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DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE DE NORMA LEGAL
Sumário
I - Para além da inexistência, as deliberações da assembleia de condóminos podem padecer de vícios que acarretam, consoante os casos, a sua anulabilidade, a sua nulidade ou a sua ineficácia. II - A subordinação dessas deliberações ao regime da nulidade e da ineficácia resulta, não de analogia, mas da aplicação das regras gerais sobre os negócios jurídicos previstas no Código Civil e como consequência da falta de regulação específica sobre tais formas de invalidade no âmbito da propriedade horizontal. III - O art. 1433.º/1 do CC, consagrando um regime próprio de arguição da anulabilidade das deliberações das assembleias de condóminos, abrange quer a invalidade em função do respectivo objecto (vício de conteúdo), quer aquela que resulta de irregularidades na convocação dos condóminos (vício de formação). IV - Por força dessa disposição legal, caso não seja solicitada a realização de uma assembleia extraordinária, a caducidade do direito de acção opera, sempre, tanto para os condóminos presentes como para os ausentes, no prazo de sessenta dias contados desde a data da deliberação. V - Ressalvadas situações excepcionais, as deliberações inquinadas por irregularidade na convocação das assembleias, ou na sua comunicação aos condóminos, são apenas anuláveis. VI - Embora a inconstitucionalidade de uma norma legal deva ser suscitada de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, a inobservância dessa regra não obsta à integração da questão no objecto do recurso, a apreciar pelo tribunal superior, sem prejuízo das normas previstas na Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, relativas aos requisitos de admissibilidade dos recursos dirigidos ao Tribunal Constitucional. VII - Antes da questão da inconstitucionalidade da norma, importa convocar, com eventual proveito para o recurso, o princípio da interpretação da lei em conformidade com a Constituição, segundo o qual, no caso de normas polissémicas ou plurissignificativas, deve dar-se prevalência a uma interpretação que lhes dê um sentido em conformidade com a Constituição. VIII - O art. 1433.º/1 do Código Civil, interpretado no sentido de incluir os vícios de formação das deliberações da assembleia de condóminos, não padece de inconstitucionalidade material.
Texto Integral
Acção Comum nº 3798/23.4T8GDM.P1
ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO (3.ª SECÇÃO CÍVEL):
Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
1.º Adjunto: Anabela Mendes Morais
2.º Adjunto: José Eusébio Almeida
RELATÓRIO:
AA, titular do NIF ...10, residente na Rua ..., ..., ..., em ..., ..., intentou acção declarativa para declaração de nulidade ou anulação de deliberações da assembleia de condóminos, com processo comum, contra CONDOMÍNIO ..., portador do NIF ...81 e sito na Rua ..., ..., ..., representado pelo seu administrador.
Pediu fossem declaradas nulas todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral de Condóminos, realizada a 13/07/2023, nomeadamente, a deliberação (a única que foi concretamente identificada na petição inicial) que nomeou para o R. uma nova administradora.
Para o efeito e em síntese, alegou que não teve conhecimento nem foi convocado para qualquer assembleia geral de condóminos, na qual não esteve presente, e que apenas tomou conhecimento da reunião e das deliberações tomadas a 3/10/2023, o que traduz, a seu ver, violação das regras imperativas constantes no artigo 1432.º/1 e 9 do Código Civil.
Devidamente citado, o R. ofereceu contestação, na qual, entre o mais, suscitou a excepção peremptória da caducidade do direito de acção, uma vez que, segundo argumentou, inobservância dos requisitos legais quanto à convocatória da assembleia de condóminos e quanto à comunicação da acta/deliberações a condómino, poderão conduzir ao vício da anulabilidade das deliberações e não de nulidade, pois que nenhum desses fundamentos integra a violação de normas legais de natureza imperativa, nem a exorbitância da esfera de competência da assembleia de condóminos.
Depois de observado o contraditório, relativamente a tal questão, que mereceu expressa pronúncia do A. (cfr. requerimento de 5/4/2024), os autos foram conclusos e, na sequência, foi proferido saneador sentença que julgou procedente a invocada excepção da caducidade e, em consequência, decidiu de imediato a absolvição do R. dos pedidos contra si formulados.
E dessa decisão, inconformado, o A. veio interpor o presente recurso, admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Apresentou as seguintes conclusões:
(…)
O R. respondeu ao recurso, mediante alegação que finalizou com as conclusões seguintes:
(…)
Nada obsta ao conhecimento do recurso, o qual foi admitido na forma e com os efeitos legalmente previstos.
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OBJECTO DO RECURSO:
Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões, as quais, assim, definem e delimitam o objeto do recurso (arts. 635º/4 e 639º/1 do CPC).
Assim sendo, importa em especial apreciar:
a) Se a falta de convocatória do A. para a assembleia de condóminos e, em geral, o desrespeito pelas regras previstas para esse efeito e para a comunicação das deliberações no art. 1432.º do CC geram nulidade, susceptível de invocação a todo o tempo (conclusões 1 a 9, 12 a 18 e 29 a 33 do recurso);
b) Se foi oportunamente suscitada (conclusões 18 a 24 da resposta) e procede a questão da inconstitucionalidade do n.º 1 do art.º 1433.º do Código Civil, quando interpretado no sentido da aplicação do regime da anulabilidade às deliberações tomadas em assembleia geral de condóminos para a qual o condómino não foi convocado (conclusões 10, 11, 19 a 28).
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
São os seguintes os factos provados e que cumpre considerar, extraídos dos elementos constantes no processo, de acordo com a decisão recorrida e que as partes não colocaram em crise: 1. Encontra-se registada a favor do A. AA, pela Ap. ...43, de 2022/09/14, a aquisição do direito de propriedade da fracção autónoma designada pela letra “G” do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, denominado Edifício ..., sito na Rua ..., ..., com entrada pelo n.º ...01 e que corresponde ao 2º andar esquerdo destinado a habitação, com garagem fechada designada pela letra da fracção, descrita na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ...09... da freguesia ..., e inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º ...30 da União de freguesias ... (...), ... e .... 2. Em Outubro de 2023, o A. encontrou na sua caixa de correio uma folha, com data de 01/09/2023, assinada pela “administração do condomínio” – A..., Ldª, sita na Praça ... loja ..., em ..., onde está escrito o seguinte: “Ex.mo(a) Senhor(a) Vimos pela presente comunicar a V.ª Ex.ª que de acordo com a deliberação da assembleia de Condóminos acta n.º 1ª n/ empresa supra identificada foi eleita para administrar o V/ edifício a partir de 01 de Setembro de 2023. Pedimos ainda para preencher a ficha anexa (dados pessoais) e remeter para os nossos escritórios ou por email para que possamos introduzir os dados nos nossos ficheiros com as devidas correcções, e deverão juntar cópia do seguro multirriscos obrigatório por lei. Em anexo enviamos o aviso de débito/recibo de Setembro de 2023, no qual segue o IBAN da conta do Banco 1... do condomínio, no qual já podem efectuar a transferência conforme orçamento aprovado.” 3. Estavam ainda na caixa de correio dois Avisos de Débito/ Recibo, um datado de 01/09/2023 e outro datado de 01/10/2023, com a menção, em cada um deles, do valor de € 67,68 a pagar, correspondente à quota de condomínio do A., referente aos meses de Setembro e Outubro, respectivamente. 4. No dia 03 de Outubro de 2023, o A. enviou um email ao R., na pessoa da sua administradora, para o endereço “..........@A.....”, em que refere: “Bom dia, O meu nome é AA, sou o proprietário do apartamento do 2º esquerdo do Edifício ..., Rua ..., .... Encontrei na minha caixa de correio um documento a indicar que a partir de dia 1 de Setembro de 2023 a vossa empresa passou a ser a administradora do condomínio. Na carta é informado que houve assembleia de condóminos para eleger a administração do edifício, da qual foi redigida a acta n.º 1. Em momento algum fui informado desta reunião, gostaria de saber quando se realizou, quem participou e o motivo de não receber cópia da acta? Fico a aguardar uma resposta. Obrigado” 5. No mesmo dia, a administração do condomínio respondeu a este email com o envio da acta n.º 1 de 13/7/2023. 6. Na aludida acta refere-se que “Aos treze de Julho de dois mil e vinte e três, pelas 21h30m reuniram-se em assembleia Geral ordinária, os Condóminos do edifício Rua ..., ... ..., após prévia convocatória feita nos termos legais a todos os condóminos. Foi agendada esta reunião para deliberar sobre os assuntos constantes na convocatória, a saber: 1- Formalização do Condomínio e pedido do Cartão de contribuinte, 2- Eleição da administração para o ano 2023/2024. 3- Apresentação, discussão e aprovação de orçamento para o ano 2023/2024. 4- Outros assuntos de interesse geral.” 7. Na mesma assembleia, foi deliberado e aprovado, por unanimidade dos presentes: o pedido de cartão de contribuinte em nome do condomínio; a eleição da A... como administração para os anos de 2023/2024; o orçamento apresentado pela A... no valor de € 10.164, incluindo Fundo Comum de Reserva, entrando em vigor a 1/9/2023, terminando em 31/8/2024. 8. O A., não esteve presente na assembleia de condóminos desse dia, nem nela se fez representar. 9. O A. não foi convocado para a referida assembleia por carta registada ou aviso convocatório, nem por e-mail. 10. A acta também não foi comunicada ao A., antes do momento referido em 5., por carta registada com aviso de receção ou por correio eletrónico. 11. A presente acção foi intentada via citius, no dia 7/12/2023, pedindo o A. que sejam “declaradas nulas todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral de Condóminos, realizada a 13/07/2023, por violação das regras imperativas constantes no artigo 1432º do CC, sendo a nulidade de conhecimento oficioso e com efeitos retroactivos – Art 286º e n.º 1 do art.º 289º ambos do CC.”
*
SOBRE A FALTA DE CONVOCATÓRIA DO CONDÓMINO:
Como acime se disse, a primeira questão que cumpre resolver assenta na determinação da consequência legal adequada para o caso de ocorrer falta de convocatória de um condómino para a assembleia geral de condóminos e atraso na comunicação das deliberações que nela foram tomadas.
Importa saber, a esse respeito e mais concretamente, se tais faltas e, em geral, a infracção às regras previstas para esse efeito no art. 1432.º do CC geram a anulabilidade das deliberações, sujeita ao prazo de arguição previsto no art. 1433.º do mesmo diploma, como se entendeu na decisão recorrida, ou o vício mais grave da nulidade, passível de invocação a todo o tempo, segundo o disposto no art. 286.º do CC, como foi preconizado no recurso.
O que cumpre fazer tendo como pano de fundo a ausência de dissenso entre as partes sobre a circunstância de que, quanto ao A., não foi observado o formalismo da convocatória estabelecido no art. 1432.º do Código Civil para a assembleia do condomínio, uma vez que, como ficou demonstrado, ele não foi convocado para a reunião de 13/7/2023 e, por isso, nela não marcou presença, por si ou através de qualquer representante (factos nº8 e 9).
Para além de estar assente que, não obstante a realização na referida data da assembleia, apenas a 3/10/2023 o A. foi informado do teor da respectiva acta (factos nº5 e 10).
Dispõe o art. 1433.º do referido normativo, entre o mais, que as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado (nº1). Acrescentando que: 2 - No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes. 3 - No prazo de 30 dias contado nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem. 4 - O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.
Está em causa, pois, um caso especial de anulabilidade, a que alude, em termos gerais, o art. 287.º do Código Civil.
A norma do art. 1433.º do CC não esgota, no entanto, segundo deve entender-se, o elenco dos vícios que podem inquinar a validade das deliberações das assembleias de condóminos.
Como refere a doutrina, “nos termos do artigo 1433º, nº 1, as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriores aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado. A sanção cominada é, portanto, a anulabilidade das deliberações”.
Porém, “a lei não se refere às deliberações nulas, nem às ineficazes, que seguem o regime geral” (cfr. Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2ª ed., pp. 250-251).
Existem, assim, dois outros vícios, pelo menos (para além da inexistência, de que não cumpre cuidar nestes autos), de que as deliberações da assembleia de condóminos podem padecer: a nulidade e a ineficácia.
Densificando essas modalidades de invalidade, é possível dizer que:
· São nulas as deliberações que violem preceitos legais de natureza imperativa (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, III Vol., 2.ª ed., p. 447, e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2022, processo 1615/19.0T8STS.P2, relatado por Carlos Gil e disponível na página em linha do Diário da República);
· Tal como são nulas as deliberações que infrinjam normas de interesse e ordem pública (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de Henrique Mesquita, Ob. cit., p. 448, A. Santos Justo, Direitos Reais, 8.ª ed., p. 391, e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3/12/2020, tirado no processo 392/18.5T8VPA.G1, da autoria de Fernanda Proença, disponível na base de dados da Dgsi);
· Por outro lado, são ineficazes as deliberações resultantes de pronúncia da assembleia de condóminos sobre assuntos para os quais não tem competência legal (A. Santos Justo, Ob. cit., p. 392, Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de Henrique Mesquita, Ob. cit., p. 448, e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/10/2019, da autoria de Luís Filipe Pires de Sousa, tirado no processo 1945/18.7T8LSB e disponível em www.dgsi.pt).
É importante notar, por outro lado, que a relevância das referidas formas ou modalidades de invalidade resulta directamente da aplicação das regras gerais sobre os negócios jurídicos, que o art. 1433.º do Código Civil, como parece evidente, não pretendeu excluir.
Na verdade, essa norma legal teve sobretudo subjacente o propósito de consagrar um regime específico de arguição, diverso do regime comum previsto no art. 287.º do mesmo diploma, para a anulabilidade das deliberações das assembleias de condóminos.
De modo que, em consequência da aplicação, quanto às outras invalidades, para actos desconformes à lei, do “regime geral”, segue-se que as referidas deliberações podem ser nulas por infringirem normas de interesse e ordem pública, nos termos do art. 280.º do Código Civil, ou por contrariarem regras legais de natureza imperativa, por determinação do art. 294.º do mesmo diploma.
E que fiquem subordinadas, quando assim suceda, ao regime de arguição previsto na parte geral do Código Civil, incluindo a admissibilidade de invocação a todo o tempo, a possibilidade de conhecimento oficioso e a inviabilidade de sanação do vício (art. 286.º).
Da mesma maneira que sucede relativamente à ineficácia, verificável na deliberação, como em qualquer acto nas mesmas condições, que “não produza todos ou parte dos efeitos que a categoria a que pertence está, em abstracto, apta para produzir”, integrando com a invalidade e a inexistência “questões da teoria do direito”, embora a ineficácia seja regulada em várias disposições legais dispersas pelo Código Civil, como por exemplo no seu art. 224.º/3, “porque as situações de ineficácia stricto sensu são diversas e heterogéneas” (cfr. Carlos Ferreira de Almeida, Invalidade, inexistência e ineficácia, Católica Law Review, disponível em linha, pp. 10-11 e 26).
Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/1/2021 (tirado no processo 27942/16.9T8LSB.L2-1, acessível no referido sítio e relatado por Eurico Reis), citado pelo recorrente, “a omissão de convocação de um condómino para uma assembleia de condóminos consubstancia uma conduta que é, em termos conceptuais - lógicos e ontológicos -, totalmente inconfundível e distinta de uma deliberação aprovada numa tal assembleia, pelo que o disposto no art.º 1433º do Código Civil, e em particular o que aí se estatuí acerca do prazo de caducidade para intentar uma acção de anulação de deliberações da assembleia de condóminos, não pode aplicar-se”.
Por isso, considerou que “não existindo no Código Civil uma norma que expressamente regule e estabeleça os efeitos de um tal comportamento omissivo (não convocação de um condómino para a assembleia de condóminos), porque o tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio (art.º 8º n.º 1 do Código Civil), forçoso se torna encontrar uma solução jurídica para essa situação litigiosa”.
Todavia, salvo o devido respeito por diversa opinião, não nos parece, em atenção aos motivos acima expostos, que o recurso à analogia (“construção dessa norma reguladora”, no dizer do referido aresto) tenha utilidade ou sentido para convocar o regime dos arts. 280.º e 294.º do CC à questão da validade das deliberações da assembleia de condóminos.
Com efeito, a subordinação de tais deliberações ao referido regime representa mera consequência da falta de regulação específica sobre a nulidade e a ineficácia no âmbito da propriedade horizontal e da actividade da assembleia de condóminos.
Por isso, a aplicação das normas gerais relativas à invalidade previstas nos arts. 217.º e 280.º e segs. do Código Civil, às deliberações da assembleia de condóminos, é resultado imediato da vigência das regras consagradas na parte geral do diploma para os negócios jurídicos, a que cumpre lançar mão sempre que não contendam com as normas dos arts. 1432.º e segs. do mesmo diploma legal.
Sucede, porém, que para além de desnecessário, o recurso à analogia nesta sede, se bem pensamos e ressalvando todo o apreço por opinião diversa, é mesmo injustificado ou desacertado.
Na verdade, ao estipular que as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis, o art. 1433.º/1 do Código Civil, embora se reporte em primeira linha ao conteúdo daquelas deliberações, tem igualmente em vista as situações em que o processo conducente à deliberação, e desde logo a convocatória da assembleia, não tenham respeitado as regras legais previstas para o efeito.
Por um lado, é o que resulta da componente literal da interpretação jurídica, visto que o enquadramento dos vícios procedimentais no âmbito do art. 1433.º/1 do CC cabe ainda no sentido possível das palavras empregues pelo legislador na referida norma.
Neste sentido, em termos literais, as deliberações da assembleia tanto podem ser contrárias à lei porque o seu conteúdo ofendeu regras jurídicas de natureza material, como igualmente na medida em que no seu processo formativo ocorreu ofensa a preceitos de cariz procedimental.
E, por outro lado, porque é essa conclusão que, identicamente, emerge dos elementos sistemático e teleológico da hermenêutica.
Em primeiro lugar, como refere o Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 7/3/2016 (tirado no processo nº 388/11.8TJPRT.P1, relatado por Manuel Domingos Fernandes, e acessível em texto integral na mencionada base de dados em linha), “estatuindo o artigo 1432.º, nos nºs 1 e 6º do CCivil (diploma a que pertenceram as restantes disposições sem menção de origem) respectivamente, o modo de convocação da assembleia e comunicação das deliberações nela tomadas, não estabelece, todavia, nitidamente a consequência da falta de convocatória de qualquer condómino, ao contrário do que, por exemplo, acontece no Código das Sociedades Comerciais (artigo 56.º)”.
Para prosseguir: “Como assim, consignando o citado 1433.º nº 1 que as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis, a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado, haverá de se considerar que o normativo abrange quer as deliberações inválidas em função do respectivo objecto (vício de conteúdo), quer as deliberações inválidas por virtude de irregularidades ocorridas na convocação dos associados (vício de formação)”.
Devendo destacar-se que este aresto é igualmente citado na doutrina, sem qualquer manifestação de oposição ao entendimento nele perfilhado (cfr. A. Santos Justo, Ob. cit., p. 390).
Identicamente, entendeu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/7/2023 que, face ao disposto no art. 1433.º/1 do CC, “facilmente se percebe que a falta de convocatória de alguns condóminos implica a violação da lei, concretamente, a regra de convocação de todos os condóminos para participarem, querendo, na assembleia – que por isso se diz geral – de condóminos” (processo nº 19909/21.1T8LSB.L1-6, estando o aresto, da autoria de Adeodato Brotas, disponível em www.dgsi.pt).
Em segundo lugar, porque não faria sentido, salvo melhor opinião, consagrar o regime menos severo da anulabilidade para os vícios mais importantes, referentes ao conteúdo da deliberação, e através da analogia, para falhas que não têm maior gravidade, relativas à formação da deliberação, já considerar aplicável o regime extremamente mais gravoso da nulidade.
Basta ver, para assim concluir, analisando os casos apontados na doutrina como justificativos da sanção mais grave da nulidade, que todos eles respeitam ao conteúdo da deliberação.
“Suponha-se, como referem os autores, que a assembleia autoriza a divisão entre os condóminos de alguma daquelas partes do edifício que o nº1 do art. 1421.º considera forçosamente comuns; que suprime, por maioria, o direito conferido pelo nº1 do art. 1428.º; que elimina a faculdade, atribuída pelo art. 1427.º a qualquer condómino, de proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício; que suprime o recurso dos actos do administrador a que alude o art. 1438.º; ou que dispensa o seguro do edifício contra o risco de incêndio, diversamente do que se dispõe no nº1 do art. 1429.º” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. cit., p. 448).
Ao passo que as regras de formação, incluindo sobre a convocatória da assembleia, e de comunicação das deliberações, são meramente instrumentais, quer do direito a participar e a influenciar a formação da vontade colegial do condomínio, no sentido de obter as deliberações legalmente admissíveis que sejam mais proveitosas para todos os condóminos, quer de as conhecer atempadamente.
Deste modo, caso se verifique, no âmbito de uma propriedade horizontal, que, apesar de as regras de convocação não terem sido respeitadas, todos os condóminos compareceram na assembleia, ou que as deliberações tomadas foram, depois de conhecidas, consideradas adequadas por todos os condóminos, a questão procedimental perderá todo o seu relevo.
Todavia, mesmo recusando às regras de formação e de comunicação da deliberação o referido carácter instrumental, a verdade é que nada justifica conceder-lhes tratamento mais rigoroso daquele que é reconhecido às normas relativas ao conteúdo da deliberação.
Em ambos os casos de infracção a essas regras, na verdade, existe uma desconformidade à lei que não parece merecer, apenas com base na referida distinção entre a formação e o conteúdo, tratamento diverso da lei, sem prejuízo dos casos em que, pela sua maior gravidade, e independentemente dessa distinção, as deliberações sejam nulas.
Por outro lado, entre a nulidade e a anulabilidade, tem sido entendido que, em geral, “não se vislumbra um outro critério material de distinção que se baseie numa destrinça clara segundo a natureza ou a categoria dos vícios geradores de invalidade”.
E daí que “apenas se pode concluir modestamente que, na alternativa entre as duas espécies de invalidade, a nulidade é o regime regra (cfr. artigo 294.º), aplicando-se a anulabilidade ao conjunto de casos que a lei comina com tal consequência” (cfr. Carlos Ferreira de Almeida, Ob. cit., p. 14, cfr. Carlos Ferreira de Almeida, Ob. cit., p. 14, citando igualmente a lição de I. Galvão Telles).
Ora, para além de consagrar um regime de arguição específico, o art. 1433.º do Código Civil veio regular diversamente esta questão, ou pelo menos afastar a dúvida sobre o vício supletivamente aplicável, para as deliberações da assembleia de condóminos, consagrando nesse âmbito, de forma expressa e indiscutível, a anulabilidade como regime regra para as infracções à lei ou ao regulamento.
Na mesma linha, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7/3/2016, acima citado, sentenciou que “a regra quanto a deliberações da assembleia dos condóminos contrárias à lei e regulamentos aprovados é a da sua anulabilidade, e apenas se estará perante um caso de nulidade quando estiver em causa a violação de normas de interesse e ordem pública”.
Assim sendo, não se vislumbra qualquer fundamento razoável para que esse seja o regime regra quanto ao conteúdo das deliberações do condomínio e que, porém, já deva ser afastado, em prol da vigência do regime da nulidade, relativamente à formação e comunicação das mesmas deliberações.
Tal como não existem motivos legítimos para que o incumprimento das regras de conteúdo deva ser suscitado em 60 dias, sob pena de caducidade, nos termos do art. 1433.º/4 do CC, e a violação às normas de formação, em especial de convocação da assembleia, já possa ser arguida a todo o tempo e por qualquer interessado, segundo o art. 286.º do mesmo normativo.
Neste conspecto, pois, mesmo que não se atribua maior importância ao teor substancial da deliberação, em detrimento da forma como a assembleia foi convocada, tem de reconhecer-se, pelo menos, a justeza de um critério de igualdade no tratamento de ambas as questões.
De modo que, caso alguma analogia houvesse que fazer, para definir o regime da invalidade da deliberação por vício de formação, ela teria de ser feita, como parece óbvio, com o próprio art. 1433.º do Código Civil.
O que, porém, se revela desnecessário, como se disse, impondo-se concluir, pois, que tal norma se reporta, tanto às deliberações inválidas em função do respectivo conteúdo, como às deliberações cuja invalidade resulta de irregularidades ocorridas na sua comunicação e na convocação dos condóminos.
É essa, de resto, a posição maioritária da doutrina e da jurisprudência.
Assim, tem sido entendimento da doutrina que “as eventuais irregularidades do procedimento de convocação – e, em particular, as atinentes à observância do prazo e à iniciativa da convocação – não podem dar lugar senão a deliberações contrárias à lei e, como tal, sujeitas à anulação. Nas deliberações resultantes de assembleias irregularmente convocadas há uma violação lateral da lei, através do processo formativo da assembleia. Serão, por isso, de acordo com o regime regra, deliberações meramente anuláveis” (cfr. Sandra Passinhas, Ob. cit. p. 215),
Tal como apontam no mesmo sentido as referências, sem oposição, à prescrição que o art. 1433.º/1 do CC abrange quer as deliberações inválidas em função do respectivo objecto, ou vício de conteúdo, quer as deliberações inválidas por virtude de irregularidades ocorridas na convocação dos associados, ou vício de formação (cfr. A. Santos Justo, Ob. cit., p. 390).
Ou ainda as palavras da doutrina tradicional segundo as quais “o modo de convocação prescrito (…) não tem que ser observado sacramentalmente” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. cit., p. 445).
Ao passo que na jurisprudência, para além do citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7/3/2016, podem mencionar-se, no apontado sentido:
· Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/7/2023, igualmente já citado, segundo o qual, “as irregularidades do procedimento de convocação da assembleia de condóminos, seja por inobservância do prazo de antecedência, seja por omissão de convocatória de um ou mais condóminos, seja por ter sido convocada por quem não tem legitimidade, têm como consequência que as deliberações que nessa assembleia sejam tomadas são inválidas e estão sujeitas à arguição de anulabilidade”;
· Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3/4/2014 (tirado no processo 1360/10.0TBVCT.G1, da autoria de Isabel Rocha e acessível na referida base de dados), que sentenciou: “a irregularidade ou omissão de convocatória da assembleia de condóminos tem como consequência a anulabilidade das deliberações resultantes da mesma assembleia”;
· Acórdão do mesmo TRG de 3/12/2020, que acima também foi já citado e que embora sem pronúncia expressa sobre a questão, não incluiu a violação do art. 1432.º do CC como fundamentadora da nulidade da deliberação, enquadrando nesse âmbito apenas as normas “inscritas nos arts. 1421.º n.º 1, 1427.º, 1428.º n.º 1, 1429.º n.º 1 e 1438.º do Código Civil”;
· Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6/12/2016 (relativo ao processo 473/13.1TBLMG-A, de Manuel Capelo e pesquisável na base de dados da Dgsi), segundo o qual, “quando os condóminos não tenham sido convocados para a assembleia ou não o tenham sido com observância dos requisitos estabelecidos no nº1 do art. 1432º do C.Civil, as deliberações tomadas nessa assembleia são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado, dentro do prazo a que alude o art. 1433º, nº4, do C.Civil”; e
· Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/9/2006 (proferido por Paulo Sá no processo 06A1264 e disponível naquela base de dados), onde se defendeu que “a sanção do desrespeito do mencionado art. 1432.º, n.º 2, do CC é a anulabilidade”.
Volvendo ao caso dos autos, constata-se que a única infracção apontada às deliberações impugnadas pelo A. versa o art. 1432.º do Código Civil, sobre a forma de convocação da assembleia de condóminos (nº1) e quanto ao atraso na comunicação das respectivas deliberações (nº9).
Nada se apontando quanto ao conteúdo ou à substância das deliberações tomadas na assembleia de 13/7/2023.
Pelo que, em coerência com o exposto, importa concluir, na ausência de infracção a qualquer norma de natureza imperativa, ou que tenha em vista a tutela do interesse e da ordem pública, que o caso é de anulabilidade, nos termos do art. 1433.º/1 do Código Civil.
Embora tenha existido uma actuação ilegal do R., a ilegalidade cometida não recaiu sobre norma imperativa, nem relativa ao interesse e ordem pública, e também não assumiu gravidade bastante para gerar a nulidade da deliberação.
Deve aplicar-se, em consequência, o regime regra consagrado para a contrariedade à lei das deliberações da assembleia de condóminos, quer quanto ao seu conteúdo, quer atinente à sua formação e comunicação, ou seja, o regime da anulabilidade previsto no art. 1433.º do CC.
O que significa a vigência do prazo de arguição previsto no nº4 dessa disposição legal, segundo o qual, o direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.
Nem se compreenderia, ponderando desde logo a certeza e segurança jurídicas, que a irregularidade da convocatória de um condómino para a assembleia e o atraso na comunicação do seu resultado obrigassem o condomínio a enfrentar a possibilidade de arguição da invalidade da deliberação, durante meses e anos, sem respeito por qualquer prazo.
Para além disso, como não foi solicitada, pelo A., na sequência do conhecimento da deliberação em crise, a realização de uma assembleia extraordinária, é o prazo de 60 dias que releva, o qual não foi respeitado pelo demandante quando, a 7/12/2023, interpôs a presente acção.
Duas notas complementares, todavia, são ainda justificadas a respeito do regime de arguição da invalidade previsto no art. 1433.º do Código Civil.
A primeira, muito breve, é sobre a natureza do prazo previsto no seu nº4, para destacar o seu carácter substantivo, de acordo com o disposto nos arts. 296.º e 298.º do Código Civil e, portanto, sujeito ao regime do cômputo do termo estabelecido no art. 279.º do mesmo diploma (cfr., nesse sentido, o Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 25/10/2023, tirado no processo 14681/22.0T8PRT.P1, da autoria de Ana Luísa Loureiro e disponível na identificada base de dados da Dgsi em linha).
A segunda, mais extensa e de maior relevância para o presente recurso, diz respeito ao termo inicial de contagem do referido prazo de 60 dias e que o nº4 do art. 1433.º do CC aponta para a data da deliberação.
Deve reconhecer-se previamente, na conjugação desse com o nº2 da mesma disposição legal, a existência de alguma desarmonia, pois o prazo concedido aos condóminos ausentes, para requerer ao administrador a realização de uma assembleia extraordinária, embora de apenas dez dias, é contado desde a data da comunicação da deliberação.
De modo que, tal faculdade pode ser exercida pelo condómino ausente muito depois da data da deliberação e do final do prazo que lhe é concedido para impugnar imediatamente a deliberação junto dos tribunais, por um lado e, por outro, acaba por permitir a mesma impugnação judicial, embora versando agora a decisão da assembleia extraordinária, no prazo complementar de vinte dias após a data em que esta foi realizada.
Tudo indica, porém, que este foi o sistema intencionalmente desenhado pelo legislador quando, através do DL nº267/94, de 25 de Outubro, alterou a redacção do art. 1433.º do CC, tendo em vista assegurar, em primeiro lugar, a resolução consensual dos litígios que possam ocorrer em sede de propriedade horizontal e, para além disso, promover a celeridade possível na consolidação das deliberações do condomínio, embora sem afrontar excessivamente os direitos individuais dos condóminos.
Para significar, pois, que a circunstância de ser possível requerer a realização da assembleia extraordinária desde a data do conhecimento da deliberação, na verdade, não contende com a conclusão de que, caso pretenda impugnar logo a deliberação em juízo, o condómino está condicionado para o efeito a um prazo contado desde a data em que ela foi tomada.
Tal impugnação tem por referência, assim, a data da deliberação.
Desde logo, é o que resulta do teor literal do art. 1433.º/4 do CC, visto que, como já se sublinhou na jurisprudência, resulta dos vários números dessa disposição legal “que quando o legislador quis relevar a comunicação aos condóminos ausentes da deliberação impugnada fez expressa referência a isso, como sucedeu nos nºs 2 e 3 do artigo 1433º do Código Civil” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2022, acima citado).
Para além disso, e decisivamente, porque a contagem do prazo desde a data em que a deliberação foi tomada é a opção cujo acerto, claramente, emerge da evolução legislativa e dos valores que o legislador quis tutelar.
Note-se que, antes da alteração promovida pelo DL nº267/94, de 25 de Outubro, o art. 1433.º do Código Civil prescrevia que “o direito de propor a acção caduca, quanto aos condóminos presentes, no prazo de vinte dias a contar da deliberação e, quanto aos proprietários ausentes, no mesmo prazo a contar da comunicação da deliberação”.
O que traduzia, inequivocamente, a concessão de um prazo de impugnação para os condóminos ausentes contado desde a comunicação da deliberação.
E daí que a alteração legal tenha o sentido evidente de deslocar o termo inicial da contagem do prazo, nesse âmbito, para a data da deliberação, independentemente da data em que foi conhecida pelo condómino ausente.
Assim se compreendendo, pois, que actualmente esteja consolidada, na doutrina e na jurisprudência, a ideia de que “o termo inicial do prazo de caducidade da ação de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, quando não tenha sido solicitada assembleia extraordinária, coincide com a data da deliberação impugnada, tenham os impugnantes estado presentes ou não na assembleia de condóminos em que foi tomada a deliberação impugnada” (cfr., por todos, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2022, relatado por Carlos Gil, acima citado, na jurisprudência, e A. Santos Justo, Ob. cit., p. 391, na doutrina).
Para além disso, tal orientação é plenamente justificada tendo em conta os valores que o legislador pretendeu tutelar.
Nesse particular, “relativamente aos condóminos ausentes, alargou o prazo para impugnação das deliberações anuláveis de 20 para 60 dias, assim lhes concedendo uma maior dilação para poderem averiguar em concreto do teor das deliberações tomadas em assembleia geral (o que, em princípio, constitui um benefício para aqueles e se justifica em razão da ausência na assembleia)”, mas, simultaneamente, “quis tutelar a segurança e operacionalidade das deliberações tomadas, impedindo que, devido a circunstâncias alheias (ausência em parte incerta) ou imputáveis aos condóminos ausentes (intencional impedimento da comunicação), estes se refugiem na alegação do desconhecimento do que se deliberou nas assembleias para, com base nesse fundamento, passados meses ou anos, atacarem as deliberações tomadas”.
Da mesma forma, o legislador quis impor aos condóminos faltosos o dever de “diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações para, se o desejarem, poderem impugná-las no prazo dilatado de 60 dias sobre a data da deliberação e não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/5/2020, referente ao processo 693/18.2T8OER.L1-6, da autoria de Manuel Rodrigues e acessível em linha no sítio já identificado).
Está em causa, com efeito, a preocupação de garantir a consolidação das deliberações da assembleia, após o decurso de um período considerado razoável para tanto, embora sem onerar excessivamente os direitos dos condóminos, a quem são facultadas várias formas e prazos para reagir perante deliberações com as quais possam não concordar.
E de, simultaneamente impor aos condóminos o dever de diligenciar pelo conhecimento com celeridade da forma como o condomínio é administrado e das suas principais decisões.
Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça que, “não tendo sido solicitada assembleia extraordinária, a caducidade do direito de acção de anulação opera, sempre, tanto para os condóminos presentes como para os ausentes, no prazo de 60 dias contados da data da deliberação (ut n.º 4 do art. 1433.º do CC)”, acrescentando que esta solução “não deixa desprotegido o condómino ausente, pois, como reza o n.º 2 do art. 1433.º, tem sempre à sua mercê o recurso à assembleia extraordinária (que pode exigir ao administrador, no prazo de 10 dias contado da comunicação da deliberação) e, caso a deliberação não tenha sido revogada por essa mesma assembleia extraordinária, pode, ainda, recorrer à acção de anulação, no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária, com vista a lograr obter essa mesma revogação” (cfr. Acórdão de 11/11/2021, da autoria de Fernando Baptista, no processo 23757/19.0T8PRT-A.L1.S1 e acessível na página em linha do Diário da República).
Ora, estes valores, sendo importantes para clarificar qual é o termo inicial do prazo de impugnação das deliberações em juízo, depõem igualmente no sentido de que, mesmo para os condóminos ausentes, e independentemente do motivo da ausência, a arguição da falta de validade da deliberação deve ser feita pela via da anulabilidade.
Com sujeição, por isso, a um prazo certo, nos termos do art. 1433.º do CC, e não a todo o tempo, ou mesmo por decisão oficiosa do tribunal, como resultaria da aplicação do disposto no art. 286.º do mesmo diploma.
Na verdade, a ideia de que, indistintamente para os condóminos presentes e para os ausentes, é a partir da data da deliberação que se conta o prazo de impugnação, sendo manifestada pela doutrina e pela jurisprudência sem cuidar do motivo da ausência, demonstra igualmente que, mesmo resultando a falta de comparência de infracção legal, e ainda que ela seja imputável à administração, o vício correspondente é em princípio gerador da anulabilidade, que, ao invés da nulidade, é susceptível de sanação (arts. 287.º e 288.º do CC).
O que constitui outro argumento no sentido de, afinal, corroborar o entendimento que, abstraindo de situações excepcionais, que o caso dos autos não integra (como sucederia, por exemplo, em relação a uma assembleia realizada às ocultas da generalidade dos condóminos), sustenta que as deliberações inquinadas por irregularidade na convocação das assembleias, ou na sua comunicação aos condóminos, são apenas anuláveis, durante período determinado, e não nulas, por todo o tempo.
Pelo contrário, este contributo resultante da data consensualmente aceite para o início da contagem do prazo de arguição e, sobretudo, aqueles valores jurídicos tutelados pelo legislador no art. 1433.º do CC, são totalmente negligenciados, de forma que se crê discricionária, desde logo face à possibilidade de invocação do vício em qualquer momento, pela tese da nulidade da deliberação por falta de convocação da assembleia e da sua comunicação.
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SOBRE A INVOCADA INCONSTITUCIONALIDADE:
A segunda questão que importa apreciar no presente recurso, em atenção ao objecto acima definido, diz respeito à afirmada inconstitucionalidade do n.º 1 do art.º 1433.º do Código Civil, quando interpretado no sentido da aplicação do regime da anulabilidade às deliberações tomadas em assembleia geral de condóminos para a qual o condómino não foi convocado.
O que, segundo defende o recorrente, tem por fundamento a violação de vários direitos e princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa, desde a propriedade privada até à igualdade, passando pela proporcionalidade e pela protecção da confiança.
Segundo se crê, porém, e salvo o devido respeito por outra opinião, semelhante arguição de inconstitucionalidade é extemporânea, injustificada e destituída de fundamento.
Em primeiro lugar, afigura-se que a questão da inconstitucionalidade da aplicação da norma é extemporânea porquanto, como afirma o recorrido, nunca foi suscitada pelo recorrente no tribunal a quo e, como assim, não foi alvo de apreciação na decisão recorrida.
É certo que, num plano de razoabilidade, e mesmo de aplicação estrita da lei, não era exigível ao A. que suscitasse a questão logo na petição inicial, encontrando-se nessa fase somente vinculado a, entre o mais, expor as razões de direito nas quais fundamentou o pedido (art. 552.º/al. d) do CPC).
Todavia, já não é compreensível a completa ausência de referência ao referido juízo de inconstitucionalidade quando, na sequência da notificação da contestação, o A. foi confrontado com o entendimento do R. no sentido de que as falhas apontadas apenas poderiam conduzir ao vício da anulabilidade das deliberações, e com base no qual ali foi suscitada a excepção peremptória da caducidade do direito de acção.
Nessas circunstâncias, o A. estava já na posse de todos os elementos para arguir, logo em primeira instância, a alegada desconformidade de semelhante interpretação com direitos e princípios constitucionais, tal como estava já advertido de que a defesa da improcedência imediata da acção tinha por fundamento principal a aplicação do regime previsto no art. 1433.º do CC precisamente com a mesma argumentação cuja constitucionalidade então não colocou em crise e agora já coloca.
Dessa forma, segundo entendemos, deve concluir-se que o arguente não logrou suscitar a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, quando já disponha de todas as condições para o efeito, tanto mais que, como resulta do relatório, foi convidado pelo tribunal de primeira instância, ao abrigo do contraditório, a pronunciar-se especificamente sobre a excepção deduzida pelo R. na contestação.
Não se vislumbra, no entanto, que a referida extemporaneidade da arguição, a despeito de existir, constitua obstáculo decisivo à integração da questão no objecto do recurso, a apreciar pelo tribunal superior, visto que os requisitos de admissibilidade previstos no art. 72.º/2 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, são apenas aplicáveis aos recursos dirigidos ao Tribunal Constitucional, por um lado e, por outro, porque apenas com a decisão da primeira instância ficou certa e assente a aplicação da referida norma com o sentido pretensamente, na perspectiva do recorrente, contrário à Constituição.
Acresce, no mesmo sentido, a regra que veda a qualquer tribunal, incluindo aos tribunais de recurso, a aplicação de normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (art. 204.º da CRP).
O que, entrando já na apreciação da questão, nos conduz à ideia que a invocação da inconstitucionalidade, salvo melhor opinião, é injustificada.
Na verdade, se bem pensamos, somente tem pertinência semelhante arguição quando, em primeiro lugar, não exista alternativa em sede de recurso à aplicação da norma com outro sentido e, em segundo, quando a própria regra legal não consinta, à luz dos critérios relevantes nessa sede, uma interpretação em consonância com os ditames constitucionais.
Caso isso seja ainda possível, então o recurso deve ser interposto, não no sentido de arguir a inconstitucionalidade da norma numa certa interpretação, mas na defesa da interpretação da norma de acordo com a Constituição.
Com efeito, como tem sido preconizado pelo Supremo Tribunal de Justiça, antes da questão da inconstitucionalidade da norma, tem de convocar-se “o princípio da interpretação da lei em conformidade com a Constituição, princípio de controlo que tem como função assegurar a constitucionalidade da interpretação, que, porém, só ganha relevo autónomo quando a utilização dos elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentro dos vários significados da norma”. “É o que linearmente decorre da sua formulação mais comum: no caso de normas polissémicas ou plurissignificativas, deve dar-se prevalência a uma interpretação que lhes dê um sentido em conformidade com a Constituição. O que a vincula a que a interpretação conforme à Constituição só é legítima ou admissível quando existe um espaço de decisão, um espaço aberto a várias propostas interpretativas, umas conformes, a que se deve dar preferência, e outras desconformes com o texto constitucional”.
Acrescentando “que o princípio da interpretação conforme à Constituição é um simples princípio interpretativo e não um parâmetro de controlo da constitucionalidade, servindo apenas para determinar, de entre as várias interpretações possíveis da norma infraconstitucional, aquela que melhor corresponde às decisões do legislador constitucional, sendo, por isso, uma interpretação orientada para a Constituição” (cfr. Acórdão de 9/7/2024, tirado no processo nº2830/18.8T8CSC.L1.S1, relatado por Henrique Antunes e que pode ser localizado na citada base de dados da Dgsi em linha).
Ora, é patente que a norma aplicada no caso dos autos, o art. 1433.º/1 do Código Civil, deixa espaço para mais que um sentido, quanto à abrangência dos vícios da anulabilidade e da nulidade e na questão de saber se inclui a violação às regras de formação das deliberações do condomínio ou se, pelo contrário, rege apenas para a inobservância das regras de conteúdo.
Pelo que, com eventual proveito para o recurso, seria possível pugnar, em função das circunstâncias do caso, pela interpretação daquele preceito legal ou das várias formas de invalidade das deliberações segundo a Constituição.
Poderia realmente ocorrer, a esta luz, mercê de tratamento discriminatório ou por força da reiteração da ilicitude ao longo do tempo, designadamente, que a interpretação de acordo com a Constituição desviasse a situação do regime regra da anulabilidade, colocando-a sob a alçada da nulidade, à semelhança, afinal, do que sucede em caso de violação de normas de interesse e ordem pública.
Nenhuma circunstância semelhante, porém, está presente ou foi suscitada no caso dos autos, atentos os factos provados e mesmo face à petição inicial, nada se indicando sobre os motivos da falta de convocação do A. para a assembleia, onde estiveram presentes condóminos representativos de mais de 80% do valor total do edifício, ou sobre antecedentes relevantes, verificando-se inclusivamente que se tratou da primeira reunião do condomínio em questão.
Acresce que, para além de injustificada, nos termos acima expostos, a arguição da inconstitucionalidade, a nosso ver, é igualmente desprovida de fundamento.
Por um lado, tendo em conta que, como acima se expôs, o legislador ordinário, ao consagrar o art. 1433.º do CC na actual redacção, tutelou com razoabilidade interesses relevantes em situação de possível confronto.
Desde a segurança jurídica, com a intenção de assegurar a consolidação célere das deliberações da assembleia, até aos direitos individuais dos condóminos, emergentes da participação que devem ter na formação da vontade colegial da propriedade horizontal, através da consagração de vários mecanismos de reacção a deliberações que considerem ilegais, sem prejuízo de, ao mesmo tempo, lhes impor o dever, que não se afigura excessivo, de diligenciar pelo conhecimento atempado das decisões relevantes do condomínio.
Trata-se, pois, de uma regulação da lei conforme ao princípio da concordância prática entre valores igualmente protegidos na Constituição, com emanação no art. 18.º/2 da CRP e cujo sentido essencial é o de assegurar o melhor equilíbrio possível entre direitos em possível colisão.
Por outro lado, tomando em consideração que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a não constitucionalidade do referido art. 1433.º do Código Civil, versando a questão, intimamente relacionada com aquela que o recorrente coloca, como acima se viu, relativa ao prazo de impugnação das deliberações da assembleia para os condóminos ausentes.
Tratou-se do Acórdão do TC de 9 de Dezembro de 2010 (produzido no processo 441/2010, relatado por Joaquim de Sousa Ribeiro e disponível na base de dados em linha da Procuradoria Geral da República).
Citando tal aresto, importa concluir que é claro, e jurisprudencialmente aceite, que “a aspiração do art. 1433.º do CC é a de se privilegiarem os meios extrajudiciais (a assembleia extraordinária) ou parajudiciais (o centro de arbitragem) para a apreciação e eventual revogação das deliberações anuláveis a que se reporta o n.º 1 do artigo 1433.º, do C.C”.
Nesse âmbito, “os condóminos faltosos terão de cuidar diligentemente de se informar sobre se teve ou não lugar a assembleia e se novo dia foi efectivamente designado e terão, de igual modo, de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações, para, se o desejarem, poderem impugná-lo no prazo dilatado de 60 dias (repare-se que o primitivo prazo de 20 dias foi alargado) sobre a data da deliberação e, não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava, mas em regime de prazo que foi revogado e sublinhado por outro”.
Concluindo que é “manifesto, assim, que a impossibilidade de recurso a juízo, com êxito, surgiu como resultado da negligência do recorrente em propor a acção, se bem que por escassos dias”.
Bem assim, que “o prazo de caducidade para interpor a acção de anulação é de 60 dias para todos os condóminos, sendo o prazo a quo, contado da data da deliberação da assembleia de condóminos, não só porque foi este o teor literal dado pelo legislador ordinário, com pelo facto de esta interpretação não violar nenhum dos preceitos com consagração constitucional e invocados pelo recorrente, nomeadamente os artigos 2.º, 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa”.
Ora, tais conclusões são plenamente aplicáveis à interpretação que inclui no âmbito do art. 1433.º do CC, face aos valores que estão subjacentes a essa norma, e como determinantes da anulabilidade, os vícios de formação, ou de convocação, das deliberações das assembleias de condóminos.
Evidenciando-se, pois, na esteira do citado acórdão, que esse preceito legal, interpretado no sentido de incluir os vícios de formação das deliberações da assembleia de condóminos, não padece de inconstitucionalidade material.
E, identicamente, as demais observações feitas no aresto são inteiramente pertinentes para justificar, no caso dos autos, a improcedência da pretensão do A. visto que, também aqui, na sequência de deliberações de 13/7/2023, a reacção do condómino, sem passar, por opção que a si é imputável, pela convocação de uma assembleia extraordinária, tardou até 7/12/2023 e excedeu ainda, por alguns dias, em resultado que não pode ser afastado da sua negligência, o prazo de sessenta dias desde a data em que daquelas o A. tomou conhecimento (a 3/10/2023).
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DECISÃO: Com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente, que nele decaiu (art. 527.º do CPC).