I – A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem afirmado que o interesse superior da criança é, simultaneamente, um princípio jurídico interpretativo da maior importância; um direito material que deve ser identificado e valorizado em cada caso concreto e que deve ser sempre tomado em consideração, e uma norma processual que exige uma avaliação do impacto da decisão sobre a criança.
II – No que ao processo judicial se refere, é de atentar neste princípio em todas as suas fases, demandando uma apreciação casuística perante todas as opções que se perfilem, e não apenas no momento decisório (final).
III – O direito de participação procedimental vai ao encontro do modelo europeu de administração da justiça, contraditório e com igualdade de armas, sendo um imperativo substancial de justiça colher-se o ponto de vista de todos os interessados sobre a matéria concretamente em discussão, assim se robustecendo a decisão e contribuindo para uma justiça de qualidade.
IV – A audição da criança em Tribunal não é um direito absolutamente obrigatório, antes deve ser avaliada sob o prisma das circunstâncias casuísticas de cada situação trazida a juízo, idade e discernimento daquela; caso seja ouvida, a criança tem o direito a que o seu superior interesse constitua a consideração primordial em relação a todos as matérias que a si concernem.
V – O direito de participação, na dimensão da audição de uma criança com discernimento para tanto, não significa que a decisão subsequente tenha que acolher essas declarações, mas tem que as considerar, a par de outros elementos existentes.
VI – Em casos de dissociação familiar, a repartição dos tempos de vida com os progenitores é um direito humano fundamental: o de manter regularmente relações pessoais (contactos directos e o mais frequentes possível), com os progenitores, excepto se o seu melhor interesse o desaconselhar ou, no limite, proibir.
VII – Não existindo termos perfeitos ou ideais, a opção pela residência partilhada tem que ponderar, v.g., as condições pessoais, profissionais, habitacionais, económicas dos progenitores, a localização geográfica das suas residências e dos equipamentos escolares, capacidade relacional de diálogo parental, idades dos filhos, seus direitos, necessidades, e opiniões, e sempre com o enfoque no superior interesse destes.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Tribunal a quo: Tribunal Judicial da Comarca de Leiria/Juízo de Família e Menores de Leiria (J...)
Recorrente: AA
Sumário (art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(…).
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
I.
A presente providência tutelar cível nominada[2] – de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais (Apenso C) –, que corre por apenso[3] à Providência tendente à Homologação de Acordo Extrajudicial (Autos Principais), foi intentada, em 5 de Agosto de 2022, por BB relativamente a AA, na qualidade de progenitores de CC e DD, ambas de apelido EE, nascidas em ../../2012, e em ../../2019, respectivamente.
Pugnou pela obtenção do «…regime de residência alternada, uma semana com cada progenitor, com partilha de despesas médicas, medicamentosas, escolares e extracurriculares, estas últimas desde que previamente acordadas entre ambos os progenitores.».
Não sendo obtida uma plataforma de entendimento parental, foi efectuada Audiência de Discussão e Julgamento, em três sessões que ocorreram em 29 de Fevereiro, 11 e 24 de Abril, p.p.
Em 10 de Maio de 2024 foi exarada Sentença, de cujo Dispositivo se retém, entre o mais:
«De harmonia com o exposto, o Tribunal decide alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas às crianças CC e DD, nos seguintes termos:
2.º
Residência
2.1. As crianças residirão alternadamente, e conjuntamente, por períodos de uma semana, com cada um dos progenitores, fazendo-se a alternância à sexta-feira no estabelecimento de ensino onde as crianças se encontram integradas aquando do término das atividades letivas ou, estando tal estabelecimento encerrado, em casa do outro progenitor em horário equivalente e sendo a deslocação assegurada pelo progenitor que inicia a semana.
3.º
Regime de Convívios
3.1. O progenitor com quem as crianças não se encontram a residir contactá-las-á, através de chamada telefónica ou videochamada, ao domingo e à quinta-feira, entre as 19h30 e as 20h00 ou noutro horário que melhor convier a ambos os progenitores e que fixem por acordo;
3.2. As crianças conviverão com este progenitor à terça-feira, competindo ao progenitor convivente recolhê-las no estabelecimento de ensino aquando do término das atividades letivas ou, estando tal estabelecimento encerrado, em casa do outro progenitor em horário equivalente, nesta casa as entregando após o jantar;
3.3. As crianças passarão a véspera de Natal e o dia de Ano Novo com um dos progenitores e o dia de Natal e a véspera de Ano Novo, com o outro progenitor, alternadamente, sendo este ano os respetivos períodos gozados pelos progenitores com quem não os passaram no ano transato (mantém-se o regime em vigor);
3.4. No Domingo de Páscoa, as crianças farão uma refeição principal com cada progenitor, jantando com aquele a quem couber a pernoita;
3.5. No dia de aniversário das crianças, estas farão uma refeição com cada um dos progenitores, sendo o jantar com aquele a quem couber a pernoita;
3.6. No dia de aniversário de cada um dos progenitores, no dia do pai e no dia da mãe, as crianças passarão o dia com o progenitor homenageado, sem prejuízo das atividades letivas;
3.7. Nas férias escolares de verão, as crianças passarão pelo menos um período de 15 (quinze) dias consecutivos de férias com cada um dos progenitores, devendo, para o efeito, os progenitores acordarem até ao dia 31 de abril de cada ano os períodos pretendidos e, em caso de discordância, nos anos pares a mãe goza de prioridade na escolha, cabendo tal prioridade ao pai nos anos ímpares;
3.8. As deslocações das crianças no âmbito dos convívios definidos serão asseguradas de forma igualitária por ambos os progenitores, ficando o progenitor convivente responsável pelas deslocações.
4.º
Alimentos
4.1. Cada progenitor suportará as despesas de alimentação, vestuário e calçado das crianças no período em que estas se encontrem consigo.
No mais mantém-se em vigor a cláusula 1ª (ponto 1 e 2) e a cláusula 4.2. do regime fixado em ata de 21.05.2021, no apenso A.».
II.
Não concordando com o seu teor, a Requerida/Recorrente interpôs Recurso de Apelação, e as suas alegações findam com as seguintes
«CONCLUSÕES
(…).».
III.
O Requerente/Recorrido respondeu ao recurso, e as suas alegações rematam com as seguintes
«CONCLUSÕES:
(…).».
IV.
A digna magistrada do Ministério Público trouxe na sua resposta, as seguintes
«Conclusões:
(…).».
V.
Questões decidendas
Ressalvada a apreciação de questões que sejam de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o âmbito da apelação (arts. 608.º, n.º 2, 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil):
- Da impugnação da matéria fáctica (n.ºs 12, 25, 26 e 28 dos factos provados, e als. b), c), d), f), g), e m), dos factos não provados).
- Da não verificação dos pressupostos para a propositura da acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais (art. 42.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível)
- Da postergação do princípio do superior interesse das irmãs beneficiárias desta instância tutelar cível
- Da preterição da vontade expressa por uma das irmãs
VI.
(…).
Dos Factos
Resulta provada a seguinte matéria factual:
1. CC nasceu em ../../2012 e encontra-se registada como filha de BB e de AA.
2. DD nasceu em ../../2019 e encontra-se registada como filha de BB e de AA.
3. Os progenitores iniciaram vivência em comum em 2010, tendo-se separado no ano de 2013.
4. Nessa altura, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais da filha CC, por acordo homologado pela Conservatória do Registo Civil, fixando-se a residência da criança com a mãe e o exercício conjunto das responsabilidades parentais.
5. Quando CC tinha 3 anos de idade foi-lhe diagnosticado um problema de saúde, do foro oncológico, tendo sido acompanhada no Hospital Pediátrico ... e sujeita a tratamentos de quimioterapia, durante um período de cerca de três anos e meio, findo o qual registou melhorias.
6. No decorrer do período crítico da doença de CC, após cerca de três anos de separação, os pais reconciliaram-se e voltaram a estabelecer viva em comum.
7. Após o nascimento de DD, a mãe teve um problema de saúde grave, que implicou um longo internamento hospitalar, durante vários meses.
8. Por acordo homologado por sentença de 20.01.2020 (processo principal), foi fixada a residência das crianças com o progenitor e a avó materna, atribuindo ao progenitor o exercício exclusivo das responsabilidades parentais sobre as questões de particular importância da vida das crianças, bem como sobre os atos da vida corrente.
9. O que foi motivado pela circunstância de a progenitora se encontrar internada e fisicamente incapacitada de cuidar das filhas.
10. Após o regresso da progenitora a casa, ocorreu, em 2020, a última separação conjugal.
11. Por acordo homologado por sentença de 04.05.2021 (apenso A) foi alterada a regulação do exercício das responsabilidades parentais, nos seguintes termos:
1.º
Exercício das responsabilidades parentais
1.1. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida das crianças são exercidas em comum por ambos os progenitores.
1.2. As decisões sobre os atos da vida corrente das crianças cabem ao progenitor que, no momento, com elas se encontrar.
2.º
Residência habitual das menores
2.1. As crianças ficam entregues à mãe, com quem residirão habitualmente.
3.º
Regime de Convívios
3.1. O pai poderá estar com as filhas de 15 em 15 dias, indo para o efeito buscá-las às 19h00m de sexta feira a casa da mãe e aí entregá-las-á às 19h00m de domingo.
Nas sextas feiras em que o pai estiver a trabalhar e impossibilitado de ir buscar as filhas, irá então buscá-las no sábado, às 10h00m, sendo que deverá avisar a mãe dessa impossibilidade com antecedência mínima de 48 horas.
3.2. O pai passará uma semana de férias escolares de Natal e uma semana de férias escolares de Páscoa com as filhas e 15 dias de férias escolares de Verão.
Relativamente às férias escolares de Verão, ambos os progenitores comunicarão ao outro os períodos que pretendem gozar até 30 de abril de cada ano; havendo coincidência de datas, a mãe terá preferência nos anos pares e o pai preferência nos anos ímpares.
3.3. Nos períodos festivos, as menores passarão com cada um dos progenitores a véspera de Natal e dia de Ano Novo e o dia de Natal e Véspera de Ano Novo, de forma alternada, iniciando o primeiro período com a mãe e o segundo período com o pai.
3.4. Nos dias de aniversário dos progenitores e das menores, estas tomarão uma refeição com cada um daqueles.
4.º
Alimentos e forma de os prestar
4.1. A título de alimentos, o progenitor pagará a quantia mensal de € 105,00, por cada filha, num total de €210,00 mensal, a pagar até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária, para a conta da progenitora, com o IBAN - ...72.
Cada prestação é atualizada anualmente, através do acréscimo de € 1,50, com início em maio de 2022, num total de €3/ano.
4.2. O progenitor pagará metade das despesas médicas extraordinárias, medicamentosas (com prescrição médica), escolares (livros e material escolar do início de cada no letivo), e ainda metade das despesas extracurriculares/creche/infantário (desde que consentidas por ambos) das menores, mediante apresentação dos respetivos comprovativos.
12. As filhas manifestaram, designadamente ao progenitor, o desejo de passarem mais tempo consigo.
13. Deseja estar mais presente no quotidiano das filhas e acompanhar de forma mais próxima o seu processo de crescimento.
14. Para além dos períodos de convívios definidos por acordo homologado por sentença, o progenitor também convive com as filhas durante a semana, recolhendo-as por diversas vezes no estabelecimento de ensino e entregando-as em casa da progenitora ao final da tarde, assim como os convívios de fim-de-semana quinzenais prolongam-se por vezes até segunda-feira.
15. As crianças gostam de estar com o pai, sendo gratificantes os convívios paterno-filiais.
16. Antes e depois da separação dos progenitores, o pai esteve presente na vida das filhas, sempre lhes prestou cuidados e sempre se preocupou com o seu bem-estar e desenvolvimento.
17. O progenitor acompanha as filhas às consultas e exames, às urgências do hospital, inclusive por vezes sem a presença da progenitora.
18. No ano letivo de 2022/2023, aquando da greve dos professores, diversas vezes o progenitor recolheu as crianças em casa da mãe, levou-as à escola, aguardou pelo início das aulas e, não havendo, levou-as para sua casa.
19. Nos períodos em que está com as crianças, o progenitor, com o apoio dos tios paternos, assegura-lhes os cuidados ao nível de carinho, alimentação, higiene, saúde e educação, tratando das refeições, do banho, levando-as ao médico, assegurando as deslocações de e para o estabelecimento de ensino e atividades extracurriculares e realizando com as mesmas atividades lúdicas.
20. Atualmente, o progenitor reside em casa da irmã e cunhado, tratando-se de moradia de dois pisos, composta por três quartos, quatro casas de banho, sala, cozinha e dois escritórios, reunindo boas condições de habitabilidade.
21. Nessa casa, as crianças têm o seu quarto e um escritório para estudar, bem como espaço interior e exterior para brincar.
22. As crianças gostam de viver nessa casa e têm grande ligação afetiva aos tios paternos.
23. Os tios paternos nutrem grande afeto pelas sobrinhas e auxiliam o progenitor na prestação dos cuidados básicos às crianças nos períodos em que estão em sua casa.
24. Os tios paternos estão disponíveis para auxiliar o progenitor na prestação dos cuidados às crianças quando este, por motivos profissionais, não puder estar presente.
25. O progenitor e os tios paternos partilham as tarefas domésticas, relativas designadamente à confeção das refeições e tratamento das roupas.
26. Os progenitores são interessados e dedicados às filhas, asseguram a satisfação das suas necessidades básicas e estão empenhados e comprometidos com o seu bem-estar e projeto de vida.
27. A progenitora é atenta e preocupada com o bem-estar das suas filhas, identifica as suas necessidades e cuidados básicos, acompanha-as ao nível da educação e das atividades de lazer.
28. Os progenitores conseguem comunicar e trocar informações sobre a vida das crianças, em especial por mensagem escrita e correio eletrónico e exercem a coparentalidade.
29. O progenitor trabalha como chefe de turno numa fábrica de plásticos na ..., nos seguintes horários semanais rotativos, de segunda a sexta-feira: das 8h às 16h, das 00h às 8h e das 16h às 00h.
30. Aufere o salário mensal de cerca de 1.270 €, recebendo ainda a renda mensal de uma casa própria no valor de 286 €.
31. Tem as seguintes despesas mensais mais significativas: 170,66 € referente à prestação do crédito à habitação, 192,65 € referente aos prémios de seguros do crédito à habitação, 31 € de condomínio, 20 € de telemóvel, 150 € de combustível, 50 € de contribuição para consumos domésticos, 115 € de pensão de alimentos à filha FF, 216 € de pensão de alimentos às filhas CC e DD, 60 € de terapia da fala da FF, 25 € de consulta dentista CC, 10 € de telemóvel FF e 36 € de natação das filhas CC e DD.
32. A progenitora reside em casa própria com as duas crianças, em apartamento composto por dois quartos, uma casa de banho, sala e cozinha, com boas condições de habitabilidade.
33. A progenitora trabalha por conta de outem como técnica de recursos humanos, sendo o horário laboral de segunda a sexta-feira das 8h30 às 13h e das 14h às 17h30.
34. Aufere o salário mensal de cerca de 1.019 € e 232,50 € a título de prestações familiares.
35. Apresenta as seguintes despesas mensais mais significativas: 220 € referente à prestação do crédito à habitação, 90 € de saúde, 200 € de alimentação, 40 € de transportes, 120 € de consumos domésticos, internet e tv, 100 € de dentista da CC, 35 € de atividades extracurriculares da CC, 20 € de material escolar, 150 € de alimentação da CC, 37,50 € de atividades de tempos livres, 100 € de alimentação.
36. A tia paterna GG trabalha por conta de outrem, como responsável dos recursos humanos no A..., com horário laboral em dias úteis das 9h às 18h e tem flexibilidade de horário.
37. O tio paterno HH trabalha por conta de outrem como preparador de obra, realizando 70% do seu trabalho a partir de casa, sem sujeição a horário laboral.
38. As crianças têm forte vinculação afetiva com ambos os progenitores.
39. A CC verbaliza querer passar mais tempo com o pai.
40. Frequentam o agrupamento de escolas ..., em ....
41. CC é descrita como uma criança reservada e boa aluna, tendo transitado para o 6º ano, com bons resultados.
42. Ao nível de saúde, mantém acompanhamento regular no Hospital Pediátrico ..., em consultas de oncologia, endocrinologia, cardiologia e oftalmologia, beneficiando também de acompanhamento de médico dentista, em clínica dentária e usa aparelho ortodôntico.
43. DD frequenta o jardim de infância e apresenta um desenvolvimento psicomotor ajustado ao seu escalão etário.
44. É uma criança saudável, sendo acompanhada com regularidade pela médica de família e em consulta de pediatria, em clínica privada.
45. Os progenitores não têm antecedentes criminais registados.
Factos não provados (transcrição):
Com relevância para a decisão da causa, não se provou que:
a) A circunstâncias de se estar a vivenciar a pandemia Covid-19 foi determinante na decisão do progenitor aceitar a residência das filhas junto da mãe no acordo homologado por sentença de 04.05.2021 (apenso A).
b) O progenitor depende dos seus familiares para prestar os cuidados básicos às filhas.
c) ------
d) Nos fins de semana dos convívios paterno-filiais, são os tios paternos que asseguram a maior parte das tarefas de higiene, deitar e acordar das crianças.
e) O progenitor delega nos tios paternos a obrigação de cuidar e educar as crianças de acordo com os interesses e perspetivas destes.
f) Muitas vezes é a irmã e o cunhado do progenitor que tomam decisões sobre a vida das crianças, sobrepondo-se à autoridade do pai e por vezes sem o consentimento da mãe.
g) As crianças nunca estão sozinhas com o progenitor, para partilha de momentos a sós, estando sempre presentes os tios ou outros familiares ou amigos, que frequentam a casa com regularidade, o que interfere no seu descanso e lhes causa muita agitação.
h) O progenitor nunca revelou disponibilidade para, em casos de doença, recolher as filhas na escola, tendo sido a progenitora sempre a sair do trabalho para as recolher e cuidar delas.
i) Assim como nunca revelou disponibilidade para ficar com as crianças em casos imprevistos como greves, doenças, ou outras situações se isso interferir nos seus compromissos profissionais, apenas o fazendo se não estiver a trabalhar.
j) No início do corrente ano, as crianças estiveram privadas da atividade letiva durante cerca de dois meses por motivo de greve e, nesse tempo, o pai apenas ficou com as filhas quando compatível com o seu horário laboral.
k) É a progenitora na maioria das vezes a disponibilizar-se e a faltar ao trabalho para cumprir as necessidades mais urgentes das crianças.
l) O progenitor sempre manifestou apenas poder ficar com as filhas nas férias nas datas coincidentes com as suas férias laborais por o seu horário de trabalho não permitir mais.
m) A relação entre os progenitores é conflituosa, assim como a respetiva comunicação e tem vindo a deteriorar-se.
n) Os progenitores têm entendimentos distintos acerca da educação das crianças, não existindo consensos em matérias como mudança de escola, utilização de tecnologias, participação em atividades extracurriculares, festas de aniversário, dias festivos, o que provoca conflitos entre eles e instabilidade e confusão nas crianças.
o) Existe mau relacionamento entre a progenitora e os tios paternos.
VII.
Do Direito
São imputadas três discordâncias maiores à Sentença e que se passam a dilucidar.
- Da não verificação dos pressupostos para a propositura da acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais (art. 42.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível)
- Da preterição do princípio do superior interesse das duas filhas comuns
- Do injustificado afastamento da vontade expressa pela filha mais velha
Antes de entrar no cerne dos aspectos suscitados nesta instância recursiva, devem tecer-se algumas considerações processuais fundamentais para a devida contextualização.
Os Autos Principais são constituídos pelo acordo apresentado em 10 de Janeiro de 2020 e homologado por Sentença de 20 de Janeiro imediato, já em correição.
Os Apensos A, B e C são todos acções de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
O Apenso A foi instaurado pela mãe, em 25 de Janeiro de 2021, por melhoria significativa do seu estado de saúde, tendo sido obtido entendimento parental, conforme Acta de 4 de Maio de 2021 (residência das filhas com a mãe), e o Apenso B, também espoletado pela mãe, em 12 de Julho de 2021, deveu-se ao valor monetário da creche, também se tendo logrado a conciliação parental, em 9 de Fevereiro de 2023, estando ambos findos.
Antes desse Apenso estar concluído, o pai propôs o presente Apenso (C), intentado em 5 de Agosto de 2022, com o escopo concretizado da residência partilhada, repercutida na divisão dos encargos com as filhas.
Lê-se no art. 16.º, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos[4] que «A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à protecção desta e do Estado».
Fruto dos arts. 13.º e 36.º, ambos da Constituição da República Portuguesa (aqui lido enquanto princípio da igualdade, na vertente da igualdade na gestão parental), 20.º e 23.º, 1.º segmento, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia[5], ex vi art. 8.º, n.º 4, da Constituição, os progenitores são investidos na titularidade das responsabilidades parentais de modo igualitário e automático, e estas caracterizam-se pela sua irrenunciabilidade, inalienabilidade e controlabilidade judicial – cfr., também, arts. 1877.º e 1882.º, ambos do Código Civil.
Do ponto de vista estritamente processual, há a realçar que esta é uma providência tutelar cível, e, ipso facto, tem a natureza de um processo de jurisdição voluntária, o que se alcança da leitura combinada dos arts. 3.º, al. c), e 12.º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, pelo que goza da plasticidade que os ditames gerais constantes dos arts. 986.º a 988.º do Código de Processo Civil, enquanto direito subsidiário ex vi art. 33.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, consagram.
Nos processos de jurisdição voluntária, como é o caso, é consabido que não vigora o ónus de alegação e prova do figurino tradicional processual civil, o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, mas tem ampla liberdade investigatória e probatória, devendo construir, em face da concreta dinâmica familiar que lhe é presente, a solução que entenda ser, nesse momento, a mais conveniente e oportuna, sem prejuízo da alterabilidade das resoluções tomadas (cláusula rebus sic stantibus), com fundamento em circunstâncias supervenientes.
A pedra de toque é, pois, a discricionariedade vinculada ao fim, ou seja, o Tribunal, colocando sempre o enfoque na criança ou jovem e tendo procedido a uma avaliação exigente e sindicável do seu superior interesse, tem o poder-dever de encontrar soluções exequíveis, razoáveis e promotoras de pacificação intrafamiliar.
Tudo em estrita observância das garantias de defesa, na dimensão do exercício do princípio do contraditório, isto é, integralmente cumprido o processo equitativo (arts. 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos[6], 47.º, § 2.º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 9.º, n.ºs 1 e 2, da Convenção sobre os Direitos da Criança[7], 8.º, n.º 2, e 20.º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa, 25.º, n.ºs 1 e 3[8], do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, e 3.º, n.º 3, e 4.º, ambos do Código de Processo Civil).
A Recorrente propendeu no sentido de não estarem verificados os pressupostos para que fosse intentada esta acção tutelar cível, segundo verte o art. 42.º, n.º 1, do Regime Geral, isto é, quando haja incumprimento do acordo ou da decisão final, ou quando surjam circunstâncias supervenientes que imponham a modificação do quadro existente nessa data.
Perlustrada a petição, o aí Requerente, ora Recorrido, fundou-se na circunstância dos «…convívios quinzenais e em outros dias com as menores…» serem «…anteriores ao acordo em tribunal, desde que o verão de 2020, momento em que Requerente e Requerida se separaram…», na divisão …de forma igualitária o tempo que os menores passam com cada um dos progenitores.», e, por fim, no facto de ter estado sempre «…presente na vida das filhas, sempre cuidou e sempre se preocupou com o seu bem estar e desenvolvimento, mas quer ser pai a tempo inteiro, da mesma forma que a mãe.».
Sem sombra para dúvidas que tais argumentos legitimam a propositura da providência tutelar cível, posto que, como referenciado, o acordo inicial foi gizado em Janeiro de 2020, e o decurso do tempo, o crescimento das filhas e o estado geral de saúde conheceram desenvolvimentos.
Há muito que se identificou o princípio do superior interesse da criança como o vector norteador da Jurisdição da Família e das Crianças.
Este princípio tem inscrição em múltiplos instrumentos que compõem o Direito Internacional da Família (v.g., arts. 3.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, 24.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia[9], e 7.º da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças[10]), todos instrumentos jurídicos vinculativos para o Estado português, ex vi art. 8.º, n.ºs 2 e 4, da Constituição da República Portuguesa, fazendo parte integrante do direito material interno.
Assertivamente diz o Princípio 2.º da Declaração dos Direitos da Criança[11], que «A criança gozará de uma protecção especial e beneficiará de oportunidades e serviços dispensados pela lei e outros meios, para que possa desenvolver-se física, intelectual, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança».[12]
Transversal à forma de processo, à entidade que preside e ao tipo de acto que se pretende realizar, encontra-se sempre o princípio do superior interesse da criança.
A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem afirmado que o interesse superior da criança é:
- um princípio jurídico interpretativo da maior importância[13];
- um direito material que deve ser identificado e valorizado em cada caso concreto e que deve ser sempre tomado em consideração[14];
- uma norma processual que exige uma avaliação do impacto da decisão sobre a criança[15]/[16].
Nos procedimentos que respeitam a uma criança ou jovem, qualquer que seja a sua natureza, o princípio do superior interesse reveste-se de importância capital[17], e todos os passos tomados têm, imperativamente, que passar pelo seu crivo.
No que ao processo judicial se refere, é de atentar neste princípio em todas as suas fases, demandando uma apreciação casuística perante todas as opções que se perfilem, e não apenas no momento decisório (final).
Em termos judiciários implica que o Tribunal valore os interesses da criança, quando vários interesses podem coexistir, e pretende propiciar a fruição plena e efectiva de todos os direitos reconhecidos na Convenção sobre os Direitos da Criança, e o desenvolvimento global da criança, apontado pelo Comité sobre os Direitos da Criança no seu Comentário n.º 14 (2013).
Inseparável da concretização do superior interesse da criança ou jovem é o direito de participação que se reconhece de pleno direito à criança ou jovem.
Uma das dimensões mais impressivas deste direito à participação reside no direito a ser ouvido e a expressar o seu ponto de vista[18].
Um procedimento que se repercuta na esfera jurídica de uma criança ou jovem tem, obrigatoriamente, que o(s) co-envolver.
Desde logo, atenta a faixa etária tipicamente em apreço – até aos 18 anos de idade –, visa diminuir os seus níveis de ansiedade, intrinsecamente associados ao conhecimento da existência de uma entidade terceira até então desconhecida, a quem compete decidir um assunto relevante para a sua dinâmica de vida; seguidamente, porque é securitário e reparador estar a par do desenrolar expectável desse procedimento, e por outro lado, por funcionar como regulador das estratégias internas ligadas ao reforço do poder pessoal, à imagem do seu papel e da sua própria importância dentro do sistema, com reflexos na sua auto-estima, realização pessoal e processo global de desenvolvimento.
Concomitantemente, é pacífico que a participação procedimental pode ser significativamente decisiva para a adesão e para o sucesso da medida que vier a ser implementada.
Por último, no que ao judiciário diz respeito, vai ao encontro do modelo europeu de administração da justiça, contraditório e com igualdade de armas, tratando-se de um imperativo substancial de justiça colher-se o ponto de vista de todos os interessados sobre a matéria concretamente em discussão, assim se robustecendo a decisão e contribuindo para uma justiça de qualidade.
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia aportou uma modificação no paradigma vigente, pois, pela primeira vez no direito da União Europeia, a voz da criança é finalmente merecedora de um preceito autónomo e expresso – o artigo 24.º, precisamente epigrafado «Direitos das Crianças»[19].
Esta norma inspira-se em vários preceitos da Convenção sobre os Direito da Criança, alguns dos quais, entretanto, até já adquiriram o estatuto de verdadeiros princípios, como sejam o do interesse superior da criança, o do direito de participação da criança, e o do direito a viver com e/ou o de manter relações pessoais regulares e estreitas com os seus progenitores, excepto em circunstâncias excepcionais – cf., respectivamente, arts. 3.º, 12.º, e 9.º da Convenção.
É de assinalar que esta Convenção, enquanto texto de direito internacional, salienta que a criança que tem a capacidade de formar a sua própria opinião, tem também o direito de, querendo, a verbalizar de modo livre, nas matérias que a afectam directamente, e que a sua perspectiva deve ser levada em consideração, em função da sua idade e maturidade – cf. art. 24.º, n.º 1, da Carta.
O exercício efectivo deste direito implica que tenha que ser dada à criança uma verdadeira oportunidade de ser ouvida, quer em procedimentos judiciais, quer em procedimentos administrativos ou outros, desde que pessoalmente lhes digam respeito, seja por si própria, por intermédio de um representante, ou por um órgão designado, a processar nos moldes prescritos pelas normas processuais da lei interna de cada país[20].
O Comité dos Direitos das Crianças das Nações Unidas realça que os Estados contratantes devem garantir directamente este direito, adoptá-lo, ou rever a sua legislação para que a criança dele beneficie na sua plenitude[21], acrescentando que tem que se lhe dar todo o aconselhamento e informação que sejam pertinentes para que a mesma possa tomar uma decisão conscienciosa sobre o seu superior interesse.
Anota, por fim, que a criança tem o direito de não (exercer o direito de) expressar a sua opinião, dado que se trata disso mesmo, um direito, e não um qualquer dever que sobre si recaia.
A leitura feita pelas instâncias judiciais europeias tem sido a de que a Convenção não demanda, objectivamente, a audição da criança em Tribunal, como um direito absolutamente obrigatório, antes deve ser avaliada sob o prisma das circunstâncias casuísticas de cada situação trazida a juízo, idade e discernimento daquela[22].
Todavia, se for ouvida, a criança tem o direito a que o seu superior interesse constitua a consideração primordial em relação a todos as matérias que a si concernem – art. 24.º, n.º 2, da Carta.
Não é demais realçar que o direito de participação no decurso de um procedimento, na dimensão da audição de uma criança com discernimento para tanto, não significa que a decisão subsequente tenha que acolher essas declarações – circunstância que deve ser sempre atempadamente sinalizada àquela –, mas tão-somente que se entendeu importante, em face da sua idade e maturidade, obter o seu ponto de vista sobre uma matéria que a toca, o qual será devidamente tido em consideração, a par de outros elementos existentes.
E foi o que sucedeu no caso vertente: tratando-se de questão de particular importância com directa e imediata repercussão na vida das filhas comuns (residência/pernoita), a filha mais velha, em atenção à sua idade que presumia alguma maturidade e grau de compreensão, teve a oportunidade de transmitir a sua óptica; fê-lo, por duas vezes, de modo seguro e convicto declarando que pretendia(m) estar mais tempo com o progenitor.
Esta opinião – que até foi acolhida –, foi sopesada com os demais elementos conhecidos nos autos, sob a égide do seu superior interesse, em termos adequados, que não concitam alteração.
Em casos de dissociação familiar, a repartição dos tempos de vida com os progenitores é a reprodução do direito humano fundamental de que as crianças e jovens são titulares, qual seja o de manter regularmente relações pessoais, e bem assim, contactos directos e o mais frequentes possível, com os progenitores, salvo se o seu melhor interesse o desaconselhar ou, no limite, proibir[23] – arts. 24.º, n.º 3, da Carta, 7.º e 9.º, ambos da Convenção sobre os Direitos da Criança, 36.º da Constituição da República Portuguesa, 1906.º, n.º 7, do Código Civil, e 40.º do Regime Geral.
Este direito alicerça-se na constatação, proveniente das ciências sociais, que o ser humano, sobretudo em estádios iniciais de desenvolvimento, carece dessa partilha e implicação, próximas e frequentes, para criar referências de parentalidade positiva, e construir modelos e vinculações seguros e harmónicos.
Para que a vinculação seja forte, o papel dos progenitores é essencial, paulatinamente construindo-a na partilha de actividades diárias, lúdicas e escolares, em espaços comuns e com tempos tendencialmente igualitários, se não existirem circunstâncias particulares obstativas.
Este tem vindo a ser o percurso político-legislativo nacional nas últimas décadas.
O que se pretende é fortalecer – e não afastar –, os laços das filhas aos respectivos progenitores, traduzindo na vida do dia-a-dia a realidade que esteve na base da sua concepção: a igualdade na contribuição do material genético materno e paterno (50%).
Nada se apurou de demérito da Recorrente ou do Recorrido, muito pelo contrário, as filhas comuns têm nos progenitores pessoas afectuosas e com um modelo educativo seguro e positivo.
Acresce que têm familiares paternos e maternos dedicados e comprometidos com o seu desenvolvimento harmónico e integral.
Não existem os termos perfeitos ou ideais para ter ou manter consigo os filhos; muito para lá dos horários de trabalho, na perspectiva das condições pessoais, profissionais, habitacionais, económicas, geográficas das suas residências e dos equipamentos escolares, capacidade relacional de diálogo parental, idades das filhas, seus direitos, necessidades, e opinião veiculada pela filha comum mais velha, a opção pela residência partilhada, sob o enfoque do superior interesse destas, é inquestionavelmente o caminho familiar a trilhar.
O que foi bem decidido na 1.ª Instância.
Por conseguinte, não assiste razão à Recorrente.
Por ter decaído integralmente, a Apelante fica adstrita ao pagamento das custas processuais (arts. 527.º e 607.º, n.º 6, este ex vi 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, por remissão do art. 33.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).
VIII.
Decisão:
Nos termos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
A Apelante responde pela satisfação das custas processuais.
Registe e notifique.
[1] Juiz Desembargadora 1.ª Adjunta: Dra. Maria Catarina Gonçalves
Juiz Desembargadora 2.ª Adjunta: Dra. Helena Melo
[2] Cf. art. 3.º, al. d), do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (Lei n.º 141/2015, de 08-09).
[3] No cumprimento do pressuposto processual da competência por conexão, corporizado no art. 11.º, n.º 1, deste Regime Geral.
[4] Ex vi art. 2.º da Lei n.º 45/2019, de 27-06.
[5] De 07-12-2000 in, Jornal Oficial das Comunidades Europeias (2000/C 364/01), de 18-12-2000.
A Carta, proclamada em 2000, na sua versão revista e adaptada em 12-12-2007, tornou-se juridicamente vinculativa para a União Europeia, com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 01-12-2009, o que significa que, desde essa altura, beneficia do mesmo valor (e segurança) jurídico que os Tratados – cf. artigo 6.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia.
As Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais encontram-se publicadas no Jornal Oficial da União Europeia C 303, de 14-12-2007 (C 303/17 a C 303/35).
[6] Ex vi art. 2.º da Lei n.º 45/2019, de 27-06.
Esta Convenção faz parte do direito material interno desde 09-11-1978 (aprovada, para ratificação, pela Lei n.º 65/78, de 13-10, e publicada no Diário da República, I Série, n.º 236, de 13-10-1978; cf. ainda, Diário da República, n.º 286, de 14-12-1978).
[7] A Convenção vigora, entre nós, desde 21-10-1990 (aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 49/90, in, Diário da República, I Série, n.º 211, 1.º Suplemento, ambos de 12-09-1990).
[8] O Estado Português já foi condenado no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por inobservância do princípio do contraditório, e que vem já do Proc. n.º 15764/89 (GC), Caso Lobo Machado v. Portugal, de 20-02-1996, Proc. n.º 25053/05 - 2.ª Secção, Caso Ferreira Alves v. Portugal (n.º 3), de 21-06-2007, e Proc. n.º 53615/08 - 2.ª Secção, Caso Novo e Silva v. Portugal, de 25-09-2012, maxime n.ºs 44 e 46 a 54, estes últimos numa situação jus-familiar, todos decididos por unanimidade.
[9] Sob a epígrafe Direitos das crianças, depõe que:
«2. Todos os actos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.».
[10] Vigente na ordem jurídica interna desde 01-07-2014 (publicada no Diário da República, 1.ª Série, n.º 18, de 27-01-2014, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 3/2014, ambos da mesma data).
[11] Proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 1386 (XIV), de 20-11-1959.
[12] Nas Observações finais sobre o terceiro e quarto relatórios periódicos de Portugal (Convenção Sobre os Direitos da Criança – Comité dos Direitos da Criança), aprovadas em 31-01-2014, n.º 28, lê-se:
«O Comité chama a atenção do Estado Parte para o seu comentário geral n.º 14 (2013) sobre o direito da criança a que o seu interesse superior seja primacialmente tido em conta e recomenda que o Estado Parte reforce os seus esforços para garantir que este direito seja adequadamente integrado e aplicado de forma consistente em toos os processos legislativos, administrativos e judiciais, bem como em todas as políticas e todos os programas e projectos relevantes para e com impacto nas crianças. A este respeito, o Estado Parte é encorajado a desenvolver procedimentos e critérios para a criação de linhas de orientação para todas as pessoas competentes responsáveis por determinar o superior interesse da criança em todas as áreas e por tratá-lo como uma consideração primordial. Tais procedimentos e critérios devem ser divulgados junto de instituições públicas e privadas de solidariedade social, tribunais, autoridades administrativas, órgãos legislativos e do público em geral».
[13] Acórdão Johansen v. Noruega, n.º 24/1995/530/616, de 07-08-1996.
[14] Acórdãos Zaunegger v. Alemanha, n.º 22028/04, de 03-12-2009, e Jeunesse v. Países Baixos (GC), n.º 12738/10, de 03-10-2014, §109.
[15] Acórdão X v. Letónia (GC), n.º 27853/09, 26-11-2013, § 117 e 119, e Mennesson v. França, n.º 65192/11, Junho de 2014, § 99-100.
Com interesse, Comentário Geral n.º 14 (2013), e Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia C-112/20 (10.ª Secção), de 11-03-2021.
[16] Margarida Santos e Chandra Gracias in, Manual de Justiça Juvenil e de Justiça Penal, Coordenação de Maria João Leote de Carvalho, Vera Duarte, Sílvia Gomes e Rafaela Granja, Editora Húmus, 2024 (no prelo).
[17] O Princípio 7.º da Declaração dos Direitos da Criança estatui que «[o] interesse superior da criança deve ser o princípio directivo de quem tem a responsabilidade da sua educação e orientação, responsabilidade essa que cabe, em primeiro lugar, aos seus pais».
Cf. também arts. 18.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, 1.º, n.º 2, da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, Princípios 2.º, 4.º, e 6.º da Recomendação R (84) 4, sobre as responsabilidades parentais, adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 28-02-1984, e o Princípio de Direito Europeu da Família relativo às Responsabilidades Parentais 3:3.
[18] Na avaliação do caso português, o Comité dos Direitos da Criança recomenda, no segmento do «Respeito pelas opiniões da criança», que se:
«20.
(a) Alargue o direito da criança a ser ouvida em todos os procedimentos cíveis, administrativos ou criminais e em todos os processos administrativos que afetem a criança;
(b) Assegure a implementação efetiva e consistente da legislação e regulamentação que reconheça o direito da criança a ser ouvida em todos os procedimentos legais que a afetem direta ou indiretamente, incluindo através da criação de sistemas e/ou procedimentos para que assistentes sociais, profissionais de saúde, profissionais da educação e tribunais respeitem este princípio;
(c) Reforce as medidas para garantir que os profissionais dos setores da justiça, da educação, dos serviços sociais e da saúde que lidam com crianças, recebam sistematicamente formação adequada sobre os meios de recolha da opinião da criança e de ter em consideração os seus pontos de vista, em todas as decisões que afetem as crianças (CRC/C/PRT/CO/ 3-4, parágrafo 32 (c));» – cf. Observações finais sobre o quinto e sexto relatórios periódicos de Portugal (82.ª sessão, de 9 a 27-09-2019).
Ciente do caminho que há a percorrer, foi publicada a Resolução da Assembleia da República n.º 118/2021, de 20-04-2021, a recomendar ao Governo que:
«1 - Garanta a existência de condições adequadas para a audição e participação efetiva de crianças nas decisões que lhes digam respeito, assegurando o cumprimento das recomendações da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do Comité de Ministros do Conselho da Europa para tornar os procedimentos judiciais mais adaptados às crianças.» (Diário da República, 1.ª Série, n.º 76, p. 7).
[19] «1. As crianças têm direito à protecção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar. Podem exprimir livremente a sua opinião, que será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade.».
Cf. princípios orientadores dos arts. 4.º, n.ºs 1, al. c), e 2, e 5.º, ambos do Regime Geral.
[20] O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos insiste que se infringe o art. 6.º, 1.º §, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, por violação do direito a um processo equitativo (decomposto nos princípios da igualdade de armas e do contraditório), se uma criança, tendo o direito a ser ouvida, o não tiver sido, de modo indevido.
Sobre o direito de audição, destacam-se o Comentário Geral n.º 12 (2009) do Comité de Direitos da Criança das Nações Unidas (51.ª sessão, de 25-05 a 12-06-2009); as Directrizes do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a justiça adaptada às crianças, adoptadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 17-11-2010; o Princípio de Direito Europeu da Família relativo às Responsabilidades Parentais (CEFL) 3:6; o Princípio 3.º da Recomendação R (84) 4, do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre responsabilidades parentais, de 28-02-1984, e os arts. 1.º, n.ºs 2 e 3, e 3.º a 6.º, estes da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças (e o seu Relatório Explicativo, mormente quanto ao artigo 6.º).
[21] Citado Comentário Geral do Comité, n.º 14 (2013).
[22] Acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, Sahin v. Alemanha, n.º 30943/96 [GC], de 08-07-2003, e do Tribunal de Justiça da União Europeia, C-491/10 PPU, Aguirre Zarraga v. Simone Pelz, de 22-12-2010.
Neste último, o Tribunal de Justiça clarificou a interpretação do direito de audição da criança, contido no artigo 24.º da Carta (no contexto da deslocação ilícita de crianças): o que importa é que o direito processual interno lhe dê a possibilidade de se expressar de forma livre, e que o Tribunal possa saber a sua opinião.
Para maiores desenvolvimentos, Chandra Gracias in, A deslocação e a retenção ilícitas à luz da Convenção da Haia de 1980 e do Regulamento Bruxelas II bis, e a sua conformação jurisprudencial, Revista do Ministério Público, n.º 168, pp. 219 a 254.
[23] Cf. art. 5.º, in fine, do Protocolo n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e Princípios 8.º da Recomendação R (84) 4, e de Direito Europeu da Família relativos às Responsabilidades Parentais 3:25 a 3:28.
De harmonia, o Princípio 6.º da indicada Declaração, que «[…] Na medida do possível, deverá crescer com os cuidados e sob a responsabilidade dos seus pais …».