REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA ALTERNADA
ALTERAÇÃO DA RESIDÊNCIA DA CRIANÇA
Sumário

I – O fator primordial a ter em conta na decisão que fixa as responsabilidades parentais é o interesse superior da criança, o qual é um conceito indeterminado e que deve ser concretizado pelo juiz de acordo com as orientações legais.
II – Tendo as crianças residência alternada, num caso em que ambos os progenitores têm competências parentais, não obstante terem ambos horários de trabalho preenchidos, tendo de ser auxiliados por elementos do núcleo familiar ou amigos, em que as crianças estão felizes com ambos os progenitores, a alteração da residência da mãe para mais de 200 kms do centro de vida das crianças, não justifica a alteração da residência das crianças que até aí era alternada entre ambos os progenitores, para residência para junto da mãe.
III – A alteração da residência das crianças pode importar uma alteração substancial da sua vida, como ocorrerá quando importa transferência para outro estabelecimento de ensino com a inerente necessidade de uma adaptação a novos professores, regras e exigindo o estabelecimento de novas amizades.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Relator: Helena Melo
Adjuntos: José Avelino Gonçalves
Arlindo Oliveira

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório
            AA instaurou ação contra BB, para regular as responsabilidades parentais relativamente aos menores CC e DD, seus filhos.
Não se logrou obter um acordo na  conferência de 29.09.2023, tendo sido fixado um regime provisório.
Realizou-se a audiência técnica especializada (doravante designada ATE), sem sucesso.
Foi realizada a audiência final, prolongando-se por várias sessões.
Em sede de alegações orais, os sujeitos processuais pronunciaram-se, em síntese, nos moldes seguintes:
- a requerente mãe reiterou as alegações por si apresentadas, pugnando pela fixação da residência das crianças exclusivamente junto de si, logo que fixe residência em Lisboa;
- o requerido pugnou no sentido da manutenção da residência alternada, convolando o regime provisório em definitivo, passando a residência junto de si, logo que a mãe passe a residir em Lisboa, com o que o Ministério Público concordou.
*
Foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
Nesta conformidade, e face ao preceituado nos arts. 40º, do RGPTC, e 1905º, 2004º e 2006º, todos do CC, decide-se- fixar o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, relativamente às crianças
CC
DD
nos seguintes termos:
A)
No atual contexto residencial das crianças – residência de ambos os pais na área do concelho ... ou concelhos limítrofes e num raio não excedente a 50 kms. face à escola por si frequentada, mantém-se a residência alternada em vigor nos seguintes termos:
a) Cada um dos pais terá as crianças na sua companhia em semanas alternadas, devendo, no final do período em que as crianças estiverem confiadas ao outro Progenitor, à segunda feira, ir recolhê-las à escola, no final das atividades letivas, ou à casa do outro Progenitor, pelas 18:00 horas, sem prejuízo da rotina diária e semanal das menores, que ambos se obrigam a respeitar;
b) As crianças passarão, durante as férias escolares estivais, um período de 15 (quinze) dias seguidos com cada um dos Progenitores, devendo estes definir, por acordo e por escrito, até ao dia 31 de março de cada ano, o concreto período de 15 (quinze) dias em que cada um as terá na sua companhia; em caso de coincidência de datas, nos anos pares decidirá a Mãe e nos anos ímpares o Pai;
c) Ambos os Progenitores deverão indicar ao outro o local de férias para onde se irão deslocar com as crianças, bem como o meio e horário de contacto com as mesmas;
d) As crianças passarão o dia de aniversário do Pai e o “Dia do Pai” com o Pai e o dia de aniversário da Mãe e o “Dia da Mãe” com a Mãe, sem prejuízo das suas atividades escolares e pernoita com o Progenitor a quem estejam confiadas nessa semana;
e) No dia de aniversário de cada uma das crianças, estas tomarão uma refeição principal com cada um dos Progenitores, sem prejuízo da pernoita com o progenitor a quem estejam confiadas;
f) Cada um dos progenitores contactará com as crianças diariamente, por qualquer meio à distância, de preferência por videochamada, sempre que elas estejam ao cuidado do outro, devendo o progenitor residente viabilizar tais contactos;
g) O domingo gordo e o dia de Carnaval deverão ser passados alternadamente com cada um dos progenitores, sendo em 2025 o Domingo Gordo com a mãe e o Dia de Carnaval com o pai;
h) Cada um dos progenitores terá as crianças na sua companhia na véspera de Natal, no dia de Natal, na véspera de Ano Novo, no dia de Ano Novo e no domingo de Páscoa, de forma anual e alternada, nos seguintes termos:
- o domingo de Páscoa de 2025, a partir das 11 horas, será passado com o pai, até às 11 horas da segunda feira subsequente;
- o dia 24 de dezembro de 2024, a partir das 11 horas, será passado com a mãe, até às 11 horas do dia 25 de dezembro;
- o dia 25 de dezembro de 2024, a partir das 11 horas até às 11 horas do dia 26 de dezembro desse ano, será passado com o pai;
- o dia 31 de dezembro de 2024, a partir das 11 horas, será passado com a mãe, até às 11 horas do dia 1 de janeiro de 2025;
- o dia 1 de janeiro de 2025, a partir das 11 horas, será passado com o pai, até às 11 horas do dia 2 de janeiro de 2025;
i) As decisões de particular importância da vida das crianças serão tomadas por ambos os progenitores ou por cada um deles com o prévio acordo do outro;
j) Cada um dos progenitores comparticipa em metade das despesas médico-medicamentosas, na parte não comparticipada, escolares e extracurriculares, sendo estas desde que previamente consensualizadas entre os progenitores.
B)
Caso a requerente ultrapasse o raio residencial de 50 kms. face à atual escola das crianças, mantendo-se o pai a residir dentro do mencionado raio, fixa-se a residência das crianças junto do pai, nos seguintes termos:
a) Em tempo letivo, a mãe terá as crianças na sua companhia em fins de semana quinzenais, desde sexta feira – ou quinta feira, se sexta feira for feriado - , no final das atividades letivas, até ao domingo subsequente, no final do dia, no máximo 21 horas;
b) Além dos tempos expressamente previstos, a mãe estará com as crianças semanalmente sempre que o solicitar ao pai das mesmas, com o aviso prévio de, pelo menos, 24 horas, satisfazendo os compromissos curriculares e extracurriculares dos filhos;
c) As crianças passarão, durante as férias escolares estivais, um período de sessenta dias seguidos ou interpolados com a mãe e trinta dias seguidos ou interpolados com o pai, devendo estes definir, por acordo e por escrito, até ao dia 31 de março de cada ano, os concretos períodos; em caso de parcial coincidência de datas, nos anos pares decidirá a Mãe e nos anos ímpares o Pai;
d) Cada progenitor deverá indicar ao outro o local de férias para onde se irá deslocar com as crianças, bem como o meio e horário de contacto com as mesmas;
e) As crianças passarão o dia de aniversário do Pai e o “Dia do Pai” com o Pai e o dia de aniversário da Mãe e o “Dia da Mãe” com a Mãe, sem prejuízo das suas atividades escolares e extracurriculares;
f) No dia de aniversário de cada uma das crianças, ambas tomarão uma refeição principal com cada um dos Progenitores, sem prejuízo das suas atividades escolares e extracurriculares;
g) Cada um dos pais contactará com as crianças diariamente, por qualquer meio à distância, de preferência por videochamada, sempre que elas estejam ao cuidado do outro, devendo o progenitor residente viabilizar tais contactos;
h) A mãe terá as crianças na sua companhia desde a sexta-feira anterior ao dia de Carnaval até à quarta feira seguinte ao dia de Carnaval;
i) Cada um dos progenitores terá as crianças na sua companhia na véspera de Natal, no dia de Natal, na véspera de Ano Novo, no dia de Ano Novo e no domingo de Páscoa, de forma anual e alternada, nos seguintes termos:
- o domingo de Páscoa de 2025, a partir das 11 horas, será passado com o pai, até às 11 horas da segunda feira subsequente;
- o dia 24 de dezembro de 2024, a partir das 11 horas, será passado com a mãe, até às 11 horas do dia 25 de dezembro;
- o dia 25 de dezembro de 2024, a partir das 11 horas até às 11 horas do dia 26 de dezembro desse ano, será passado com o pai;
- o dia 31 de dezembro de 2024, a partir das 11 horas, será passado com a mãe, até às 11 horas do dia 1 de janeiro de 2025;
- o dia 1 de janeiro de 2025, a partir das 11 horas, será passado com o pai, até às 11 horas do dia 2 de janeiro de 2025;
j) As decisões de particular importância da vida das crianças serão tomadas por ambos os progenitores ou por cada um deles com o prévio acordo do outro;
k) A Mãe suportará uma pensão de alimentos de €125, 00 mensais, a favor de cada filho, até ao dia 15 de cada mês, com atualização anual de acordo com a evolução do índice de inflação do ano anterior, em janeiro de cada ano;
l) Cada um dos progenitores comparticipa em metade das despesas médico-medicamentosas, na parte não comparticipada, escolares e extracurriculares, sendo estas desde que previamente consensualizadas entre os progenitores”.
                                                                *
A requerente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…).

O progenitor contra-alegou, mas não ofereceu conclusões (a que não está obrigado), pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Também o Ministério Público contra-alegou, não oferecendo conclusões, defendendo a manutenção da sentença recorrida a qual, no seu entender não enferma da nulidade que foi invocada pela apelante e mostrando-se corretamente apreciada a prova produzida, devendo ser julgada improcedente a impugnação da matéria de facto.

II – Objeto do recurso

De acordo com as conclusões da apelação, as quais delimitam o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:

. se a sentença é nula por falta de fundamentação;

. se a sentença é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão;

. se a matéria de facto deve ser alterada;

. se deve ser fixada a residência das crianças CC e DD junto da mãe, no caso da mãe fixar a sua residência para além de  50 kms de distância da escola que as crianças frequentam, alterando-se, consequentemente, o regime relativo aos convívios e aos alimentos.

III – Fundamentação

Na primeira instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

Factos provados

A)

Requerente e Requerida são casados entre si no regime de separação de bens desde ../../2015.

B)

Fruto dessa relação nasceram os filhos menores de ambos:

a) CC, natural da freguesia ..., ..., ... e ..., concelho ..., nascido no dia ../../2018;

b) DD, natural da freguesia ..., ..., ... e ..., concelho ..., nascido no dia ../../2017.

C)

Em Novembro de 2022, existiu uma rutura da vida em comum do casal e já não residem juntos na casa de morada de família.

D)

Em face da recente alteração, Mãe e Pai têm estado com os menores, partilhando o convívio por períodos mais ou menos igualitária.

E)

A Requerente é médica e exerce a sua atividade no Hospital ... e aufere como ordenado base cerca de 1.300 € líquidos, podendo atingir até perto de €3000, 00 mensais.

F)

Por referência ao recibo de vencimento junto como doc. 5 com a refª 8621872, com exceção do subsídio de alimentação, os restantes valores deixarão de ser auferidos aquando da transferência da requerente para o Hospital ..., em Lisboa, uma vez que não é de prever a realização dos restantes atos médicos ali implícitos (trabalho suplementar, correspondendo igualmente a um acréscimo das horas extraordinárias no desempenho das suas funções), ou seja, a requerente prevê que irá auferir a partir de então a remuneração base indicada na tabela salarial no montante de 1.926,08 € (bruto) inexistindo os restantes valores constantes do doc.5.

G)

O Pai é músico e exerce a sua atividade em regime independente, com o que auferiu os seguintes rendimentos:

- Novembro 2023, perfazendo um total de 1458,75€;

- Dezembro 2023, perfazendo um total de 1281€;

- Janeiro 2024, perfazendo um total de 1297,50€.

H)

A Requerente ficou a residir na casa de morada de família e paga as despesas familiares inerentes (incluindo prestação bancária pelo empréstimo destinado à aquisição daquele imóvel).

I)

Até à data do falecimento do avô materno das crianças (depois de março de 2023), Requerente e Requerido contavam com o apoio deste avô materno, que dava apoio à dinâmica familiar, designadamente: ia buscar os menores à escola, cuidava deles e desenvolviam diversas atividades (familiares e de lazer em conjunto).

J)

O Hospital ... é dos maiores hospitais portugueses.

K)

As crianças estão pré-inscritas em colégio ... em ..., para o ano letivo 2023/2024 em estabelecimento de ensino na zona de Lisboa.

L)

Requerente e crianças poderão contar com o apoio da Avó materna que igualmente reside na zona de Lisboa.

M)

As crianças são ligadas à Avô materna e com ela costumam conviver (apesar da distância verificada até aqui).

N)

A Requerente tem família e amigos em Lisboa e poderá contar com o apoio destes.

O)

As crianças estão emocionalmente ligados à mãe e ao pai.

P)

A Mãe poderá acompanhar os menores na escola e em todas as suas atividades, por ter a expetativa de, em Lisboa, dispor de alguma maleabilidade para adaptar os seus horários à vivência dos filhos, contando com o apoio da avô materna.

Q)

O pai das crianças pretende continuar a viver na zona de ....

R)

Os menores são extrovertidos, de fácil comunicação, integração, desenvolvidos também emocionalmente, mantêm boas relações com os adultos, com os “seus pares”.

S)

O requerido viveu na casa de morada de família até 28/02/2023 e, desde março desse ano, encontra-se a residir num T3, arrendado, na Rua ..., ..., ....

T)

Quando o requerido saiu da casa de morada de família, requerente e Requerido acordaram na realização de uma residência alternada dos seus filhos menores, tendo a repartição de tempos ficado definida, por acordo entre requerente e requerida e mediante sugestão da requerente, em 8 dias com o pai e 6 dias com a mãe.

U)

As crianças residem até à data presente na zona de ..., na qual reside a maioria da família paterna, os primos dos menores que têm idades próximas dos mesmos frequentando a escola e outras atividades, bem como dos seus amiguinhos.

V)

A avó paterna reside em ... e tem tia e primos a residir em ..., todos disponíveis para ajudar a cuidar das crianças.

W)

O requerido dá aulas de segunda a sábado em três/quatro escolas particulares.

X)

O requerido já frequentou curso na Faculdade de Ciências da Educação, o que não acontece no presente, sem que o tenha concluído com êxito.

Y)

A avó EE (avó paterna), mesmo enquanto requerente e requerido viviam juntos, ajudou a cuidar destes netos.

Z)

O requerido, arrendou um apartamento na cidade ..., onde paga uma renda mensal de 400,00€.

AA)

Até 2015/2016, o requerido e a requerente viveram na ... e quem pagava as despesas era o requerido.

BB)

A certa altura a requerente insistiu em mudar de casa para uma moradia no bairro de ..., com uma renda de 550,00/mensais.

CC)

O requerido logo disse não ser possível, pois não conseguia suportar tal despesa sozinho, e a requerente então disse que assumia essa responsabilidade.

DD)

Entretanto, encontraram/compraram casa em ..., e a prestação da casa correspondia a 400,00/mensais.

EE)

A partir do momento em que requerente e requerido passaram a residir na casa de ..., manteve-se a dinâmica de ser a requerente a pagar a mensalidade, e o requerido pagava algumas das demais despesas (alimentação, combustíveis, água, luz, gás, etc…).

FF)

Aquando do nascimento dos seus filhos, a requerente auferia um ordenado maior do que o requerido.

GG)

O avô materno das crianças vivia com o casal.

HH)

A bisavó materna, a “luzinha”, com os seus 94 anos vive com a avó materna das crianças - FF (mãe da requerida, avó materna dos menores) -, num apartamento T2, em ..., sendo também cuidada por esta.

II)

Nos 8 dias seguidos que as crianças passavam com o requerido, a requerente, até à realização da ATE (audição técnica especializada) nos presentes autos, não fazia contacto telefónico com os seus filhos para falar com os mesmos ou saber dos mesmos.

JJ)

Após a referida ATE, a requerente passou a telefonar ao requerente, para falar com as crianças e estas passavam 7 dias seguidos consigo, tal como com o requerido.

KK)

Até à ATE, nos seis dias seguidos em que as crianças estavam com a requerente, o requerido telefonava todos os dias ao fim do dia para falar com os seus filhos.

LL)

As crianças frequentam, no ano de 2023/2024, a Escola Básica ....

MM)

De salientar ainda, quando os menores frequentaram a creche, o cargo de encarregado de educação foi desempenhado, nos últimos 3 anos letivos, pelo pai, aqui requerido.

NN)

A requerente ainda não terminou a especialidade médica.

OO)

A requerente é a encarregada de educação das crianças no corrente ano letivo.

PP)

A requerente diariamente desempenha as suas funções em contexto hospitalar: nem a requerente reconhece qualquer sintoma nem tal foi (ainda que indiretamente) aludido naquele contexto clínico por colegas, enfermeiros ou outros técnicos.

QQ)

A Requerente exerce funções de grande complexidade e elevado grau de responsabilidade (ex. transplantes).

RR)

A requerente também cozinha para as crianças, leva-as à escola, aos parques infantis, que lê, que brinca, que abraça, que aconchega, que acarinha, mas também que impõe regras e comportamentos e acompanha os filhos quando estão doentes.

SS)

A requerente construiu no sala de estar um parque de atividades para os filhos, todo ele devidamente vedado, preparado e seguro.

TT) A requerente ergueu de raiz uma oficina em madeira, equipada com todos os artefactos de bricolage inerentes, brincando com os filhos como se fossem profissionais de diferentes ofícios, com várias vertentes lúdicas e pedagógicas.

UU)

A requerente, com rigor e dedicação, prepara as festas de aniversario, de Carnaval, Halloween das crianças.

VV)

Em qualquer situação de impedimento, a Requerente terá todo um suporte logístico, considerando que tem família na ... (para onde irá residir), e um casal de amigos, de longa data, que residem nos ... (a 5 minutos da ...), nomeadamente na rua contígua à escola em que a Requerente pretende colocar os filhos.

WW)

Do Hospital ... à ... são pouco mais de 5 a 10m.

XX)

A escola ... - que os filhos poderão frequentar – conta com um método de ensino de excelência, sobejamente conhecido, sendo que tem integradas várias atividades, entre elas, música e futebol.

YY)

A requerente sempre incentivou o requerido (liquidou aliás propinas durante 1 ano, sem que qualquer êxito tivesse sido alcançado; nem uma aula parece ter assistido).

XX)

O requerido concorreu a concursos públicos mas sem qualquer sucesso pois faltou aos exames de admissão. 

ZZ)

Durante anos o casal foi apoiado nas suas tarefas domésticas, por empregada que realizava as suas funções duas vezes por semana.

AAA)

A casa sita na ... tem boas condições de habitabilidade (T3), maior proximidade à escola, recursos e estruturas de apoio aos menores, quer a nível de atividades, serviços, lazer.

BBB)

A requerente recorreu à PSP no dia 18 de Novembro de 2022, em face do comportamento agressivo do Requerido para com a Requerente (que teve lugar na presença dos filhos): agarrou a Requerente pelo pescoço, gritou e insultou-a com a cara junto à dela.

CCC)

Nalgumas vezes, a requerente e o avô materno (GG) levaram as crianças a casa da avó paterna (avó EE) após a creche.

DDD)

A requerente ficou a residir na casa de morada de família partir de março de 2023, inclusive, por mútuo acordo com o requerido.

EEE)

Na execução do regime de residência alternada em vigor, requerente e requerido têm sabido priorizar a satisfação das necessidades destes filhos, na divisão dos tempos de permanência dos mesmos com cada um dos pais e na pontual prestação de cuidados específicos.

Factos Não Provados

1)

A Requerente irá ver transferidas as funções para o Hospital ..., em Lisboa, em Agosto, princípio de Setembro de 2023.

2)

A requerente tem disponível casa em Lisboa, com todas as condições para receber os menores, que era propriedade do seu Pai, sito na Rua ....

3)

A requerida encontra-se emocional e pessoalmente indisponível para cuidar e dar atenção aos filhos, porquanto, é uma “workaholic” (não se consegue desligar do trabalho), facto esse que fez com que o requerido tivesse de colocar em “standby” a sua profissão para poder acompanhar e cuidar dos filhos de ambos.

4)

Havendo por isso, uma total inversão de papéis: temos um pai a exercer os valores tradicionais de mãe e temos uma mãe totalmente ausente e alheada dos filhos, colocando à frente a sua profissão de médica em detrimento dos filhos.

5)

O elo existente entre a mãe e os filhos é bem menor do que o elo existente com o pai, porquanto foi o pai quem criou os até agora porquanto a requerente se encontrava muito ausente diariamente.

6)

O pai esteve sempre presente, no mínimo 85% das vezes, na vida dos filhos ao invés da requerente.

7)

Antes da rutura do casal, era o pai que os levantava e adormecia, vestia, dava o pequeno-almoço, levava e buscava os meninos à escola, dava-lhes banho, jantar, brincava com eles, levava-los ao parque, a andar de bicicleta, jogar à bola, etc…

8)

A mãe, apenas se levantava, tomava banho, vestia-se e ia para o trabalho, sendo que muitas vezes não dormia em casa pois tinha de trabalhar durante a noite, dormindo durante o dia, desencontrando-se da vida dos menores.

9)

O pai abdicou de vários projetos na sua vida profissional para cuidar, acompanhar e amparar os filhos, pois a mãe era ausente, por razões profissionais e não só.

10)

Em casa, quando não trabalhava, passava horas a fazer renda ou estava a dormir o que se compreendia pois era um escape da sua vida profissional desenfreada, mas sempre em detrimento do tempo dos seus filhos.

11)

Num determinado dia o requerido estava a lecionar aulas em casa, e a mãe não se levantou nem se disponibilizou para ir buscar os meninos à creche, às 18h00, o que gerou uma discussão, como várias outras que tinham por a mãe não passar tempo com os seus filhos.

12)

O CC, inclusive, desde bebé, quando acordava de noite, chamava sempre pelo pai.

13)

O DD e o CC, a maioria das vezes, pediam para ser o pai a adormece-los, o que muitas vezes fazia despoletar uma má reação por parte da requerente ao ver que os filhos preferiam o pai em detrimento da mãe.

14)

A justificação que o requerido acha para esta mudança para Lisboa é porque a requerente não consegue ter suporte familiar do seu lado em ..., pedindo ao requerido para ficar com os menores ou levar e buscar à creche uma vez que o avô materno faleceu.

15)

A requerente já viveu da música e da dança.

16)

O requerido é independente desde os seus 19 anos, sendo um dos melhores guitarristas e professores de guitarra a nível nacional com provas dadas.

17)

O trabalho do requerido e o seu descanso sempre foram menosprezados pela requerente e a sua família.

18)

O requerido suspendeu a frequência do curso na Faculdade de Ciências da Educação, quando o primeiro filho DD nasceu, a fim de poder cuidar dos filhos e amparar a requerente nos seus objetivos /ambições profissionais.

19)

Como a profissão a que o requerido de dedicava era alvo de desdém perante a requerente e os seus familiares e como era o requerido que tomava conta na maioria das vezes dos seus filhos, a requerente abusou da sua humildade, dedicação, amor e espírito de sacrifício.

20)

O requerido anulou-se completamente para atender aos caprichos da requerente, abdicando da sua vida profissional e dos seus valores, tentando normalizar comportamentos atípicos da requerente e avalizados pelos seus pais.

20)

Se não fosse o requerido a cozinhar, ninguém cozinhava em casa, até porque o avô materno não cozinhava.

21)

Se não fosse o requerido ninguém se preocupava em levar os menores a passear e fazer atividades ao ar livre.

22)

Era preferível para a requerente ligar a televisão e entregar-lhes um telemóvel nas mãos, para manter os menores distraídos, sem darem grande trabalho, inclusive nas refeições.

23)

Tantas vezes que a requerente e o avô materno (GG) levaram os menores a casa da avó paterna (avó EE) após a creche.

24)

Até ao nascimento do DD, o requerido dava 50 aulas por semana.

25)

Quando o DD nasceu o requerido ficou extramente limitado para poder trabalhar e ficou com o DD em casa desde os seus 4 meses até ele perfazer 1 (um) ano.

26)

Aquando do nascimento dos seus filhos, o requerido abdicou de dar mais aulas em prol dos seus filhos (cuidar deles e da casa).

27)

Era o requerido que ajudava e cuidava do avô materno, tantas vezes cozinhava para ele, pois o mesmo não cozinhava e passava grande parte do tempo com dores.

28)

A requerente chegou a faltar a dois ensaios para acompanhar o sogro ao hospital.

29)

O sogro era hipocondríaco, e quando tinha ataques de ansiedade, era o requerido que ia ao quarto afagar-lhe o rosto, meter-lhe a mão na testa e transmitir-lhe alguma calma, enquanto a requerente ficava calma e serena a fazer a sua renda, vendo o pai naquele estado.

30)

Era o requerido que assumia o papel de pai de todos naquela casa.

31)

Só quando não podia mesmo, é que o seu sogro o ajudava, tanto é, quando o requerido estava com os miúdos o seu sogro ausentava-se por largos períodos.

32)

Quando o requerido saiu de casa, quando as crianças estavam com a mãe, quem cuidava deles era o avô materno (GG) pois a requerente muitas das vezes estava a trabalhar.

33)

As crianças chegaram a estar sem jantar às 22h00.

34) O requerido chegou a ligar e o avô paterno com eles na sala e os meninos ainda sem jantar, pois o GG não cozinhava.

35)

A avó materna das crianças ocupa todo o seu tempo com os cuidados em relação à bisavó materna, a “luzinha”.

36)

O requerido é uma pessoa calma e ponderada.

37)

A requerente ponderou fazer terapia de casal há mais de um ano, que está com sintomas de burnout há imenso tempo e que teve inclusivamente depressão pós-parto.

38)

Quando em casa, nos seus dias de folga, a requerente ou dormia ou passava o dia sentada a fazer renda, não dando nenhuma atenção aos filhos.

39)

Algo que mereceu uma chamada de atenção por parte dos seus pais (avós maternos dos menores) pois bem sabiam que era uma forma de escape.

40)

E que tentaram inclusivamente intervir junto da mesma a fim de ser acompanhada em psicologia/psiquiatria, mas a mesma mostrava-se sempre renitente e inflexível quanto ao procurar ajuda e tomar medicação.

41)

O requerido, chegou inclusivamente, a dizer à requerente que se a situação de agressão e humilhação psicológica continuasse que ligava para a assistência à vítima.

42)

A requerente muitas vezes perdia o controlo, dizendo asneiras, gritando, batendo com as portas, atirando-se ao chão, num cenário surreal, e na presença dos menores.

43)

O avô paterno, pai da requerente, chegou a dizer ao requerido que o achava um herói por conseguir aguentar tais situações.

44)

Quando as coisas escalavam, era o requerido que tinha de se conter e calar, para serenar as coisas uma vez que a requerente não aceita um não nem opiniões e pontos de vista contrários ao dela.

45)

As crianças não concebem a ideia de deixar de residir com o pai que se entristecem chegando a chorar na hora de os entregar à requerente.

46)

A casa que a mãe diz ter em Lisboa (que era propriedade do seu pai, sita na Rua ...) corresponde a nada mais nada menos que um T1 com 40 M2.

47)

A avó materna das crianças nunca deu um banho a estes netos.

48)

A avó materna das crianças não higieniza a sua própria casa.

49)

Nas poucas vezes em que a avó materna o fez, deu aos netos sopa com maçã e pimento.

50)

A avó materna das crianças incentivou a requerente a tirar uma pós-graduação, quando a requerente já não tinha tempo para a família nem para descansar.

51)

A requerente, em Janeiro 2022, queria ter outro filho, sob o pretexto de ficar de baixa de gravidez de risco e receber 100% do salário para poder descansar.

52)

A requerida teve um aborto espontâneo antes de nascer o DD, porque insistiu em acabar a tatuagem que tinha na barriga.

53)

A requerente chegou a chamar ao requerido de “empregada doméstica” e que o sustentava.

54)

Os menores nem falam da mãe quando estão com o pai, o que já não acontece ao contrário.

55)

As crianças raramente vão a Lisboa.

56)

No período de férias de verão, tal e qual como ficou definido na ata de conferência de pais no dia 09-08-2023 (período de 12 a 19 de agosto) a requerente não esteve com os meninos, “despejando-os” com a avó materna.

57)

As crianças estão ansiosas por iniciar as aulas de natação com os seus primos, com quem os mesmos combinaram de frequentar.

58)

O requerido vai transmitindo aos filhos de ambos uma imagem negativa da Mãe.

59)

Para que as crianças pudessem usufruir de mais tempo com o Pai, a Mãe concordou em que as segundas feiras fossem passadas com aquele (já que era o seu dia de folga).

60)

A requerente, ao ir trabalhar para o Hospital ..., em Lisboa, vai ter melhores condições de trabalho; menor carga horária, resultando daqui tempo para estar com os filhos, acompanhar Mãe, Avó, conviver também com primos, amigos, proporcionar novas e diferentes realidades aos filhos.

61)

Em Lisboa:

a) Os menores passarão mais tempo com a Mãe: com exceção de um dia por semana;

b) a Mãe terá o horário das 9h às 17h e fins de semana livres.

*

Da nulidade da sentença por falta de fundamentação

Entende a apelante que a sentença é nula por falta de fundamentação da decisão que fixa a residência dos menores com o Pai, se a residência da mãe se alterar para mais de 50 kms de distância da escola dos filhos, por não terem sido especificados os fundamentos de facto que a justificam.

O apelado e o Ministério Público defenderam a inexistência da alegada nulidade.

Apreciando:
Toda a decisão que não seja de mero expediente, deve ser fundamentada, deste modo permitindo às partes conhecer as razões do decidido, o que se revela de particular interesse para a parte vencida, a fim  de decidir se se conforma ou não com a decisão e para o Tribunal superior que a irá reapreciar.  A exigência de fundamentação recebeu consagração ao nível da lei ordinária – artº 154º, nº 1 do CPC e ainda na Constituição da República Portuguesa – artº 205º, nº1.

Como é entendimento unânime,  apenas a total falta de fundamentação é causa de nulidade da sentença, não o sendo a sentença que apresente uma fundamentação insuficiente.

No caso em apreço,  analisando a sentença recorrida, constata-se que a mesma contém a fundamentação de facto, elencando os factos provados nas alíneas A) a EEE) e os não provados com os nºs 1 a 61 e contém fundamentação jurídica que se desenvolve ao longo de dezasseis páginas com a citação de preceitos legais, doutrina e jurisprudência que se entendeu pertinente. Assim, o tribunal fundamentou a decisão quanto à fixação da residência, no caso da progenitora passar a residir em Lisboa, explicando que trata de um caso em que ambos os progenitores têm competências parentais, “em que as crianças estão bem”, carecendo  ambos, em virtude das suas atividades profissionais, de apoio familiar para exercer as suas funções parentais, pelo que a decisão não se apresentava fácil, mas considerando que as crianças têm vivido em ..., onde têm os familiares com quem habitualmente se relacionam e os seus amigos, não sendo inevitável a deslocação da mãe, entendeu não haver  razões para fixar a residência dos menores junto da mãe, afastando-os do  centro de interesses onde têm vivido.

O que reflete a arguição de nulidade suscitada pela apelante, em face da argumentação que deduz,  é a sua não concordância com a decisão relativamente à fixação da residência das crianças com o progenitor, caso a progenitora passe a residir  a mais de 50 kms da atual escola das crianças. O regime das nulidades  destina-se apenas a remover aspetos de ordem formal que, eventualmente, inquinem a decisão, não sendo adequado para manifestar discordância e pugnar pela alteração do decidido (cfr. se defende no Ac. acórdão do STJ de 09-01-2019, proc. n.º 4175/12.8TBVFR.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser encontrados todos os acórdãos que venham a ser citados sem indicação da fonte).

Improcede, assim, a alegada  nulidade.

Da alegada nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão

Esta causa de nulidade consiste na oposição entre a decisão e os fundamentos em que ela assenta e verifica-se quando os fundamentos de facto e de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Trata-se de um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso. Reporta-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão (cfr. se defende no Ac. do STJ de 21.10.2020 proc. 5080/17.7T8CBR.C2.S1).            

A propósito desta nulidade diz José Lebre de Freitas  “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se”.

Entende a apelante que a sentença recorrida parece seguir um certo sentido de raciocínio (ausência de adequadas condições do recorrido), mas conclui de modo oposto ao fixar a residência das crianças com o pai, no caso da mãe passar a residir a distância superior em 50Kms ao estabelecimento de ensino das crianças.

Para fundamentar a invocada nulidade faz apelo aos factos dados como provados nas alíneas D), I), K), L), M), N), O), P), R), V), W), NN), OO), QQ), RR), WW), XX), AAA), BBB), CCC), DDD) e EEE) e à motivação da decisão de facto relativa aos  factos considerados não provados 3), 5), e 9).

Analisando os factos dados como provados supra mencionados, em que a apelante se fundamenta, realçando-se que a motivação da decisão relativamente aos factos não provados não constitui factualidade a atender, mas apenas as razões que determinaram o julgador a  considerar determinados factos como provados ou não provados, apenas podendo auxiliar a esclarecer o significado de determinada factualidade, não resulta a invocada contradição (a qual terá de ser evidente) entre a decisão e os fundamentos. O entendimento do tribunal a quo está expresso na sentença recorrida e está em coerência lógica com a decisão.

Questão diversa é se  enquadramento jurídico realizado na sentença recorrida  está errado, o que consubstancia erro de julgamento, a apreciar infra,  e não nesta sede,  improcedendo a nulidade invocada.

Da impugnação da matéria de facto

(…).

Da aplicação do Direito aos factos

Da leitura do recurso da apelante é patente que:

. a apelante entende que, em face dos factos provados a decisão deveria ter sido no sentido de fixar a residência da crianças com a progenitora, no caso de esta se ausentar mais de 50 kms do local de ensino frequentado pelas crianças CC e DD,  discordando do tribunal a quo por não ter atentado no facto da apelante ter mais disponibilidade para estar com os filhos do que o apelado; e,

. a apelante não concorda com a argumentação apresentada na sentença para o caso da mãe passar a residir em Lisboa, situação que inviabilizará a residência alternada que está em vigor, por distarem mais 222 kms entre ambas as residências, no sentido de considerar mais seguro fixar a residência com o pai, num caso em que ambos têm competências parentais, e por o tribunal ter entendido que a ida para Lisboa era uma opção da mãe, “que não por inevitabilidade relativa a estas crianças”.
O fator primordial a ter em conta na decisão que fixa as responsabilidades parentais é o interesse superior da criança. Na verdade, no plano do direito internacional encontramos estabelecido na Convenção Sobre os Direitos da Criança – aprovada em Nova Iorque em 20 de Novembro de 1989, aprovada por Portugal e publicada no D.R., I série, de 12.9.1990 –, que todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança (art. 3º nº 1). Não há uma definição legal do que é o interesse do menor. Este «deve ser entendido como o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade», o qual, como refere Maria Clara Sottomayor, trata-se de «um conceito indeterminado e que deve ser concretizado pelo juiz de acordo com as orientações legais...».
O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, devendo o  tribunal promover e aceitar acordos ou tomar decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos os progenitores e de partilha e de responsabilidades entre eles (artº 1906º, nº 8 do CC). O legislador conhecedor da importância do estabelecimento e manutenção de laços afetivos com ambos os progenitores, incentiva-os. Qualquer decisão sobre a regulação das responsabilidades parentais terá que se nortear pelo interesse do menor que é a parte mais fraca e em formação e que, por essa razão, o legislador quis proteger  . “…em termos suficientemente amplos de modo a abranger tudo  o que envolve os legítimos anseios, realizações e necessidade daquele e dos mais variados aspetos(…).  E esse interesse tem de ser ponderado casuisticamente em face de uma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes”(cfr. se defende no Ac. do TRL de 20.10.2005, proc. 8552/2005-6) .

A reforma introduzida pela Lei 61/2008, de 31/10, promoveu a igualdade de ambos os progenitores no exercício das responsabilidades parentais, definindo como regra o exercício comum das responsabilidade parentais, relativamente  às questões de particular importância para a vida do filho (artº 1906º, nº1 do CC).

Estando os pais separados, como é o caso, há que regular as responsabilidades parentais.

A lei privilegia a residência alternada (cfr. o art. 1906º, nº 6 do CC e Lei n.º 65/2020).

Da matéria de facto apurada resulta que as crianças CC e DD têm uma  boa relação afetiva com ambos os progenitores, interagindo com qualquer um deles de forma positiva e com quem são felizes e ambos os progenitores demonstram ser capazes de assegurar as necessidades diárias das crianças, designadamente providenciar à sua alimentação, tratar da respetiva higiene, vesti-las, educá-las, providenciar pela sua formação escolar e acesso (dentro das suas possibilidades) a atividades entra-escolares  e garantir um espaço que as crianças reconheçam como sendo seu.

            Não entendemos que da matéria de facto provada resulte evidente que o pai não reúne as condições necessárias para que a guarda seja fixada junto dele, como alega a apelante.
Num caso, como o presente, ambos os pais têm as  necessárias competências parentais para proporcionarem os necessários cuidados às crianças; e ambos têm   limitações  decorrentes do exercício das suas atividades profissionais, tendo que recorrer ao auxílio da família e de amigos próximos para poderem compaginar o horário das crianças com o seu (cfr. alíneas L, M, N e WW e V) ).
A alteração da residência das crianças pode importar uma alteração substancial da sua vida, como ocorrerá no caso, designadamente pela sua transferência para outro estabelecimento de ensino com a inerente necessidade de uma adaptação a novos professores e regras  e impondo o estabelecimento de novas amizades.
A apelante apenas se insurge com a regulação das responsabilidades parentais, em caso de passar a trabalhar em Lisboa, no Hospital ..., nada opondo ao decidido na primeira parte do dispositivo da sentença recorrida, na qual foi decidida a residência alternada das crianças, o  que já se encontrava estabelecida por acordo das partes,  formalizado, sob a forma de regime provisório, a 29 de setembro de 2023, nos seguintes moldes:
 “1 – Responsabilidades parentais alternadas, de segunda a segunda feira desde o início das atividades letivas até ao início das atividades letivas da segunda feira seguinte, sendo segunda feira, dia 02-10-2023 a 09-10-2023, com a mãe, alternando na semana seguinte e assim sucessivamente.”
A operacionalidade deste regime assenta num contexto favorável:
- coincidência residencial, ao nível da localidade, da mãe e do pai destas crianças;
- igual competência parental, quer direta quer de forma delegada;
- bem estar das crianças, a nível escolar, familiar e social;
- capacidade.
A residência  alternada exige um estreito diálogo entre os pais. É preciso que cada um dos progenitores mantenha o outro informado do que importante aconteceu durante o período em que a criança esteve consigo. Os pais na residência alternada têm de ser capazes de definirem linhas comuns de orientação na educação da menor de forma a garantirem que não obstante a alternância de residência, se mantém uma rotina diária com regras simples e bem definidas e não contraditórias entre o que é exigido por cada um dos progenitores, de forma a permitir-lhe um crescimento harmonioso.
Ora, no caso da progenitora ir viver para Lisboa, torna-se impossível a manutenção do regime de residência alternada, até agora vigente e  ir-se-á operar a mudança do centro de vida das crianças, sendo que não se apuraram quaisquer factos que permitam concluir que essa alteração será mais benéfica para os menores do que a sua permanência junto do progenitor. A apelante não logrou provar que caso passe a trabalhar em Lisboa, o seu horário de trabalho lhe permitirá dispor de tempo para estar com os menores que o progenitor não terá (à data da prolação da sentença tinha apenas uma expetativa que tal pudesse  vir a ocorrer – al.P), sendo que o interesse dos menores não pode ser apenas aferido em função do horário de trabalho de cada um dos progenitores. Mais do que a quantidade, o que interessa é que o tempo que pais e filhos passam juntos  seja um tempo de qualidade, dedicado não só a atividades lúdicas, como também à imposição de hábitos e  regras que lhes irão ser úteis ao longo da sua vida.
Não se provou que a mãe, caso passe a desenvolver a sua formação em Lisboa, venha a ter a carga horária que alega,  mas ainda que se tivesse provado e não se censure a  mesma por pretender ter mais qualidade de vida, sendo conhecido do homem médio a carga horária a que estão sujeitos os médicos que exercem funções em contexto  hospital, especialmente os que desempenham funções em áreas que têm de ter atendimento permanente, a solução terá de ser encontrada, como sempre, norteada pelo  superior interesse das crianças.
E nessa dualidade de interesses dos pais versus interesses dos filhos, a opção da sentença recorrida pela manutenção do centro de vida das crianças no local onde sempre têm residido e têm os seus interesses (têm os primos com idades semelhantes, têm os amigos – cfr alínea U) , afigura-se-nos equilibrada, observando o seu superior interesse.
A decisão sobre a regulação das responsabilidades parentais não é uma decisão definitiva. Poderá ser alterada várias vezes ao longo da vida das crianças, em função da alteração superveniente  das circunstâncias e do seu superior interesse (artº 988 do CPC). Neste momento, a sentença recorrida não merece censura.
Sumário:
(…).
IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
Coimbra, 26 de novembro de 2024