I – O instituto da exoneração do passivo restante é um benefício reservado apenas ao devedor pessoa singular que seja honrado, por ser uma oportunidade de começar de novo liberto, de forma definitiva, da totalidade do seu passivo remanescente.
II – As causas de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, enunciadas no art. 238.º, n.º 1, são taxativas.
III – Enquanto que, para efeitos da sua al. e), têm que ser trazidos pelos credores, pelo administrador de insolvência ou existirem nos autos elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação nos termos do art. 186.º, já a al. g) pressupõe os requisitos cumulativos da violação, no decurso do processo de insolvência, por parte do devedor, dos deveres de informação, de apresentação e de colaboração (art. 83.º), e que esta infracção tenha sido cometida com dolo ou culpa grave, nenhuma sendo de funcionamento automático.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Tribunal a quo: Tribunal Judicial da Comarca de Leiria/Juízo de Comércio de Alcobaça (J...)
Recorrente: AA
Sumário (art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(…).
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
I.
Em 7 de Fevereiro de 2024, AA, melhor identificada nos autos, apresentou-se à insolvência, formulando concomitantemente pedido de Exoneração do Passivo Restante, fazendo-o com a declaração a que alude o art. 236.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e que se dispõe a observar todas as condições impostas na lei.
Foi declarada Insolvente, por Sentença datada de 9 de Fevereiro de 2024, aqui se consignando, inter alia, que:
«Atenta à matéria de facto provada por confissão, alcança-se que a Requerente se encontra impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas (reconhece um passivo total superior a 22000,00 €, decorrente de mútuos bancários para aquisição de bens de consumo; a Requerente está desempregada e não recebe prestações sociais; tem uma filha, maior de idade, autónoma; vive em casa da mãe; não é titular de bens imóveis nem de móveis sujeitos a registo.
Há que reconhecer que um passivo global de cerca de 22 000,00 €, não justifica, por si só, a declaração de insolvência. Sucede que a Requerente está desempregada e não recebe prestações sociais, e não é titular de quaisquer bens.».
No Relatório apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência, ao abrigo do art. 155.º, o qual remonta a 28 de Março de 2024, este:
1. Opôs-se à Exoneração do Passivo Restante;
2. Requereu o encerramento do processo, por inexistência de bens.
Para deduzir esta oposição, respiga-se do Relatório que:
«A Insolvente tem 51 anos de idade, reside na casa da mãe, onde paga de renda o montante mensal de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), em morada fixada nos autos.
Atualmente, a devedora encontra-se desempregada desde setembro de 2023.
No período de junho de 2021 a setembro de 2023, a Insolvente dedicava-se profissionalmente à área do Tarot atuando como trabalhadora independente.
Entregou ao Administrador Judicial cópia da declaração de IRS referente ao ano de 2020, 2021 e 2022, a saber:
Valores declarados 2020 2021 2022
Categoria B
(Rendimento Bruto Anual) € 5.273,05 € 0,01 € 1.845,00
Da análise das averiguações realizadas e documentos obtidos é possível concluir a inexistência de património imobiliário sujeito a registo de sua propriedade, pelo menos nos últimos três anos.
A existência de bens móveis, nos últimos três anos:
• Veículo marca NISSAN MICRA, do ano de 1998, com a matrícula ..-..-MI transmitido à filha, BB, em 22.11.2023 sem NENHUMA CONTRAPARTIDA pela entrega da viatura.
NÃO OBSTANTE, e atento o valor comercial irrisório do bem, o Administrador Judicial OPTA pela NÃO RESOLUÇÃO do negócio.
• Veículo marca RENUALT MÉGANE com matrícula ..-DD-.., transmitido à mãe, CC, em 04.01.2024.
IMPORTA REFERIR QUE, a devedora OCULTOU ao Administrador de Insolvência a existência desta viatura aquando da deslocação em 09.03.2024 à morada da mesma.
A devedora, em 13.03.2024, alegou que a venda, à mãe, ocorreu pelo valor total de € 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta euros), tendo sido entregue € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) em dinheiro e os restantes € 4.000,00 (quatro mil euros), repartidos e abatidos ao pagamento da renda mensal de € 400,00 (quatrocentos euros) por viver em casa de sua mãe.
- Cfr. Doc n.º 1, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
MAIS ACRESCE QUE, no dia 11.03.2024, tal viatura foi transmitida a terceiros, nomeadamente a DD.
- Cfr. Doc n.º 2, idem.
Foi apresentado pela insolvente o pedido de exoneração do passivo restante, nos termos do disposto nos artigos 235.º e seguintes do C.I.R.E.
Destarte, a devedora demonstrou falta de colaboração, honestidade e transparência no que respeita à situação económica e patrimonial dos últimos 3 anos.
Nesta medida, o Administrador OPÕE-SE À EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE.
Acresce a esta situação a transferência do património em momento anterior à apresentação à insolvência, e para terceiros após decretada a mesma – conforme doc. junto. – sem que tal facto tenha sido dado conhecimento ao Administrador Judicial
Assim, apenas é possível concluir,
. É notória a situação de insolvência e a insuficiência de valores ativos para fazer face ao passivo acumulado;
. Inexiste património imobiliário e mobiliário apreensível;
. Da lista elaborada nos termos do disposto no artigo 129.º do CIRE, a qual, nesta data, por requerimento autónomo dirigi ao Apenso da Reclamação de Créditos verifica-se que o valor dos créditos reconhecidos é de € 25.475,24.
. Desconhece-se a existência de créditos detidos pela insolvente.».
Em 11 de Abril de 2024, no exercício do princípio do contraditório, a devedora invocou que:
«9. Não corresponde à verdade a conclusão do Sr. Administrador de Insolvência de que a Insolvente tentou ocultar a existência do automóvel, desde logo porque a Insolvente já não era proprietária do mesmo há mais de dois meses!
10. Não estando na sua disponibilidade mostrar a referida viatura ao Sr. Administrador de Insolvência nem tão pouco transacionar o mesmo após o início de Janeiro de 2024.
11. Não tendo ainda a Insolvente qualquer influência ou capacidade de decisão relativamente à posterior venda da viatura automóvel por parte da sua mãe a um terceiro.
12. A Insolvente explicou detalhadamente ao Sr. Administrador de Insolvência o âmbito da transacção da viatura automóvel, desde logo o preço do mesmo, a forma de pagamento e o momento de liquidação do mesmo, o que o fez verbalmente e por e-mail (cfr. doc.1 junto ao Relatório do Administrador).
13. Vive na casa da sua mãe, pessoa que já tem mais de 70 anos, e que teve a amabilidade de receber a Insolvente na sua casa, depois da mesma ter saído da casa da sua filha, por divergências pessoais com esta, também proprietária da sua antiga casa de morada de família.
14. A única maneira de “compensar” a sua mãe pela despesa adicional que a mesma passou a ter todos os meses com a sua filha e ora Insolvente passou por transacionar o automóvel em causa, e ainda ficando com uma pequena verba (€650,00) para despesas correntes e também por forma a que a Insolvente fizesse uma deslocação a França, no mês de Janeiro de 2024, à procura de trabalho.
15. Aliás, o próprio relatório do Sr. Administrador de Insolvência dá como provado que a Insolvente vive na casa da sua mãe e que a mesma paga uma renda de €450,00!
16. O que só demonstra a veracidade da versão apresentada pela Insolvente!
17. Esta é a realidade e não a versão errada e falsa que está a ser apresentada pelo Sr. Administrador de Insolvência no seu Relatório, a respeito deste ponto específico.
18. A Insolvente agiu sempre de boa-fé em todo o presente processo, desde logo na petição inicial, mas também durante todos os contactos com o Sr. Administrador de Insolvência.
19. Pelo que não se aceita a sua oposição a que se verifique a exoneração do passivo restante, requerido pela Insolvente na petição inicial.».
Não tendo sido apreendidos quaisquer bens para a massa insolvente e, porque notificados os credores da insolvência e a devedora, nenhum objectou ao encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, foi proferida decisão em 2 de Maio de 2024, a declarar encerrado o processo.
Instado a tanto, em 7 de Maio de 2024, o Administrador da Insolvência reiterou a sua anterior posição, assinalando que:
«1 – O Administrador Judicial mantém a sua oposição à concessão da exoneração do passivo restante, porquanto e conforme já referido no seu Relatório, a devedora ocultou deliberadamente a existência das transmissões operadas em momento anterior à apresentação à insolvência.
2 – Acresce que, além de ocultar tais transmissões, o veículo marca NISSAN MICRA, do ano de 1998, com a matrícula ..-..-MI, foi transferido para a propriedade da filha, sem qualquer contrapartida, em 22/11/2023.
3 – No que concerne ao veículo marca RENUALT MÉGANE com matrícula ..-DD-.., transmitido à mãe, CC, em 04.01.2024, alega, sem comprovar que o mesmo terá sido transmitido pelo valor de € 4.650,00, sendo que junta uma transferência de € 650,00. De realçar, que aquando da visita do signatário à insolvente, ESTA OCULTOU DELIBERADAMENTE a transmissão da viatura RENUALT MÉGANE à mãe, confirmando unicamente a transmissão da viatura NISSAN MICRA à filha, mesmo depois de ter sido questionada se tinha havido mais transmissões de bens nos últimos três anos.
4 – O Administrador limita-se a transmitir aos autos os fatos que se encontram ao dispor, mormente:
- ocultação por parte da devedora das transmissões operadas nos seis meses anteriores ao início do processo de insolvência;
- tais transmissões ocorrem para pessoas especialmente relacionadas – filha e mãe;
- das reclamações de créditos recebidas, mormente quanto ao seu maior credor Banco 1... / 52,29% verifica-se um incumprimento que se reporta a DEZEMBRO de 2023;
- o Segundo maior credor a Banco 2... / 36,99% verifica-se um incumprimento desde 15/01/2024;
- Cfr. Doc.s n.ºs 1 e 2, que se juntam e dão por integralmente reproduzidos para efeitos legais
5 – Destarte, mais não se pode concluir que a mesma encontrando-se em incumprimento com os seus credores, que representam 88% dos créditos reconhecidos, de forma deliberada e em benefício próprio e de seus familiares, cedeu gratuitamente o único património existente na sua esfera patrimonial com o único objetivo de frustrar a satisfação dos seus credores.».
Carreou cópias das reclamações de créditos aduzidas por Banco 1..., S.A. – Sucursal em Portugal, por contrato de crédito pessoal, reclamando 13 320,70 €, e por Banco 2..., S.A. – Sucursal em Portugal, por contrato de crédito ao consumo, reclamando 9422,33 €.
Em 23 de Maio seguinte, a devedora emitiu pronúncia onde retomou a sua anterior argumentação, e acrescentando ainda, que:
«A Insolvente também explicou todas as razões para ter transferido a propriedade da viatura automóvel com matrícula ..-..-MI, em 22-11-2023, para a sua filha, que tiveram que ver com a ausência de meio de transporte da mesma e dos seus dois netos.».
Também o Administrador da Insolvência entendeu dever, novamente, pronunciar-se, o que fez em 2 de Junho de 2024, renovando o anteriormente expendido.
Nesta esteira, em 22 de Junho de 2024 foi proferida decisão – ora recorrida –, de cujo Dispositivo se colhe:
«Entendemos, pois, que estão verificadas as circunstâncias previstas nas als. e) e g) do n.º 1 do art. 238.º do CIRE que acarretam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante formulado pela Requerente.
Face ao exposto, o Tribunal decide indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela devedora AA.
Custas pela massa insolvente.».
II.
Não concordando com o seu teor, a Devedora/Recorrente interpôs Recurso de Apelação, e as suas alegações findam com as seguintes
«CONCLUSÕES
(…).».
III.
Colhidos os vistos, é o momento de analisar e decidir.
IV.
Questão decidenda
Para além da apreciação de questões que sejam de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o âmbito da apelação (arts. 608.º, n.º 2, 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil):
- Da (in)existência de pressupostos para o indeferimento liminar da exoneração do passivo restante (art. 238.º, n.º 1, als. e) e g), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
V.
A decisão sindicada tem o seguinte teor, no segmento pertinente:
«Os artigos 236.º a 239.º do CIRE condicionam a aceitação do pedido de exoneração do passivo restante à verificação de determinados pressupostos processuais e materiais.
O artigo 236.º do CIRE impõe que o pedido seja feito no requerimento de apresentação à insolvência ou no prazo de 10 dias posteriores à citação, sendo sempre rejeitado quando apresentado após a assembleia de apreciação do relatório (n.º 1), devendo constar do requerimento a declaração expressa por parte do requerente de que preenche os requisitos e se dispõe a observar todas as condições exigidas nos artigos seguintes (n.º 3).
Ora, nos presentes autos a insolvente apresentou o requerimento tempestivamente e declarou que cumpre as condições dos artigos 235.º e seguintes do CIRE, que não se encontra em qualquer uma das situações do artigo 238.º, e que está em condições de ceder parte do rendimento que irá auferir durante o período da cessão, nos termos que vierem a ser estabelecidos.
De acordo com o disposto no artigo 237.º, al. a) do CIRE, a concessão efectiva da exoneração do passivo restante pressupõe que não exista motivo para o indeferimento liminar do pedido, por força do disposto no artigo seguinte.
O artigo 238.º do CIRE enumera as causas que conduzem ao indeferimento liminar do pedido de exoneração.
No que respeita às condições expressas nas alíneas a), b), c), d), e f) do referido preceito legal, é manifesto que as mesmas não levantam quaisquer questões porquanto não existem quaisquer indícios da sua verificação no caso concreto.
Importa, porém, analisar, relativamente às condições previstas nas alíneas e) e g) se se verificam os requisitos aí exigidos.
Nos termos da al. e) do art. 238.º, n.º 1, o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º.
Por seu turno, o art. 186.º, n.º 1, estatui que a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
Objectivamente, a disposição dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros concorre para a criação ou agravamento da situação de insolvência do devedor.
No caso dos autos, verifica-se que a devedora transmitiu à sua progenitora um veículo automóvel da marca Renault Mégane, em 04/01/2024, ou seja, um mês antes da propositura da acção de insolvência. A devedora alegou que o veículo foi vendido pelo preço de 4650,00€, tendo a compradora pago directamente à devedora a quantia 650,00 €. Mais foi alegado que os restantes 4000,00 €, serviriam de pagamento antecipado das rendas vincendas cobradas pela mãe pelo arrendamento da sua casa à devedora, no montante de 400,00 € por mês. Em 11/03/2024, o referido veículo foi alienado a terceiros.
Importa começar por salientar que não junto qualquer contrato de arrendamento ou recibo de pagamento de rendas devidas à sua mãe por residir em casa desta. Incumbia à devedora provar a existência deste alegado contrato de arrendamento e da renda acordada. O certo é que, não tendo sido apresentado qualquer documento comprovativo desse negócio jurídico, o Tribunal não pode dar como provado o alegado contrato de arrendamento entre a devedora e a sua mãe.
Assim, não tendo ficado provada a celebração de um contrato de arrendamento urbano entre a devedora e a sua mãe, constata-se que o referido veículo automóvel foi alienado à mãe da devedora, um mês antes da propositura da acção de insolvência. E, mesmo admitindo que tenha havido o pagamento de 650,00 €, é forçoso concluir não existir um nexo de correspectividade entre o preço pago e o valor estimado daquele veículo automóvel (com data de matrícula de Abril de 2007).
Face ao exposto, é entendimento deste Tribunal que a alienação do veículo automóvel de marca Renault Mégane a favor da mãe da devedora configurou um acto de disposição de bens em proveito pessoal, concorrendo para o agravamento da situação de insolvência da devedora.
Entendemos, pois, que existem elementos que indiciam com toda a probabilidade a existência de culpa da devedora no agravamento da sua situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º, conforme previsto na al. e) do n.º 1 do art. 238.º do CIRE.
Acresce que o pedido de exoneração também é liminarmente indeferido se o devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do CIRE, no decurso do processo de insolvência (art. 238.º, n.º 1, al. g) do CIRE).
O devedor insolvente está obrigado a prestar a colaboração que lhe seja requerida pelo administrador da insolvência para efeitos do desempenho das suas funções (art. 83.º, n.º 1, al. c) do CIRE).
No caso dos autos, está em causa o cumprimento do dever de colaboração da devedora com o Administrador da Insolvência.
Ora, a devedora não informou o Administrador da Insolvência da alienação daquele veículo automóvel a favor da sua progenitora, no mês anterior à apresentação à insolvência. Nessa altura, já a devedora se encontrava numa situação de impossibilidade de cumprimento das suas obrigações de pagamento vencidas. A omissão deste facto é tanto mais significativa quando se constata que o referido veículo ainda não tinha sido transmitido a terceiros (DD) quando da declaração de insolvência e do primeiro contacto do Administrador de Insolvência com a devedora.
Por conseguinte, podemos concluir que a devedora omitiu informação relevante sobre um negócio jurídico que poderia ser objecto de resolução em benefício da massa insolvente, incumprindo o dever de colaboração com o Administrador da Insolvência.
Face ao exposto, ficou concretamente demonstrada uma actuação da devedora subsumível à al. g) do n.º 1 do art. 238.º do CIRE.
Entendemos, pois, que estão verificadas as circunstâncias previstas nas als. e) e g) do n.º 1 do art. 238.º do CIRE que acarretam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante formulado pela Requerente.».
VI.
Do Direito
A exoneração do passivo restante é um instituto do direito da insolvência, com assento legal nos arts. 235.º ss. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na redacção operada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, por força da obrigatoriedade de transposição da Directiva (UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Junho de 2019[2].
Deflui do Considerando 73 desta Directiva que aqui se visa uma verdadeira segunda oportunidade, ao evidenciar-se que «…deverão ser tomadas medidas para reduzir os efeitos negativos do sobre-endividamento ou da insolvência para os empresários, nomeadamente permitindo o perdão total da dívida após um determinado período e limitando a duração das decisões de inibição resultantes do sobre-endividamento ou da insolvência do devedor.
… Os Estados-Membros deverão poder decidir a forma de dar acesso ao perdão, incluindo a possibilidade de exigir que o devedor o solicite.»[3].
Este instituto oferece ao devedor pessoa singular honrado[4] uma oportunidade de começar de novo – fresh start –, libertando-se, de forma definitiva, da totalidade do seu passivo remanescente, pelo que, enquanto medida de protecção ao devedor, com vista à sua recuperação e reintegração na actividade económica que lhe irá permitir encetar uma vida nova, não faz sentido atribuir-se-lhe tal benefício caso não seja merecedor de tal prerrogativa[5].
Como argutamente já se observou «A exoneração é, assim, antes de tudo, uma medida de protecção do devedor, tornando o recurso a ela uma verdadeira tentação. Esta força atractiva desencadeia, naturalmente, efeitos perversos: pode conduzir a “abusos de exoneração”.
…pode, de facto, haver a tendência para ver na exoneração um recurso normal, que a lei disponibiliza para a desresponsabilização do devedor. Consequentemente há o risco de o processo de insolvência se transformar num refúgio ou numa protecção habitual contra os credores (bankrupcy protection).
A experiência aconselha a que a disciplina da exoneração seja regulada com alguns cuidados.»[6].
Com estas asserções presentes, verifica-se que no caso em apreço, no momento inicial do processo foi feito pela devedora, pedido de exoneração do passivo restante (arts. 235.º e 236.º, n.º 1), posteriormente foi junto relatório do Administrador da Insolvência (art. 155.º), e profusamente actuado o princípio do contraditório (art. 236.º, n.º 4), como acima enunciado, após o que, por verificação da previsão normativa do art. 238.º, n.º 1, simultânea das suas als. e) e g)[7], tal pedido foi alvo de indeferimento liminar[8].
O art. 238.º enuncia as causas de indeferimento liminar do pedido, as quais são taxativas[9].
A Recorrente insurge-se com a subsunção que foi feita da sua actuação ao seu n.º 1, als. e) e g), alinhando duas objecções, a saber, a alienação da viatura automóvel à mãe em momento temporal prévio à instauração da acção de insolvência, enquanto acto de disposição de bens em proveito pessoal, que concorreu para o agravamento da sua situação (de insolvência), e a ocultação desta informação ao Administrador da Insolvência.
Não obstante haver alguma confusão entre os conceitos de impugnação da matéria de facto (que não obedeceu aos requisitos legais) com o erro na apreciação da prova, os motivos subjacentes ao indeferimento liminar vão ser analisados.
Emerge como entendimento pacífico da jurisprudência que o requerimento visando a exoneração do passivo restante deve ser indeferido liminarmente caso se verifique qualquer um dos fundamentos previstos no art. 238.º, n.º 1, sintetizados em três categorias: uma, que «respeita a comportamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuíram de algum modo ou a agravaram» [als. b), d) e e)]; outra, que «compreende situações ligadas ao passado do insolvente» [als. c) e f)], e, a última, que «configura condutas adoptadas pelo devedor que consubstanciam a violação de deveres que lhe são impostos no decurso do processo de insolvência» [al. g)][10].
Ex vi art. 342.º, n.º 2, do Código Civil, como os fundamentos de indeferimento liminar são factos impeditivos e que delimitam negativamente o direito do devedor à exoneração do passivo restante, a respectiva alegação e prova compete aos credores ou ao Administrador da Insolvência que a ele se oponham[11].
Com excepção da al. a), as demais alíneas do art. 238.º contêm razões de ordem material ou substantiva, na sua maioria atinentes ao mérito do comportamento do devedor, anotando-se que não são de funcionamento automático.
Para aquilatar do preenchimento da al. e), recuperando a noção de que a concessão do mecanismo da exoneração do passivo restante se destina ao devedor merecedor, isto é, ao devedor que esteja de boa-fé, inquestionável é concluir que se exclui este benefício àquele cujo comportamento tenha, por alguma forma, contribuído para o nascer ou o sobrecarregar da situação de insolvência.
Por isso, pode dizer-se que se reputa de boa-fé o devedor cuja situação patrimonial resultou de actos praticados sem o intuito de prejudicar os direitos dos credores[12].
Assim sendo, (re)afirma-se que o deferimento do pedido de exoneração do passivo restante não pode prescindir de um juízo valorativo sobre a inexistência de culpa do devedor no surgimento ou agravamento da insolvência, a qual tipicamente ocorre, ou pela criação ou aumento significativo do passivo existente, ou pela diminuição do património do devedor[13].
Por conseguinte, para efeitos desta al. e), têm que ser trazidos pelos credores, pelo administrador de insolvência ou existirem nos autos elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação nos termos do art. 186.º.
Por seu turno, a al. g) pressupõe os requisitos cumulativos da violação, no decurso do processo de insolvência, por parte do devedor, dos deveres de informação, de apresentação e de colaboração, como gizados no art. 83.º[14], e que esta infracção tenha sido cometida com dolo ou culpa grave[15].
O legislador transporta e remete o aplicador para a tarefa de densificação das noções de dolo e de culpa grave, reconduzíveis a comportamentos concretos conscientes e intencionais do devedor.
Chama-se à colação que «São pressupostos desta consciência e intencionalidade o conhecimento, pelo devedor, do dever de informação e a decisão de não prestação da informação ou a decisão de prestação de uma informação que não corresponde à realidade. Com efeito, o dever de informação só é de considerar cumprido quando o devedor preste a informação com verdade, pelo que a violação de tal dever tanto se dá quando o devedor recusa expressa ou tacitamente o fornecimento de uma informação como se dá quando o devedor presta uma informação que não corresponde à realidade.
A violação será cometida com culpa grave quando, em face das circunstâncias do caso, só um devedor especialmente descuidado no cumprimento das suas obrigações é que não teria cumprido ou cumprido com verdade a obrigação de informação que recaia sobre si.», registando-se, também, que a violação do dever de informação só constituirá motivo de indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante se tal informação for relevante para o processo[16].
Revertendo aos dados processuais, apura-se que:
- a aqui devedora está desempregada desde Setembro de 2023, não recebe prestações sociais, e não é titular de bens imóveis;
- em 22 de Novembro de 2023, a devedora cedeu, sem contrapartida monetária, um veículo automóvel do ano de 1998, à sua filha, negócio que o Administrador Judicial entendeu não resolver, em face do diminuto valor comercial daquele;
- em 4 de Janeiro de 2024, a devedora transmitiu para a sua mãe, uma viatura automóvel do ano de 2007;
- deixando de ser titular de bens móveis sujeitos a registo;
- em 7 de Fevereiro de 2024 ao apresentar-se à insolvência, a devedora encontrava-se impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, declarou reunir os requisitos legais ínsitos ao pedido de exoneração de passivo restante e estar na disposição de observar os ditames legais (art. 236.º, n.º 3);
- em 9 de Março de 2024, na deslocação do Administrador Judicial à casa da devedora e instada a referir-lhe as circunstâncias relevantes para os termos da insolvência, a mesma deu conta da doação do veículo automóvel à filha, mas nada disse sobre a referida alienação à mãe;
- em 11 de Março de 2024 a viatura automóvel foi alienada a terceiros;
- os créditos reconhecidos cifram-se em montante superior a 25 000 €.
Ressalta imediatamente a grande coincidência temporal entre as duas transacções a parentes no 1.º grau da linha recta – repete-se, dos únicos dois bens móveis sujeitos a registo detidos pela devedora – e a sua apresentação à insolvência, mediando apenas 34 dias da alienação da viatura automóvel à mãe, ao pedido formulado em Tribunal.
Ademais, perpassa destes factos que a devedora, que tão bem soube relatar a alienação do veículo automóvel à sua filha e as razões pelas quais o efectuou, não foi capaz de ter a mesma actuação relativamente à transmissão do outro veículo automóvel, agora à sua mãe, escondendo tal facto até temporalmente mais recente do que o anterior, sabendo que na data em que prestou tais declarações ao Administrador Judicial, tal veículo automóvel ainda estava na propriedade da mãe, pessoa com quem e em cuja casa residia.
Impediu assim o Administrador Judicial de fazer um juízo sobre a necessidade da resolução deste negócio e defraudou (ainda mais) a garantia patrimonial dos credores.
Devedora esta que, obviamente, sabe que está desempregada, sabe que não aufere prestações sociais, sabe que não tem bens, e sabe que tem dívidas que não está em condições de solver, ou não se teria voluntariamente apresentado à insolvência.
Pelo que, acompanha-se a decisão recorrida quando sustenta que a alienação da viatura automóvel à mãe, à data o único bem que ainda possuía, perspectivado no contexto temporal e global da sua vida, mais não foi que um acto de disposição de bens que veio afundar a sua situação (de marcada insolvência).
Aliás, até a fazer fé nas declarações da própria, o valor recebido pela alienação do veículo automóvel, nem parcialmente, foi utilizado na amortização das suas dívidas!
Ao contrário do que defende a devedora, o Tribunal não tem que seguir acriticamente o Administrador Judicial, e não colhe a tese de que a devedora tenha querido compensar a mãe pelos incómodos de a ter a residir consigo.
Avançando para a culpa, esta exprime a ligação psicológica do agente com o facto, e reside no juízo de censura ética dirigido ao agente por ter actuado como actuou quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias do caso concreto, poderia e deveria ter agido de outro modo.
«…confrontam-se duas conceções: uma conceção psicológica e uma conceção ético-normativa de culpa. Fazendo-as dialogar, há boas razões para optar pela segunda. Mantendo embora essa nota de ligação subjetiva entre o sujeito e o seu ato, a culpa assume-se como um juízo de censura ético-jurídica, a traduzir um desvalor: a pessoa podia e devia ter agido de outro modo.
Trata-se de um desvalor subjetivo, diverso, portanto, do desvalor objetivo em que se consubstancia a ilicitude…».
A conduta diz-se culposa quando se afasta de um modo não intencional do cuidado exigível perante as normas ou interesses jurídicos em causa – configura, então, negligência –, ou quando tenha provocado intencionalmente o resultado proibido – trata-se, então, de dolo.
Ainda que se possa equacionar que a omissão de informação e colaboração ao Administrador Judicial não tenha sido feita com dolo directo, dificilmente é compaginável o afastamento do dolo necessário ou eventual, consabido que era o único bem da devedora, que assim delapidava integralmente o seu património, e que a transmissão ocorria apenas um mês antes da sua apresentação à insolvência[17].
Certo e seguro é que, para além deste acto de disposição em proveito pessoal (4 de Janeiro), houve, efectivamente, um comportamento culposo e omissivo dos deveres colaborativo e informacional que impendiam sobre a devedora (9 de Março), de elementos decisivos para o desenrolar do processo, tanto mais censurável quanto a devedora antes dessa omissão, declarou conscientemente estar disposta cumprir as condições impostas na lei (7 de Fevereiro) – cf. arts. 83.º e 236.º, n.º 3.
O juízo de valor sobre qualquer uma destas circunstâncias realça que a devedora não agiu com a lisura legal e processualmente expectável[18], o que acarreta como consequência necessária não merecer o benefício em que o instituto da exoneração do passivo restante se corporiza, e estriba o indeferimento liminar à luz do art. 238.º, n.º 1, als. e) e g).
Improcede, desta feita, a tese da devedora, ora Recorrente.
Por ter decaído integralmente, responsabiliza-se a Apelante pelo pagamento das custas processuais, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza, concedido em 19 de Março de 2024 (arts. 527.º e 607.º, n.º 6, este ex vi 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, por remissão do art. 17.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
VIII.
Decisão:
De acordo com o expendido, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
O pagamento das custas processuais é encargo da Apelante, sem prejuízo de lhe ter sido concedido apoio judiciário.
Registe e notifique.
Coimbra, 26 de Novembro de 2024
[1] Juiz Desembargador 1.º Adjunto: Dr. Arlindo Oliveira
Juiz Desembargadora 2.ª Adjunta: Dra. Helena Melo
[2] Sobre as medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos relativos à reestruturação, à insolvência e ao perdão de dívidas, e que altera a Directiva (UE) 2017/1132 (Directiva sobre reestruturação e insolvência).
[3] Luís Menezes Leitão in, A Recuperação Económica dos Devedores (RERE, PER, PEAP, Plano de Insolvência, Plano de Pagamentos e Exoneração do Passivo Restante), 2.ª Edição, Almedina, 2020, enfatiza que a concessão de uma nova oportunidade às pessoas singulares justifica-se, até porque a insolvência pode ter causas que escapam ao seu controlo, como sucede com as perdas de rendimento resultantes de doença, divórcio, desemprego, este no caso do trabalhador subordinado, ou, no caso de trabalhador independente, o lançamento de um novo negócio que não se revelou rentável, podendo o devedor muitas vezes recompor a sua situação económica se lhe derem a oportunidade de recomeçar.
[4] O que expressivamente decorre dos Considerandos 1, 5 e 15, de harmonia com os quais, e de modo respectivo:
«… a possibilidade de os empresários honestos insolventes ou sobre-endividados beneficiarem de um perdão total da dívida depois de um período razoável, permitindo-lhes assim terem uma segunda oportunidade;».
«Em muitos Estados-Membros, são necessários mais de três anos para que os empresários que são insolventes mas honestos consigam obter o perdão da dívida …».
«Para o efeito, importa reduzir as diferenças entre Estados-Membros que dificultam a reestruturação precoce de devedores viáveis com dificuldades financeiras e a possibilidade de perdão de dívidas para os empresários honestos.».
[5] Maria do Rosário Epifânio in, Manual de Direito da Insolvência, 8.ª Edição (Reimpressão), Almedina, Outubro de 2024, p. 400, e Lilian Almeida Curvo e Maria João Machado in, A exoneração do passivo restante – algumas questões acerca da fixação do rendimento disponível, Julgar Online, Março de 2022, pp. 1 e 6/7 (acessível em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2022/03/20220330-JULGAR-A-exonera%C3%A7%C3%A3o-do-passivo-restante-Lilian-Almeida-Curvo-Maria-Jo%C3%A3o-Machado.pdf).
Cf. ponto 45 do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18-03-2004, diploma que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[6] Catarina Serra in, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª Edição, Almedina, 2021, p. 612.
[7] Epigrafado Indeferimento liminar, estatui, no segmento ora pertinente, que:
«1 - O pedido de exoneração é liminarmente indeferido se:
e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º;
g) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência.
2 - O despacho de indeferimento liminar é proferido após a audição dos credores e do administrador da insolvência nos termos previstos no n.º 4 do artigo 236.º, exceto se o pedido for apresentado fora do prazo ou constar já dos autos documento autêntico comprovativo de algum dos factos referidos no número anterior.».
[8] Catarina Serra in, op. cit., p. 616, sublinha: «A verdade é que, por um lado, as causas previstas na norma impossibilitam que se fale com propriedade em indeferimento liminar, uma vez que quase todas implicam a produção de prova e obrigam a uma apreciação do mérito por parte do juiz.».
[9] Por último, Acórdão do Tribunal da Relação do porto, Proc. n.º 2163/23.8T8OAZ.P1, de 16-01-2024.
[10] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Proc. n.º 5341/23.6T8VNG.P1, de 10-07-2024.
[11] Entre outros, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, Proc. n.º 3713/10.5TBVLG-E.P1, de 27-09-2011, e da Relação de Guimarães, Proc. n.º 1809/19.7T8VNF-G.C1, de 21-10-2021.
[12] Paulo Mota Pinto in, Exoneração do passivo restante: Fundamento e constitucionalidade, III Congresso de Direito da Insolvência, Coordenação de Catarina Serra, Almedina, 2015, p. 177, adianta que «a boa fé dever-se-ia presumir quando a insuficiência patrimonial resultasse de doença grave ou prolongada, acidente ou outro evento fortuito ou imprevisto, de modificação imprevisível da situação laboral, de alteração significativa do agregado familiar ou das suas condições de existência, ou de exploração, pelo credor, da situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter da contraparte».
[13] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. n.º 6102/18.0T8CBR-G.C1, de 22-06-2020.
[14] Sob a epígrafe Dever de apresentação e de colaboração, dispõe, entre o mais, que:
«1 - O devedor insolvente fica obrigado a:
a) Fornecer todas as informações relevantes para o processo que lhe sejam solicitadas pelo administrador da insolvência, pela assembleia de credores, pela comissão de credores ou pelo tribunal;
b) Apresentar-se pessoalmente no tribunal, sempre que a apresentação seja determinada pelo juiz ou pelo administrador da insolvência, salva a ocorrência de legítimo impedimento ou expressa permissão de se fazer representar por mandatário;
c) Prestar a colaboração que lhe seja requerida pelo administrador da insolvência para efeitos do desempenho das suas funções.».
[15] Para o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Proc. n.º 1193/21.9T8VNG.P1, de 22-11-2021, «Incumprem, com, pelo menos, negligência grave, os deveres de informação e colaboração estabelecidos na referida alínea g), os devedores que, no âmbito do processo de insolvência, omitem a existência de património suscetível de apreensão para a massa insolvente e nada nos autos se apresentam a satisfazer do determinado quando, na sequência de afirmação do Administrador Judicial, são instados pelo Tribunal a esclarecer, informar e comprovar…».
[16] Acórdão deste Tribunal da Relação, Proc. n.º 2846/18.4T8VIS-D.C1, de 30-03-2020; com interesse, Acórdão deste Tribunal da Relação, Proc. n.º 43/19.0T8VLF-E.C1, de 10-12-2019.
[17] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. n.º 5306/18.0T8CBR-B.C1, de 13-07-2020.
[18] Retornando à Directiva:
Considerando 78: «O perdão total da dívida ou o termo das medidas de inibição após um período não superior a três anos não são adequados a todas as situações, pelo que poderão ser previstas derrogações desta regra que sejam devidamente justificadas por razões estabelecidas no direito nacional. Por exemplo, essas derrogações deverão ser estabelecidas nos casos em que o devedor for desonesto ou tiver atuado de má-fé.».
Considerando 79: «Para determinar se um empresário foi desonesto, as autoridades judiciais ou administrativas podem ter em conta circunstâncias como a natureza e a dimensão das dívidas; o momento em que foram contraídas; os esforços envidados pelo empresário para as pagar e cumprir as obrigações previstas na lei, incluindo os requisitos de licenciamento pelas autoridades públicas e a necessidade de manutenção de uma contabilidade adequada; as ações do empresário no sentido de obstar às vias de recurso dos credores; o cumprimento, se existir uma probabilidade de insolvência, das obrigações que incumbem aos empresários que sejam administradores de uma sociedade; e a observância dos direitos nacional e da União em matéria de concorrência e do trabalho….».