No âmbito de contrato de compra e venda de veículo automóvel usado a consumidor, com aplicação do disposto nos art.ºs 10.º do DLei n.º 23/96, de 8/4 e 16.º da Lei n.º 24/96, de 31/7, é nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual, antes da denúncia da falta de conformidade ao vendedor, se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos em tais diplomas legais.
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
AA, residente na Rua ..., ..., ... ..., intentou a presente acção de processo comum, contra A... S.A., com sede na Avenida ..., ... Lisboa.
Invocou o Autor, em súmula, que a Ré, com sede em Lisboa, possui também Stand em Leiria, sendo que para promover a venda dos seus veículos automóveis, outrossim publicita os mesmos no site “standvirtual”, plataforma esta onde o autor viu a viatura matrícula ..-QJ-.. a diesel, marca Toyota Avensis de 2015.
Mais alegou o Autor que a Ré anunciou a aludida viatura, pelo preço de € 12.790,00, a qual veio a adquirir a 19 de Março de 2021, por essa mesma verba, acrescida do valor de € 60,00 relativos aos emolumentos para registo de propriedade.
Aduziu, ainda, o Autor que, previamente à compra, o veiculo foi submetido a inspecção obrigatória automóvel, sem que aí tivesse sido registado na respectiva folha de inspecção qualquer deficiência, além do que, com vista à celebração do contrato de compra e venda da dita viatura, a Ré obrigou-se igualmente, e previamente à celebração desse contrato, a verificar diversos componentes e engrenagens do carro, substituindo algumas outras, o que teria realizado, pelo que o Autor confiou que a viatura estava em bom estado de funcionamento, o que a Ré também lhe garantiu.
Invocou o Autor, em concomitância, que a Ré também lhe asseverou que o veículo em apreço havia sido sujeito a uma rigorosa inspecção na oficina, encontrando-se em “óptimas condições” de funcionamento.
Sucede que, no relato do Autor, a 7 de Abril de 2021, o motor da viatura começou a fazer um barulho estranho, razão pela qual se viu obrigado a imobilizar o veiculo na berma da estrada, não mais tendo retomado a circulação com ele, e fez transportar a viatura para as oficinas do representante da Toyota, onde foi informado que o motor da mesma tinha gripado, com origem numa avaria de filtro de partículas.
Segundo veicula o Autor, o mesmo reclamou de tal situação junto da Ré, juntando orçamentos da oficina para reparação do veículo com os valores aventados de reparação, porém aquela informou que provavelmente não iria aceitar tal reclamação por alegadamente o Autor ter aceite receber a viatura tal como ela se encontrava, indiciando que a Ré sabia que a viatura padecia de defeitos em momento anterior à venda, e ainda assim não os comunicou ao autor, que não os conhecia, nem os aceitou.
Ademais, na petição, o Autor relatou que não mais utilizou a viatura, sendo que a Ré não disponibilizou qualquer veículo de substituição, nem procedeu à reparação do veiculo, limitando-se a contactar o autor a 30 de Abril de 2021, para lhe comunicar que tinha um motor usado para substituir o da viatura, pelo valor de € 3.000,00, sendo ainda o Autor a suportar também, as despesas de transporte da viatura para as suas oficinas em Leiria; tal proposta foi recusada pelo Autor por a viatura ainda se encontrar em garantia e o dano ser preexistente à data da compra e venda.
Acresceu o Autor que ele e o seu agregado familiar necessitam diariamente dessa viatura para circular, e com a falta dela, o filho teve de pedir e pagar boleias, ou deslocar-se com carros emprestados para a faculdade.
Por outro lado, o Autor retirou a viatura das instalações da oficina e transportou-a para sua habitação, onde actualmente se encontra, incorrendo em despesas.
Ante o expendido, o Autor invoca ainda o vício de nulidade, por a Ré não ter entregue os documentos referentes ao negócio celebrado – pese embora terem sido por diversas vezes solicitados – tudo à luz das normas de protecção ao consumidor, assim como toda e qualquer estipulação não comunicada que exclua qualquer garantia. Pugna, ademais e a final, pela condenação da Ré no pagamento:
i. da quantia de € 9.847,53 acrescido de IVA, correspondente a indemnização pelo prejuízo que o autor terá de suportar para reparação do veículo automóvel ..-QJ-..;
ii. da quantia de € 4.500,00 a título de privação de uso da viatura automóvel ..-QJ-..
iii. de quantia nunca inferior a €150,00 por transporte da viatura das instalações da oficina B... até à sua habitação;
iv. da quantia de € 156,39 correspondente ao reembolso do valor pago para proceder ao diagnóstico das avarias;
v. dos juros vincendos à taxa supletiva para comerciante a contar da data da citação e até integral e efectivo pagamento da divida;
vi. das custas processuais.
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Regularmente citada, a Ré deduziu contestação, afirmando que, quando adquiriu o veículo, o Autor foi informado do estado que o mesmo se encontrava, porquanto a Ré lhe comunicou que o veículo em discussão tinha defeitos, não tendo sido precedido de nenhuma revisão, e tendo a viatura sido vendida no estado em que se encontrava; e o negócio tinha sido aceite nesses moldes, incluindo através de uma declaração assinada nesse sentido, sendo que a reparação dos defeitos existentes no veículo ficaria a cargo do Autor.
Alega a Ré que toda a documentação inerente ao negócio de compra e venda do veículo em discussão nos presentes autos foi entregue ao Autor, aquando da entrega do veículo, e que o Autor se deslocou ao Stand da Ré, tendo experimentado o carro, e visto o estado em que o mesmo se encontrava, apenas tendo sido procedido à reparação e substituição dos elementos constantes no livro de revisão e solicitados pelo Autor.
A Ré invoca, ainda, que tendo em conta a informação por si prestada ao Autor quanto aos defeitos e a negligência do mesmo ao não ter procedido à reparação dos mesmos, nunca pode ser imputada a culpa à primeira e muito menos ser a mesma responsabilizada pela sua reparação, porque cumpriu todas as suas obrigações contratuais, nomeadamente as contratadas in casu.
Afirmou, outrossim, a Ré que além de ter conhecimentos dos defeitos, o Autor adquiriu o veículo no estado em que se encontrava, para troca de peças e ser posteriormente vendido, o que transmitiu à primeira.
Ademais, impugnou a Ré os valores peticionados a título de indemnização por privação de uso, por inexistência de fundamento que os estribe.
Requer, a final, seja declarado improcedente por não provada a pretensão do Autor.
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Tendo sido invocada factualidade passível de constituir matéria de excepção, foi dada a possibilidade de contraditório ao Autor, que o exerceu.
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Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, bem como o despacho de fixação do objecto do processo e de enunciação dos temas de prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, e finda a mesma foi proferida a sentença de fl.s 128 a 150, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:
“Nestes termos, ao abrigo das disposições legais supra citadas, julga-se parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, decide-se:
a) Declarar nula a declaração identificada no facto dado como provado em 55.e constante de fls. 52 verso, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lein.º 67/2003, de 08/04e dos artigos 8.º e 16.º, ambos da Lei 24/96, de 31-07.
b) Condenar a Ré A..., S.A. no pagamento ao Autor AA da quantia de € 7.949,44, a título de indemnização para reparação do motor do veículo automóvel identificado em 7.dos factos provados, à luz do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08-04 e do artigo 12.º da Lei 24/96, de 31-07.
c) Condenar a Ré A..., S.A. no pagamento ao Autor AA da quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença, relativamente à substituição do filtro de particular do automóvel identificado em 7., até ao limite de € 1.748,09, nostermos dos artigos 358.º, n.º 2, 359.º e 609.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil.
d) Condenar a Ré A..., S.A.,no pagamento ao Autor AA do valor de € 10,00, resultante da privação de uso do automóvelem causa, por cada dia entre 07-04-2021 e 03-10-2021 (datas do acidente e da entrada da petição inicial),nos termos dos artigos 4.º, a) e 566.º, n.º 3, ambos do Código Civil e artigo 12.º da Lei 24/96, de 31-07.
e) Absolver a Ré A..., S.A.,do pagamento ao Autor AA de qualquer quantia relativa aos custos de deslocação do veículo da oficina à habitação do Autor.
f) Condenar a Ré A..., S.A.,do pagamento ao Autor AA da quantia de € 156,39, relativa ao reembolso dos custos de diagnóstico da avaria do veículo identificado em 7.dos factos provados.
Custas: a cargo de Autor e Ré, nos termos supra.”.
Inconformada com a mesma, interpôs recurso a ré, A..., SA, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 211 v.º), rematando as respectivas motivações, com o que apelida de “conclusões”, ao longo de 8 folhas (frente e verso), ao arrepio do comando ínsito no artigo 639.º, n.º 1, do CPC “de forma sintética”, pelo que aqui não se procede à respectiva transcrição, sem embargo de, no local próprio, se assinalarem e decidirem as questões ali suscitadas.
Contra-alegando, o autor, pugna pela manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em que o recurso de facto deve ser rejeitado, por a ré não ter indicado, com precisão, as passagens em que funda o seu desacordo, indicando passagens “extensas”; assim não se entendendo, deve o mesmo improceder, com o fundamento em que a prova produzida foi bem apreciada, defendendo, em consequência que se deve manter a factualidade dada como provada e não provada na decisão recorrida, inexistindo as invocadas nulidades e/ou inconstitucionalidades, o que acarreta a improcedência do recurso.
A M.ma Juiz a quo, pronunciou-se a fl.s 211, no sentido de não se verificarem as nulidades invocadas pela recorrente.
Como resulta do exposto, a recorrida defende que o recurso na sua vertente de facto, deve ser rejeitado, com fundamento em a recorrente não indicar com precisão, as passagens das gravações em que o funda, indicando passagens “extensas” de 14 e 28 minutos.
Pelo que em sede de “questão prévia” incumbe apreciar da regularidade do recurso, na sua vertente de facto.
É certo que as boas práticas, consentâneas com o que se dispõe no artigo 640.º, do CPC, aconselham que se refiram os concretos meios probatórios aos pontos de facto que se visam impugnar, designadamente, a indicação, com exactidão, as passagens da gravação em que funda o seu recurso (n.º, 2, al. b).
A recorrente indica quais os depoimentos testemunhais em que se baseia para a pretendida alteração da matéria de facto dada como provada, sem especificar, entre os indicados nas conclusões 5.ª a 16.ª, se as mesmas se referem apenas a algum ou alguns de tais factos ou a todos.
Resulta, contudo, da alegação da recorrente que esta baseia a sua pretensão relativamente a toda essa matéria, com base nas mesmas provas, referindo as razões pelas quais defende a alteração de tal matéria de facto, o que basta para que tal não acarrete a rejeição do recurso, no tocante à decisão da matéria de facto em apreço – neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 9 de Julho de 2024, Processo n.º 1199/20.5T8AGD-A.P2.S1, disponível no respectivo sítio do Itij.
Colhidos os vistos legais, há que decidir.
Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:
A. Incorrecta análise e apreciação da prova, relativamente aos factos constantes dos itens 21.º a 24.º, 26.º a 34.º, 42.º, 43.º, 45.º, 47.º, 50.º a 54.º e 59.º, dos factos dados como provados, que devem a passar a considerar-se como não provados e VI a IX, dos factos dados como não provados, devendo os mesmos passar a considerar-se como provados;
B. Se na sentença recorrida não se procedeu a uma análise crítica das provas produzidas, em violação do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC;
C. Se o disposto o artigo 10.º do DL 67/2003, de 8/4, não é aplicável ao caso em apreço, com o fundamento em que o autor tinha conhecimento dos defeitos da viatura, antes de a adquirir;
D. Se a acção tem de improceder, com o fundamento em o autor ter declarado à ré que a viatura era “para tirar peças e posterior venda” e não para a usar em circulação;
E. Se a sentença recorrida é nula, por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al.s b), c) e d), do CPC e;
F. Se a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 13.º, 20.º, 202.º, 204.º e 205.º da CRP.
É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:
1. A Ré é uma sociedade por quotas que se dedica de forma habitual e com fins lucrativos (a actividade de acessoria de consultadoria para negócios e a gestão, intermediação de crédito. Comércio de peças e acessórios para veículos. Compra, venda, revenda e aluguer de veículos novos e usados, manutenção e reparação de veículos, intermediação comercial na actividade desenvolvida. Organização e realização de transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem, bom como outros investimentos ligados ao comércio de veículos automóveis, avionetas, aviões e barcos de recreio. Compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, construção civil e obras públicas, comércio de equipamentos e materiais de construção. Comércio de equipamento para a indústria e agricultura. Importação e exportação das mesmas. Limpezas e desobstrução junto das empresas e particular. Locação de contentores e transportes de resíduos; tração de veículos ligeiros ou pesados em plataforma ou reboque, a título particular ou profissional, assim como as variantes que possam estar relacionadas directa ou indirectamente, em Portugal e em todo o mundo. Transporte, tratamento e reciclagem de resíduos.
2. A Ré tem sede na Avenida ... ... Lisboa.
3. A Ré tem um stand em Leiria na Rua ..., ... ....
4. A 13 de Janeiro de 2014 a Ré incorporou a sociedade comercial C..., Unipessoal, Lda.
5. A Ré passou a utilizar, em Leiria, a denominação comercial de C... Group.
6. A Ré promove e publicita a venda dos seus veículos automóveis no sítio da internet Stand Virtual.
7. Foi no site Stand Virtual que o Autor viu publicitada a viatura automóvel de marca Toyota, modelo Avensis, de 2015, a diesel, com a matrícula ..-QJ-...
8. A 1 de Março de 2021 a viatura automóvel identificada em 7. encontrava-se a ser publicitada no site Stand Virtual, pela Ré, que aí utilizava o nome comercial de C..., pelo preço de € 12.790,00.
9. A 19 de Março de 2021 o Autor comprou à Ré o veículo identificado em 7. pelo preço de € 12.790,00, data em que o veículo lhe foi entregue.
10. Ao preço indicado em 8.e 9., o Autor pagou ainda à Ré o valor de € 60,00 relativos a emolumentos para que esta última procedesse ao registo da viatura a favor do primeiro.
11. O Autor pagou à Ré, no acto da aquisição e entrega da viatura identificada em 7., o valor global de € 12.850,00.
12. A 5 de Março de 2021 a Ré submeteu a viatura identificada em 7.a inspecção obrigatória.
13. No documento emitido pelo IMT e denominado Inspecção Técnica Periódica, datado de 05-03-2021, consta a seguinte informação «a ausência de anotações de deficiência significa a conformidade do veículo com a regulamentação em vigor, no momento em que foi inspeccionado»tendo o resultado inscrito a seguinte frase «aprovado».
14. A Ré entregou ao Autor o documento identificado em13.
15. Aquando da aquisição do veículo identificado em 7. a Ré procedeu à verificação dos seguintes elementos: correia de distribuição, correia do alternador, calços dos travões da frente, discos dos travões da frente, calços dos travões de trás, discos dos travões de trás, óleo da caixa de velocidades, óleo dos travões, líquido de refrigeração, velas, embraiagem, amortecedores da frente e amortecedores de trás, o que fez em 10-03-2021.
16. Aquando da aquisição do veículo identificado em 7.a Ré procedeu à substituição dos seguintes elementos: filtro de óleo, filtro de combustível, filtro de ar, filtro de habitáculo e bateria nova, o que fez em 10-03-2021.
17. Em data não concretamente apurada, a Ré entregou ao Autor o livro de revisão da viatura.
18. Em data não concretamente apurada, mas tendo por pressuposto a venda do veículo ao Autor, foi realizado um diagnóstico de anomalias não profundo, designadamente ligando o veículo a um computador para o efeito.
19. O Autor celebrou contrato de seguro obrigatório automóvel por danos próprios.
20. O Autor testou e circulou com o veículo identificado em 7. previamente à compra do mesmo.
21. Em data não concretamente apurada mas por volta do início do mês de Abril de 2021, quando BB se deslocava ao volante da viatura identificada em 7., em viagem do ... para a ..., denotou que a viatura começou a fazer um som estranho proveniente do motor, o que levou a imobilizar o veículo tendo chamado ao local pronto socorro que transportou a viatura para as oficinas do representante da Toyota no ..., B...,
22. A oficina B... diagnosticou como avaria a gripagem do motor, com origem em problema no filtro de partículas que pode causar a falta de lubrificação do motor.
23. A luz de aviso de avaria do filtro de partículas existente no tablier do veículo não acendeu em data prévia ou na data em que o veículo foi por si imobilizado.
24. No dia 8 de Abril de 2021, pelas 16:10 horas, o Autor remeteu à Ré e-mail, para o endereço de correio electrónico ..........@..... com o seguinte teor:
«Boa tarde,
Estou a enviar este email para informar que o comprei o carro com a matricula ..-QJ-.. no vosso stand de ... no dia 19 de março de 2021 ao senho CC.
Ontem dia 7 de abril cerca das 16h numa viagem do ... para a ... o meu filho ao sair da auto estrado o carro começou a fazer um barulho estranho, ele parou e logo se apercebeu que o barulho vinha do motor o qual parou e me ligou a informar do sucedido. Depois liguei para o representante da toyota no ... os quais me aconselharam a chamar um pronto socorro para transportar o carro para fazer o diagnostico e termos a certeza do que tinha.
Hoje dia 8 de abril pelas 10h desloquei-me a toyota do ... e fui informado pelos responsável da oficina que o motor teria danos graves visto que ao tirarem o filtro de óleo encontraram bastantes limalhas de ferro/bronze no mesmo. De seguida tiraram a tampa do carter e verificaram que os bronzes de uma biela que unem à cambota estavam partidos.
Pedia a vossas ex. para me resolverem o problema com a maior brevidade possível visto vos ter comprado o veículo há tão pouco tempo, ter feito tão poucos quilómetros e já ter um problema tão grave.
Cumprimentos,
AA»
25. Em 9 de Abril de 2021, pelas 08:38 horas, a Ré remeteu ao Autor o seguinte e-mail:
«Boa tarde Sr. AA,
Tem algum orçamento do que realmente a viatura necessita?
Após análise da sua compra, pude confirmar que o Sr. AA acordou em adquirir a viatura no estada em que se encontrava, assim sendo aguardo resposta à minha questão, para expor à administração, no entanto e com base no que indico não há grande probabilidade de ser positiva.
Atentamente,
DD»
26. A 13 de Abril de 2021 o Autor foi informado pela oficina B... de que o motor do veículo identificado em 7. teria que ser substituído, não sendo viável a sua reparação.
27. Na sequência do referido em 26.foram emitidos pela oficina B... dois documentos, denominados “estimativa”, sendo um com o n.º PEST/188/2021, no valor de € 7.949,44 com a seguinte menção “orçamento para substituição do motor (sendo que a reparação do motor actual não é viável) orçamento sujeito a alteração por ser não saber o estado dos componentes do motor actual” e o outro com o n.º PEST/189/2021, no valor de € 1.748,09 com a seguinte menção “orçamento para substi filtro de partículas”.
28. Foi ainda emitida pela oficina B... a factura n.º ...21, de 31-05-2021, no valor de € 156,39, referente a diagnóstico e montagem e desmontagem de veículo com a matrícula ..-QJ-.., que o Autor pagou.
29. Em 13 de Abril de 2021, pelas 10:23 horas, o Autor remeteu à Ré, através do e-mail ..........@....., a seguinte mensagem «(…) não percebo porque diz que a resposta por parte da administração não será positiva, visto o carro ter avariado num prazo de tempo tão curto após a respectiva compra. Para além disso, não comprei o automóvel conforme se encontrava, pois combinei com o vendedor fazer uma revisão da qual constava o seguintes serviços: mudança de óleo mais filtro do motor; limpeza; manete de mudanças de velocidade que não tinha; corrigir barulho na manete de mudanças; colocar o pára choques da frente no sítio; inspecção; verificar avarias através de ligação ao computador; verificar luzes e bateria».
30. Em 13 de Abril de 2021, pelas 11:43 horas, o Autor remeteu à Ré, através do e-mail ..........@....., os orçamentos emitidos pela oficina B..., com os n.ºs ...21 e ...21.
31. Em 14 de Abril de 2021, pelas 11:08 horas, o Autor remeteu à Ré o e-mail com o seguinte teor:
«Reencaminho o email que me foi enviado pela ... representante da Toyota em ... relativo aos orçamentos e relatório de reparação to automóvel:
Exm Sr. AA,
Conforme combinado por telefone, seque em anexo dois orçamentos
Um dos orçamentos é para a substituição do motor (bloco + cabeça), visto que a reparação do motor actual não é viável, ainda assim o orçamento pode sofrer alterações pois teremos que passar componentes tais como (turbo, radiador, sistema de injção) e do sabemos o estado em que se encontram. Esse valor inclui a retoma do seu motor atual, caso pretenda ficar com o mesmo, acresce-lhe um custo de 1800€+IVA.
O outro orçamento, é para a substituição do filtro de particulas, sendo que inicialmente irá se mandar testar o filtro, caso não tenha reparação, terá que ser substituido.
Todos os nossos orçamentos são emitidos sem IVA.
Deixo lhe aqui um breve resumo dos montantes com o IVA incluído:
Substituição do motor: 9777,81€ (valor já com IVA)
Substituição do filtro de particulas: 2150.15€ (valor já com IVA)»
32. Em 14 de Abril de 2021, pelas 11:12 horas, o Autor remeteu à Ré o e-mail com o seguinte teor:
«Bom dia,
Insisto por favor mais uma vez que me envie a cópia de toda a documentação que assinei no ato da entrega do automóvel com urgência.
Cumprimentos,
AA»
33. Em 19 de Abril de 2021, pelas 20:58 horas, o Autor remeteu à Ré o e-mail com o seguinte teor:
«Boa noite,
Gostaria de saber em que ponto se encontra a informação relativa à reparação do veículo Toyota Avensis de matrícula ..-QJ-... Solicito ainda a cópia de toda a documentação que assinei no ato da entrega do automóvel tal como combinado.
Aguardo resposta com urgência.
Cumprimentos,
AA»
34. Em 30 de Abril de 2021, pelas 16:07 horas, o Autor remeteu à Ré o e-mail com o seguinte teor:
«Boa tarde,
Venho por este meio solicitar de novo a reparação do veículo Toyota Avensis de matrícula ..-QJ-.., pois não aceito a proposta feita pelo vendedor CC, que consiste em pagar 3 000€pelo motor do veículo. Como sabem, por lei tenho direito a pelo menos um ano de garantia, sendo ilegal a abdicação de um ano de garantia. Assim, exijo uma resolução rápida, pois após dar a conhecer ao stand do defeito do veículo, este tem 30 dias para resolver a situação, sendo que já é do vosso conhecimento desde o dia 8 de abril.
Mais uma vez, solicito a cópia de toda a documentação que assinei no ato da entrega do automóvel.
Aguardo resposta com urgência, visto que o carro me faz muita falta, o que me causa muitos transtornos.
Cumprimentos,
AA»
35. Em data não concretamente apurada, mas entre 2 de Novembro de 2020 e 12 de Março de 2021, CC remeteu ao Autor, através de mensagem de telemóvel, documento denominado “Sr. ...pdf”, onde constam os seguintes escritos:
«Óleo + filtro
Limpeza
Manete mudanças
Barulho na manete mudanças
Pára-choques frente colocar no sítio
Inspecção
Verificar avarias
Verificar luzes
Bateria»
36. O elenco descrito no facto anterior correspondia às acções de verificação a empreender pela Ré antes de entregar o veículo ao Autor, por acordo entre ambas as partes.
37. Em data não concretamente apurada mas em Abril de 2021, um funcionário da Ré deslocou-se às oficinas B..., no sentido de verificar se a viatura identificada em 7.ali se encontrava e aferir as avarias existentes na mesma conforme afirmadas pelo Autor.
38. Após venda e entrega do veículo ao Autor, o mesmo não apresentava qualquer problema visível no óleo, na limpeza, na manete de mudanças, no pára-choques, nas luzes ou na bateria.
39. O Autor foi agente da GNR, encontrando-se actualmente reformado.
40. O Autor não tem formação específica em mecânica.
41. O Autor é proprietário de um veículo automóvel, da mesma marca e modelo do identificado em 7., que se encontra imobilizado e vítima de acidente de viação.
42. Entre 19 de Março de 2021 e 7 de Abril de 2021, o veículo identificado em 7. não emitia qualquer ruído atribuível a avaria no motor ou à manete de mudanças.
43. Qualquer avaria do filtro de partículas e/ou do motor não era visível nem aparente.
44. Desde 10 de Março de 2021 até 7 de Abril de 2021 a viatura identificada em 7. percorreu uma distância de cerca de 1335 km.
45. A viatura identificada em 7.foi adquirida para uso próprio do Autor e do seu agregado familiar.
46. Desde 7 de Abril de 2021 o Autor ou o seu agregado familiar não mais utilizou a viatura identificada em 7.
47. Em data não concretamente apurada, mas sempre depois de 1 de Setembro de 2021, o Autorremoveu a viatura identificada em 7.das instalações da B....
48. A Ré não disponibilizou ao Autor qualquer viatura de substituição do automóvel identificado em 7.nem procedeu à reparação da mesma até à actualidade.
49. Em 30 de Abril de 2021 a Ré contactou o Autor, comunicando-lhe que dispunha de um motor usado para substituir o da viatura identificada em 7., para o que aquele último teria que pagar a aquantia de € 3.000,00 e suportar as despesas de transporte da viatura para a oficina de Leiria, oferecendo a Ré o custo da mão-de-obra.
50. O Autor recusou a proposta aludida em 49. por considerar que a viatura se encontrava em prazo de garantia e o dano ser pré-existente à data da aquisição do veículo.
51. Quem utilizava maior número de vezes o veículo identificado em 7.era a mulher do Autor, que é professora, e dele carecia para se deslocar para a escola onde lecciona.
52. Desde a data da imobilização do veículo identificado em 7., a mulher do Autor passou a utilizar o veículo automóvel anteriormente utilizado por BB, filho do Autor.
53. Desde a data da imobilização do veículo identificado em 7., BB passou a deslocar-se entre o ... e a Universidade sita na ... através de boleia de um colega, a quem pagava uma contribuição de € 20,00 por percurso ou com viaturas emprestadas pelos tios.
54. BB, no ano lectivo 2021/2022, costumava fazer o percurso ... – ... pelo menos três vezes por semana.
55. Através de documento escrito denominado declaração, datada de 19 de Março de 2021, assinada pelo Autor e elaborada por EE, mostra-se redigido o seguinte:
«Tomei conhecimento que não foi efetuado qualquer serviço de revisão / manutenção na viatura adquirida, sendo da minha responsabilidade a execução da mesma. Fui ainda informado de que a viatura é vendida no estado em que se encontra, existindo alguns danos, de origem não identificada e a nível de mecânica (fugas de óleo, caixa de velocidades, ruídos no motor, Egr, sistema injeção, filtro partículas, entre outros), elétrica (Centralina, módulos elétricos diversos, ar condicionado, fechos central e vidros elétricos, radio, entre outros) e estética (pintura, chapa, estofos, consolas e tabliers)
Assim, e de comum acordo, prescindi de qualquer garantia da parte do stand, sendo que qualquer eventual anomalia é da minha responsabilidade. Nestas condições usufrui de um desconto de 1.000€ na aquisição da viatura.
..., 19 de março de 2021»
56. Em 19-03-2021, o veículo automóvel identificado em 7. não apresentava anomalia no ar condicionado, rádio, nos vidros eléctricos, no fecho central.
57. Em 19-03-2021, o veículo automóvel identificado em 7. não apresentava qualquer problema na chapa, na pintura, nos estofos, consolas ou tablier.
58. Em 19-03-2021, o veículo automóvel identificado em 7. apresentava anomalia no fecho manual da porta do condutor.
59. Não foi explicado ao Autor o conteúdo da declaração identificada em 55. e a finalidade da mesma.
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão da causa, consideram-se não provados os seguintes factos:
I. O vendedor CC afirmou perante o Autor que o veículo identificado em 7. se encontrava em óptimas condições de funcionamento e que «tinha carro para a vida».
II. O Autor decidiu comprar o veículo identificado em 7.por lhe ter sido afirmado que o mesmo não padecia de qualquer avaria mecânica.
III. O Autor esteve em vias de não comprar a viatura identificada em 7. porque a Ré se recusava a afinar/reparar a manete de mudanças da viatura e eliminar o ruído de provinha da viatura.
IV. O Autor não testou nem circulou com o veículo identificado em 7. previamente à compra do mesmo.
V. A avaria do motor do veículo identificado em 7. implicava a substituição do filtro de partículas.
VI. Foi explicado ao Autor quais os concretos defeitos que o veículo identificado em 7. padecia.
VII. A Ré entregou ao Autor cópia de todos os documentos por si assinados e relativa ao negócio de compra e venda sobre o veículo identificado em 7.
VIII. O veículo identificado em 7. foi adquirido pelo Autor para troca de peças e para posterior venda por parte do Autor.
IX. Ficou acordado entre as partes que a reparação dos defeitos existentes no veículo identificado em 7. ficaria a cargo do Autor.
X. O aluguer de um veículo ligeiro de passageiros equivalente à viatura identificada em 7. tem um custo diário mínimo de € 100,00.
XI. O Autor suportou ou terá que suportar quantia nunca inferior a € 150,00 para transportar o veículo avariado desde a oficina até à sua habitação.
A. Incorrecta análise e apreciação da prova, relativamente aos factos constantes dos itens 21.º a 24.º, 26.º a 34.º, 42.º, 43.º, 45.º, 47.º, 50.º a 54.º e 59.º, dos factos dados como provados, que devem a passar a considerar-se como não provados e VI a IX, dos factos dados como não provados, devendo os mesmos passar a considerar-se como provados.
No que a esta questão respeita, entende a ora recorrente, que o Tribunal devia dar como provada e não provada, no sentido que indica, a factualidade constante dos itens em referência, com base nas declarações prestadas pelas testemunhas EE e CC.
Por seu lado, o autor, alega que de tais depoimentos, conjugados com a demais, prova produzida, não resulta a demonstração da aludida factualidade, face ao que, pugna pela imutabilidade da referida matéria de facto.
Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.
Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que, em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.
Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são, pois, elemento determinante da decisão de facto.
Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.
Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.
Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.
Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.
Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.
As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.
Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.
A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.
Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.
Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?
Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.
Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.
Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662.º, do CPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).
Vejamos, então, a factualidade posta em causa pela ora recorrente, nas respectivas alegações de recurso.
A. Incorrecta análise e apreciação da prova, relativamente aos factos constantes dos itens 21.º a 24.º, 26.º a 34.º, 42.º, 43.º, 45.º, 47.º, 50.º a 54.º e 59.º, dos factos dados como provados, que devem a passar a considerar-se como não provados e VI a IX, dos factos dados como não provados, devendo os mesmos passar a considerar-se como provados.
Para facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tal factualidade:
“21. Em data não concretamente apurada mas por volta do início do mês de Abril de 2021, quando BB se deslocava ao volante da viatura identificada em 7., em viagem do ... para a ..., denotou que a viatura começou a fazer um som estranho proveniente do motor, o que levou a imobilizar o veículo tendo chamado ao local pronto socorro que transportou a viatura para as oficinas do representante da Toyota no ..., B...,
22. A oficina B... diagnosticou como avaria a gripagem do motor, com origem em problema no filtro de partículas que pode causar a falta de lubrificação do motor.
23. A luz de aviso de avaria do filtro de partículas existente no tablier do veículo não acendeu em data prévia ou na data em que o veículo foi por si imobilizado.
24. No dia 8 de Abril de 2021, pelas 16:10 horas, o Autor remeteu à Ré e-mail, para o endereço de correio electrónico ..........@..... com o seguinte teor:
«Boa tarde,
Estou a enviar este email para informar que o comprei o carro com a matricula ..-QJ-.. no vosso stand de ... no dia 19 de março de 2021 ao senho CC.
Ontem dia 7 de abril cerca das 16h numa viagem do ... para a ... o meu filho ao sair da auto estrado o carro começou a fazer um barulho estranho, ele parou e logo se apercebeu que o barulho vinha do motor o qual parou e me ligou a informar do sucedido. Depois liguei para o representante da toyota no ... os quais me aconselharam a chamar um pronto socorro para transportar o carro para fazer o diagnostico e termos a certeza do que tinha.
Hoje dia 8 de abril pelas 10h desloquei-me a toyota do ... e fui informado pelos responsável da oficina que o motor teria danos graves visto que ao tirarem o filtro de óleo encontraram bastantes limalhas de ferro/bronze no mesmo. De seguida tiraram a tampa do carter e verificaram que os bronzes de uma biela que unem à cambota estavam partidos.
Pedia a vossas ex. para me resolverem o problema com a maior brevidade possível visto vos ter comprado o veículo há tão pouco tempo, ter feito tão poucos quilómetros e já ter um problema tão grave.
Cumprimentos,
AA»
26. A 13 de Abril de 2021 o Autor foi informado pela oficina B... de que o motor do veículo identificado em 7. teria que ser substituído, não sendo viável a sua reparação.
27. Na sequência do referido em 26.foram emitidos pela oficina B... dois documentos, denominados “estimativa”, sendo um com o n.º PEST/188/2021, no valor de € 7.949,44 com a seguinte menção “orçamento para substituição do motor (sendo que a reparação do motor actual não é viável) orçamento sujeito a alteração por ser não saber o estado dos componentes do motor actual” e o outro com o n.º PEST/189/2021, no valor de € 1.748,09 com a seguinte menção “orçamento para substi filtro de partículas”.
28. Foi ainda emitida pela oficina B... a factura n.º ...21, de 31-05-2021, no valor de € 156,39, referente a diagnóstico e montagem e desmontagem de veículo com a matrícula ..-QJ-.., que o Autor pagou.
29. Em 13 de Abril de 2021, pelas 10:23 horas, o Autor remeteu à Ré, através do e-mail ..........@....., a seguinte mensagem «(…) não percebo porque diz que a resposta por parte da administração não será positiva, visto o carro ter avariado num prazo de tempo tão curto após a respectiva compra. Para além disso, não comprei o automóvel conforme se encontrava, pois combinei com o vendedor fazer uma revisão da qual constava o seguintes serviços: mudança de óleo mais filtro do motor; limpeza; manete de mudanças de velocidade que não tinha; corrigir barulho na manete de mudanças; colocar o pára choques da frente no sítio; inspecção; verificar avarias através de ligação ao computador; verificar luzes e bateria».
30. Em 13 de Abril de 2021, pelas 11:43 horas, o Autor remeteu à Ré, através do e-mail ..........@....., os orçamentos emitidos pela oficina B..., com os n.ºs ...21 e ...21.
31. Em 14 de Abril de 2021, pelas 11:08 horas, o Autor remeteu à Ré o e-mail com o seguinte teor:
«Reencaminho o email que me foi enviado pela ... representante da Toyota em ... relativo aos orçamentos e relatório de reparação to automóvel:
Exm Sr. AA,
Conforme combinado por telefone, seque em anexo dois orçamentos
Um dos orçamentos é para a substituição do motor (bloco + cabeça), visto que a reparação do motor actual não é viável, ainda assim o orçamento pode sofrer alterações pois teremos que passar componentes tais como (turbo, radiador, sistema de injção) e do sabemos o estado em que se encontram. Esse valor inclui a retoma do seu motor atual, caso pretenda ficar com o mesmo, acresce-lhe um custo de 1800€+IVA.
O outro orçamento, é para a substituição do filtro de particulas, sendo que inicialmente irá se mandar testar o filtro, caso não tenha reparação, terá que ser substituido.
Todos os nossos orçamentos são emitidos sem IVA.
Deixo lhe aqui um breve resumo dos montantes com o IVA incluído:
Substituição do motor: 9777,81€ (valor já com IVA)
Substituição do filtro de particulas: 2150.15€ (valor já com IVA)»
32. Em 14 de Abril de 2021, pelas 11:12 horas, o Autor remeteu à Ré o e-mail com o seguinte teor:
«Bom dia,
Insisto por favor mais uma vez que me envie a cópia de toda a documentação que assinei no ato da entrega do automóvel com urgência.
Cumprimentos,
AA»
33. Em 19 de Abril de 2021, pelas 20:58 horas, o Autor remeteu à Ré o e-mail com o seguinte teor:
«Boa noite,
Gostaria de saber em que ponto se encontra a informação relativa à reparação do veículo Toyota Avensis de matrícula ..-QJ-... Solicito ainda a cópia de toda a documentação que assinei no ato da entrega do automóvel tal como combinado.
Aguardo resposta com urgência.
Cumprimentos,
AA»
34. Em 30 de Abril de 2021, pelas 16:07 horas, o Autor remeteu à Ré o e-mail com o seguinte teor:
«Boa tarde,
Venho por este meio solicitar de novo a reparação do veículo Toyota Avensis de matrícula ..-QJ-.., pois não aceito a proposta feita pelo vendedor CC, que consiste em pagar 3 000€pelo motor do veículo. Como sabem, por lei tenho direito a pelo menos um ano de garantia, sendo ilegal a abdicação de um ano de garantia. Assim, exijo uma resolução rápida, pois após dar a conhecer ao stand do defeito do veículo, este tem 30 dias para resolver a situação, sendo que já é do vosso conhecimento desde o dia 8 de abril.
Mais uma vez, solicito a cópia de toda a documentação que assinei no ato da entrega do automóvel.
Aguardo resposta com urgência, visto que o carro me faz muita falta, o que me causa muitos transtornos.
Cumprimentos,
AA»
42. Entre 19 de Março de 2021 e 7 de Abril de 2021, o veículo identificado em 7. não emitia qualquer ruído atribuível a avaria no motor ou à manete de mudanças.
43. Qualquer avaria do filtro de partículas e/ou do motor não era visível nem aparente.
45. A viatura identificada em 7.foi adquirida para uso próprio do Autor e do seu agregado familiar.
47. Em data não concretamente apurada, mas sempre depois de 1 de Setembro de 2021, o Autorremoveu a viatura identificada em 7.das instalações da B....
50. O Autor recusou a proposta aludida em 49. por considerar que a viatura se encontrava em prazo de garantia e o dano ser pré-existente à data da aquisição do veículo.
51. Quem utilizava maior número de vezes o veículo identificado em 7.era a mulher do Autor, que é professora, e dele carecia para se deslocar para a escola onde lecciona.
52. Desde a data da imobilização do veículo identificado em 7., a mulher do Autor passou a utilizar o veículo automóvel anteriormente utilizado por BB, filho do Autor.
53. Desde a data da imobilização do veículo identificado em 7., BB passou a deslocar-se entre o ... e a Universidade sita na ... através de boleia de um colega, a quem pagava uma contribuição de € 20,00 por percurso ou com viaturas emprestadas pelos tios.
54. BB, no ano lectivo 2021/2022, costumava fazer o percurso ... – ... pelo menos três vezes por semana.
59. Não foi explicado ao Autor o conteúdo da declaração identificada em 55. e a finalidade da mesma.
VI. Foi explicado ao Autor quais os concretos defeitos que o veículo identificado em 7. padecia.
VII. A Ré entregou ao Autor cópia de todos os documentos por si assinados e relativa ao negócio de compra e venda sobre o veículo identificado em 7.
VIII. O veículo identificado em 7. foi adquirido pelo Autor para troca de peças e para posterior venda por parte do Autor.
IX. Ficou acordado entre as partes que a reparação dos defeitos existentes no veículo identificado em 7. ficaria a cargo do Autor.”.
Como acima já referido e consta da sentença recorrida, a matéria de facto em causa foi considerada como provada e não provada, conforme transcrição ora efectuada.
Como consta de fl.s 136 v.º a 140 v.º, a M.ma Juiz a quo considerou como provados e não provados os factos em referência, com base na fundamentação que se segue:
“Em processo civil vigora o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, nos termos do qual “o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”,tudo sem prejuízo do que esteja previsto no sistema da prova legal, previamente estabelecida pelo enunciado normativo.
Nessa senda, a prova produzida no presente processo foi analisada crítica e livremente no seu conjunto, tenha ou não emanado da parte que devia produzi-la, ao abrigo do previsto no citado artigo 607.º e, bem assim, nos artigos 5.º, 7.º, n.º 2, e 413.º, do mesmo diploma.
Dito isto, volvendo ao caso dos Autos, a convicção do Tribunal assentou na conjugação ponderada da prova carreada pelas partes, e concretamente:
(…)
A factualidade vertida em 21.resulta do relato muito vívido da testemunha BB, que explanou as circunstâncias de tempo e lugar em que o mesmo terá ocorrido e a situação em causa. A testemunha FF confirmou que o carro deu entrada na oficina ondetrabalha através de reboque e os problemas relatados pelo filho do Autor, confirmando a versão de BB.
O facto tido como provado em 22.decorreu do depoimento da testemunha FF, que atestou que o motor estava danificado e bem assim do testemunho de BB a quem a informação foi também transmitida. No mais, o orçamento/estimativa emitida pelo Concessionário da Toyota para onde foi rebocado o veículo, a fls. 31 verso, atesta como necessária a aquisição de um motor e elementos componentes do mesmo como forma de reparação da viatura, indiciando que o engenho ali existente já não estava em condições de ser reparado.
A Ré confessou expressamente a causa da gripagem do motor na sua contestação e, não se olvidando que a testemunha FF explanou que não podia garantir a efectiva necessidade de substituição do filtro de partículas, certo é que não infirmou a asserção positivada no facto em causa nos moldes em que o foi, afirmando desconhecer apenas quais as medidas/soluções para a reparação integral da viatura, após a substituição do motor.
O facto adstrito a 23.foi peremptoriamente afirmado pela testemunha BB, que era quem conduzia o veículo na altura da sua avaria e consequente paragem. Não se escamoteiaque a testemunha CC declarou que o Autor lhe havia comunicado que uma luz se havia acendido, mas fê-lo num discurso que denotava pouca memória e com pormenores limitados do sucedido quanto aos problemas veiculados pelo Autor sobre aquele automóvel.
Da mesma forma, o legal representante da Ré afirmou que achava que o vendedor CC lhe tinha transmitido que a luz de aviso do motor tinha acendido, tratando-se,contudo,este de um depoimento indirecto e, portanto, por intermédio de outra pessoa.
A testemunha FF não se recordava com certeza se o veículo tinha alguma luz acesa,mas afiançou que o problema aferido no motor não exige, necessariamente, que tal luz de aviso acenda.
Ante o exposto, conjugando os elementos de prova carreados ao Tribunal, entende-se dar como provado o facto nos moldes em que o foi, fazendo-se relevar o testemunho presencial de quem aferiu a situação no momento em crise e que se nos afigurou muito assertiva e espontânea, neste conspecto, no seu depoimento.
Os factos vertidos em 24.a 34.decorrem desde logo do teor das comunicações juntas aos autos, mormente a fls. 13 verso a 16 verso, plataformas escritas onde se positivou o conteúdo que se considerou relevante para a decisão da causa e naquela sede constante.
No mais, o legal representante da Ré confirmou o endereço de e-mail para onde as comunicações remetidas pelo Autor eram dirigidas, sendo certo que também afirmou não ter tido conhecimento do respectivo teor, uma vez que normalmente as reclamações são geridas pela funcionária EE. Dos factos dados como provados percepciona-se existir comunicação trocada, enviada e respondida, pelo que se nos assoma evidente que a mesma chegou ao conhecimento de ambos os intervenientes.
No mais, a testemunha BB asseverou a existência de troca de e-mails no âmbito das comunicações efectuadas na senda da reclamação apresentada pelo Autor, seu pai.
A testemunha EE reconheceu o endereço de e-mail para onde foram enviadas as comunicações electrónicas do Autor, salvaguardando, contudo que, por norma, não trata do e-mail relativo ao “pós-venda”, apesar de ter acesso ao mesmo, não se recordando de alguma vez ter respondido a estes e-mails. Todavia, afirmo ter tido conhecimento da troca de emails na medida em que tal assunto foi objecto de conversa entre colegas da empresa.
(…)
Os factos 42.e 43.estribam-se nos depoimentos de GG, BB e HH, que afirmaram não percepcionar, de forma visível qualquer ruído ou avaria proveniente do motor, da manete de mudanças ou do filtro de partículas.
(…)
O facto em 45.e respectiva convicção quanto ao mesmo resultou dos depoimentos prestados em juízo por BB, GG, HH e II, que o declararam.
Com efeito, todas as testemunhas enunciadas afirmaram que o carro serviria para uso da família, na medida em que os seus membros careciam de efectuar deslocações relativamente longas e frequentes, seja por motivos profissionais seja por motivos educativos; ademais, não foi despiciendo ao Tribunal o número de km que o automóvel percorreu em cerca de 3 semanas.
O facto em 46.resultoudo teor dos mesmos depoimentos, na medida em que todos sabiam que a viatura se encontrava avariada e parada, agora e actualmente já em casa do Autor, asserções que nos levaram a considerar também o facto 47.como comprovado.
(…)
No que se reporta aos factos em 49.e 50., resulta desde logo do teor da troca de e-mails de onde defluem tais desideratos, assim como do depoimento de BB.
A factualidade vertida em 51.a 54.tem a sua sustentação probatória no depoimento convergente, congruente e fluído de BB, HH, GG e II, que pela sua proximidade relacional àquele agregado familiar conhecia os seus actos, rotinas, vidas e destinos quotidianos.
(…)
Por fim, o facto dado como provado em 59., temos que o legal representante da Ré, quando prestou depoimento, afirmou não ter estado presente nas negociações e questões administrativas relativas ao contrato de compra e venda celebrado com o Autor. Assim, não verificou quaisquer entregas de documentos, eventuais explicações dadas ou não dadas, teor das conversas mantidas e eventuais obrigações assumidas.
Outrossim, não viu nem presenciou a elaboração e assinatura da declaração relativa aos alegados defeitos aceitos pelo Autor no acto da entrega do veículo. Referenciou que é o procedimento habitual ser explicado, mormente pelo vendedor, o conteúdo e cláusulas de todos os acordos celebrados, mas não o verificou no caso concreto, assumindo apenas que sim.
Porém, EE declarou ter emitido a aludida declaração tendo por base a folha de obra que os mecânicos que viram a viatura lhe fizeram chegar, mais declarando não ter explicado nenhum do seu conteúdo do comprador, aqui Autor.
Por sua vez, a testemunha CC afirmou que nem a colega da administração comunicou quaisquer defeitos à sua frente, mormente os assinalados na declaração referenciada, e portanto não sabe se lhe foram reportadas e explicadas todas as avarias e conteúdo e consequências da declaração, não tendo ele explicado, naquela sede, tais elementos.
Aliás, para o que releva, mesmo quando lhe foi solicitado em Tribunal que as concretizasse melhor, não o soube fazer.
**
No que se reporta aos factos não provados, tal consignação decorre da ausência de prova cabal que os confirmasse.
(…)
Volvendo a nossa atenção para o facto positivado como não assente em VI., tal resulta de se mostrar contrário à factualidade dada por assente, mormente a descrita em 59., remetendo a nossa motivação neste conspecto para o que ali se referenciou.
O facto não demonstrado em VII. resulta do depoimento de BB, que o referenciou, assim como do teor da troca de e-mails entre o Autor e a Ré onde o mesmo, insistentemente, solicita a totalidade da documentação; além disso, o legal representante da Ré afirmou que era prática habitual entregar toda a documentação, ao que não assistiu no caso concreto.
De resto, a testemunha EE referenciou que foi ela quem deu a assinar a declaração onde se mencionavam defeitos da viatura, mas não se recordava com acuidade se nesta situação em concreto o cliente tinha ficado com alguma cópia.
Da sua parte, a testemunha CC remeteu a entrega da documentação para a parte administrativa, que não era a sua área.
Nessa medida e face ao expendido, o Tribunal deu como não provado o facto em causa.
O facto não provado em VIII. ancora-se na circunstância de nenhuma das testemunhas o ter referido nesses moldes. Com efeito, BB, GG, II e HH declararam que do seu conhecimento o veículo era destinado ao transporte do agregado familiar.
Pese embora o depoimento do legal representante da Ré quanto à eventual utilização do veículo para peças, temos que tal resultou de conhecimento indirecto, sendo que a testemunha CC referiu que a questão das peças seria uma possibilidade de, com o carro anterior, compor eventuais problemas do agora adquirido.
O tribunal não deu como provado o facto em IX. porquanto apenas a testemunha CC o referiu, ao arrepio do depoimento das demais testemunhas.”.
Vejamos, então, se das declarações prestadas pelas identificadas testemunhas inquiridas, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que a supra mencionada matéria de facto seja modificada ou alterada.
Esta, resume-se a saber se a viatura avariou, como alegado pelo autor; respectivas consequências e contactos havidos entre as partes, com vista à sua reparação; destino a dar à viatura, pelo autor; se aquando da subscrição da declaração aludida no item 55.º, foi explicado ao autor o respectivo teor e sua finalidade e se lhe foi explicado o estado da viatura (defeitos).
Ora, ouvido, na íntegra, o depoimento prestado pela testemunha EE, a mesma, no que a esta matéria de facto respeita, disse que é funcionária administrativa da ré desde 2012 e conheceu o autor na sequência do negócio relatado nos autos.
Redigiu a declaração a que se refere o item 55.º, que o autor assinou no acto de entrega da viatura. Disse que se tratava de um “carro com problemas”, que a vistoria da viatura foi feita numa oficina e o resultado da mesma “é o que consta na declaração”.
Disse, ainda, que, por isso, “o autor sabia os defeitos do carro. É habitual irem experimentar o carro, mas não sei se o Sr. AA foi”.
Quanto a uma eventual redução do preço da viatura por ter tais defeitos, disse não saber. Tendo dito, posteriormente, “que foi o preço que estava anunciado na net”.
Mais tarde, soube que houve problemas no carro e propuseram ao autor um motor usado, o que este recusou, não sabendo a razão.
Relativamente ao destino a dar à viatura, referiu que o vendedor, CC, falou que “era para peças”.
Ainda quanto à mencionada declaração, referiu que “por norma, entregam a declaração ao cliente, descrevendo as anomalias, quando existam”.
Relativamente à troca de e.mails com o autor, referiu ter tido conhecimento de mails enviados pelo autor para o “pós-venda”, tendo-lhe alguns deles sido exibidos, confirmando a sua existência e que os mesmos foram enviados para o endereço correcto.
Acrescentando “tenho a impressão que houve mails trocados”.
Mais disse que, “por norma, não faço serviço pós-venda, nem reclamações de clientes”.
Não se recorda de ter respondido a algum mail do autor e que “o assunto foi tratado na empresa em conversas com colegas”.
Ainda, relativamente à declaração supra referida, disse que a redigiu “com os problemas descritos, como estava na folha de obra”, recebida da oficina e “penso que foi o vendedor que entregou a declaração e especificou a situação, mas não assisti a isso”.
Por seu turno, a testemunha, CC, referiu que foi vendedor de automóveis na ré, durante 5/6 anos, até Abril de 2023 e foi ele que tratou da venda do carro ao autor, o que se arrastou durante cerca de 5 meses, período durante o qual, teve vários contactos com o autor, que lhe referiu que tinha um carro idêntico ao que estava a ser vendido em casa e “precisava de outro para tirar peças”.
Depois de acordado o negócio, “fez-se a revisão ao carro, como é habitual”.
Quanto aos defeitos, disse que não se lembrava “se tinham ou não que ver com o documento que o autor assinou quando o comprou. O mecânico é que analisou os defeitos e fez um relatório interno”.
Relativamente à explicação dos defeitos ao autor, reiterou que o autor queria um carro para tirar peças, “o carro estava à vista, o resto é com a administrativa”.
Mais disse que quando o carro avariou, o autor levou-o directamente à Toyota e comunicou-lhe a avaria que o carro teve, logo que isso aconteceu. Desconhece quantos Kms é que o autor circulou com o carro.
Não houve redução do preço de venda.
Ainda quanto ao uso que o autor pretendia dar ao carro, disse “não me lembro se o Sr. AA alguma vez falou para que é que queria o carro. Na net não constava que era para peças. Não somos sucateiros”.
Reiterou que foi “a parte administrativa que fez a declaração de avarias e que entregou os documentos ao Sr. AA, para os assinar”.
Confrontado com o teor da declaração, referiu não saber concretizar as avarias. “O carro vai ao computador para verem as avarias. Reportam ao mecânico e depois as administrativas é que informam o cliente”.
Directamente questionado acerca da questão de saber se o autor foi informado dos defeitos, respondeu da seguinte forma: “aceitou, penso que sim”.
Confirmou que o autor recusou a colocação de um motor usado que a ré lhe pretendia disponibilizar, tal como referido no item 49.º.
Por diversas vezes, no decurso do seu depoimento, esta testemunha referiu que achava que “a posição do Sr. AA era um abuso”.
Ora, compulsados estes depoimentos, bem como os demais elementos probatórios referidos na fundamentação da matéria de facto constante da sentença recorrida (acima transcrita), esta (fundamentação) mostra-se fiel e espelha o que de tais depoimentos e demais elementos de prova se pode retirar e, por conseguinte, não contêm virtualidades para se alterar a factualidade em causa, no sentido propugnado pela recorrente.
Concretizando, no que se refere aos itens 21.º a 23.º, os depoimentos das testemunhas ora referidas em nada infirmaram a motivação expendida na sentença para a sua demonstração.
A testemunha EE nada referiu quanto a tal e a testemunha CC só relatou o que o autor lhe transmitiu.
Quanto aos mails referidos nos itens 24.º e 26.º a 34.º, tal matéria resulta da cópia dos mesmos, juntas de fl.s 13 v.º a 16, o que tudo foi confirmado pela testemunha EE.
A matéria dos itens 42.º e 43.º, foi justificada nos depoimentos das testemunhas GG, BB e HH, em nada contrariados pelos prestados pelas testemunhas EE e CC, sendo que a primeira nada referiu quanto a tal e o segundo limitou-se a dizer que o “carro estava à vista” e os problemas que o carro tinha foram vistos pelo mecânico.
Se o ruído seria perceptível, já assim não o seria a avaria no filtro de partículas.
Quanto ao item 45.º e facto VIII não provado, fundou-se a sua prova nos depoimentos das testemunhas BB, GG, HH e II, não contrariados pelos prestados pelas testemunhas EE e JJ.
Efectivamente, a testemunha EE limitou-se a reproduzir que assim era por informação da testemunha CC e este limitou-se a referir que o autor lhe disse que era para peças, por ter em casa um veículo semelhante, se este precisasse de peças.
No entanto, para além dos depoimentos em que se fundou a prova de que o veículo seria para usar em circulação, resulta do próprio depoimento da testemunha CC que referiu que o veículo vendido era destinado e estava publicitado para circulação, não sendo a ré “sucateira”, conjugado com o facto de não ter havido redução de preço e os veículos destinados a peças, por regra, são veículos sujeitos a abate, o que não era o caso, para além de que o preço estabelecido, também inculca a ideia de que o veículo se destinava ao uso normal: circulação.
Relativamente ao item 47.º, nada foi referido quanto a tal, pelas testemunhas EE e CC, no sentido de infirmarem o que dele consta.
No que se refere ao item 50.º, tal demonstração resulta do que o autor refere nos mails que trocou com a ré, reclamando a reparação da viatura e as testemunhas EE e CC confirmaram os contactos havidos após a avaria e a recusa da ré em o reparar, com excepção da intenção de disponibilizar um motor usado, mediante pagamento.
Relativamente aos itens 51.º a 54.º, tal matéria teve por base os depoimentos das testemunhas BB, HH, GG e II, sendo que, quanto a tal, as testemunhas EE e CC nada referiram.
No que concerne ao item 59.º e factos não provados VI, VII e IX, que se prendem com a questão da explicação ao autor dos defeitos que tinha a viatura, motivo da emissão da declaração referida no item 55.º, entrega de documentos, as testemunhas EE e CC “empurraram” um para o outro a entrega e explicação de tais questões, tendo a primeira dito que não assistiu à entrega da declaração ao autor e explicação dos defeitos, para o que nem tinha saber para o fazer, pensando que foi o vendedor CC que o fez, mas que não presenciou.
Por seu turno, a testemunha CC, disse que isso foi feito “pela parte administrativa”, apenas coincidindo os depoimentos no sentido de que tais defeitos correspondiam à informação prestada pelo mecânico.
Ou seja, ficamos sem saber quem entregou tal declaração, respectiva finalidade e se houve ou não prestação de informações ao autor quanto aos defeitos relatados na mencionada declaração.
O que mais se reforça do facto de a testemunha CC ter dito que lendo tal declaração “não sabe concretizar as avarias” e pensa que o autor foi informado de tais avarias porque “aceitou” a viatura.
Ora, o facto de o aceitar inculca, precisamente, o contrário. Na normalidade das coisas ninguém compra um carro, para o vir a usar em circulação, por aquele preço e com todos os relatados defeitos, se deles fosse conhecedor.
Em suma, não vislumbramos razões para alterar nenhuma das respostas dadas aos itens em referência.
Consequentemente, quanto a esta questão, improcede o recurso, mantendo-se inalterada a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida.
B. Se na sentença recorrida não se procedeu a uma análise crítica das provas produzidas, em violação do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC.
Quanto a esta questão, alega a recorrente que assim sucede “porque a prova produzida nos autos não foi analisada na sua globalidade, nem de forma crítica, como o prevê o artigo 607.º, 4, CPC”, do que retira a conclusão de que os factos “não foram bem julgados” – cf. conclusão 17.ª.
Nos termos do artigo 154.º do NCPC, impõe-se que toda a decisão proferida sobre qualquer pedido controvertido seja sempre fundamentada.
Por outro lado, o comando plasmado no n.º 4 do seu artigo 607.º, estipula que aquando da decisão da matéria de facto, se analisem criticamente as provas, especificando-se os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Como refere Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, pág. 348, “o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. (…) destina-se a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão”.
Por outro lado, conforme Lebre de Freitas, in A Acção Declarativa Comum, pág. 281, visa facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e reforçar o auto-controlo do julgador.
Acrescentando, este autor, na mesma Obra, À Luz do CPC de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, de pág.s 315 a 317 que a convicção do julgador tem de ser fundamentada, especificando-se as razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto, constituindo a análise crítica um complemento fundamental da gravação, evidenciando o modo como se depõe, as reacções e hesitações e, de um modo geral, todo o comportamento que rodeou um depoimento e levando o juiz a melhor confrontar os vários elementos de prova.
Em suma, sem esquecer o primado da liberdade de apreciação da prova, consagrado no artigo 607.º, n.º 5, do NCPC, tal exigência visa que o tribunal justifique os motivos da sua decisão, assinalando os motivos que o levaram a aderir a uma das teses em confronto, o porquê de considerar mais credíveis uns meios de prova do que outros.
Retornando aos autos, verifica-se que a fundamentação da decisão de facto consta de fl.s 134 v.º a 140 vº, ali se especificando o porquê das respostas dadas aos factos em referência, bem como o raciocínio que subjaz à convicção do tribunal e onde se tecem considerações acerca da forma como foram prestados os depoimentos e porque se consideraram ou não os mesmos como credíveis e cotejando-os com os demais elementos juntos ao autos e tendo em vista as regras da experiência comum.
Ou seja, a recorrente pode não estar de acordo com o modo como a prova foi apreciada, mas tal discordância teria de ser (como o foi) manifestada em sede de recurso da decisão de facto, nos moldes legalmente previstos, questão já apreciada e decidida.
Assim, a decisão de facto, face ao acima exposto e face ao, quanto a tal, legalmente estabelecido, tem de se ter por mais do que suficientemente fundamentada, o que, desde logo afasta a violação dos preceitos em causa.
De resto, nesta sede, contra o que a recorrente mais se manifesta não é tanto o modo como as respostas que foram dadas aos itens em causa se mostram justificadas, mas sim, a decisão, em si mesma considerada; em desacordo com o que pretende.
Pelo que, também, quanto a esta questão, tem o presente recurso de improceder.
C. Se o disposto o artigo 10.º do DL 67/2003, de 8/4, não é aplicável ao caso em apreço, com o fundamento em que o autor tinha conhecimento dos defeitos da viatura, antes de a adquirir.
Relativamente a esta questão, defende a recorrente a inaplicabilidade da ora citada norma, com o fundamento em que o autor tinha conhecimento dos defeitos da viatura, antes de a adquirir.
Tal pretensão tem necessariamente de improceder, desde logo, porque não se provou a factualidade em que a mesma assenta: que o autor conhecesse a existência de tais defeitos, o que sempre seria de imputar desfavoravelmente à ré, em termos de decisão, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.
E, ainda que assim fosse, tal cláusula, tal como considerado na sentença recorrida, sempre seria nula, cf. disposto no artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 23/96, de 8/4 e 16.º da Lei n.º 24/96, de 31/7, de acordo com os quais, é nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual antes da denúncia da falta de conformidade ao vendedor se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos em tais diplomas legais.
Como refere Calvão da Silva in Venda de Bens de Consumo, Comentário, Almedina, Maio de 2003, a pág.s 129/130, consagra-se “a inderrogabilidade prévia (antes da denúncia do defeito) do consumidor a qualquer dos direitos que as mesma lhe facultam”; acrescentando que “… também não vinculam o consumidor as cláusulas segundo as quais este teria conhecimento de qualquer falta de conformidade do bem existente no momento da celebração do contrato (…) com a consequência de o vendedor não ficar liberado da prova do conhecimento pelo comprador do defeito ou que não podia razoavelmente ignorá-lo”.
Não tendo o vendedor, como não fez, feito prova de que o autor conhecia os defeitos ou que não os pudesse ignorar, nunca seria de atribuir qualquer relevância à declaração a que se refere o item 55.º.
Assim, também, quanto a esta questão, improcede o recurso.
D. Se a acção tem de improceder, com o fundamento em o autor ter declarado à ré que a viatura era “para tirar peças e posterior venda” e não para a usar em circulação.
Independentemente da relevância desta factualidade para o desfecho da acção, o certo é que a mesma não se provou e tratando-se, como se trata, de factos impeditivos do direito a que se arroga o autor, em sede de decisão, a sua não demonstração, é desfavorável à ré, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.
Pelo que, igualmente, quanto a esta questão, improcede o recurso.
E. Se a sentença recorrida é nula, por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al.s b), c) e d), do CPC.
Para tal sustenta a recorrente que a sentença recorrida padece das nulidades ora referidas, porque na mesma “não se procedeu a uma correcta interpretação dos elementos constantes dos autos, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como se efectuou uma incorreta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso concreto”, como resulta das conclusões 49.ª e 50.ª.
Na decisão recorrida, como dela consta, apreciou-se a questão da validade da declaração referida no item 55.º; da existência dos invocados defeitos na viatura e consequências daí decorrentes, pelo que procedendo a mesma, como procedeu, e nos termos acima já referidos, se impunha a condenação da ré no pedido, na medida necessária para indemnizar o autor dos prejuízos sofridos, por reporte à factualidade dada como provada, nada mais havendo a decidir.
O artigo 615, n.º 1, al.s b), c) e d), sanciona com a nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b), quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (al. c) ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d).
Para que a sentença sofra de nulidade de falta de fundamentação, é necessário que haja falta absoluta, quer relativamente aos fundamentos de facto quer aos de direito e não já uma justificação deficiente, incompleta ou não convincente – cf. A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, a pág. 669 e, de acordo com os mesmos autores, in ob. e loc. cit, a oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos, respeita à contradição real entre os fundamentos e a decisão, em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto.
Não indica a recorrente a concreta causa das apontadas nulidades, nem nós as vislumbramos.
Na decisão, descrevem-se as razões de facto e de direito que acarretaram a procedência da acção, bem como lhes foram aplicadas as normas legais atinentes e que ao longo da mesma se foram, uns e outros referindo, pelo que não se verifica a nulidade com fundamento com base na falta da fundamentação quer de direito quer de facto.
E igualmente não padece a sentença recorrida da nulidade com base na oposição entre os seus fundamentos e a decisão que nela foi proferida.
Isto porque na mesma se considerou que a viatura vendida pela ré tinha os descritos defeitos, impendendo sobre a ré a obrigação de os reparar, tendo a acção, nessa medida, de proceder, em virtude do que se impunha a condenação da ré no pedido, em conformidade com os factos, quanto a tal, dados como provados, o que, assim, aconteceu.
De resto, diga-se, não se compreende como pode, simultaneamente, a sentença ser nula por falta de fundamentação (al. b) e por contradição entre a fundamentação e a decisão (al. c).
A nulidade a que se refere a al. d), do artigo 615, CPC, radica na omissão de pronúncia (não aprecia questões de que devia conhecer – 1.ª parte) ou no seu inverso, isto é, do conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, por não terem sido postas em causa (2.ª parte).
Como decorre da análise da decisão recorrida, esta debruçou-se sobre todas as questões que lhe impunha conhecer e só destas, nos assinalados termos, não indicando, igualmente, a recorrente, em concreto, qual a questão que ficou por conhecer, dado que, em virtude da procedência da acção, se conheceu do pedido, tendo a ré sido condenada a pagar ao autor as quantias que se demonstrou serem necessárias para a reparação, como o determinam/ impõem, os preceitos legais invocados na mesma.
Ou seja, conheceu a decisão recorrida de todas as questões que havia que conhecer, no âmbito das respectivas alegações das partes processuais, sem que se tenha ultrapassado tal condicionalismo.
Consequentemente, não padece a decisão recorrida das apontadas nulidades.
Pelo que, nesta parte, o presente recurso tem de improceder.
F. Se a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 13.º, 20.º, 202.º, 204.º e 205.º, da CRP.
Se é que conseguimos atingir os fundamentos recursivos tidos em vista pela ora recorrente, no que a tal questão respeita, a mesma fundamenta as ora mencionadas inconstitucionalidades no facto de que a decisão recorrida “não assegurou a defesa dos direitos da recorrente, ao não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem sequer aplicar as normas legais aplicáveis ao caso em concreto, limitando-se a emitir uma Sentença, na qual, de forma simplificada e omissiva, foram apreciadas algumas questões, sem ter em conta a prova produzida”; - cf. conclusões 58.ª e 59.ª.
Como já vimos, a decisão recorrida justifica e fundamenta o porquê da procedência da acção.
Se o fez bem ou mal, em termos substantivos, é coisa de que neste âmbito não importa averiguar, uma vez que nos movemos no domínio da simples fundamentação ou não fundamentação de tal decisão, ou seja, a nível formal.
E quanto à análise substantiva de tais questões, já acima nos pronunciámos.
De acordo com o artigo 13.º da CRP, consagra-se o direito de igualdade de todos perante a lei e no seu 20.º, n.º 1, que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, princípio que vem igualmente, plasmado no n.º 2 do seu artigo 202.º, de acordo com o qual, incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
O artigo 205.º estabelece a obrigação de fundamentação legal das decisões proferidas pelos tribunais, o que se acha transposto, igualmente, no artigo 154.º do CPC e o 204.º, da CRP, a obrigação de, nas suas decisões, os tribunais respeitarem os comandos ínsitos na Constituição da República.
Ora, no caso em apreço, todas as partes processuais tiveram ao seu dispor os articulados respectivos, nos quais alegaram, em pé de igualdade e em obediência às leis processuais civis, as respectivas pretensões e fundamentos e arrolaram os meios de prova respectivos.
A tramitação do processo seguiu os trâmites legalmente estabelecidos, designadamente em obediência ao princípio do contraditório e “da igualdade de armas” concedidos a ambas as partes.
No seguimento do normal iter processual foi proferida a decisão recorrida que apreciou e decidiu, de acordo com a lei, o conflito de interesses que subjaz aos presentes autos.
Assim, nenhum destes comandos constitucionais se mostra violado, o que afasta, por seu turno, a alegada violação do disposto no artigo 204.º da CRP.
Por último, de acordo com o artigo 205.º, n.º 1, da mesma CRP e 154.º do CPC, exige-se que os tribunais fundamentem as suas decisões.
Como já concluímos, a decisão recorrida encontra-se fundamentada, nos termos legais, pelo que, igualmente, não se mostra violado este preceito da nossa Lei fundamental, nem o disposto no artigo 154.º, do CPC.
Consequentemente, também, com base nesta questão, tem o presente recurso de improceder.
Nestes termos se decide:
Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Coimbra, 26 de Novembro de 2024.