CONTRATO DE CRÉDITO RELATIVO A IMÓVEIS
TÍTULO EXECUTIVO
CESSÃO DE CRÉDITOS
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO DE CRÉDITO
DIREITO À RETOMA DO CONTRATO
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I – A escritura pública documentando um contrato de mútuo e uma hipoteca como garantia desse mútuo, sendo a quantia mutuada destinada à aquisição de habitação própria permanente e concedida por uma instituição de crédito autorizada a conceder crédito à habitação, constitui título executivo à luz da al b) do art. 703.º CPC, porquanto importa a constituição e o reconhecimento de uma obrigação.
II – Para a eficácia da cessão do crédito, enquanto acordo entre o credor e um terceiro tendo por objecto um crédito transmissível, o único elemento constitutivo é o seu conhecimento pelo devedor, não exigindo a lei a sua autorização, podendo a notificação ser feita por qualquer meio e, se a cessão ocorrer antes de instaurada a execução, deve o exequente deduzir no requerimento executivo os factos que lhe conferem essa qualidade.
III – O DL n.º 74-A/2017, de 23-06, que aprovou o regime dos contratos de crédito relativos a imóveis, nomeadamente as regras aplicáveis ao crédito a consumidores, prevê, no art. 27.º, que, em caso de incumprimento do contrato de crédito, só pode ser invocada a perda do benefício do prazo ou a resolução contratual se se verificar concomitantemente: (i) a falta de pagamento de três prestações sucessivas, e (ii) após concessão, pelo mutuante, de um prazo suplementar mínimo de 30 dias, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, a falta de pagamento das prestações em atraso pelo consumidor.
IV – O art. 28.º do DL n.º 74-A/2017 prevê que o consumidor tenha direito à retoma do contrato se, no prazo para a oposição à execução relativa a créditos à habitação abrangidos pelo diploma ou até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide a hipoteca, caso não tenha havido lugar a reclamação de créditos, proceder ao pagamento das prestações vencidas e não liquidadas, acrescida dos juros de mora e das despesas justificadas do mutuante.
V – Se o cessionário do crédito, exequente, alegou no requerimento executivo a factualidade pertinente, mormente a data até à qual as prestações do contrato de mútuo foram cumpridas, invocando estarem em dívida as demais prestações e juros, era às executadas/embargantes que incumbia provar os factos modificativos ou extintivos da dívida, designadamente terem procedido ao pagamento das prestações vencidas desde a data indicada naquele requerimento, ou apresentado, adequadamente, um pedido de retoma do contrato.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (3.ª Secção)[1],

AA e BB, executadas/embargantes no processo em epígrafe, em que é exequente/embargada A... Dac, recorreram da sentença de 05-05-2024, do Juízo de Execução de Alcobaça – Juiz ..., que julgou improcedente a oposição que elas deduziram, por embargos de executado, à acção executiva em que é pedido o pagamento da quantia de € 66 706,69, mais os juros vencidos, desde 05-01-19 até 24-02-23, à taxa de 4,832%, totalizando € 80 280,29, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento, emergente de um contrato de mútuo para aquisição de habitação própria.


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As embargantes/recorrentes, invocaram, em sede de embargos: i) o caso julgado decorrente de decisão proferida noutra oposição à execução e que se verifica a inexigibilidade da dívida por preterição de formalidade essencial previsto no art. 27.º do DL n.º 74-A/2017, de 26/06, por não ter existido interpelação nos termos exigidos por tal normativo; ii) a ilegalidade e ineficácia da resolução contratual uma vez que foi feito pedido de retoma do empréstimo à Banco 1... (Banco 1...), que não respondeu, cessando a exigibilidade da obrigação e o direito a juros; iii) a inexistência do crédito cedido porque sem resolução, operada nos termos da lei, a Banco 1... não detinha o crédito que pretendeu ceder à exequente; e, iv) a inexequibilidade do título, pois a exequente não fez qualquer prova da existência de obrigações que resultem daquele título e dos valores que alega estarem em dívida e não juntou documentação que cumpra o preceituado no art. 707.º do Código de Processo Civil.

A exequente contestou, alegando: i) que o requerimento executivo apresentado contempla toda a informação necessária à compreensão do caso e fundamenta o pedido e o direito que a mesma pretende fazer valer; ii) que foi enviada nova carta para pagamento dos valores de incumprimento em dívida e que também foi comunicada a resolução do contrato, sendo que, independentemente da interpelação, sempre teria o direito de resolver o contrato de mútuo; iii) que estamos perante um título exequível, que não se enquadra na previsão do art. 707.º do CPC, e que titula uma obrigação exigível, encontrando-se as prestações vencidas, concluindo pela improcedência da oposição.

O tribunal a quo proferiu despacho saneador-sentença que julgou improcedente a oposição à execução.


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O recurso foi recebido como recurso e apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

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Nas alegações de recurso, as recorrentes formulam as seguintes conclusões:

(…).


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Contra-alegou a recorrida, deduzindo as seguintes conclusões:

(…).


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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar o recurso, sendo que as questões a decidir consistem em:

(i) Verificar se a exequente deu cumprimento ao disposto no art. 27.º do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23-06.

(ii) Indagar se estavam reunidos, ou não, os requisitos legais para o pedido de retoma do contrato de crédito.


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A. Fundamentação de facto

Na 1.ª instância considerou-se provada a seguinte matéria de facto:

1. Mediante escritura pública denominada “compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança”, outorgada em 05-09-2003, que se encontra anexa ao requerimento executivo e aqui se dá por integralmente reproduzida, entre o mais, Banco 1... (Banco 1...), concedeu à aqui executada/opoente AA um empréstimo da quantia de 100.000 €, importância da qual se confessou devedora e se obrigou a reembolsar em prestações mensais, com a constituição de hipoteca sobre o imóvel ali melhor identificado, agora com registo de aquisição do direito de propriedade a favor da executada/opoente BB, tendo ainda os co-executados CC e DD declarado constituírem-se fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas por aquela primeira executada no âmbito do “contrato”, renunciando ao benefício de excussão prévia.

2. A executada AA interrompeu o pagamento das prestações mensais no âmbito do “contrato” referido em 1.º em 05-01-2019.

3. Mediante escritura pública denominada “cessão de créditos”, outorgada em 29-03-2022, que se encontra anexa ao requerimento executivo e aqui se dá por integralmente reproduzida, entre o mais, a Banco 1... declarou ceder os créditos identificados no documento complementar, onde se inclui o “crédito” reportado ao documento referido em 1.º, a A... DAC, que declarou aceitar.

4. Mostra-se inscrita a favor da ora exequente a transmissão, por cessão de crédito, referente à hipoteca voluntária inscrita inicialmente a favor de Banco 1..., a que se refere o documento referido em 1.º.

5. Correu termos neste Juízo de Execução a acção executiva n.º 2606/20...., em que era exequente a Banco 1... e eram executados a aqui executada/opoente AA e os co-executados CC e DD, na qual foi dado à execução o documento referido em 1.º e tendo sido proferida, no âmbito de oposição à execução deduzida pela aqui executada/opoente e os co-executados (apenso B daquele processo), sentença, transitada em julgado em 07-03-2022, que extinguiu tal execução, nos termos constantes na certidão anexa à ref. 10199962 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

6. A executada AA enviou à Banco 1..., que recebeu em 18-07-2021, a comunicação escrita datada de 17-07-2021 que se encontra se encontra anexa à petição inicial e aqui se dá por reproduzida, onde consta, entre o mais, o seguinte:
7. A Banco 1... enviou aos co-executados CC e DD, que receberam, e à executada/opoente AA, que não recebeu por “objecto não reclamado” na morada do imóvel Av. ...., as comunicações escritas datadas de 07-03-2022, que se encontram anexas à contestação e aqui se dão por reproduzidas, onde consta, entre o mais, o seguinte (na versão remetida à executada/opoente):
8. O I. Advogado da ora exequente enviou às ora executadas/opoentes e aos co-executados CC e DD, que receberam, as comunicações escritas datadas de 21-10-2022 (executada/opoente AA e os co-executados) e 24-02-2023 (executada/opoente BB), que se encontram anexas à contestação e aqui se dão por reproduzidas, onde consta, entre o mais, o seguinte (na versão remetida à executada/opoente AA):
9. O requerimento executivo tem data de 31-03-2023 e as executadas/opoentes foram citadas na execução em 03 e 06-10-2023, após penhora do imóvel hipotecado e na morada deste, que corresponde à morada comunicada pela executada/opoente AA.

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Também está provado, por prova documental não impugnada, a seguinte factualidade que deve ser aditada à matéria assente, nos termos do art. 607.º, n.º 4, ex vi do art. 663.º, n.º 2, do CPC:[2]

10. Na escritura pública de “compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança”, outorgada em 05-09-2003, a executada AA declarou, além do mais, que o imóvel se destinava à sua habitação própria e permanente.

11. Após a interrupção do pagamento das mensalidades do empréstimo, a Banco 1... remeteu à executada AA, com data de 03-11-2020, missiva intitulada “Carta de Interpelação”, com o seguinte teor:

12. No dia 29-03-2022, a Banco 1..., remeteu carta registada à executada AA, intitulada “Notificação de Cessão de Crédito”, com o seguinte teor na parte relevante:

13. No dia 03-05-2022, a executada AA, enviou carta registada à Banco 1..., com o seguinte teor na parte relevante:

14. Em 01-10-2024, a executada AA deduziu incidente inominado requerendo a retoma do contrato de crédito, nos termos do art. 28.º do DL n.º 74-A/2017 de 23-06, o qual se mostra pendente na presente data.

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B. Fundamentação de Direito.

Recapitulando, neste recurso importa, por um lado, verificar se a exequente deu cumprimento ao disposto no art. 27.º do DL n.º 74-A/2017, de 23-06, e, por outro lado, indagar se estavam ou não reunidos os requisitos legais para o pedido de retoma do contrato de crédito, sustentando as recorrentes que a decisão recorrida violou os arts. 814.º e 816.º, 582.º, n.º 1 e 585.º do Código Civil e o art. 28.º do citado diploma.

Regem os citados preceitos legais do Código Civil, por ordem crescente de numeração:

– Art. 582.º: “1. Na falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente”.

– Art. 585.º: “O devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão”.

– Art. 814.º: “1. A partir da mora, o devedor apenas responde, quanto ao objecto da prestação, pelo seu dolo; relativamente aos proventos da coisa, só responde pelos que hajam sido percebidos.

2. Durante a mora, a dívida deixa de vencer juros, quer legais, quer convencionados”.

– Art. 816.º: “O credor em mora indemnizará o devedor das maiores despesas que este seja obrigado a fazer com o oferecimento infrutífero da prestação e a guarda e conservação do respectivo objecto”.

Está provado que AA celebrou, em  05-09-2003, uma escritura pública de “compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança”, da qual consta, entre o mais, que a Banco 1... lhe concedeu um empréstimo da quantia de € 100 000,00 (cem mil euros), importância da qual a executada se confessou devedora, tendo-se sido constituída hipoteca sobre o imóvel ali identificado[3] – com registo de aquisição do direito de propriedade a favor da executada BB, tendo os co-executados CC e DD declarado constituírem-se fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pela 1.ª executada, renunciando ao benefício de excussão prévia – e que AA deixou de liquidar as prestações mensais desse empréstimo, à entidade bancária credora, desde 05-01-2019.

Aquela escritura de mútuo encerra uma confissão de dívida, daquele montante, por parte da executada/mutuária àquela entidade bancária – cf. cláusula 1.ª, n.º 1.

Em 29-03-2022, mediante escritura pública de “cessão de créditos”, comunicada na mesma data à executada AA, a Banco 1... cedeu, à exequente, um conjunto de créditos vencidos de que era titular, incluindo o crédito sobre a mesma, abarcando essa cessão a transmissão de todos os direitos, garantias e direitos acessórios inerentes.

A cessão de créditos consiste num acordo entre o credor e um terceiro, tendo por objecto um crédito transmissível e consubstanciado num facto transmissivo, e o único elemento constitutivo da eficácia da cessão é o conhecimento do devedor, não exigindo a lei a sua autorização, podendo a notificação ser feita por qualquer meio –– cf. arts. 577.º, n.º 1, e 583.º do Código Civil.[4]

Como decorre do disposto nos arts 53.º, n.º 1 e 54.º, n.º 1, do CPC, tendo a cessão do crédito exequendo ocorrido antes de instaurada a execução, uma vez que a qualidade de titular do crédito não resulta do próprio título executivo, a exequente deduziu, como era devido, no requerimento executivo os factos que lhe conferem essa qualidade – cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10-11-2022, Proc. n.º 5611/13.1T2SNT-A.L1-2.[5]

Acompanhando Sandra Passinhas, in Incumprimento do contrato de crédito à habitação, cessão de créditos e direitos do consumidor, “Liber Amicorum – Pedro Pais de Vasconcelos”, Volume II, 2023, p. 772: “Na cessão de créditos, o crédito permanece inalterado, apenas se verificando a substituição do credor originário por um novo credor. Como a cessão de créditos resultantes de um crédito hipotecário tem por efeito transmitir para o cessionário o (mesmo) direito de que era titular o cedente, transmitem-se para o adquirente, salvo convenção em contrário, as garantias e outros acessórios do crédito (artigo 582.º) e, imperativamente, por força do artigo 35.º do Decreto-Lei n.º m74-A/2017, as garantias do devedor”.

A escritura pública documentando um contrato de mútuo e uma hipoteca como garantia desse mútuo, sendo a quantia mutuada destinada à aquisição de habitação própria permanente e concedida por uma instituição de crédito autorizada a conceder crédito à habitação, constitui título executivo à luz da al b) do art. 703.º CPC, porque importa a constituição e o reconhecimento de obrigação, não havendo qualquer “(…) necessidade da complementação a que se refere o art 707.º CPC – que se refere à exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados –  visto que a dívida em causa não vem configurada nessas escrituras (…) como resultante de obrigação futura ou condicional”  – cf., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-11-2018, Proc. n.º 4990/17.6T8VIS-A.C1.

O art. 731.º do Código de Processo Civil (CPC), sob a epígrafe “Fundamentos de oposição à execução baseada noutro título”, preceitua: “Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração”.

A ratio essendi desta solução legal, como regista Lebre de Freitas, é compreensível, uma vez que “o executado não teve ocasião de, em ação declarativa, se defender amplamente da pretensão do exequente” [6], pelo que os embargos à execução (baseada em título diverso de sentença) podem fundar-se em qualquer causa que fosse lícito deduzir como defesa no processo de declaração.

Importa analisar, neste recurso, fundamentalmente, a questão da (in)exigibilidade da cobrança coerciva do crédito exequendo, que vem suscitada pelas executadas/recorrentes, ponderando o quadro normativo previsto no DL n.º 74-A/2017, de 23-06, que aprovou o regime dos contratos de crédito relativos a imóveis, nomeadamente as regras aplicáveis ao crédito a consumidores garantido por hipoteca ou outro direito sobre imóvel.

Vejamos.

O contrato de mútuo em apreciação foi anteriormente dado à execução no Proc. n.º 2606/20.... do Juízo de Execução de Alcobaça – Juiz ..., para pagamento do mesmo crédito exequendo, tendo sido proferida sentença, em 28-01-2022, e transitada em julgado em 07-03-2022, que declarou extinta a aludida execução, com fundamento na inexigibilidade da obrigação exequenda (incumprimento do disposto no art. 27.º do DL n.º 74-A/2017) e/ou falta de liquidez não suprível (quanto às prestações vencidas até à instauração da execução), conforme consta dessa decisão.

Na sentença ora sob recurso escreveu-se, na parte que aqui releva: “(…) Todavia, a decisão proferida [no Proc. n.º 2606/20....], pelos seus próprios fundamentos, não inviabilizou definitivamente a instauração de uma nova execução, desde que reunidas as condições necessárias para o efeito (segundo a aludida decisão), pelo que a questão que importa analisar é a de saber se na actual execução está verificada a condição de exigibilidade, conforme alega agora a exequente, atentas as missivas datadas de 07/03/2022./ O mencionado vencimento (antecipado) de todas as prestações, nos termos da decisão proferida, dependia do cumprimento do disposto no dito art. 27.º: a notificação em falta, que deveria ser feita, respeita à oportunidade que deve ser dada ao mutuário para que, no prazo suplementar mínimo de 30 dias, proceda ao pagamento das prestações em atraso, o que, à partida, permite cumprir o contrato segundo o plano prestacional acordado./ Assim, está agora demonstrado que a “Banco 1...” efectuou a interpelação da ora executada/opoente AA (e dos co-executados fiadores) para proceder ao pagamento das prestações em atraso (e demais valores em dívida à data – nota-se que as prestações não se reportam apenas ao capital, abrangendo também juros, sem prejuízo ainda das despesas nos termos contratuais, v.g., cláusula 8.ª do documento complementar), sendo o vencimento antecipado dependia do cumprimento do disposto no art. 27.º, ou seja, a concessão do prazo de 30 dias para proceder ao pagamento das prestações vencidas, só após podendo ocorrer o vencimento antecipado, o que se entende ter sucedido face às missivas apresentadas com data de 07/03/2022 (posteriores à decisão proferida) – nota-se que a morada do envio relativo à executada/opoente AA corresponde à morada em que a executada também foi citada na execução e que a própria assume como sua, nada mais tendo sido alegado para efeitos do art. 224.º, n.º 2, do CC, pelo que a missiva produz efeitos./ Com efeito, essas missivas, conforme resulta do seu teor, concediam um prazo de 30 dias para o pagamento dos valores em dívida e continham a advertência do vencimento antecipado, pelo que se afigura que a “Banco 1...” deu então cumprimento ao disposto no art. 27.º do DL n.º 74-A/2017, advertindo que o não pagamento, no prazo a conceder, determinaria o vencimento antecipado, o qual também foi posteriormente comunicado com as missivas datadas de 21/10/2022. Assim, quer por força da decisão anteriormente proferida quer se considere a aplicação directa do aludido regime neste momento, entende-se que a exequente apenas poderia instaurar uma nova execução após dar cumprimento ao disposto no art. 27.º do DL n.º 74-A/2017, o que se entende ter sucedido nos termos das missivas datadas de 07/03/2022, sendo agora também irrelevante a questão relativa à não aplicação daquele normativo perante o dito pagamento parcial (de uma prestação) em 2020 (a que se refere o documento anexo à ref. 10199962, com data de 24/11/2020, certo que isso se reporta à situação anterior às ditas missivas – nota-se que trata, no essencial, nessa parte, da mera repetição do que foi alegado na outra oposição à execução, logo não relevando agora ou, no limite, a executada não alegou agora que, em 07/03/2022, não estavam vencidas mais de três prestações, face ao mero lapso de tempo)./Em conclusão, mesmo considerando o caso julgado emergente da decisão proferida no processo anterior ou até considerando agora simplesmente a aplicação directa do art. 27.º, afigura-se estar agora sanado o vício anteriormente (ali) verificado, não subsistindo nem se verificando agora a inexigibilidade da obrigação exequenda por incumprimento do disposto no art. 27.º do DL n.º 74-A/2017 – pelo que surgem agora, com o devido respeito, desprovidas de relevância as considerações dirigidas ou relativas às várias missivas de 2020, visto que estas não relevam agora no âmbito dos presentes autos (e, por isso, também não constam na factualidade provada tais missivas de 2020, anexas à ref. 10199962), certo que tais considerações, por sua vez, não são aplicáveis às missivas de 07/03/2022, significando que se entende que a oposição deverá improceder no que respeita à invocada inexigibilidade, ainda que conformada pelo caso julgado ou considerando simplesmente a aplicação directa do art. 27.º (no essencial, o que consta nos artigos 5.º, 14.º a 23.º, 46.º a 64.º da p.i. de oposição)./Vertendo agora à matéria da retoma do crédito e da dita ilegalidade e ineficácia da resolução contratual, nota-se previamente que, em rigor, a resolução do contrato não se confunde com o vencimento antecipado, embora “É, aliás, usual as entidades credoras virem invocar que face ao incumprimento, rescindiram, denunciaram ou resolveram o contrato, mas em função do seu comportamento e do que vêm peticionar, é manifesto que o que estão a exigir é, ainda, o cumprimento do contrato de financiamento (com a devolução do capital mutuado, o pagamento dos juros remuneratórios e moratórios e accionando as garantias estabelecidas) e não a extinção de tal vínculo contratual” - Ac. do STJ de 10/09/2020, disponível em www.dgsi.pt./Em todo o caso, afigura-se não se justificarem considerações adicionais sobre a distinção, atenta a solução a dar ao caso, importando antes salientar que se entende que, em rigor, a executada/mutuária, pelo menos até ao momento, não exerceu o direito de retoma do contrato de crédito nos termos do artigo 28.º do DL n.º 74-A/2017, uma vez que se entende que essa retoma potestativa tem carácter judicial, configurando um incidente que tem lugar em execução pendente (“no prazo para a oposição à execução relativa a créditos à habitação abrangidos pelo presente decreto-lei ou até à venda executiva do imóvel…”), ficando a retoma sujeita a verificação (judicial) dos requisitos previstos no aludido normativo.

Dito de outra forma, entende-se que a executada apenas poderá exercer potestativamente o direito de retoma do crédito, ao abrigo do art. 28.º do aludido diploma, mediante a dedução do incidente previsto no normativo (na execução pendente que é pressuposto implícito da previsão normativa ao aludir à oposição à execução e à venda executiva), e não em termos extrajudiciais – ou, pelo menos, para efeitos da aplicação do art. 28.º, visto que essa retoma extrajudicial, no contexto exposto, apenas poderá resultar de acordo entre credor e devedor (que é possível, mas não imposto). (…)/ Portanto, quando a executada documenta que, em 2021, na pendência da outra execução, dirigiu directamente uma comunicação escrita à “Banco 1...” para efeitos de retoma de crédito, entende-se que tal comunicação não releva para efeitos do art. 28.º, ou seja, para tal efeito deveria antes a executada ter apresentado (na própria execução) um requerimento no qual formulasse o pedido de retoma do crédito, para desencadear o aludido incidente, no qual poderia então ser determinada (judicialmente) alguma concreta actuação (por parte da exequente) ou consequência no que respeita à situação do crédito (o que efectivamente não sucedeu, certo que a outra execução terminou por via da decisão acima proferida e não por qualquer motivo associado à retoma). (…)/Acresce que, em rigor, após a outra execução, a executada teve ao seu alcance a retoma do crédito em termos extrajudiciais, visto que foi efectuada a comunicação prevista no art. 27.º, n.º 1, do DL n.º 74-A/2017, conforme acima analisado, contendo a indicação dos valores relevantes, pelo que, querendo, a executada teve ao seu alcance proceder ao pagamento das quantias em causa e, assim, obteria a retoma do contrato antes da instauração da actual instauração, o que não invocou ter efeito, pelo que sibi imputet./ Consequentemente, entende-se não existir o dito “bloqueio” relevante ou a invocada situação de mora do credor (art. 813.º do CC: há mora do credor quando este, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação) – o que poderia ser, em teoria, a invocada ausência da resposta da “Banco 1...” à dita missiva de 2021, mas o que se entende não ser o caso –, não se verificando a cessação (por mora do credor) do direito a juros./ Aliás, nota-se que tem vindo a ser entendido na jurisprudência que poderá existir motivo justificado para o credor recusar a colaboração devida à realização da prestação se o devedor já se encontrar em mora no momento em que a oferece (cfr., em geral, o Ac. da RG de 29/02/2024, processo n.º 6054/23.4T8VNF-A.G1, disponível em www.dgsi.pt), o que também sucedia no caso concreto, desde logo porquanto se encontrava em curso uma execução para a cobrança coerciva: fora do âmbito concreto do art. 28.º do DL n.º 74-A/2017, que implicava a dedução de um incidente na execução então pendente – e não uma mera missiva extrajudicial –, entende-se que a “CM...”, na pendência da execução, não estava obrigada a colaborar (extrajudicialmente) para a retoma do crédito, o que só poderia ocorrer consensualmente, na perspectiva extrajudicial (que é a única equacionável na missiva)./ Ainda assim, no limite, caso a executada pretenda efectivamente desencadear a retoma do crédito, ao abrigo do art. 28.º do DL n.º 74-A/2017, poderá apresentar requerimento nesse sentido na execução, para verificação dos respectivos requisitos legais (a ser aplicável o regime em causa à ora exequente – nada mais se aprecia nesta sede), mas não podendo relevar a hipotética mora do credor para introduzir alterações nos valores a considerar para tal efeito (que respeitarão ao pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como dos juros de mora – todos – e das despesas em que o mutuante tenha incorrido, quando documentalmente justificadas – a ser aplicável o regime em causa)./Em resumo, com o devido respeito, entende-se inexistirem questões que ora devam relevar, nos termos que configuraram as executadas, nomeadamente para obstar à execução nos termos peticionados, pelo que se entende que a presente oposição à execução deve improceder desde já”. (sic)

Desde já se adianta que se concorda integralmente com esta decisão.

A Directiva n.º 2014/17/EU, tal como emerge da leitura do preâmbulo do DL n.º 74-A/2017, veio estabelecer um quadro normativo comum no espaço da União Europeia (UE) no que respeita ao mercado de crédito para imóveis, “com vista a assegurar um nível adequado de tutela dos interesses dos consumidores que celebram crédito hipotecário” e, assim, promover “o desenvolvimento de um mercado de crédito mais transparente, eficiente e competitivo dentro do mercado interno”, reforçando os deveres de prestação de informação pré-contratual aos consumidores.

Os mutuantes (ou intermediários de crédito) devem/têm, além do mais, de disponibilizar aos consumidores “a ficha de informação normalizada elaborada com base na informação por estes apresentada, com a simulação das condições do contrato de crédito, que pode ser realizada aos balcões do mutuante ou do intermediário de crédito, através dos seus sítios na Internet ou por qualquer outro meio de comunicação à distância” e “devem entregar aos consumidores uma ficha de informação normalizada que incorpore as condições do contrato de crédito aprovadas, acompanhada da minuta do contrato de crédito”.

Para lá desta “informação pré-contratual personalizada”, os mutuantes devem/têm de disponibilizar “em permanência, nos seus sítios na Internet, informação geral clara, verdadeira, completa, compreensível e legível sobre os contratos de crédito”, informação esta que deve, outrossim, “ser disponibilizada em suporte papel ou outro suporte duradouro, mediante solicitação dos consumidores nos balcões dos mutuantes”.[7]

O mutuante deve/tem de prestar “dever de assistência ao consumidor”, esclarecendo-o de modo adequado a fim de “colocá-lo em posição que lhe permita avaliar se o contrato de crédito proposto e os eventuais serviços acessórios se adaptam às suas necessidades e à sua situação financeira”, e toda a informação a prestar pelos mutuantes deve/tem de ser “completa, verdadeira, atualizada, clara, objetiva e adequada aos conhecimentos do consumidor individualmente considerado”.

 A Directiva n.º 2014/17/UE inclui, ainda, entre “as disposições que são objecto de harmonização imperativa”, o cálculo da TAEG, cuja equação de base está explicitada no Anexo II do DL n.º 74-A/2017 e traduz a equivalência entre a utilização do crédito, por um lado, e os reembolsos e encargos, por outro.[8]

Atendendo à importância da transacção inerente ao contrato de crédito hipotecário, o diploma prevê um período mínimo de reflexão de sete dias antes da celebração do contrato – durante o qual o consumidor não pode aceitar a proposta contratual –, procurando assegurar que o consumidor dispõe de um prazo suficiente para comparar propostas, avaliar as implicações da contratação do crédito e tomar uma decisão informada, estabelecendo que “o mutuante permanece vinculado à proposta contratual feita ao consumidor durante um prazo mínimo de 30 dias”.[9]

O DL n.º 74-A/2017, prevê, também, uma avaliação mais rigorosa da solvabilidade do consumidor, devendo o mutuante, antes da celebração do contrato de crédito, avaliar a solvabilidade do consumidor, verificando a sua “capacidade e propensão para o cumprimento do contrato de crédito”: “a avaliação de solvabilidade deve basear-se em informação necessária, suficiente e proporcional sobre os rendimentos e as despesas do consumidor e outras circunstâncias financeiras e económicas que lhe digam respeito”. Esta avaliação “não deve basear-se predominantemente no valor do imóvel que excede o montante do crédito nem no pressuposto de que o imóvel se irá valorizar”, devendo o mutuante, além disso, proceder à consulta das bases de dados de responsabilidades de crédito, podendo, complementarmente consultar a lista pública de execuções ou outras bases de dados que considere úteis para a avaliação da solvabilidade do consumidor.

Especificamente, resulta do art. 8.º do DL n.º 74-A/2017 que a informação a prestar pelos mutuantes no âmbito da negociação, celebração e vigência dos contratos de crédito regulados no seu âmbito deve ser completa, verdadeira, actualizada, clara, objectiva e adequada aos conhecimentos do consumidor[10] individualmente considerado, estando os mesmos obrigados a disponibilizá-la aos consumidores de forma legível.[11]

No que tange ao incumprimento do contrato de crédito, o art. 27.º contempla as seguintes regras:

“1. Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o mutuante só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se cumulativamente ocorrerem as circunstâncias seguintes:

a) A falta de pagamento de três prestações sucessivas;

b) A concessão, pelo mutuante, de um prazo suplementar mínimo de 30 dias para que o consumidor proceda ao pagamento das prestações em atraso, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, sem que este o faça.

2. O incumprimento parcial da prestação não é considerado para os efeitos previstos no número anterior, desde que o consumidor proceda ao pagamento do montante em falta e dos juros de mora eventualmente devidos até ao momento da prestação seguinte”.

Rui Pinto Duarte – O Novo Regime do Crédito Imobiliário a Consumidores (Dec.-Lei 74-A/2017), 2018, pp. 57 –, anotando este preceito legal, refere: “Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o mutuante só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se cumulativamente ocorrerem os factos seguintes: a) A falta de pagamento de três prestações sucessivas; b) A concessão, pelo mutuante, de um prazo suplementar mínimo de 30 dias para que o consumidor proceda ao pagamento das prestações em atraso, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato;

O incumprimento parcial de cada prestação não é considerado para efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato se o consumidor proceder ao pagamento do montante em falta e dos juros de mora eventualmente devidos até ao momento da prestação seguinte (n.° 2)”.

De igual forma, Sandra Passinhas – O Novo Regime do Crédito aos Consumidores para Imóveis de Habitação, 2018 –, expende “em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, determina o artigo 27.º que o mutuante só pode invocar a perda do benefício do prazo (nos termos do artigo 781.º do Código Civil) ou a resolução do contrato (nos termos do artigo 801.º, n.º 2) se, cumulativamente, ocorrer a falta de pagamento de três prestações sucessivas e a concessão, pelo mutuante, de um prazo suplementar mínimo de 30 dias para que o consumidor proceda ao pagamento das prestações em atraso, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, sem que este o faça”.[12]

O art. 28.º, referente à “Retoma do contrato de crédito”, prevê o seguinte regime:

“1. O consumidor tem direito à retoma do contrato no prazo para a oposição à execução relativa a créditos à habitação abrangidos pelo presente decreto-lei ou até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide a hipoteca, caso não tenha havido lugar a reclamação de créditos por outros credores, e desde que se verifique o pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como os juros de mora e as despesas em que o mutuante tenha incorrido, quando documentalmente justificadas.

2. Caso o consumidor exerça o direito à retoma do contrato, considera-se sem efeito a sua resolução, mantendo-se o contrato de crédito em vigor nos exatos termos e condições iniciais, com eventuais alterações, não se verificando qualquer novação do contrato ou das garantias que asseguram o seu cumprimento.

3. O mutuante apenas está obrigado a aceitar a retoma do contrato duas vezes durante a respetiva vigência”.

Conforme aponta Rui Pinto Duarte – op. cit., p. 58 : “O consumidor tem direito à retoma do contrato no prazo para a oposição à execução relativa a créditos à habitação abrangidos pelo Regime ou até à venda executiva do imóvel sobre o qual incida a hipoteca, caso não tenha havido lugar a reclamação de créditos por outros credores, e desde que se verifique o pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como os juros de mora e as despesas em que o mutuante tenha incorrido (n.º 1); Caso o consumidor exerça o direito à retoma do contrato, considera-se sem efeito a sua resolução, mantendo-se o contrato de crédito em vigor, não se verificando qualquer novação do contrato ou das garantias que asseguram o seu cumprimento (n.° 2); O mutuante apenas está obrigado a aceitar a retoma do contrato duas vezes durante a respetiva vigência (n.° 3)”.

Por seu turno, o art. 36.º, intitulado “Inversão do ónus da prova” estabelece que: “Compete ao mutuante e, se for o caso, ao intermediário de crédito, fazer prova do cumprimento das obrigações previstas no presente decreto-lei”.

A este respeito, exara, novamente, Rui Pinto Duarte – op. cit., p. 60: “Julgo que a epígrafe do art. 36 não é feliz, pois, na esmagadora maioria das vezes, a prova do cumprimento das obrigações dos mutuantes e dos intermediários de crédito caber-lhes-ia por força das regras gerais, nomeadamente a constante do art. 342, n.º l, do Código Civil (não havendo, pois, qualquer inversão). Tal em nada obsta à clareza do preceito, que põe sempre a cargo dos nele referidos a prova dos factos consubstanciadores do cumprimento das suas obrigações”.

Fazendo uma adequada análise do regime exposto, consignou-se no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, 25-01-2023, Proc. n.º 5837/21.4T8STB-A.E1, cuja posição merece no nosso acolhimento:

“I. Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, determina o artigo 27º do D.L. n.º 74-A/2017, de 23.6 que o mutuante só pode invocar a perda do benefício do prazo (nos termos do artigo 781.º do Código Civil) ou a resolução do contrato (nos termos do artigo 801.º, n.º 2) se, cumulativamente, ocorrer a falta de pagamento de três prestações sucessivas e a concessão, pelo mutuante, de um prazo suplementar mínimo de 30 dias para que o consumidor proceda ao pagamento das prestações em atraso, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, sem que este o faça;

II. Se na missiva enviada ao consumidor, o mutante não lhe concede um prazo suplementar mínimo de 30 dias para que o mesmo proceda ao pagamento das prestações em atraso, estava-lhe vedado invocar a perda do benefício do prazo pelo que não lhe poderia exigir na execução contra ele instaurada a totalidade do capital em dívida referente ao mútuo, faltando uma das condições processuais de prosseguimento da acção executiva”.[13]

Revertendo ao caso em análise, contrariamente ao invocado pelas embargantes, não só o Banco mutuante, em tempo oportuno, através das cartas datadas de 07-03-2022, interpelou quer a executada mutuária, quer os co-executados fiadores, para pagamento, dando-lhes conhecimento que o empréstimo, garantido pela hipoteca que incide sobre o imóvel penhorado à ordem dos autos se encontrava em incumprimento – estando, a essa data, em dívida o montante de € 19 881,92 correspondendo a capital, juros e demais despesas bancária –, concedendo-lhes o prazo de 30 dias para proceder ao pagamento dos valores de incumprimento em dívida, como a exequente também o fez, através das missivas que enviou através do seu Il. Mandatário.

Com efeito, nas cartas indicadas, o Banco mutuante interpelou, quer a executada mutuária, quer os co-executados fiadores para liquidarem a dívida, comunicando-lhes a concessão do prazo de 30 dias para procederem ao pagamento dos valores de incumprimento em dívida.

Tais cartas foram remetidas para as moradas conhecidas do Banco mutuante – Av.ª ...., ... ..., no caso da executada mutuária –, sendo essa a sua morada.

Subsequentemente às cartas de interpelação, foi comunicada a resolução do contrato a todos os executados, por cartas datadas de 24-02-2023, as quais foram remetidas para as moradas conhecidas da exequente, e igualmente recebidas pelos executados, fazendo referência expressa à cessão de créditos ocorrida, da qual os executados tiveram conhecimento, por cartas enviadas a 29-03-2022 pelo Banco mutuante.

Recorde-se que com a entrada em vigor do DL n.º 42/2019, de 28-03, passou a existir um regime simplificado para a cessão de carteiras de créditos, entendendo-se, nos termos do art. 2.º, que a cessão de créditos em massa é aquela em que o cessionário é uma instituição de crédito, sociedade financeira ou uma sociedade de titularização de créditos e o preço de alienação global de créditos a ceder seja, no mínimo, de € 50 000,00, sendo a careira constituída por, pelo menos, 50 créditos distintos. A cessão de créditos em massa por ser celebrada por documento particular, constituindo título bastante parta efeitos da transmissão dos créditos hipotecário ou das garantias sujeitas a registo, quando contenha o reconhecimento presencial das assinaturas do cedente e do cessionário.

Nos termos do art. 3.º, n.º 1, o cessionário considera-se habilitado em todos os processos em que estejam em causa créditos objecto de cessão, competindo-lhe apenas juntar cópia do contrato de cessão.

Sucede que, até à presente data, não está demonstrado qualquer pagamento por parte de qualquer um dos executados, mormente as embargantes, do crédito exequendo ao cessionário/exequente.

Por conseguinte, tendo a executada mutuária e os co-executados fiadores faltado ao cumprimento pontual das obrigações emergentes do contrato de mútuo com hipoteca, a exequente tinha o direito de o resolver e considerar o crédito imediatamente vencido.

Deste modo, entende-se que quando a exequente comunicou, através do seu il. Mandatário, a resolução do contrato a todos os executados, por cartas datadas de 21-10-2022 e de 24-02-2023, referindo além do mais:

, deu adequado cumprimento ao estatuído no art. 27.º do DL n.º 74-A/2017.

Reitera-se que as executadas/embargantes não provaram qualquer pagamento relevante no processo, sendo certo que, tendo o cessionário do crédito, exequente, alegado no requerimento executivo a data até à qual as prestações foram cumpridas, invocando estarem em dívida as demais prestações e juros, era às executadas/embargantes que incumbia a prova de terem procedido ao pagamento das prestações vencidas desde a data indicada, facto que não alegaram e, consequentemente, não podiam provar, por não terem invocado qualquer facto modificativo ou extintivo da dívida, v. g. que pagaram a mesma, ou parte dela (cf. art. 343.º, n.º 2 do Código Civil) – cf., entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08-11-2022, Proc. n.º 9560/21.1T8PRT-A.P1.

Por outro lado, contrariamente ao alegado pelas executadas/embargantes, apenas teriam direito à retoma do contrato se no prazo para a oposição à execução – ou até à venda executiva do imóvel sobre o qual incida a hipoteca –, desde que se verificasse o pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como os juros de mora e as despesas em que o mutuante tenha incorrido, conforme decorre do n.º 1 do art. 28.º do DL 74-A/2017,  o que não ocorreu.

Em consonância, sem necessidade de maiores considerações, considera-se que não assiste razão às embargantes, não tendo ocorrido, por conseguinte, qualquer violação das disposições legais constantes dos arts. 814.º e 816.º, 582.º, n.º 1 e 585.º do Código Civil e do art. 28.º do DL 74-A/2017 de 26-03.

O decidido, evidentemente, não bule com o incidente que a executada AA deduziu, entretanto, no pretérito dia 01-10-2024, onde requer a retoma do contrato de crédito, nos termos do art. 28.º do DL n.º 74-A/2017 de 23-06, o qual se mostra pendente na presente data.


*

Sumariando:

(…).

Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelas recorrentes, nos termos do artigo 527.º, nºs. 1 e 2, do CPC.


Coimbra, 26-11-2024

Luís Miguel Caldas

Hugo Meireles

Francisco Costeira da Rocha



[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dr. Hugo Meireles e Dr. Francisco Costeira da Rocha
[2] cf., v.g., os documentos n.ºs 3, 4, juntos à petição de embargos e documento n.º 7 junto à contestação.
[3] Fracção autónoma designada pela letra“C”, correspondente ao primeiro andar esquerdo, destinado a habitação, uma garagem no subsolo e uma arrecadação no sótão, ambas identificadas com a mesma letra da fração, do prédio urbano sito na Avenida ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...50 afecto ao regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz sob o artigo ...87.
[4] Rege o n.º 1 do art. 577.º do Código Civil: “O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor”.
Por sua vez, prescreve o art. 583.º do Código Civil: “A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite”.
[5] Publicado nas bases de dados jurisprudenciais em https://www.dgsi.pt/, tal como os restantes que se mencionarem neste Acórdão.
[6] A Acção Executiva: À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª edição, 2014, p. 206
[7] A informação geral deve incluir, além do mais: a identidade do prestador das informações bem como os seus contactos; os tipos de garantias; os tipos de Taxa Anual Nominal (TAN) – fixa, variável ou uma combinação de ambas, acompanhada de uma breve descrição das características da taxa fixa e da taxa variável; um exemplo representativo que inclua o montante total do crédito, o custo total do crédito para o consumidor, o montante total imputado ao consumidor e a Taxa Anual de Encargos Efetiva Global (TAEG); a indicação de outros custos não incluídos no custo total do crédito para o consumidor, a pagar no âmbito do contrato de crédito; as opções disponíveis para o reembolso do crédito ao mutuante; a descrição das condições aplicáveis ao reembolso antecipado, entre outros elementos.

[8] Na negociação do contrato de crédito, o mutuante deve igualmente informar o consumidor da possibilidade de sujeitar o contrato, por acordo expresso entre as partes, a duas regras especiais concretamente definidas no diploma: (i) possibilidade de “ser apenas constituído seguro de vida do consumidor e de outros intervenientes no contrato de crédito e seguro sobre o imóvel, em reforço da garantia de hipoteca”; (ii) previsão expressa de que “a venda executiva ou dação em cumprimento do imóvel na sequência de incumprimento do contrato de crédito, pelo mutuário, o exonera integralmente e extingue as respetivas obrigações no âmbito do contrato, independentemente do produto da venda executiva ou do valor atribuído ao imóvel para efeitos da dação em cumprimento ou negócio alternativo”

[9] O fiador beneficia deste período mínimo de reflexão, antes da celebração do contrato, para que possa ponderar as implicações da concessão da fiança.
[10] Segundo o art. 4.º, n.º 1, al. d), do citado diploma, considera-se consumidor, a pessoa singular que, nos negócios jurídicos abrangidos pelo presente decreto-lei, actua com objectivos, alheios à sua actividade comercial ou profissional.
[11] Cf. sobre o direito à informação aos consumidores, Direito à Informação no Âmbito do Direito do Consumo – O Caso Específico das Cláusulas Contratuais Gerais, Julgar, n.º 21, 2013, p. 207: “[N]o Direito do Consumo, a pedra de toque do direito à informação é a realização das possibilidades objectivas de conhecimento e compreensão, por parte do consumidor, enquanto destinatário do produto ou do serviço, por isso se falando em cognoscibilidade, que abrange não apenas o conhecimento (“poder conhecer”) mas a compreensão (“poder compreender”). Neste caso, se o fundamento jurídico do direito à informação tem a sua matriz no princípio da boa fé, o seu verdadeiro fundamento material reside na desigualdade ou desnível da informação do consumidor, carente de uma particular necessidade de protecção. Propugna-se, assim, por um direito à informação, quer no plano geral, quer no plano individual, específico do Direito do Consumo, que contribua para a tomada de decisões do consumidor, enquanto contratante de bens e serviços, esclarecidas e conscientes”.
[12] Estudos de Direito do Consumidor, n.º 14 (2018), pp. 415-487, https://www.fd.uc.pt/~sandrap/pdfs/edc14.pdf
[13] Também com interesse, cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. n.º 650/22.5T8ACB.C1, de 09-04-2024.