes aplicável o Regime Jurídico da Emissão e Execução de Decisões de Apreensão de bens ou elementos de prova da UE emergente da lei n.º 25/2009, de 05 de junho[3], que transpôs a decisão – Quadro n.º 2003/577/JAI do Conselho de 22 de julho de 2003.

Com efeito, se inicialmente o regime da lei 25/2009, de 05 de junho, misturava as duas realidades, a apreensão para efeitos probatórios e a apreensão para efeitos de confisco, com a publicação do regime da lei 88/2017, de 21 de Agosto, a apreensão para efeitos de prova passou a ser regulada pela nova Diretiva e regime jurídico que a transpõe, mantendo-se a decisão quadro e consequente regime jurídico que a transpôs para o ordenamento nacional, apenas para a apreensão para efeitos de confisco, como resulta do artigo 49º[4] do regime da DEI.

Como resulta do Regime Jurídico da Decisão Europeia de Investigação em matéria penal, n.º 1 do artigo 2º da DEI “A DEI é uma decisão emitida ou validada por uma autoridade judiciária de um Estado membro da União Europeia para que sejam executadas noutro Estado membro uma ou várias medidas de investigação específicas, tendo em vista a obtenção de elementos de prova em conformidade com a presente lei”.

E ainda no âmbito deste regime e, nomeadamente no artigo 3º, al. e) desse regime, define-se como «medida de investigação», a diligência ou ato necessário à realização das finalidades do inquérito ou da instrução, destinados à obtenção de meios de prova, e os atos de produção de prova em julgamento ou em fase posterior do processo, ..., nos termos previstos na lei processual penal e demais legislação aplicável.

E do artigo 4º do mesmo regime resulta que a DEI abrange qualquer medida de investigação... e aplica-se à obtenção de novos elementos de prova e à transmissão de elementos de prova na posse das autoridades competentes do Estado de execução, em todas as fases do processo.

A referida diferença de regimes não é inofensiva para efeitos de eleger o instrumento a utilizar. É que como decorre do artigo 32º, n.º 2, parte final do Regulamento (UE) 2018/1805 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 14 de novembro de 2018, as pessoas afetadas devem ser informadas, pelo menos de forma concisa dos motivos da decisão e essas informações devem ser concedidas pelo Estado Emissor ao Estado da execução da medida.

Com efeito, “[a] emissão ou o reconhecimento e execução de uma decisão europeia de apreensão de provas rege-se pela DEI, ao passo que a emissão, ou o reconhecimento e a execução de uma apreensão para futura perda...rege-se pela RJEEDA (art. 49º da DEI).”[5].

Como última nota refira-se que, não obstante, o regime jurídico da DEI conter duas disposições – artigos 38º e 39º - que se debruçam sobre a admissibilidade de ser emitida uma DEI no âmbito de informações sobre contas bancárias e outras contas financeiras e ainda no âmbito de informações sobre operações bancárias e outras operações financeiras, não contempla, contudo, a admissibilidade da emissão de uma DEI para efeitos de apreensão de uma quantia de uma conta bancária.

Concluindo, visto que a apreensão pretendida é uma apreensão de quantia monetária numa conta bancária para futura perda ou confisco, a mesma não se rege pela DEI, mas pela RJEEDA[6] e, portanto, não pode ser emitida uma DEI.

Pelo exposto, o recurso terá de improceder, porquanto a DEI não é o meio próprio para pedir a apreensão de quantia numa conta bancária, com o fim visado, que no caso é a futura perda ou confisco.

É assim de manter a decisão recorrida, ainda que por motivos em parte diversos dos dele constantes.


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III - Decisão.

Acordam os juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto.


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Sem custas por o MP delas estar isento.

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Notifique.

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Acórdão elaborado e revisto pela relatora – art. 94.º, n.º 2 do CPP.

Porto, 27 de novembro de 2024.

[Maria Dolores da Silva e Sousa - Relatora]

[Raul Cordeiro – 1º adjunto]

[Maria dos Prazeres Silva – 2ª Adjunta]



______________________
[1] Decisão Europeia de Investigação em matéria penal
[2] Acessível em: https://dcjri.ministeriopublico.pt/pagina/decisao-europeia-de-investigacao-dei-em-materia-penal
[3] Regime jurídico da “EMISSÃO E EXECUÇÃO DE DECISÕES DE APREENSÃO DE BENS OU ELEMENTOS DE PROVA NA U. E”. Acedido em: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1346&tabela=leis&ficha=1&pagina=1
[4] É revogada a Lei n.º 25/2009, de 5 de junho, que estabelece o regime jurídico da emissão e da execução de decisões de apreensão de bens ou elementos de prova na União Europeia, em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2003/577/JAI do Conselho, de 22 de julho, no que respeita à execução das decisões de apreensão de elementos de prova.
[5] Cfr. Comentário Judiciário, Tomo II, Almedina, 2ª edição, pág. 625.
[6] REGIME JURÍDICO DA EMISSÃO E EXECUÇÃO DE DECISÕES DE APREENSÃO DE BENS OU ELEMENTOS DE PROVA NA U. E.