INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ADMISSÃO DE ARTICULADO
ALEGAÇÕES COMPLEMENTARES
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
PRESTAÇÕES ALIMENTARES
MAIORIDADE
Sumário

I – Os princípios da concentração e da preclusão apenas nos dizem que a não prática de um ato dentro do prazo perentório implica que tal ato não mais pode ser praticado, nada nos dizendo sobre se, praticado o ato e enquanto não esgotado o prazo para o efeito, tal ato pode vir a ser objeto de aperfeiçoamento, concretizando ou completando a alegação da parte.
II – A apresentação de um ato substitutivo encontrar-se-á sempre sujeito às restrições resultantes do regime substantivo da eficácia da declaração negocial prevista no art. 244º, nº 1, do CC, impedindo que, em novo articulado, a parte venha assumir posição diferente relativamente a determinados factos, situação que se encontra igualmente abrangida pelo regime de retificação previsto no nº1 do art. 146º do CPC.
III – Configurado o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais como um processo de jurisdição voluntária, é de admitir o requerimento de Alegações “complementares”, apresentadas ainda dentro do prazo legal do art. 39º nº 4 do RGPTC, bem como o requerimento de prova, dele constante e doc. acompanhantes.
IV – No prazo legal para apresentação de alegações nos termos do art. 39º, n.º 4, é ainda possível a ampliação do pedido, estendendo-o a todas as prestações alimentares fixadas na sentença de regulação das responsabilidades parentais, nomeadamente, as respeitantes ao filho que, entretanto, atingiu a maioridade.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Arlindo Oliveira

2º Adjunto: José Avelino Gonçalves

                                                                                               

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

AA instaurou o presente Incidente de Incumprimento das Responsabilidade Parentais, na qualidade de legal representante das menores, BB e CC, contra o progenitor DD,

Alegando, em síntese:

decretado o divórcio dos progenitores, por sentença de 20-03-2014, e tendo aí acordado em que os três filhos do casal – EE (atualmente maior), BB e CC – ficavam a viver com a mãe, o pai obrigou-se a pagar, a título de pensão de alimentos, a quantia de 85,00 € para cada um;

o requerido deixou de pagar alimentos aos menores em abril de 2017.

Conclui, pedindo que, na procedência do incidente de incumprimento de alimentos, seja o requerido condenado:

a) no pagamento da quantia de € 15.719,52 a título de prestações vencidas, respeitantes às prestações alimentícias devidas às menores BB e CC, desde maio de 2017 até à data da apresentação do incidente de incumprimento;

b) no pagamento da quantia de € € 1704.93.a título de juros de mora vencidos

c) no pagamento da quantia de € € 2131,16 a título de sanções pecuniárias compulsória vencidas;

d) no pagamento das prestações alimentícias que se vierem a vencer, sendo as referentes ao ano de 2024 de € 110,91 por cada menor;

e) no pagamento dos valores a titulo de juros de mora e de sanção pecuniária compulsória sobre as prestações alimentícias vencidas e que se vierem a vencer nos termos supra alegados e até integral pagamento.

Notificado para, no prazo de cinco dias, alegar o que tivesse por conveniente, nos termos do artigo 41º, nº3 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGTC),

o requerido apresentou Alegações, alegando, em síntese:

desde abril de 2017 e por acordo entre os progenitores, é exercida uma “guarda” partilhada, com a partilha de despesas, obrigações e regime de visitas, altura a partir da qual requerente e requerido passaram a viver na mesma casa (aquela que foi a morada de família) e convivem com os seus filhos menores (e também com o seu filho maior que na mesma casa habita), em termos iguais aos que aconteceria caso estivessem ainda casados, apesar de não fazerem vida de casados – não compartilham o leito, nem os rendimentos profissionais, mas ambos participam nas despesas.

Realizada Conferência de Pais, sem que tenha sido alcançado um acordo, foi determinada a notificação dos progenitores para apresentar as respetivas alegacões ou arrolarem até 10 testemunhas e juntarem os respetivos documentos (artigo 39.º, n.º 4 do RGPTC).

A 09-03-2024, a Requerente apresenta Alegações em que “reiterando na íntegra o teor do requerimento inicial”, reproduz o pedido formulado no requerimento inicial.

A 15-03-2024, o Requerido apresenta Alegações, mantendo, no geral, a posição por si assumida nas suas anteriores alegações, alegando ainda que o presente processo de incumprimento é apresentado com manifesto abuso de direito, constituindo um evidente exercício de litigância de má-fé.

A 20-03-2024 (ainda dentro do prazo concedido aos progenitores para apresentação de alegações), a Requerente, invocando a alteração do mandatário no prazo para apresentação de alegações, vem apresentar novo articulado de Alegações, alegando que, apesar de viverem na mesma casa, não vivem em economia comum, pelo que as prestações fixadas pelo tribunal continuam a ser devidas, formulando requerimento de ampliação do pedido e requerimento de apresentação de meios de prova, e junção de documentos, concluindo nos seguintes termos:

a) deve o pedido ser ampliado nos termos aqui requeridos e, consequentemente, ser o Requerido condenado a pagar à Requerente as pensões de alimentos devidas e a comparticipação nas despesas da sua responsabilidade, pelo facto das quantias em causa serem um desenvolvimento do pedido primitivo, devendo, desta forma, o Requerido ser condenado ao pagamento da quantia global de €29.524,57 (€29.524,57 referente a pensões de alimentos vencidas + €415,08 referentes à comparticipação nas despesas extraordinárias);

b) deve, ainda, o Requerido ser condenado a pagar juros de mora vencidos (6.055,94) e vincendos sobre todas as quantias em dívida, desde a data de vencimento das mesmas.

c) deve ser apurada a situação pessoal e económica do Requerido, decretando-se, a final, e através do mecanismo previsto no artigo 48.º do referido diploma legal, as medidas necessárias ao cumprimento coercivo da obrigação, bem como a condenação do Requerido em multa, e em indemnização a favor dos menores. Subsidiariamente, no caso de se concluir pela inviabilidade da cobrança coerciva, por o Requerido não se encontrar em alguma das situações previstas no artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, requer-se a V. Ex.ª a determinação das diligências necessárias ao pagamento das pensões vincendas, pelo Fundo de Garantia de Alimentos.

O Requerido veio-se opor à apresentação de tais alegações, com fundamento na sua inadmissibilidade processual – praticado um ato pela parte, não tem a mesma o direito de o praticar novamente –, requerendo o desentranhamento das mesmas.

 Seguidamente, pelo juiz a quo é proferido despacho a indeferir a pretensão de ampliação do pedido por parte da requerente, determinando o desentranhamento e devolução à Requerente das alegações e documentos acompanhantes.


*

Inconformada com tal decisão, a Requerente dela interpôs recurso de Apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

(…).


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Não foram apresentadas contra-alegações.

*
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões colocadas pela Apelante são as seguintes:
1. Se o tribunal errou ao mandar desentranhar as “Alegações” apresentadas pela Requerente, a 20-03-2024, em aditamento/substituição das anteriores alegações – mas ainda dentro do prazo concedido para o efeito.
a. Se o tribunal errou ao não admitir o requerimento de prova nelas contido, determinando o desentranhamento dos documentos acompanhantes.
b. Se o tribunal errou ao não admitir a ampliação do pedido, nelas contido.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
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1. Se o tribunal errou ao mandar desentranhar as alegações apresentadas pela Requerente em aditamento/substituição das anteriores alegações – mas ainda dentro do prazo concedido para o efeito – as quais continham um requerimento de prova, e os documentos acompanhantes.
Notificadas as partes para apresentar alegações nos termos do artigo 39º, nº4 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, a Requerente, após ter apresentado Alegações “reiterando na íntegra o teor do requerimento inicial”, veio, ainda dentro do prazo legal para o efeito, apresentar um aditamento às alegações, decidindo o tribunal a quo pela sua inadmissibilidade, com os seguintes fundamentos:
“(…) volvendo ao caso dos autos tem-se que o que está em verdadeiramente causa é não mais do que a apresentação de novas alegações, numa prática de novo acto, repetindo o já praticado, se bem que dentro do prazo.
Evidentemente que não está aqui em causa a correção de qualquer erro de cálculo ou de escrita no requerimento de alegações. As primeiras alegações apresentadas são um ato puramente regular e válido, desde logo na sua forma. Não há qualquer irregularidade evidente ou dissimulada no ato praticado.
O que a requerente fez foi apresentar um segundo requerimento de alegações, como se o primeiro não tivesse existido, expondo ali fundamentos e argumentos absolutamente novos relativamente ao primeiro (veja-se, a título de exemplo, a condenação do requerido das prestações alimentícias relativamente ao menor EE ou o valor peticionado a título de comparticipação nas despesas extraordinárias dos menores). Não foi a correção de um qualquer lapso ou irregularidade, mas uma nova peça processual contendo, em substância, novos fundamentos, que, aliás, não constam do requerimento inicial apresentado.
Em face do exposto, não é possível ao Tribunal concluir pela existência de qualquer erro ou omissão puramente formal nas alegações apresentadas em 20.03.2024, suscetível de ser sanado ao abrigo do artigo 146.º do CPC, aqui subsidiariamente aplicável.
De resto, a constituição de novo mandatário igualmente não permite a apresentação de novas alegações. É sabido que a renúncia ao mandato não implica uma invalidade dos actos já praticados, os quais se mantém talqualmente.”
Insurge-se a Apelante contra o decidido, com as seguintes ordens de razões:
- estamos perante um processo de jurisdição voluntária, nos termos do artigo 12º do RGPTC, em que não se trata de dirimir um conflito de interesses entre as partes, mas um interesse fundamental tutelado pelo direito que ao juiz cumpre tutelar nos termos mais oportunos;
- o tribunal aplica cegamente o art. 146º do CPC, ignorando as principais características e necessidades deste processo de jurisdição voluntária, bem como o poder-dever de adequação formal e gestão processual (art.s 547º e 6º do CPC);
- tendo as alegações completares sido apresentadas em tempo, de modo a complementar (ou substituir) as anteriores, o juiz não estaria impedido de admitir os factos complementares carreados, já que os mesmos são no interesse das crianças.
 Cumpre apreciar da admissibilidade de um requerimento, apresentado dentro do prazo para o efeito, destinado a “complementar/substituir” anteriores Alegações já apresentadas pela progenitora.
Sintetizando a posição assumida na decisão recorrida, para o tribunal a quo, o suprimento de deficiências de um ato praticado pela parte só pode ser efetuada ao abrigo do disposto no artigo 146º do Código de Processo Civil, pelo que, não se encontrando em causa a retificação de qualquer erro manifesto ou deficiência formal, mas a apresentação de um segundo, novo, articulado, tal não é admissível por lei.
O artigo 146º do Código Processo Civil, de que socorre a decisão recorrida – norma que restringe  possibilidade de retificação às deficiências formais de atos das partes, prevendo, tão só, a retificação de erros de cálculo ou de escrita ou outros vícios puramente formais –, não dá resposta à questão em apreço, de saber se, praticado nos autos determinado ato (por ex. apresentação de articulado, de resposta ou alegações de recurso), e encontrando-se ainda dentro do prazo assinalado por lei para o efeito, pode a parte apresentar novo requerimento, retificando, completando ou substituindo o anterior.
Percorrida a jurisprudência dos tribunais superiores[1], constata-se ser entendimento maioritário que, uma vez praticado determinado ato – apresentação de contestação, de réplica, ou de alegações de recurso –, desde que notificado à outra parte, fica consumado o ato processual em causa, precludindo-se a possibilidade de apresentação de nova contestação, réplica ou alegações, mesmo que deduzida antes de decorrido o prazo legal para o efeito.
Tal posição, nomeadamente, no que respeita à apresentação da contestação, vai buscar a sua razão ser aos princípios da concentração da defesa e da preclusão. 
Não se nos afigura, contudo, que a questão em apreço possa ser respondida ao abrigo de tais princípios.
O significado do princípio da preclusão é o de que a não prática de um ato dentro do prazo perentório implica, em regra, que esse ato não mais pode ser praticado. Nada nos diz sobre, se praticado o ato, e enquanto não esgotado o prazo para o efeito, tal ato pode ser objeto de aperfeiçoamento, retificando, completando ou concretizando a alegação da parte: o que se discute aqui é se o ato é repetível.
Quanto ao âmbito de tal principio, refere Miguel Teixeira de Sousa: “A contestação (em sentido material) está submetida a uma regra de concentração ou de preclusão: toda a defesa deve ser deduzida na contestação (artigo 489º, nº1), ou melhor, no prazo para a sua apresentação (cfr. art.486º, nº1), pelo que fica precludida quer a invocação dos factos que, devendo ter sido alegados nesse momento, não o foram, quer a impugnação, num momento posterior, dos factos invocados pelo autor. Se aqueles factos forem invocados fora do prazo determinado para a contestação, o tribunal não pode considera-los na decisão da causa; se o fizer, incorre em excesso de pronúncia, o que determina a nulidade daquela decisão (art. 668º, nº1, al. d), 2ª parte; cfr., STJ – 21/4/1980, BMJ 296, 235)[2]”.
Também é esse o sentido dado por Anselmo de Castro, que se lhe refere como o “princípio da divisão do processo em fases fechadas”, envolvendo uma preclusão rígida, de modo a que “só dentro de determinados prazos podem as partes produzir as afirmações dos factos que lhes aproveitem (os prazos dos articulados normais, ou os dos articulados supervenientes respetivos) e requerer as provas que pretendem produzir[3]
As limitações à livre repetição de um ato pela parte hão de encontrar distinta fundamentação.
A apresentação de um ato substitutivo encontrar-se-á, desde logo, sujeito às restrições resultantes do regime substantivo da eficácia da declaração negocial prevista no artigo 244º, nº1 do Código Civil – segundo o qual “a declaração que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao poder ou é dele conhecida”.
Assim, se o réu contestando, não impugna determinados factos e esta contestação é notificada à parte contrária – o que envolve a sua admissão por acordo (art. 474º, nº2) –, tal é impeditivo de, em novo articulado, vir assumir posição diferente relativamente a tais factos). Tal impossibilidade, deriva, não do principio da preclusão, mas da circunstancia de a falta de impugnação constituir uma admissão por acordo, pelo que, caso tenha já chegado ao poder da parte contrária, produziu os seus efeitos, não sendo permitido à parte “desfazê-la”: tal constitui uma tomada de posição que não lhe permite voltar a trás, assumindo posição contrária.
É relativamente a esta posição assumida nos autos que o artigo 146º do CPC veda a possibilidade de “retificação”, a não ser nas situações excecionais de “erros de cálculo” ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada.
A aplicação do artigo 244º, nº1, CC, negará à parte a possibilidade de apresentação de um novo articulado/alegações em que exponha uma versão contraditória com a posição por si anteriormente assumida nos autos.
 Contudo, já não nos surge tão óbvio que, em determinadas circunstâncias, a parte que praticou um ato, apercebendo-se da omissão de pronúncia sobre determinada questão e encontrando-se ainda dentro do prazo previsto para a prática desse mesmo ato, se encontre impedida de apresentar novo articulado/alegações, completando-o.
Parece-nos discutível que, desde que não entre em oposição com a sua defesa já apresentada anteriormente, caso se esquecido de invocar, por ex. a prescrição, ou de apresentar a sua prova, não o possa fazer, ainda que dentro do prazo de que dispunha para apresentação de tal articulado (dentro da mesma ordem de razões, tenderíamos a admitir a apresentação de novas alegações para correção de algumas falhas: por ex., caso a parte se tenha esquecido de nelas apresentar as suas conclusões, ou de fazer constar das conclusões algum dos fundamentos de recurso).
Sustentar o contrário em nome da estabilidade da instância, da celeridade processual, ou de respeito pelas expetativas legitimas da outra parte, não se afigura consentâneo com o espirito do novo código de processo em que “a forma” é vista essencialmente, como um meio de chegar à verdade material (atribuindo maiores poderes ao juiz na gestão dos termos processuais, e facilitando a aquisição de factos para o processo fora dos articulados).
E se é esse o nosso entendimento em tese geral, há que reformular a apreciação de tal questão à luz de um processo de jurisdição voluntária, como o é o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, ainda que só se encontre em causa o incumprimento da obrigação de alimentos.
O incidente de incumprimento das responsabilidades parentais encontra-se regulado no artigo 41.º, do RGPTC, de acordo com o qual (cf. seu n.º 3), iniciado o processo o juiz convoca os pais para uma conferência ou, excecionalmente, manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente. Se realizada a Conferência, os progenitores não chegarem a acordo, é determinada a sua notificação para, no prazo de 15 dias, apresentarem alegações, arrolarem até 10 testemunhas e juntarem documentos (artigo 39º, n4).
Tendo os processos tutelares a natureza de jurisdição voluntária (art. 12º do RGPTC), são-lhe aplicáveis os artigos 986º a 988º, do CPC.
Segundo o nº2 do artigo 986º CPC, “O tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar inquéritos e reconhecer informações convenientes, só sendo admitidas as provas que o juiz considere necessárias.”
E segundo o artigo 987º, “Nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”.
As referidas normas consagram a prevalência do principio do inquisitório sobre o princípio do dispositivo:
a) ao nível da conformação do objeto da ação, atribuindo ao tribunal amplos poderes quanto ao conhecimento dos factos, quer ao nível das providências a tomar.
 “Os factos essenciais que constituam a causa de pedir não delimitam o âmbito de cognição do tribunal já que este pode considerar outros factos (complementares, concretizadores, instrumentais, notórios, de que tenha conhecimento no exercício das suas funções ou que sejam constitutivos do desvio da função processual), para além daqueles que sejam alegados pelas partes[4]”, “não estando dependente de nenhum ónus de alegação pelos intervenientes, na precisa medida em que pode conhecer oficiosamente os factos, quer por investigação própria, quer na sequência de alegação dos interessados”
b) ao nível da instrução da causa – o tribunal não está adstrito às demonstrações probatórias que as partes possam oferecer para fundamentar a decisão, admitindo também aquelas que o juiz, por sua iniciativa, possa trazer ao processo, podendo ainda recusar a produção de provas quando as considere desnecessárias.
“Nos processos de jurisdição voluntária, o juiz não está, em princípio, dependente dos factos direta ou indiretamente alegados pelos interessados, seja qual for a função que aqueles desempenhem no processo, dispondo de uma ampla iniciativa probatória, não estando dependente de qualquer ónus de alegação e apenas admitindo as provas que entender necessárias[5]”.
Não existindo uma solução única para a generalidade dos processos de jurisdição voluntária, no processo de incumprimento das responsabilidades parentais, a falta de contestação não implica a confissão dos factos alegados (artigos 38º e 39º, ns. 4 a 7, RGPTC), devendo a falta de contestação ou de oposição ser suprida pela atividade investigatória do juiz, impondo-lhe a determinação ou realização das diligências probatórias que entenda convenientes e necessárias, pedindo as informações ou esclarecimentos que considere convenientes ou necessários, ou convidando os interessados a fazê-lo, com vista a estar suficientemente habilitado a proferir a decisão conveniente e oportuna à tutela do interesse subjacente ao processo em causa[6].
Retomando a situação em apreço, as primeiras “alegações” apresentadas pela Requerente, em que o mandatário, em sua representação, se limita a “reiterar na íntegra o teor do requerimento inicial”, correspondem à observância de uma mera formalidade, não cumprindo qualquer função nos autos e sem que dela se possam retirar quaisquer efeitos.
Ainda dentro do prazo que lhe fora concedido para as alegações, a Requerente, alegando a mudança de mandatário, apresenta requerimento contendo Alegações “complementares”, nas quais alega:
apenas por não conseguir pagar renda de casa e por o seu filho mais velho pretender ingressar na escola ..., a requerente retomou residência na casa que lhe pertente, sem que viva com o requerido em economia comum;
na própria regulação das responsabilidades parentais, datada de 2014, ficou definido que os progenitores ficariam a viver na mesma casa, não sendo esse facto que isentava o Requerido do pagamento da pensão que lhe foi adstrita;
o requerido em nada comparticipou nas despesas dos filhos, sejam elas alimentícias, de vestuário, higiene, escolares, médicas, salvo 6 pagamentos em 2016/2017.
Em tais alegações, aproveita, ainda, para ampliar o pedido, peticionando o pagamento de todas as prestações a que o requerido se encontrava obrigado, relativamente aos seus três filhos, desde 2014, procedendo à atualização dos respetivos montantes, mais a comparticipação do requerido nas despesas escolares e médicas.
Junta ainda a sua prova, pedindo o depoimento de parte do requerido, indicando testemunhas e juntando 12 documentos.
Sendo os pais “notificados para em 15 dias, apresentarem alegações ou arrolarem até 10 testemunhas e juntarem documentos, surge-nos como indiscutível que, encontrando-se dentro do prazo legalmente concedido para o efeito, a Ré poderia apresentar o seu requerimento de prova, sem que alguma norma a obrigasse a fazê-lo no mesmo requerimento em que apresenta alegações ou, sequer, ao mesmo tempo.
Como tal, nesta parte, sempre a decisão recorrida seria de revogar, admitindo-se o requerimento de prova apresentado pela Requerente.
Quanto às alegações propriamente ditas, inseridas em tal articulado, e que contêm a sua versão dos factos, nomeadamente, face à matéria alegada pelo Requerido como suscetível de obstar à sua condenação nas prestações alimentares reclamadas pela Requerente (versão esta que corresponde à posição já por si assumida oralmente na Conferência de Pais), assumem toda a relevância para o apuramento da verdade e a justa composição do litigio, auxiliando a tarefa do juiz.
Assim sendo, também nesta parte, se entende serem de admitir as Alegações “complementares” (em nosso entender únicas, pois o primeiro requerimento é perfeitamente inócuo).
Passemos à ultima questão, relativa à admissibilidade da ampliação do pedido.
O juiz a quo justifica pelo seguinte modo, a decisão de indeferimento da pretensão da Requerente:
“Finalmente se refira que o peticionado não configura qualquer ampliação do pedido como pretende a requerente.
A este propósito rege o disposto no art. 265.º do CPC que dispõe “na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação”, e, por seu turno, o n.º 2 daquele normativo que “o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido ou ampliá-lo, até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”.
Ora, volvendo ao dos autos tem-se que o alegado pela requerente não configura um desenvolvimento ou uma consequência do pedido primitivo. Trata-se, isso sim, de dois pedidos e causas de pedir totalmente distintos do pedido e causa de pedir inicial, desde logo porque referentes a prestações alimentícias referentes a um terceiro (que até então não tinham sido peticionadas) e, bem assim, de valores peticionados a título de comparticipação nas despesas extraordinárias dos menores (também não peticionadas até então). De resto, relativamente às prestações de alimentos vincendas sempre rege o disposto no art. 557.º do CPC. Finalmente, no que tange às atualizações referidas em tal requerimento a propósito da prestação de alimentos sempre se diga que decorrem do acordo de regulação das responsabilidades parentais pelo que em sede de sentença se aferirá da sua pertinência.”
Insurge-se a Apelante contra o decidido, com os seguintes fundamentos:
o requerimento inicial peticionou, apenas, por mero lapso, as pensões vencidas desde o ano de 2017 e apenas em relação às duas filhas, atualmente ainda menores, não tendo feito referência às pensões vencidas desde 2014 até aquela data, nem às pensões devidas por conta do filho mais velho, agora maior de idade;
a ampliação do pedido prende-se com o incumprimento do acordo de regulação das responsabilidades parentais por parte do requerido, o qual continuou sem liquidar a pensão de alimentos, bem como a obrigação de comparticipação nas despesas extraordinárias;
o pedido elaborado com as alegações tem como suporte a mesma causa de pedir do pedido primitivo, sendo um desenvolvimento do mesmo (artigo 265º, nº2, CPC), já que está aqui em causa o incumprimento do pagamento da pensão de alimentos a que o requerido havia sido condenado em relação aos três filhos do casal;
os princípios da celeridade e economia processual ficariam prejudicados se fosse imposto à requerente intentar um novo requerimento, que sempre tramitaria no mesmo apenso de incumprimento, para peticionar agora as pensões vencidas desde 2014 até 2017 relativamente às duas menores e todas as pensões pagas relativamente ao filho maior, bem como as despesas extraordinárias das menores, que o requerido não comparticipou;
ainda que assim não fosse, a ampliação do pedido sempre teria de ser admitida, pelo menos, relativamente às pensões vencidas e não pagas, por conta das duas menores, desde a entrada da presente ação até à audiência de julgamento.
Instaurando a Requerente o presente incidente de incumprimento da obrigação de alimentos, alegando que o Requerido deixou de pagar a prestação alimentícia dos menores em abril de 2017, peticiona a condenação do requerido no pagamento das prestações alimentícias devidas às filhas menores, desde maio de 2017 até à data de entrada do procedimento em tribunal.
Notificado para apresentar alegações, o Requerido alega que a Requerida, depois de, em data que não sabe precisar, ter saído de casa com os menores, contra a vontade do requerido e sem o seu consentimento, em abril de 2017, a requerente regressou a casa (à casa que foi a casa de morada de família, passando aí a viver com os filhos do dissolvido casal pelo que, na prática, desde então, e por acordo entre os progenitores que é exercida uma “guarda” partilhada, com a partilha de despesas, obrigações e regime de visitas.
Na Conferência de Pais, a Requerente afirma que “desde a separação, em 2014, apenas foram pagas seis mensalidades relativas à prestação de alimentos, em 2016 e 2017 e não completas, altura em que esteve em ...”, e o Requerido alega que “pagou as prestações de alimentos quando a sua ex-mulher saiu de casa com os filhos, o que fez por transferência bancária”.
Nas suas posteriores alegações, apresentadas ao abrigo do artigo 39º, nº4 o requerido reafirma a sua posição de que, desde a data do divórcio, mantêm em tudo uma relação idêntica à que viviam entre casados, pelo que não pode daí resultar para o requerido a obrigação de liquidar à requerente a pensão de alimentos, reconhecendo só ter procedido ao pagamento de pensão de alimentos durante o período, em que aquela levou os menores consigo e esteve a viver com eles em ..., em 2016/2017.
Ou seja, há uma confissão por parte do Requerido de que só pagou a prestação de alimentos fixada na sentença, enquanto a requerente e os filhos estiveram a viver fora da casa comum, em ....
Ou seja, nesta parte, encontrar-se-ia uma confissão do réu que permitiria uma ampliação da causa de pedir ao abrigo do disposto no artigo 265º, nº1 do CPC.
Quanto à ampliação do próprio pedido, vejamos as várias pretensões formuladas em sede ampliação do pedido.
Formulando no requerimento inicial (entre outros), pedido de condenação do requerido no pagamento das prestações de alimentos devidas às duas filhas menores, desde maio de 2017, inclusive, até à entrada do incidente de incumprimento (30-12-2023), bem como as prestações alimentícias que se vierem a vencer, sendo as de 2024, no montante de 110,91 € por cada menor, vem agora a Requerente, ampliando o seu pedido, formular as seguintes pretensões:
a)  prestação de alimentos devidos às duas menores, desde abril de 2014 até 2016/2017 (com exceção de 6 pagamentos efetuados pelo Requerido), acrescidas de juros vencidos;
b) prestações de alimentos devidos ao filho EE, desde abril de 2014 até novembro de 2020, data em que atingiu a maioridade, acrescidas de juros vencidos;
c) comparticipação em despesas extraordinárias das duas menores;
d) pensões de alimentos vencidas na pendência da ação.
Quanto ao pedido de prestações de alimentos desde abril de 2014 até 2017, este alargamento até à data do divórcio, resultou da confissão do requerido de que nunca pagou, confissão que abarca o não pagamento de qualquer prestação alimentar ao filho atualmente maior), por não ser devido, qualquer prestação de alimentos, desde o divórcio, com exceção do período em que a mãe levou os filhos consigo e viveu noutro local.
Nesta parte, entende-se que a ampliação da causa de pedir se encontrará coberta pelo nº1 do artigo 265º, nº1 do CC.
E poder-se-á afirmar que tais pedidos – prestações anteriores abril e 2017 e prestações respeitantes ao filho atualmente maior, despesas extraordinárias –, constituem um desenvolvimento do pedido primitivo, sendo que, encontrando-se fixadas por sentença transitada em julgado, a requerente nem sequer precisava de ter previamente instaurado o presente incidente de incumprimento da pensão alimentar devida a qualquer um dos seus três filhos (as prestações que agora reclama relativamente ao filho maior, reportam-se à sua menoridade – cfr. art. 989º, nº2, do CPC), podendo ter optado por instaurar execução para pagamento das prestações vencidas.
Quanto às prestações vencidas na pendência do incidente de incumprimento, não haverá qualquer dúvida da legalidade da formulação de tal pedido (artigo 557º do CPC), pedido que, além do mais, já tinha sido formulado no requerimento inicial, constituindo a pretensão formulada em sede de ampliação, uma mera contabilização dos montantes até agora vencidos.
Como tal, é de revogar a decisão recorrida, também na parte em que rejeitou liminarmente o pedido de ampliação do pedido.
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IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, a substituir por outra que admita o requerimento de Alegações, a ampliação do pedido nele formulada, bem como o requerimento de prova nele contido e documentos acompanhantes.

Custas a suportar pelo Apelado.       

                                                                         Coimbra, 26 de novembro de 2024

V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7 do CPC.

(…).


[1] Cfr., Acórdãos do TRP de 10-03-2022, relatado por Carlos Portela, de 15-05-2020, relatado por Augusto Carvalho, de 18-05-2020, relatado por Jerónimo Freitas, 15-11-2018, relatado por Filipe Caroço, e Acórdão do TRL de 21-02-2019, relatado por Pedro Martins, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[2] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, LEX, p. 287.
[3] “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. III, Almedina, p.171-172.
[4] António José Fialho, “Conteúdo e Limites do Princípio Inquisitório na Jurisdição Voluntária”, Petrony, p. 96.
[5] António José Fialho, obra citada, pp. 67-68.
[6] Cfr., António José Fialho, pp. 69-70.