DELIBERAÇÕES DE ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÕES
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
OBRAS
FRAÇÃO AUTÓNOMA
PARTES COMUNS
REGIME JURÍDICO DA URBANIZAÇÃO E EDIFICAÇÃO
Sumário

I – Do art. 651.º do CPC promana que a junção de documentos, na fase de recurso, sendo excepcional, apenas pode ocorrer nas alegações e depende da alegação e da prova, pelo interessado: (i) ou da impossibilidade de apresentação do documento em momento anterior ao da apresentação do recurso, (ii) ou do facto do julgamento da 1.ª instância ter introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
II – Numa acção em que se impugnam deliberações de uma assembleia de condóminos, não é de admitir a junção de uma acta correspondente a uma nova assembleia de condóminos, realizada após a prolação da decisão final da 1.ª instância, incidindo sobre as mesmas questões da assembleia em litígio, se as deliberações da nova assembleia mais não traduzem do que a reiteração da vontade inserta nas deliberações impugnadas, para mais se elas próprias foram alvo de impugnação autónoma, não se tendo consolidado na ordem jurídica.
III – As obras dos condóminos regem-se pelas previsões normativas relativas ao direito de propriedade – arts. 1305.º e seguintes do Código Civil –, com as especificidades dos n.ºs 2 e 3 do art. 1422.º, sendo que as obras realizadas nas partes comuns do prédio estão sob a alçada do art. 1425.º do Código Civil.
IV – Se os condóminos, proprietários de uma fracção autónoma, não realizaram qualquer obra, tendo a criação/construção das claraboias e da chaminé aí existentes sido realizadas em data anterior à vistoria do prédio para emissão da licença de utilização e à constituição da propriedade horizontal, estando eles convictos, aquando da outorga da escritura definitiva, que essas alterações estavam devidamente legalizadas, não é de aplicar qualquer uma daquelas previsões legais do Código Civil.
V – Tendo o município verificado que aquelas claraboias e a chaminé respeitam as características predominantes nas edificações existentes na envolvente, evidenciando uma correta integração urbana, física e paisagística, não sendo assinalada qualquer questão de segurança, e concluído pela viabilidade do seu licenciamento, não ocorre qualquer violação de normas imperativas do RJUE.
VI – Se o condomínio procedeu ao revestimento da cobertura do edifício com aplicação de painéis de «chapa tipo sandwich» em substituição da telha prevista no projecto, deve ser reposta a situação, de acordo com o material previsto naquele projecto (“telha de barro de capa e caleiro” – i.e., telha cerâmica) e não com a aplicação de outro material, designadamente telha em tela térmica.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (3.ª Secção)[1],

Na acção declarativa de condenação em que são autores AA e BB, e réus Condomínio do prédio sito na Rua ..., Bairro ..., ...; CC; DD; EE, casado com FF, por si, como administrador do condomínio e em representação dos 2.ºs a 6.º réus; GG (entretanto falecido)[2] e esposa HH; II; JJ e esposa KK; foram formulados vários pedidos atinentes à invalidação de deliberações tomadas na assembleia geral de condóminos daquele prédio urbano, realizada em 5 de Julho de 2020 (05-07-2020), bem como pedida a condenação dos réus a reconhecerem que devem ser executadas obras de reposição do telhado em telha com tela térmica, mantendo-se as aberturas das claraboias e a chaminé existentes na fracção autónoma dos autores.


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Alegaram os autores, em síntese, que, naquela data, realizou-se a assembleia geral de condóminos do Condomínio, aqui 1.º réu, cujas deliberações, quanto aos pontos 1., 2. e 5., são objecto da acção de anulação, tendo essa assembleia sido realizada após convocatória datada de 19-06-2020, assinada pelo administrador do condomínio, o aqui 4.º réu, onde apenas estiveram presentes os réus CC, DD, EE, JJ e os autores, não tendo comparecido, nem sido representados os condóminos da fracção correspondente ao 1.º Esq., os 5.ºs réus, GG e HH. Realizada a assembleia de condóminos de 05-07-2020, os autores não receberam nem a minuta, nem o texto final da acta, o que só ocorreu em 29-07-2020, através de carta registada enviada pelo administrador do condomínio, após solicitação do seu envio em 13-07-2020, não tendo o seu teor sido aceite pelos autores. Na sequência do pedido de convocação de uma assembleia geral extraordinária, em 15-07-2020, por parte dos autores, à data da entrada da acção essa assembleia não havia sido realizada. Alegam, ainda, que após a celebração do contrato-promessa de compra e venda do seu apartamento, os autores e a sociedade A... Lda., construtora do imóvel, acordaram e contratualizaram que esta procederia, como procedeu, à execução das seguintes alterações, que, na data da escritura de compra e venda, deviam integrar – como integraram – a fracção dos autores: (i) colocação de três claraboias basculantes com corte de vigas e alargamento para colocação das mesmas; (ii) fornecimento e colocação de uma lareira em tijolo burro com chaminé em tijolo até ao sótão e tampo em madeira. Os autores, logo que foi outorgada a escritura pública, pagaram à construtora o valor daquelas alterações, tendo ficado convictos que as mesmas estavam devidamente legalizadas, uma vez que, aquando da vistoria para a licença de utilização, já se encontravam executadas à vista de toda a gente e não foram alvo de qualquer reparo por parte de comissão de vistoria.

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Realizada audiência de discussão e julgamento, após produção de prova pericial, foi proferida a sentença de 26-02-2024, em que se decidiu:

“a) declarar anuladas as deliberações da Assembleia Geral de 05/07/2020 quanto aos pontos 1. 2. e 5. da ordem de trabalhos.

b) condenar os réus condomínio do prédio, em propriedade horizontal, sito na Rua ..., Bairro ..., ... ...; CC; DD; EE, casado com FF, HH e LL; II; JJ e esposa KK a reconhecerem que os AA., AA e BB, na Assembleia Geral de condomínio de 05-07-2020 votaram contra as deliberações de (a) não serem legalizadas as janelas/aberturas/claraboias existentes no telhado sobre o sótão da sua fração bem como a chaminé da sua lareira, de (b) ser criado um acesso ao telhado pelo interior das escadas e (c) de serem removidas todas as estruturas/construções não presentes na planta original do prédio e sem permissão do condomínio.

c) condenar os réus condomínio do prédio, em propriedade horizontal, sito na Rua ..., Bairro ..., ... ...; CC; DD; EE, casado com FF, HH e LL; II; JJ e esposa KK a reconhecerem que o pagamento que os AA. AA e BB efetuaram referente à sua quota-parte nas obras a realizar no telhado/cobertura do edifício não representa nem significa qualquer aceitação da remoção das claraboias e da chaminé da sua fração predial, mas única e simplesmente aceitação para realização de trabalhos de colocação de telha com tela térmica, de acordo com a atual configuração da cobertura.

d) condenar os réus condomínio do prédio, em propriedade horizontal, sito na Rua ..., Bairro ..., ... ...; CC; DD; EE, casado com FF, HH e LL; II; JJ e esposa KK a reconhecerem que o pagamento que os AA. AA e BB a reconhecerem que devem ser executadas, e a mandarem executar, as obras de reposição da cobertura do telhado, em telha com tela térmica mantendo-se as aberturas das claraboias existentes e a chaminé da fração dos AA., AA e BB”.


*

Não se conformando com a sentença, veio o 1.º réu, Condomínio do prédio, interpor recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões:

(…).


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            Contra-alegaram os autores/recorridos, apresentando as seguintes alegações:

(…).


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· Questão prévia:

Já após a inscrição do processo em tabela, nos termos do n.º 1 do art. 659.º do Código de Processo Civil (CPC), veio o recorrente/Condomínio, através de requerimento de 20-11, p.p., expor, em síntese, que “(…) juntou nas suas alegações um conjunto de documentação emanada em data posterior à sentença proferida em 1.ª instância, pelo que era manifestamente impossível a sua junção antes da sob dita sentença”, designadamente o doc. n.º 5, que constitui “a cópia da adjudicação do licenciamento para cumprimento do deliberado no ponto 2. da ordem de trabalhos”, aduzindo, outrossim, que “em virtude de tal adjudicação, o licenciamento do prédio deu entrada junto da Câmara Municipal ... no dia 29/05/2024, i.e., após a junção aos autos das alegações”, tendo sido “emitido o respectivo alvará no dia 14/11/2024 pela Câmara Municipal ...”.

De harmonia, considera que “o edifício (…) está na presente data de acordo com todas as normas urbanísticas em vigor” pelo que “a sua junção é essencial (…) para a boa decisão da causa, pelo que se requer a V.Exas que se dignem mandar ordenar a junção aos autos ao abrigo do disposto no Art. 6.º, n.º 1 do CPC”.

Apreciando.

Sem prejuízo da avaliação concreta que se fará adiante relativamente à possibilidade de junção de documentação (superveniente) apresentada pelo recorrente com as alegações de recurso, ao abrigo do estatuído no n.º 1 do art. 651.º do CPC, desde já se afirma que o requerimento apresentado em 20-11, p.p., e aqui analisado, carece de qualquer base legal e tem de ser desatendido.

É inequívoco que o processo civil comporta ciclos processuais preclusivos, designadamente no que tange à apresentação de prova documental, apenas estando prevista, em abstracto, a possibilidade de tal junção, na apelação, no momento da apresentação das alegações, o que deflui, de modo cristalino, do art. 651.º, n.º 1, do CPC.

Tal como se explica, de modo lapidar, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-09-2019, Proc. n.º 1238/14.9TVLSB.L1.S2, que aqui se reproduz, na parte relevante, dada a similitude das situações ajuizadas:

“Como resulta do que dispõe o art. 651º, nº1 do CPC, a junção de documentos, em fase de recurso, apenas é consentida com as alegações.

Trata-se, aliás, de um mecanismo de utilização excecional, pois pressupõe a verificação das situações previstas no art. 425º ou que a apresentação do documento se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.

No caso em análise, a junção de novo documento teve lugar, não com o oferecimento das alegações, mas em requerimento posteriormente apresentado pelos recorrentes destinado à retificação de escrita cometidos naquela peça processual.

Conscientes de que aquela norma não dá cobertura à sua pretensão, acolhem-se ao disposto no nº 1 do art. 6º, que impõe ao juiz o dever de uma gestão processual que imprima celeridade à tramitação, recusando o que for impertinente ou dilatório e adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a obtenção, em prazo razoável, da justa composição do litígio.

Pretende-se, pois, obter uma tramitação expedita dentro dos mecanismos previstos na lei, e não a realização de atos não permitidos por lei, como seria a aceitação da prática de ato processual fora do prazo perentório a que está sujeito.

Seria ato não permitido a admissão de documento apresentado depois do prazo legal; sendo a junção de documento possível apenas com a apresentação da alegação de recurso, isso envolve a existência de um prazo perentório, já que se não prevê a possibilidade da sua prorrogação – cfr. art. 141º, nº 1”.[3]

 Ou seja, é claríssimo que a faculdade de junção de documentos na fase recursória é de natureza absolutamente excepcional não podendo ocorrer depois da apresentação das alegações, por a lei não admitir a prorrogação do prazo constante do art. 651.º, n.º 1 do CPC, ao que acresce que essa junção em momento posterior não pode ser permitida nos termos do art. 6.º, n.º 1 do CPC, ao abrigo de um qualquer dever de gestão processual, por este apenas dar guarida a uma tramitação expedita dentro dos mecanismos legais e não à realização de actos processuais não permitidos por lei.

Destarte, por legalmente inadmissível, indefere-se o requerimento de 20-11-24, e ordena-se o desentranhamento e devolução ao recorrente da documentação inserta nesse requerimento, condenando-se o apelante em multa no valor de 1 UC, ao abrigo do estatuído nos arts. 443.º, n.º 1, CPC e 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais (RCP).
· Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, sendo as seguintes as questões a apreciar:

I. Junção de documentos supervenientes (conclusões A a G)

II. Alteração da matéria de facto:

(a) deliberações constantes da acta n.º 23 (conclusões K a S);

(b) ofícios da Câmara Municipal ..., juntos com o requerimento de 28-05-2021 (conclusões T a W);

(c) material licenciado para a cobertura do edifício (conclusões X a FF).

III. Violação dos arts. 102.º e 102.º-A do DL n.º 555/99, de 16-12 (Regime Jurídico das Edificações Urbanas – RJUE) (conclusões FF a JJ).

IV. Violação dos arts. 1420.º, 1432.º, n.º 2 em conjugação com os arts. 1430.º, n.º 2 e 1418.º, n.º 1, do Código Civil (conclusões KK a OO).


*

A. Fundamentação de facto.

Na sentença impugnada considerou-se a seguinte matéria de facto provada e não provada, que se transcreve:

(…).


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            B. Fundamentação de Direito.

Verificada a factualidade supra narrada, analisemos, então, as várias questões que o recurso do Condomínio do prédio sito na Rua ..., Bairro ..., ..., concita:

I.  Junção de documentos supervenientes.

Pretende o recorrente que sejam juntos ao processo, nesta fase recursal, vários documentos que anexou à apelação – “cópia da convocatória para a assembleia de condóminos do dia 31 de Março de 2024 – cfr. doc. n.º 1, cópia notificação da convocatória expedida para os AA – cfr. doc. n.º 2, cópia comunicação expedida pelos AA a informar que não conseguiam estar presentes na sob dita assembleia, cfr. doc. n.º 3, cópia acta n.º 24 referente à assembleia de condóminos de 31 de Março de 2024 – cfr. doc. n.º 4, cópia da adjudicação do licenciamento para cumprimento do deliberado no ponto 2. da ordem de trabalhos – cfr. doc. n.º 5, cópia do comprovativo de notificação da acta n.º 24 aos AA – cfr. doc. n.º 6” –  por serem essenciais para a boa reapreciação da causa, desde logo, por fazer cessar qualquer dúvida quanto à vontade dos condóminos quanto ao licenciamento integral e sem reservas do prédio.

Cumpre apreciar.

O art. 652.º do CPC estabelece que “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

No que concerne à junção de documentos na fase recursal importa atender às disposições legais contidas nos arts. 423.º, 425.º e 651.º do CPC.

O art. 423.º do CPC contém a seguinte disciplina:

1. Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.

2. Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.

3. Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”.

Por seu turno, o art. 651.º, n.º 1, do CPC preceitua: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.”.

Finalmente, o art. 425.º do CPC estipula: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”.

Da leitura concatenada dos arts. 425.º e 423.º do CPC emerge que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com os articulados ou, no máximo, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final. Após este limite “só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.

Do art. 651.º do CPC promana que a junção de documentos, na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova, pelo interessado nessa junção, de uma de duas situações: (i) a impossibilidade de apresentação do documento em momento anterior ao apresentação do recurso; (ii) o julgamento da 1.ª instância ter introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.[4]

Em anotação àquele preceito legal Abrantes Geraldes escreve:

“1. A junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1.ª instância, regime que se compreende, na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica. A lógica imporia até que fosse ainda mais limitada a possibilidade de junção de documentos fora dos articulados, para melhor satisfação dos objetivos de celeridade.

O legislador, porém, através da norma do art. 423.º, legitima a junção de documentos até 20 dias antes da data da realização da audiência final, ainda que com o pagamento de multa. Depois disso, apenas podem ser juntos documentos nas condições previstas no n.º 3 do art. 423.º.

2. Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva).

Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este seja de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.

A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.

A junção de certos documentos poderá ainda verificar-se quando se mostre necessária para justificar a oportunidade de interposição do recurso (art. 638.º) ou o pressuposto processual da legitimidade extraordinária de que goze o recorrente (art. 631.º, n.º 2). E é claro que deve sempre considerar-se a oportunidade e a necessidade de junção do acórdão-fundamento nos casos a que se reporta o art. 637.º, n.º 2.”.[5]

Como se consignou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-09-2016, Proc. nº 1203/14.6TBSTS.P1: “A junção de documentos com as alegações de recurso é, na verdade, excepcional, desde logo porque, ainda que se impugne a matéria de facto, não visa esta provocar um segundo julgamento pelo Tribunal da Relação, nem os julgamentos podem ser prolongados «ad infinitum», nem o contraditório pode assumir na fase de recurso a mesma dimensão que tem numa audiência de discussão e julgamento, com a imediação que esta proporciona e com todas as virtualidades que a discussão que, no seu âmbito, se desenrola, permite.”

            Por seu turno, ainda a respeito do art. 651.º do CPC, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, anotam:

            “1. No recurso de apelação, é legítimo às partes fazer acompanhar as alegações de documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva) ou quando tal apresentação apenas se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido. A jurisprudência tem entendido, de modo uniforme, que não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.

2. No que tange à parte final do n.º 1, tem-se entendido que a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância  criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam (STJ 26-9-12, 174/08, RP 8-3-18, 4208/16 e RL 8-2-18, 176/14) (…)”.[6]

Ou seja, depois do encerramento da audiência final, e em caso de recurso, a junção de documentos é mais restritiva e excepcional, apenas sendo admitidos com as alegações os documentos cuja apresentação não tinha sido possível até àquele momento ou quando a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.[7]

            Feitas estas observações, o que o recorrente pretende, fundamentalmente, é juntar ao processo, nesta fase recursória, a acta n.º 24 da assembleia de condóminos de 31-03-2024, ocorrida depois do julgamento e após a prolação da 1.ª instância – i.e., 26-02, p.p. –, tendo-se os recorridos insurgido contra essa possibilidade, porquanto, entre o mais, as deliberações constantes daquela acta foram por si impugnadas, nos termos do disposto no art. 1433.º, n.º 2, do Código Civil.

Repare-se que a serem admitidos documentos que só posteriormente podem ser apresentados (como seria o caso) é pressuposto dessa faculdade que apenas os documentos são supervenientes, não o facto que eles se destinam a provar.

Ora, no caso em apreço, não é isso que sucede e os documentos que o recorrente pretende agora juntar, v.g., a acta n.º 24, mais não consubstanciam que a criação de um facto novo que não existia à data do julgamento e, por isso, não podia ser dado como provado.

Conforme escrevem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “o julgamento da Relação não pode ter por objecto factos novos, factos que não puderam ser considerados pelo juiz do tribunal a quo”.[8]

De igual modo, Rui Pinto, efectuando uma interpretação sistemática do actual regime de recursos, que qualifica como um regime de reponderação e não de reexame, igualmente entende que, em regra, “o acórdão da Relação deve ser elaborado de modo que corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão em primeira instância, sem admissão de factos supervenientes”.[9]

            Como é ostensivo não faria qualquer sentido admitir a junção dos documentos agora apresentados pelo recorrente, maxime da acta n.º 24, uma vez que as deliberações vertidas nessa acta – correspondente, repete-se, a uma assembleia de condóminos realizada posteriormente à prolação da decisão final da 1.ª instância –, além de já estarem impugnadas pelos recorridos, mais não traduzem do que uma reiteração da vontade inserta nas deliberações impugnadas neste processo, sendo disso exemplo o exarado no ponto 3: “Em virtude do deliberado no ponto 2. da ordem de trabalhos, o ponto 3 da ordem de trabalhos ficou irremediavelmente prejudicado, i.e., foi deliberado por todos os condóminos presentes não executar qualquer obra indicada na sentença não transitada, porque o prédio dela não necessita, não era e não é a vontade atual dos condóminos. Além do mais foi afirmado por todos os condóminos que a telha com tela térmica não existe no mercado não existe no mercado e muito menos era esse o material licenciado do prédio. / Em relação a deixar os buracos abertos das claraboias não parece ser algo que o município aceite visto não garantir a estanquicidade da cobertura.” (sic).

            Na mesma linha de entendimento antes desenvolvida, escreveu-se no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-02-2024, Proc. n.º 2749/19.5T8PTM.L1.S1: “Salvo se houver acordo das partes na sua inclusão no objeto do processo, nos termos do artigo 264.º do Código de Processo Civil, não se encontra, pois, prevista no atual regime processual civil, a possibilidade de serem alegados, na fase de recurso de apelação, factos supervenientes ao encerramento da audiência de julgamento em 1.ª instância, relativos à relação jurídico-material, o que não significa que não possam ser alegados factos supervenientes que determinem a inutilidade do recurso ou da lide, que respeitem à verificação de pressupostos processuais que ainda possam ser conhecidos nessa fase ou que sejam factos notórios ou do conhecimento funcional”.

            Além do que antes se exarou, a admissibilidade de junção desse(s) documento(s) mais não seria do que uma forma de evitar o cumprimento do judicialmente determinado pela 1.ª instância – sem prejuízo do direito ao recurso que assiste ao recorrente –, sendo certo que tendo sido impugnadas as deliberações da acta n.º 24 as mesmas não se consolidaram na ordem jurídica.

            Em consonância, por extemporaneidade e inadmissibilidade legal, nos termos concertados dos arts. 651.º, nº 1, 425.º e 443.º do CPC, indefere-se a requerida junção de documentos, devendo os mesmos ser desentranhados e devolvidos ao apresentante, condenando-o no pagamento da taxa de justiça de 1UC a título de custas pelo incidente, nos termos dos arts. 443.º, n.º 1, 527.º, n.º 1, do CPC e 7.º do RCP (cf. tabela II).

II. Alteração da matéria de facto.

Passemos, então, a analisar a 2.ª questão do recurso, atinente ao pedido de alteração da matéria de facto.

 Resulta do estatuído no art. 607.º, n.º 5, do CPC, que o tribunal aprecia livremente as provas, fixando a matéria de facto de acordo com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada: trata-se da consagração do sistema misto de valoração probatória, que conjuga o princípio da livre valoração da prova, com um catálogo de excepções atinentes à prova legal ou tarifada.

Nos termos do n.º 1 do art. 662.º do CPC, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Afirma Abrantes Geraldes que o citado art. 662.º do CPC representa uma viragem em matéria de poderes do Tribunal da Relação no âmbito da decisão da matéria de facto, “fica[ndo] claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.[10]

É hoje consensual que na tarefa de reapreciação da decisão de facto impugnada, a cabo do Tribunal da Relação, este não se deve cingir à constatação da existência de erro notório na apreciação do tribunal a quo, mas reanalisar os pontos de facto impugnados, a fim de formar a sua própria convicção.

Na impugnação da matéria de facto, para efeitos recursórios, o recorrente tem os seguintes ónus, emergentes do n.º 1 do art. 640.º do CPC:

1) Indicação motivada dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando-os nas conclusões) – alínea a);

2) Especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c).

Está aqui em causa, como sublinha António Abrantes Geraldes[11], o “princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” reunindo “a definição do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado pretendido)”.

Com este regime, pretende-se que seja rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem em abstracto contra a decisão da matéria de facto, devendo ser especificados os exactos pontos da matéria de facto que foram erradamente decididos, e indicados, também com precisão, os factos que se considera deverem ser dados como provados.

Isto dito, compulsadas as alegações e conclusões do recorrente, considera-se que o mesmo deu cumprimento mínimo às exigências processuais decorrentes do art. 640.º, n.º 1, do CPC – pese embora não seja verdadeiramente indicada a decisão alternativa para os factos dados como provados na 1.ª instância… –, passando-se, assim, a analisar o recurso da matéria de facto, tal como ele vem gizado, analisando-se (a) as deliberações constantes da acta n.º 23 (conclusões K a S), (b) os ofícios da Câmara Municipal ..., juntos com o requerimento de 28-05-2021 (conclusões T a W), (c) o material licenciado para a cobertura do edifício (conclusões X a FF).

Vejamos, então:
(a) As deliberações constantes da acta n.º 23 (conclusões K a S),

Entende o recorrente, em síntese, que o tribunal a quo “somente considerou a acta n. º 23 (doc. n.º 11 da Contestação) no que concerne aos pedidos formulados pelos AA e não na sua totalidade”, e que “da prova documental junta (fotocópia ata n.º 23 de fls. 108 a 109v) terá que constar como provado que os condóminos deliberaram o licenciamento do prédio na sua totalidade e nas condições existentes à data, isto sem prejuízo, de terem voltado a deliberar sobre o assunto na acta n.º 24 – vd. docs. n.º 1 a 5 agora juntos” (sic), uma vez que aquele documento foi aceite pelos autores e as deliberações constantes dessa acta n.º 23 não foram judicialmente impugnadas.

E conclui: “Assim sendo, a sentença recorrida na alínea d) deverá ser substituída por outra que se coadune com as deliberações adoptadas pelos condóminos na acta n.º 23 (pontos 4., 8 e 9 da ordem de trabalhos)”.

Responderam os recorridos que na indicada acta n.º 23, respeitante à assembleia de condóminos que teve lugar dia 08-11-2021, o autor/recorrido, disse, expressamente, que não prescindia dos pedidos de anulação feitos na presente acção, não obstante os restantes condóminos presentes terem deliberado anular todas as deliberações da Assembleia de Condóminos do dia 05-07-2020, sempre com os votos contra dos recorridos, tendo declarado que “não prescindiam dos pedidos formulados na presente acção”. Mais expressaram que o seu sentido de voto, naquelas deliberações, não representou qualquer desistência dos pedidos formulados nesta acção e, quanto às deliberações ali tomadas, tratando-se de direitos litigiosos, deviam ser decididos judicialmente, reafirmando, o autor, na mesma acta, que esta acção constitui causa prejudicial a tudo quanto sobre a matéria da mesma foi deliberado na assembleia de condóminos de 08-11-2020. Por conseguinte, nunca as deliberações da acta em questão poderão contender com os pedidos formulados na presente acção, dadas as ressalvas nela declaradas pelo autor/recorrido quanto à existência, manutenção e não desistência, da presente acção, já então em curso.

Apreciando.

Esta questão está condenada ao fracasso, desde logo, porque, quanto às deliberações vertidas na acta n.º 24, referentes à assembleia extraordinária de condóminos datada de 31-03-2024, a mesma foi desconsiderada pelos motivos já antes expostos.

No mais, o tribunal a quo, no seu despacho de 26-05-2022, consignou e decidiu, por despacho há muito transitado em julgado:

“Por requerimento de 28.05.2021, vieram os Réus, entre o mais, requerer a extinção dos presentes autos pela sua inutilidade superveniente, nos termos do disposto no artigo 277º, alínea a), do Código de Processo Civil, por terem sido, em nova Assembleia de Condóminos, realizada a 08.11.2020, anuladas todas as deliberações da assembleia de 05.07.2020 (à excepção da relativa a alteração da conta bancária do condomínio), objecto dos presentes autos. (…) Aqui chegado e analisada a causa de pedir versada na petição inicial, assim como os pedidos deduzidos a final, espelhados no objecto do litígio fixado por despacho de fls. 114v e 115, entende-se que a discussão nos presentes autos não se limitará, salvo melhor opinião, à validade das deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos, por respeito ou não das formalidades exigidas./ Destarte, os Autores defendem ainda que as deliberações tomadas - designadamente, no que respeita à remoção das claraboias e desactivação da chaminé que beneficiam a sua fracção – violam o seu direito de propriedade sobre essas mesmas estruturas, alegadamente constituído por usucapião./ Mais a mais, conforme referido pelos Autores na sua resposta, para além do pedido de anulação das deliberações da Assembleia de Condóminos, de 05.07.2022, formulam os pedidos das alíneas h) e j), nos termos dos quais, pedem que os Réus sejam condenados a reconhecer que o pagamento que efectuaram referente à sua quota-parte nas obras a realizar no telhado/cobertura do edifício não representa nem significa qualquer aceitação da remoção das claraboias e da chaminé da sua fracção predial, mas única e simplesmente aceitação para a realização de trabalhos de colocação de telha com tela térmica, de acordo com a actual configuração da cobertura. Mais pedem que sejam os Réus condenados a reconhecerem que devem ser executadas, e a mandarem executar, com a maior urgência, as obras de reposição da cobertura do telhado, em telha com tela térmica mantendo-se as aberturas das claraboias existentes e a chaminé da fracção dos Autores./ Dito isto, entende-se que a presente lide não perdeu utilidade com as deliberações da Assembleia de Condóminos de 08.11.2020, pelo que se julga improcedente o requerido pelos Réus. (…)”.

Acresce, ademais, que consta da acta n.º 23, quanto aos pontos 3. e 4.:

 

            Quanto ao ponto 5., relativo, entre o mais, à votação da legalização junto da Câmara Municipal das claraboias e chaminé, utilizadas pelo 2.º direito, e cobertura em chapa sandwich:
Quanto ao ponto 6:
E quanto aos pontos 8. e 9.:

Por fim, o exarado na alínea d) da sentença recorrida, onde se decidiu condenar os réus “(…) a reconhecerem que o pagamento que os AA. AA e BB a reconhecerem que devem ser executadas, e a mandarem executar, as obras de reposição da cobertura do telhado, em telha com tela térmica mantendo-se as aberturas das claraboias existentes e a chaminé da fração dos AA., AA e BB” ) (sic), nada tem a ver com a impugnação da matéria de facto, mas sim com a apreciação do mérito da causa, improcedendo, assim, esta questão do recurso.

(b) ofícios da Câmara Municipal ..., juntos com o requerimento de 28-05-2021(conclusões T a W).

Quanto a esta questão do recurso da matéria de facto, pretende o recorrente que “deveria ser dado como facto provado a obrigatoriedade da regularização da situação factual existente à data da sentença, referente à cobertura do telhado, aberturas das claraboias existentes e a chaminé da fração dos AA de acordo com o projecto válido e em vigor, com respeito pela legislação urbanística”, aduzindo, em síntese, que a sentença recorrida “(…) não teve em consideração a posição da entidade responsável pela aprovação e fiscalização (Câmara Municipal ...) expressada no teor dos ofícios da Câmara Municipal ... juntos através de requerimento junto aos autos no dia 28/05/2021, com a referência 1750202 (…)” (sic).

Os recorridos responderam no sentido da sentença recorrida ter respeitado a posição da Câmara Municipal ..., ao determinar, designadamente, que “(…) a reposição da cobertura do telhado terá de respeitar o licenciamento em vigor. (…)”.

Apreciando.

Como antes se aduziu, segundo o disposto no art. 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

In casu, e apesar do recorrente apenas mencionar, de modo parcelar, nas suas conclusões, o teor da documentação apresentada com o seu requerimento de 28-05-2021, anota-se que, efectivamente, lidos os factos que o tribunal a quo considerou provados, foi omitida qualquer referência àquela documentação.

Ademais, não tendo aqueles documentos sido impugnados pelos autores e tendo sido admitida a sua junção no despacho de 24-06-2021 – deverá ser aditada à matéria de facto provada, a factualidade deles emergente:

48. Os autores dirigiram ofício à Câmara Municipal ..., datado de 20-04-2020, sob o assunto “Obras em telhado em prédio urbano”, mencionando, além do mais, que a telha do imóvel licenciada à data da construção (1994/95) era de cerâmica e que “o edifício passou a ter uma cobertura de placa sanduiche canelada, tipo armazém, em 2012”, pedindo a final: “Pelo exposto, solicitamos uma vistoria/inspecção a todas as fracções deste edifício, no sentido de serem detectadas eventuais anomalias, para clarificar as de que o Administrador nos acusa falsamente de termos provocado no seu andar, bem como obrigar o condomínio a repor telha de cerâmica licenciada na planta para o imóvel, para devolver o prédio a cobertura de harmonia com a dos imóveis que nos circundam”.[12]

49. O Município ... remeteu, ao Condomínio, ofício com a referência “Nº Requerimento: 04-2020 /7532 de 22/04/2020”, sob o assunto “Notificação para reposição da legalidade urbanística”, assinado pelo Presidente da Câmara Municipal, com o seguinte teor:[13]

50. O Condomínio respondeu àquela notificação, em 28-20-2020, juntando a essa resposta a acta da assembleia de condóminos n.º 22, de 05-07-2020, objecto da presente acção.[14]

51. O Município ... remeteu, ao administrador do Condomínio, ofício com a referência “Nº Requerimento: 04-2020 /19431 de 28/10/2020”, sob o assunto “Pedido de Elementos”, assinado pelo Chefe de Divisão, Planeamento, Obras e Urbanismo, com o seguinte teor:[15]

52. O Município ... remeteu, ao administrador do Condomínio, ofício com a referência “Nº Requerimento: 04-2020 /14093 de 11/08/2020”, sob o assunto “Legalização de Obras”, assinado pelo Chefe de Divisão, Planeamento, Obras e Urbanismo, com o seguinte teor:[16]

53. Da “Informação Técnica”, assinada em 12-03-2021, que acompanhava o ofício referido supra, constava, além do mais:

54. O administrador do Condomínio dirigiu ofício ao Presidente da Câmara Municipal ..., datado de 13-11-2020, sob o assunto “Pedido de esclarecimentos / parecer camarário”, aludindo ao processo sub judice, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.[17]

55. O Município ... remeteu, ao administrador do Condomínio, ofício com a referência “Nº Requerimento: 03-2020 /21016 de 13/11/2020”, sob o assunto “Para conhecimento”, assinado pelo Chefe de Divisão, Planeamento, Obras e Urbanismo, com o seguinte teor:[18]

56. Da “Informação Técnica”, assinada em 12-01-2021, que acompanhava o ofício referido supra, constava, além do mais:

57. O administrador do Condomínio dirigiu ofício ao Presidente da Câmara Municipal ..., datado de 16-12-2020, sob o assunto “Comunicação de obra ilegal”, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.[19]

58. O Município ... remeteu, ao administrador do Condomínio, ofício com a referência “Nº Requerimento: 03-2020 /23208 de 16/12/2020”, sob o assunto “Pedido de elementos”, assinado pelo Chefe de Divisão, Planeamento, Obras e Urbanismo, com o seguinte teor:[20]

59. Da “Informação Técnica”, assinada em 28-04-2021, que acompanhava o ofício referido supra, constava, além do mais:

Nesta consonância, a questão do recurso da matéria de facto em apreço – ainda que com um alcance diverso do invocado pelo recorrente –, procede nos termos expostos, sendo aditados à factualidade provado os pontos de facto n.ºs 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58 e 59, acima indicados.

(c) material licenciado para a cobertura do edifício (conclusões X a FF).

Ainda no âmbito da matéria de facto, considera o recorrente que o tribunal a quo não fundamentou o porquê de ter condenado os réus a “mandarem executar, as obras de reposição da cobertura do telhado, em telha com tela térmica mantendo-se as aberturas das claraboias existentes e a chaminé da fração dos AA.”, quando consta da fundamentação da sentença que “resulta do relatório pericial e do depoimento da testemunha MM, engenheiro civil, em exercício de funções na Câmara Municipal ... que afirmou ainda que no projecto inicial estava prevista a colocação de telha cerâmica no telhado, pelo que sem haver novo licenciamento o telhado tem de ser colocado em telha” e não “em telha com tela térmica”.

Os recorridos responderam considerando que não assiste razão ao recorrente, sustentando que a “telha térmica é energeticamente mais eficiente, conforme é reconhecido pela sua certificação nacional e europeia e a vontade dos condóminos foi adquirir a telha que chegou a estar adjudicada”, além que “do depoimento das testemunhas, nomeadamente dos técnicos da Câmara Municipal ..., inquiridos em audiência de julgamento, resulta evidente que a cobertura do telhado tem de ser em telha e não em chapa sanduiche como pretendia o recorrente”.

Apreciando.

A este respeito importa recordar que, no que tange à questão da cobertura do edifício, ficou consignado na fundamentação da sentença:

“MM, engenheiro civil, em exercício de funções na Câmara Municipal ..., esclareceu que se deslocou ao local a pedido do A.. Elucidou o Tribunal que (…) no projecto inicial estava prevista a colocação de telha cerâmica no telhado, pelo que sem haver novo licenciamento o telhado tem de ser colocado em telha”. (…)

“NN, arquitecto, de forma objectiva e clarividente, referiu ter-se deslocado ao local em conjunto com MM, tendo constatado que a cobertura do telhado se mostrava em painel sanduiche onde deviam estar telhas, afirmando desconhecer se alterações posteriores ao projecto inicial, no entanto, o documento final da obra não reflecte o que se verifica no local”. (…)

“Nesse tocante cumpre desde logo salientar que o Tribunal conjugando as declarações prestadas pelas partes com o que resulta dos documentos juntos aos autos, designadamente, as actas das assembleias de condóminos e ainda as regras da experiência comum resulta provado que no que tange ao pagamento que os AA. efetuaram referente à sua quota-parte nas obras a realizar no telhado/cobertura do edifício, tal não representou nem significou qualquer aceitação da remoção das claraboias e da chaminé da sua fração predial, mas única e simplesmente aceitação para realização de trabalhos de colocação de telha com tela térmica, de acordo com a atual configuração da cobertura. Recorde-se que fora pelo Réu EE reconhecido que “chegaram a ter a telha adjudicada” (sublinhados nossos).[21]

Não obstante o exarado na fundamentação de facto da sentença e para lá da reprodução dos depoimentos antes assinalados, a verdade é que, tendo-se pronunciado expressamente sobre a questão, o tribunal a quo não indicou no elenco da factualidade provada, qualquer ponto de facto atinente às características da cobertura/telhado do edifício.

Acresce que, além de tal matéria estar admitida por acordo das partes, emerge da verificação das fotografias insertas no processo, das plantas de arquitectura e da leitura da informação técnica do Município ...[22] – em conjugação com as aludidas passagens da prova relativas às testemunhas MM e NN –, que devem ser aditados à factualidade provada, ex vi do n.º 1 do art. 662.º do CPC, os seguintes factos:

60. O projecto da cobertura do edifício previa a colocação de “telha de barro de capa e caleiro” (telha cerâmica).

61. O revestimento da cobertura do edifício foi feito com aplicação de painéis de chapa tipo sandwich em substituição da telha prevista no projecto.

Nesta consonância, procede parcialmente esta questão recursiva, sendo aditados à factualidade provada os pontos de facto n.ºs 60 e 61, acima indicados.


*

Definida a matéria de facto a atender, analisemos, agora, o recurso do recorrente atinente à matéria de direito.

III. Violação dos arts. 102.º e 102.º-A do DL n.º 555/99, de 16-12 (Regime Jurídico das Edificações Urbanas – RJUE) (conclusões FF a JJ)

Entende o recorrente que a sentença proferida viola os arts. 102.º e 102.º-A do DL n.º 555/99, de 16-12, que aprova o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), não se conformando com o dever de respeitar a legalidade urbanística.

Aduz, em concreto, que “o Tribunal a quo a sentenciar a execução de uma obra distinta da constante do licenciamento válido e em vigor junto da Câmara Municipal está, salvo melhor opinião, “a compelir” os RR. à prática de actos (realização de uma obra) que vai acarretar para si responsabilidade criminal civil, nos termos do Arts. 100º e 100º-A do DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que aprova o Regime Juridico da Urbanização e Edificação. / Por conseguinte, deverá o Tribunal, caso venha a optar pela condenação na realização de obras, as mesmas terão que ser sempre de acordo com o projecto arquitetónico válido e em vigor da Câmara Municipal ..., para cumprimento do RJUE” (sic).

Por sua vez, os recorridos entendem que não ocorre qualquer violação daqueles preceitos legais, sustentando que “a decisão civilista não se confunde com as regras administrativas que presidem ao direito urbanístico, o qual, no entanto, é salvaguardado na douta sentença recorrida”.

Apreciando.

O DL n.º 555/99, de 16-12, veio estabelecer o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, abreviadamente RJUE, tendo sido já objecto de múltiplas alterações legislativas, a última das quais operada pelo DL n.º 43/2024, de 02-07.

No que concerne aos preceitos legais especificamente indicados pelo recorrente, regem os mesmos o seguinte:

(i) Art. 102.º do RJUE, titulado “Reposição da legalidade urbanística:

“1. Os órgãos administrativos competentes estão obrigados a adotar as medidas adequadas de tutela e restauração da legalidade urbanística quando sejam realizadas operações urbanísticas:

a) Sem os necessários atos administrativos de controlo prévio;

b) Em desconformidade com os respetivos atos administrativos de controlo prévio;

c) Ao abrigo de ato administrativo de controlo prévio revogado ou declarado nulo;

d) Em desconformidade com as condições da comunicação prévia;

e) Em desconformidade com as normas legais ou regulamentares aplicáveis.

2. As medidas a que se refere o número anterior podem consistir:

a) No embargo de obras ou de trabalhos de remodelação de terrenos;

b) Na suspensão administrativa da eficácia de ato de controlo prévio;

c) Na determinação da realização de trabalhos de correção ou alteração, sempre que possível;

d) Na legalização das operações urbanísticas;

e) Na determinação da demolição total ou parcial de obras;

f) Na reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes do início das obras ou trabalhos;

g) Na determinação da cessação da utilização de edifícios ou suas frações autónomas.

3. Independentemente das situações previstas no n.º 1, a câmara municipal pode:

a) Determinar a execução de obras de conservação necessárias à correção de más condições de segurança ou salubridade ou à melhoria do arranjo estético;

b) Determinar a demolição, total ou parcial, das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública e segurança das pessoas.

4 – 8 [Revogados].

(ii) Art. 102.º-A do RJUE, epigrafado “Legalização”:

“1. Quando se verifique a realização de operações urbanísticas ilegais nos termos do n.º 1 do artigo anterior, se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares em vigor, a câmara municipal notifica os interessados para a legalização das operações urbanísticas, fixando um prazo para o efeito.

2. O procedimento de legalização deve ser instruído com os elementos exigíveis em função da pretensão concreta do requerente, com as especificidades constantes dos números seguintes.

3. A câmara municipal pode solicitar a entrega dos documentos e elementos, nomeadamente os projetos das especialidade e respetivos termos de responsabilidade ou os certificados de aprovação emitidos pelas entidades certificadoras competentes, que se afigurem necessários, designadamente, para garantir a segurança e saúde públicas.

4. Para efeitos do disposto no número anterior, é dispensada, nos casos em que não haja obras de ampliação ou de alteração a realizar, a apresentação dos seguintes elementos:

a) Calendarização da execução da obra;

b) Estimativa do custo total da obra;

c) Documento comprovativo da prestação de caução;

d) Apólice de seguro de construção;

e) Apólice de seguro que cubra a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho;

f) Títulos habilitantes para o exercício da atividade de construção válidos à data da construção da obra;

g) Livro de obra;

h) Plano de segurança e saúde.

5. Pode ser dispensado o cumprimento de normas técnicas relativas à construção cujo cumprimento se tenha tornado impossível ou que não seja razoável exigir, desde que se verifique terem sido cumpridas as condições técnicas vigentes à data da realização da operação urbanística em questão, competindo ao requerente fazer a prova de tal data.

6. O interessado na legalização da operação urbanística pode solicitar à câmara municipal informação sobre os termos em que esta se deve processar, devendo a câmara municipal fornecer essa informação no prazo máximo de 15 dias.

7. Os municípios aprovam os regulamentos necessários para concretizar e executar o disposto no presente artigo, devendo, designadamente, concretizar os procedimentos em função das operações urbanísticas e pormenorizar, sempre que possível, os aspetos que envolvam a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, em especial os morfológicos e estéticos.

8. Nos casos em que os interessados não promovam as diligências necessárias à legalização voluntária das operações urbanísticas, a câmara municipal pode proceder oficiosamente à legalização, exigindo o pagamento das taxas fixadas em regulamento municipal.

9. A faculdade concedida no número anterior apenas pode ser exercida quando estejam em causa obras que não impliquem a realização de cálculos de estabilidade.

10. Caso o requerente, tendo sido notificado para o pagamento das taxas devidas, não proceda ao respetivo pagamento, é promovido o procedimento de execução fiscal do montante liquidado.

11. A legalização oficiosa tem por único efeito o reconhecimento de que as obras promovidas cumprem os parâmetros urbanísticos previstos nos instrumentos de gestão territorial aplicáveis, sendo efetuada sob reserva de direitos de terceiros”.

Como observam Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes, em anotação ao art. 102.º do RJUE:[23]

“No elenco dos objetos possíveis das medidas de tutela da legalidade temos tanto a indicação de ilegalidades formais, que não obtiveram à data da sua prática o respetivo ato de controlo preventivo ou a respetiva comunicação, como de ilegalidades materiais, que redundam na violação de normas substantivas. É possível, ainda, que uma mesma situação revele estes dois tipos de ilegalidades: uma “construção clandestina” em desconformidade com o disposto no plano diretor municipal aplicável.

São ilegais, nos termos deste artigo, as operações urbanísticas levadas a cabo:

a) Sem os necessários atos administrativos de controlo prévio;

b) Em desconformidade com os respetivos atos administrativos de controlo prévio;

c) Ao abrigo de ato administrativo de controlo prévio revogado ou declarado nulo;

d) Em desconformidade com as condições da comunicação prévia;

e) Em desconformidade com as normas legais ou regulamentares aplicáveis”.

Por sua vez, ao anotarem o art. 102.º-A do RJUE, as citadas autoras referem: “(…) [A] legalização é um mecanismo de reposição da legalidade que deve ser sempre avaliado - e, se necessário, em vários momentos (antes e depois da determinação de uma ordem de demolição, sobretudo quando haja alteração de dados de facto ou de direito que o imponham)./ Assim, se em qualquer um destes momentos se colocar a questão da conformação da legalidade de uma obra com as condicionantes legais e regulamentares que lhe são aplicáveis, deve a Administração suspender ou cessar os procedimentos de adoção de medidas de tutela da legalidade em curso que sejam mais restritivos, como a demolição, e explorar a via da legalização./ Não queremos com isto dizer que não seja possível, em qualquer caso, o recurso à demolição, já que esta deve ser de facto ordenada e executada quando não for possível assegurar a conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis (…)”.

E, mais adiante aduzem: “A noção de legalização é um conceito genérico equivalente à reposição da legalidade no caso concreto, já que pode depender do desencadear de procedimentos de vária ordem, tendo em consideração os motivos aos quais se liga a operação urbanística ilegal: ou o início de um procedimento de legalização da edificação, ou um pedido de alteração à licença ou comunicação prévia (artigo 105.°, n.º 5); ou a realização de trabalhos de correção ou alteração da obra (artigo 105.°, n.° 1). Casos haverá ainda em que é dúbio se nos encontramos perante uma obra ilegal, por o interessado alegar que a mesma foi construída em data anterior à entrada em vigor do Regime Geral das Edificações Urbanas. Neste caso, haverá que indagar da veracidade de tal afirmação, seja pela exigência de que o particular apresente todos os dados concretos que permitam firmar a antiguidade do edifício (normalmente o registo predial, o cadastro, títulos de propriedade, fotografias), seja pela análise – sempre dentro das possibilidades técnicas dos serviços municipais – das características construtivas do imóvel”.[24]

A par destas disposições, não se pode olvidar, ainda, a relevância do prescrito pelo art. 60.º do RJUE, sob a epígrafe “Edificações existentes”:

“1. As edificações construídas ao abrigo do direito anterior e as utilizações respetivas não são afetadas por normas legais e regulamentares supervenientes.

2. A licença de obras de reconstrução ou de alteração das edificações não pode ser recusada com fundamento em normas legais ou regulamentares supervenientes à construção originária, desde que tais obras não originem ou agravem desconformidade com as normas em vigor ou tenham como resultado a melhoria das condições de segurança e de salubridade da edificação.

3. O disposto no número anterior aplica-se em sede de fiscalização sucessiva de obras sujeitas a comunicação prévia.

4. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a lei pode impor condições específicas para o exercício de certas atividades em edificações já afetas a tais atividades ao abrigo do direito anterior, bem como condicionar a execução das obras referidas no número anterior à realização dos trabalhos acessórios que se mostrem necessários para a melhoria das condições de segurança e salubridade da edificação”.

O preceituado no art. 60.° do RJUE, com a redacção decorrente do DL n.° 177/2001, destina-se a tutelar as construções já existentes, obviando a que estas possam ser afectadas por normas regulamentares supervenientes, consagrando expressamente o princípio da protecção do existente em matéria de obras de edificação, retomando assim um principio já aflorado nas disposições do Regulamento Geral das Edificações Urbanas[25]:

“[À] realização de obras em construções já existentes não se aplicam as disposições legais e regulamentares que lhe sejam supervenientes, desde que tais obras não se configurem como obras de ampliação e não agravem a desconformidade com as normas em vigor”.[26]

Já Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes, anotam:

“As edificações construídas ao abrigo do direito anterior referidas no artigo em comentário são aquelas que, no momento da respetiva construção, cumpriram todos os requisitos materiais e formais exigíveis. Deste modo, uma edificação que apesar de cumprir, à data da respetiva construção, todas as normas materiais em vigor, designadamente as dos instrumentos de planeamento, mas em relação à qual o interessado não obteve a respectiva licença ou ato com efeitos análogos, não pode considerar-se “construída ao abrigo do direito anterior'” para efeitos de aplicação do regime instituído neste normativo. Assim, se o pedido para obter a licença em falta (e regularizar, deste modo, a situação ilegal) apenas for apresentado num momento em que se encontra em vigor um novo instrumento de planeamento ou novas exigências técnicas, não se encontra esta abrangida pelo regime de garantia instituído neste normativo devendo ser-lhe aplicadas as regras relativas à legalização, previstas no artigo 102.°-A do RJUE./ Assume particular relevo prático, nestes casos, a comprovação e atestação de que um edifício é anterior à aplicação do RGEU, ou à entrada em vigor do regulamento de extensão da aplicação do RGEU à área do concelho não incluída na sede do município (§ único do artigo 1.° do RGEU), de modo que se possa considerar estar perante um edifício legalmente existente, não obstante a ausência de atos autorizativos que o comprovem”. [27]

Verificado o regime legal pertinente, que assoma do RJUE, importa recordar a factualidade que se provou relacionada com a questão das claraboias e chaminé existentes na fracção autónoma dos autores, bem como com a cobertura do edifício:

– Em 21-04-1994, ainda com o prédio em construção, os autores celebraram, com a sociedade construtora A... Ld.ª, o contrato-promessa de compra e venda do 2.º andar direito do prédio (facto n.º 16).

– A A... Ldª., e os autores após a celebração do contrato-promessa, acordaram e contratualizaram que aquela sociedade construtora, procederia, como procedeu, à execução, além de outras, das seguintes alterações, que na data da escritura de compra e venda deviam integrar – como integraram – a fracção dos AA.: colocação de três claraboias basculantes com corte de vigas e alargamento para colocação das mesmas; fornecimento e colocação de uma lareira em tijolo burro com chaminé em tijolo até ao sótão e tampo em madeira (facto n.º 17).

– Com vista à colocação das janelas das claraboias, os autores, em 23-06-1994 adquiriram, na sociedade B... Ld.ª, 3 janelas Velux e 3 rufos, que foram aplicadas nas aberturas das claraboias que o empreiteiro, ainda antes da venda da fracção E), aos autores, executou no telhado, sobre o sótão da fracção que viria a ser dos AA (facto n.º 18).

– Estas alterações foram executadas pela construtora de forma que, na data em que foi realizada a vistoria para emissão de licença de utilização, já se encontravam executadas pelo que, aquando da outorga da escritura definitiva, os autores receberam da construtora a fracção predial com as ditas alterações ao projecto inicial, nomeadamente com as três claraboias basculantes e com a lareira em tijolo burro com chaminé em tijolo até ao sótão e tampo em madeira (facto n.º 19).

– Os autores, logo que foi outorgada a escritura pública, pagaram à construtora o valor das referidas alterações e trabalhos e ficaram convictos de que as mesmas estavam devidamente legalizadas, uma vez que, aquando da vistoria para a licença de utilização, já se encontravam executadas (facto n.º 20).

– Em 16-06-1995, a Câmara Municipal ... emitiu, sob o n.º 103/C, Autorização de Utilização do Edifício, respeitante ao edifício construído com a licença de construção n.º ...80..., originariamente emitida em nome de GG (facto n.º 21).

– Em 26-06-1995, através da Ap. 22 foi registada a constituição da propriedade horizontal (facto n.º 22).

– Da certidão emitida pela Câmara Municipal ... datada de 09-05-1995, quanto às partes comuns consta que: “Partes Comuns – Constituem partes comuns a todas as frações o logradouro do edifício, que contém o acesso a todas as garagens, a escadaria incluindo os acessos na cave, até às garagens, e o acesso à entrada principal, totalizando uma área de 302 metros” (facto n.º 23).

– Por escritura pública de compra e venda outorgada em 26-07-1995, os autores adquiriram à construtora A... Ld.ª, “(…) livre de quaisquer ónus ou encargos, a fração autónoma designada pela letra “E” correspondente ao segundo andar direito, - para habitação – complementada no terceiro andar direito em sistema de duplex – com uso de terraço que é de cobertura, dois compartimentos E para arrumos no sótão e a garagem E na cave do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito nas ..., designado pelos lotes- nove e dez, freguesia ..., desta cidade e concelho ..., omissa na respetiva matriz, tendo sido apresentada declaração para a sua inscrição em seis de Junho findo, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número ..., da aludida freguesia ..., fração autónoma ali inscrita a favor da sociedade vendedora, pela inscrição G – apresentação número ... de oito de Fevereiro de mil novecentos e noventa e quatro.” (facto n.º 24).

– Os autores, logo que foi outorgada a escritura pública, pagaram à construtora, que lho facturou, o valor das referidas alterações (facto n.º 25).

– A fracção cuja propriedade se encontra registada a favor dos autores, na data em que a adquiriram à construtora, já tinha as três claraboias basculantes no telhado e a lareira em tijolo burro com chaminé em tijolo até ao sótão e tampo em madeira, encontrando-se os autores na posse das mesmas desde há mais de 25 anos, beneficiando de todas as suas utilidades, à vista de todas as pessoas e sem a menor oposição de quem quer que seja, designadamente dos restantes condóminos (facto n.º 26).

– O Município ... remeteu, ao Condomínio, ofício com a referência “Nº Requerimento: 04-2020 /7532 de 22/04/2020”, sob o assunto “Notificação para reposição da legalidade urbanística”, assinado pelo Presidente da Câmara Municipal, com o seguinte teor:
(facto n.º 49).

– O Município ... remeteu, ao administrador do Condomínio, ofício com a referência “Nº Requerimento: 04-2020 /14093 de 11/08/2020”, sob o assunto “Legalização de Obras”, assinado pelo Chefe de Divisão, Planeamento, Obras e Urbanismo, com o seguinte teor:
(facto n.º 52).

– Da “Informação Técnica”, assinada em 12-03-2021, que acompanhava o ofício referido supra, constava, além do mais:
(facto n.º 53).

– O Município ... remeteu, ao administrador do Condomínio, ofício com a referência “Nº Requerimento: 03-2020 /21016 de 13/11/2020”, sob o assunto “Para conhecimento”, assinado pelo Chefe de Divisão, Planeamento, Obras e Urbanismo, com o seguinte teor:
(facto n.º 55).

– Da “Informação Técnica”, assinada em 12-01-2021, que acompanhava o ofício referido supra, constava, além do mais:
(facto n.º 56).

– O Município ... remeteu, ao administrador do Condomínio, ofício com a referência “Nº Requerimento: 03-2020 /23208 de 16/12/2020”, sob o assunto “Pedido de elementos”, assinado pelo Chefe de Divisão, Planeamento, Obras e Urbanismo, com o seguinte teor:
(facto n.º 58).

– Da “Informação Técnica”, assinada em 28-04-2021, que acompanhava o ofício referido supra, constava, além do mais:
(facto n.º 59).

– O projecto da cobertura do edifício previa a colocação de “telha de barro de capa e caleiro” (telha cerâmica) (facto n.º 60).

– O revestimento da cobertura do edifício foi feito com aplicação de painéis de chapa tipo sandwich em substituição da telha prevista no projecto (facto n.º 61).

Acresce que não se provou que a dimensão das claraboias dos autores obrigou ao corte das vigotas que sustentam a cobertura do prédio, pelo que poderão surgir infiltrações e humidades, e até o risco de derrocada.

Nem que relativamente à chaminé, que se encontra edificada na fracção dos autores, a mesma possua peso adicional, que tem de ser suportado pela restante estrutura do edifício, ou que essa chaminé não expele correctamente os fumos que emite, provocando, assim, danos na pintura, e afectando as partes comuns do edifício, designadamente as paredes exteriores.

Considerando a factualidade enumerada é manifesto, em síntese, que:

(a) os autores celebraram o contrato-promessa de compra e venda da sua fracção em 21-04-1994 e a escritura pública de compra e venda em 26-07-1995;

(b) a execução das três claraboias e da chaminé, existentes na fracção dos autores, foi realizada no ano de 1994, na sequência de acordo entre aqueles e a sociedade construtora do imóvel;

(c) as obras das claraboias e da chaminé já se encontravam executadas na data em que foi feita a vistoria do prédio para emissão da licença de utilização, em 1995, tendo os autores, aquando da outorga da escritura definitiva, recebido o seu apartamento com aquelas alterações;

(d) os autores ficaram convictos, nessa ocasião, que as alterações estavam devidamente legalizadas;

(e) os autores, na data da realização da assembleia de condóminos impugnada – 05-07-2020 –, já estavam na posse da sua fracção autónoma há mais de 25 anos, beneficiando de todas as suas utilidades, à vista de toda a gente e sem a menor oposição de quem quer que seja, designadamente dos restantes condóminos.

(f) nenhuma das alterações ao projecto inicial representa qualquer perigo para a segurança estrutural do prédio, pois nem as claraboias obrigaram ao corte das vigotas, nem a chaminé possui peso adicional, que tem de ser suportado pela restante estrutura do edifício ou afecte as partes comuns do edifício, designadamente as paredes exteriores.

Analisando os factos.

As obras dos condóminos regem-se pelas previsões normativas relativas ao direito de propriedade – art. 1305.º e seguintes do Código Civil –, com as especificidades dos n.ºs 2 e 3 do art. 1422.º do Código Civil, sendo que as obras realizadas nas partes comuns do prédio estão sob a alçada do art. 1425.º do Código Civil.

Como se expendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-03-2012, Proc. n.º 470/14, “embora não se ignore que, nesta matéria, existem algumas divergências de interpretações, pensamos que a opinião largamente dominante, quer na doutrina, quer na jurisprudência, vai no sentido de que as «obras novas» a que alude o nº 2 do art. 1422.º, são aquelas que os condóminos efectuem nas frações autónomas de que são os exclusivos proprietários, enquanto as «inovações» referidas no art. 1425.º, dizem respeito às introduzidas nas partes comuns, em que todos comungam em compropriedade.”

De acordo com Abílio Neto – cf. Manual da Propriedade Horizontal, 2006, 3.ª Edição, pp. 282/283 –,“por inovação entende-se toda a obra que constitua uma alteração do prédio tal como foi originariamente concebido, licenciado e existia à data da constituição da propriedade horizontal (STJ 28.9.95, 4.10.95 e 4.3.2004), sendo, pois, inovadoras as obras que modificam as coisas comuns, quer em sentido material, seja na substância ou na forma, quer quanto à sua afectação ou destino, nomeadamente económico”.

Neste particular, importa atentar que, de acordo com o n.º 1 do art. 1425.º do Código Civil, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.

Ora, conforme se provou in casu, os autores, na qualidade de condóminos, não realizaram qualquer obra na sua fracção autónoma, uma vez que essas obras são, inclusive, anteriores à constituição da propriedade horizontal e à existência do condomínio, tendo sido realizadas em 1994/95!

Ademais, as obras de criação das claraboias e da chaminé já se encontravam executadas na data em que foi feita a vistoria do prédio para emissão da licença de utilização, em 1995, tendo os autores, aquando da outorga da escritura definitiva, recebido o seu apartamento com aquelas alterações, convictos, nessa ocasião, que as alterações em apreço estavam devidamente legalizadas, sendo inequívoco que, na data da realização da assembleia de condóminos impugnada – 05-07-2020 –, já eram possuidores da sua fracção autónoma há mais de 25 anos, beneficiando de todas as suas utilidades, à vista de toda a gente e sem a menor oposição de quem quer que seja, designadamente dos restantes condóminos.

De harmonia com o exposto, ponderando que os autores não procederam à realização de qualquer obra/inovação em violação do título constitutivo da propriedade horizontal, concorda-se com o expendido na sentença impugnada no sentido da anulação das deliberações da assembleia geral de condóminos de 05-07-2020, quanto aos pontos 1, 2 e 5 da ordem de trabalhos.[28]

Acresce que, conforme também ficou provado, a Câmara Municipal ..., quando remeteu ao administrador do Condomínio, o ofício com a referência “Nº Requerimento: 04-2020 /14093 de 11/08/2020”, sob o assunto “Legalização de Obras”, a conceder 60 dias para efectuar a reposição da legalidade urbanística, fez acompanhar essa notificação de informação técnica, de 12-03-2021, segundo a qual “não obstante as obras referidas (inclusão de janelas de sótão e de uma chaminé) realizadas em desacordo com o projeto aprovado estejam sujeitas a licença administrativa, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º do RJUE, podemos informar (…) que com a execução das mesmas, continuam a ser respeitadas as características predominantes nas edificações existentes na envolvente, evidenciando uma correta integração urbana, física e paisagística, sendo por isso viável o seu licenciamento”. Além de que da mesma informação consta, “que para além das alterações atrás referidas, foram efectuadas na obra, outras alterações, em desacordo do projeto aprovado, sujeitas a licenciamento, nomeadamente: revestimento da cobertura com aplicação de painéis de «chapa tipo sandwich» em substituição da telha prevista no projeto, alterações ao nível das fachadas (verificamos que foram abertos novos vãos, alterados os materiais de revestimento (tijolo a ornamentar os vãos), execução de marquises nas varandas, entre outros)”.

Ou seja, analisando a situação e cotejando-a com o regime do RJUE pode-se concluir:

(i) Relativamente às claraboias e chaminé (da fracção dos autores) continuam a ser respeitadas as características predominantes nas edificações existentes na envolvente, evidenciando uma correcta integração urbana, física e paisagística, sendo por isso viável o seu licenciamento, não sendo assinalada qualquer questão de segurança.

(ii) No que tange ao revestimento da cobertura com aplicação de painéis de «chapa tipo sandwich» em substituição da telha constante do projecto, deve ser reposta a situação, sendo certo que, no projecto da cobertura do edifício previa-se a colocação de “telha de barro de capa e caleiro” (telha cerâmica – e não de telha com tela térmica).

Destarte, considera-se que não ocorre qualquer violação do estatuído nos arts. 102.º e 102.º-B do RJUE, improcedendo esta questão recursiva, excepto no que tange ao material da cobertura do telhado, sendo, por isso, de revogar a parte da sentença que aludiu à colocação de telha com tela térmica.

4. Violação dos arts. 1420.º, 1432.º, n.º 2 em conjugação com os arts. 1430.º, n.º 2 e 1418.º, n.º 1, do Código Civil (conclusões KK a OO).

A concluir o recurso, sustenta o recorrente que “o Tribunal a quo não respeitou a vontade emanada pela maioria legalmente exigível de condóminos na deliberação tomada no ponto 4. da ordem de trabalhos da acta n.º 23 e reiterada na acta n.º 24, que visa o licenciamento do prédio tal como está fisicamente na presente data” e que “por conseguinte, violou os Arts. 1420, 1432.º, n.º 3, conjugado com os artigos 1430.º, n.º 2, e 1418.º, n.º 1, todos do Código Civil.

Vejamos.

O direito real de propriedade horizontal reparte-se entre vários sujeitos, os condóminos, entrelaçando-se os interesses individuais de uns, de forma inseparável, com os interesses dos demais condóminos, através de regras próprias.

Existe propriedade horizontal quando um edifício ou um conjunto de edifícios contíguos pertence a uma pluralidade de pessoas, tendo cada uma delas poderes exclusivos sobre uma parte específica (designada fração autónoma) e todas em conjunto poderes sobre as partes não atribuídas a cada um em especial (designadas partes comuns).

As regras relativas à constituição da propriedade horizontal e aos direitos e deveres dos condóminos constam dos arts. 1414.º a 1438.º-A do Código Civil (CC) e do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25-10.

No que tange aos dispositivos legais enunciados pelo recorrente, anota-se o seguinte:

– Artigo 1418.º, n.º 1 – “No título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio”.

– Artigo 1420.º

“1. Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício.

2. O conjunto dos dois direitos é incindível; nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição”.

– Artigo 1430.º, n.º 2 – “Cada condómino tem na assembleia tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem a que o artigo 1418.º se refere”.

– Artigo 1432.º, n.º 2 – “A convocatória deve indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos”.[29]

Tal como resulta, especificamente, do disposto no art. 1420.º, n.º 1 do Código Civil, o direito de propriedade horizontal integra dois direitos: o direito de propriedade plena exclusivo de cada condómino sobre a fracção que lhe pertence e, simultaneamente, o direito de compropriedade de todos os condóminos sobre as partes comuns do prédio.

Para efeitos dessa distinção, o art. 1418.º, n.º 1 do Código Civil, enuncia as informações que devem constar no título constitutivo da propriedade horizontal onde, necessariamente, devem ser especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções e a fixação do valor relativo a cada uma delas, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio, sendo que dele podem ainda constar outras especificações, como o fim a que se destina cada fracção ou parte comum e o regulamento do condomínio que disciplina o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das fracções autónomas – cf. n.º 2 do referido normativo legal.

Revertendo ao caso sub judice, concorda-se, por inteiro, com o vertido na sentença recorrida, quando nela se escreveu: “(…) [N]o que respeita à matéria controvertida referente às deliberações tomadas em 05.07.2020, consta da referida ata n.º 23, entre outros, uma confissão da invalidade das deliberações cuja anulação os AA. peticionam nos presentes autos./ Assim, consta do ponto 3 da ordem de trabalhos “anulação de todas as deliberações da Assembleia de Condóminos do passado dia cinco do mês de Julho de dois mil e vinte, as quais deixaram de ter qualquer efeito exceto o ponto três relativo a alteração da conta bancária do condomínio”./ Tal mereceu o voto contra do aqui A. uma vez que se referia a “todas” as deliberações. No entanto caso não fosse referido todas as deliberações votaria favoravelmente à anulação daquelas cuja anulação foi pedida na presente acção, não tendo prescindido dos pedidos de anulação aqui formulados. Todos os restantes presentes votaram a favor da aceitação do ponto 3 da ordem de trabalhos./ As deliberações tomadas sobre matérias que não constem da ordem de trabalhos são anuláveis nos termos do art. 1433º, nº 1 do Cód. Civil./ Assim, a convocatória para a assembleia do condomínio, conforme preceitua o art. 1432º, nº 2 do Cód. Civil, deve indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos./A ordem de trabalhos da reunião deve enunciar de forma sucinta, mas clara, as matérias a tratar, com vista a permitir que cada condómino se prepare adequadamente para intervir na discussão e votação./ Trata-se, na prática, de respeitar uma exigência legítima de todos os que fazem parte da assembleia, de modo a que os condóminos e terceiros possam estar em condições de votar sobre assuntos conhecidos, no caso de se apresentarem pessoalmente à reunião, ou de darem indicações precisas a quem eventualmente seja chamado a representá-los, em caso de ausência./ As deliberações tomadas sobre matérias que não constem da ordem de trabalhos são anuláveis nos termos do art. 1433º, nº 1 do Cód. Civil./ O artigo 1.º, n.º 1, do DL 268/94, de 25.10, estipula que das assembleias de condóminos sejam lavradas actas redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado, subscrição que não exige a aposição da assinatura e pode ser feita através da leitura e aprovação da acta./Posto isto, não colhe a argumentação dos RR. no sentido de que “nenhum dos RR. se apercebeu, durante a assembleia, no meio do burburinho inerente à mesma, que o A. tenha mudado de opinião e alterado o seu voto”./ Incumbiria, pois, à administração, após redacção da acta recolher as assinaturas dos condóminos que efectivamente estiveram presentes na assembleia, a fim dos mesmos lerem a redacção final da ata e conferirem o que foi deliberado e o que foi inscrito na ata. Estes requisitos não foram salvaguardados pela Administração do Condomínio./ Por outro lado, no que reporta à subdivisão do ponto 1 da ordem de trabalhos “Votação para aprovação de alterações à planta original do prédio”, constando da acta um ponto referente à aprovação das alterações à planta original do prédio quanto as claraboias existentes por cima da fração do 2º Esq, a chaminé geral que serve todas asas marquises existentes na fração do 1º Drt, as condutas de exaustão do 1º Drt e do 1º Esq.,; a outra, referente às três claraboias existentes por cima da fração do 2º Drt e a chaminé exclusiva desta fração, propriedade do aqui Autor./Neste tocante não parece existir razão aos AA., na verdade constando do ponto 1 da ordem de trabalhos “Votação para aprovação de alterações à planta original do prédio”, não significa que fossem aprovadas ou rejeitadas na sua totalidade. Coisa diferente foi, como já se disse, que essa explicação não tenha sido dada de forma clara a todos os presentes, não sendo tal facto desculpável, pela existência de burburinho na sala./A indicação da ordem de trabalhos, ou seja, a indicação das matérias ou dos assuntos que a assembleia deve tratar que a lei impõe que conste da convocatória não resulta de uma qualquer análise prévia sobre a relevância qualitativa dessa matéria o assunto para o condomínio./A lei não distingue entre assuntos considerados de muita ou de pouca relevância para o condomínio, impõe apenas que, quaisquer que sejam esses assuntos, eles devem constar minimamente especificados (sublinhado nosso) ou indicados na respectiva convocatória./O mesmo se diga quanto ao facto de a acta não conter a indicação das permilagens das fracções presentes, o que não permite per si aferir dos votos correspondentes (fazendo o necessário cálculo matemático)./Tal argumentação seria, em parte aplicável às demais deliberações impugnadas nos presentes autos. Sendo certo que, no que tange ao ponto 2 da ordem de trabalhos, o mesmo não fora aprovado./No entanto, somos de crer que em face do teor da ata n.º23, é foi vontade expressa pelos condomínios, incluído dos aqui AA. que sejam anuladas as deliberações tomadas na Assembleia Geral de 05.07.2020 quanto aos pontos 1, 2 e 5 da ordem de trabalhos, o que, sem necessidade de maiores considerações, se declara para os devidos os efeitos legais.(…)”.

Em consonância, improcede, outrossim, esta última questão recursiva.

Tudo visto, o recurso improcede, excepto no que tange à questão do material a aplicar na cobertura do telhado, sendo, por isso, de revogar a parte da sentença (alínea d)) que aludiu à colocação de telha com tela térmica.


*

            Sumariando:

(…).

           

Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, com excepção da questão do material a aplicar na cobertura do telhado, revogando-se a parte da alínea d) da sentença, que alude à colocação de “telha com tela térmica”, substituindo-a por “telha cerâmica”.

Custas pelo recorrente e pelos recorridos, na proporção do decaimento, nos termos do artigo 527.º, nºs. 1 e 2, do CPC, que se fixa em 85% para o recorrente e 15% para os recorridos.


Coimbra, 26 de Novembro de 2024

Luís Miguel Caldas

Luís Manuel de Carvalho Ricardo

Francisco Costeira da Rocha



[1] Juiz Desembargador Relator: Luís Miguel Caldas / Juízes Desembargadores Adjuntos: Dr. Luís Manuel de Carvalho Ricardo e Dr. Francisco Costeira da Rocha
[2] Foram habilitadas, no incidente de habilitação de herdeiros, como únicas e universais herdeiras do falecido GG, HH e LL – cf. sentença de 25-02-2022 (apenso B).
[3] O mesmo entendimento foi sufragado, v.g., no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06-06-2019, Proc. n.º 18561/17.3T8LSB-A.L1-2. Ambos os arestos estão publicados em https://www.dgsi.pt/, tal como os restantes acórdãos que se citarem sem referência complementar.
[4] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-11-2014, Proc. n.º 628/13.9TBGRD.C1.
[5] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição, 2020, pp. 285/286.
[6] Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª edição, 2022, pp 847/848,

[7] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-11-2019, Proc. n.º 1130/18.8T8FNC.L1.S1.
[8] Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume II, 2014, p. 122.
[9] Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, p. 329-332.
[10] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5.ª edição, p. 287.
[11] Op. cit., pp. 200 e 206/207.

[12] Documento n.º 1, fls. 134 verso/135.

[13] Documento n.º 2, fls. 135 verso/136 verso.
[14] Documento n.º 3, fls. 137/138.

[15] Documento n.º 4, fls. 138 verso/140.

[16] Documento n.º 5, fls. 140 verso/142.

[17] Documento n.º 6, fls. 143/143 verso.
[18] Documento n.º 7, fls. 144/146 verso.

[19] Documento n.º 8, fls. 147.
[20] Documento n.º 9, fls. 147 verso/148.

[21] O Mmo. Juiz a quo exarou, depois, na decisão final (p. 47): “Já no que diz respeito à colocação de telha em tela térmica, importa salientar a prova documental junta aos autos(fls.) bem como a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, da qual resulta claro ser este o material licenciado para a cobertura do telhado, não podendo este Tribunal, determinar, como era pretensão dos RR., que a cobertura fosse reposta através da colocação de material chapa sanduiche, isto sem prejuízo dos condóminos virem a solicitar junto da Câmara Municipal novo licenciamento, o que por ora, não se verifica./Assim, a reposição da cobertura do telhado terá de respeitar o licenciamento em vigor. Mais se diga que, resultou igualmente provado que as claraboias e chaminé existentes na fracção dos AA. não são impeditivas da colocação do referido material, razão pela qual deverão ser alvo de pedido de licenciamento, cuja aprovação ficará a cargo das entidades competentes. Contudo, atendendo à necessidade de repor a cobertura do telhado de imediato, tal pedido de licenciamento não deverá constituir impedimento para a pronta colocação da cobertura do telhado nos moldes determinados”.
[22] cf., v.g., fls. 103 verso, 121, 121 verso, 122 verso, 126 a 128, 129 e verso, e 164, do processo físico.
[23] Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, 4.ª edição, 2016, p. 650.
[24] Op. cit. (nota 22), pp. 659 e 660, respectivamente.
[25] Vide DL n.º 38382/51, de 07-08.
[26] Neste sentido, cf. J.A. Santos, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Anotado e Comentado, 2005, 5.ª Edição, p. 288 e 289, respectivamente.
[27] Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, p. 460.

[28] Ordem de trabalhos, constante da convocatória da assembleia geral de 05-07-2020:

1- Votação para a aprovação de alterações à planta original do prédio.

2- Votação para a criação de um aceso ao telhado pelo interior das escadas.

3- Alteração da conta bancária do condomínio.

4- Aprovação de orçamento para a reposição da telha na cobertura.

5- Aprovação para a remoção de todas as estruturas/construções não presentes na planta original do prédio e sem a permissão do condomínio.

[29] Na redacção anterior à Lei n.º 8/2022, de 10-01, que só entrou em vigor a partir de 10-04-2022.