ININTELIGIBILIDADE DO PEDIDO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ENTREGA DO LOCADO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
REVOGAÇÃO REAL DO CONTRATO
Sumário

I - O pedido formulado no sentido de se julgarem liquidadas supostas dívidas que a Ré alega que o Autor tem para com ela, deve ser considerado ininteligível, por ser vago, conduzindo à ineptidão parcial da petição inicial, com a consequente absolvição de instância.
II - A entrega do locado efetuada no decurso dos autos, o qual era objeto de pedido de resolução de contrato de arrendamento e de renegociação do mesmo contrato, acarreta a inutilidade superveniente da instância desses pedidos por a mencionada entrega corresponder à revogação real do contrato de arrendamento.
III - Logrando entender-se, da globalidade da reconvenção, que o pedido de pagamento de indemnização por impossibilidade de reconstrução de parte do locado que o arrendatário anteriormente destruiu era um pedido subsidiário da entrega e reconstrução dessa mesma parte do locado, só com a improcedência deste é que se poderia apreciar aquele pedido de indemnização.

Texto Integral

Processo n.º 18502/20.0T8PRT.P2.

João Venade.

António Paulo Vasconcelos.

Francisca Micaela Vieira.


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1). Relatório.

A..., S. A., com sede no Largo ..., n.º ..., 3.º ..., ... no Porto, propôs contra

AA, residente em ..., ..., Frankfurt am Main Alemanha,

Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da mesma em:

A - Julgar-se liquidadas supostas dívidas que a Ré alega que o Autor tem para com ela;

B - Promover a renegociação do contrato de arrendamento comercial por tempo determinado;

C - Restituição do valor correspondente a 1400 EUR de acréscimo que o Autor tem vindo a pagar indevidamente todos os meses, a multiplicar pelo período de tempo que já passou desde o início do contrato, que foram 22 meses, a que corresponde em termos rendas pagas a 26 rendas (rendas e caução), no valor de 35 000 EUR; e

D – Indemnização pelo facto de o Autor ter tido de realizar obras de remodelação e decoração no piso superior que foi retirado por imposição da Câmara Municipal ..., bem como a demolição do referido piso, e a reestruturação do piso inferior sem o superior, valor esse a determinar pelo Tribunal, com todas as devidas e legais consequências.

Em síntese, alega que:

. desde 01/01/2019 é locatário da fração autónoma designada pela letra "G" correspondente ao n.º ... do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., Porto;

. aquando da celebração do contrato, a Ré deu conhecimento na primeira oportunidade de que dispôs de que a fração em causa tinha cerca de 180m2, composta por duas salas no R/C e uma sala no piso superior;

. no entanto, foi apurado por vistoria de recintos de espetáculos e de divertimento, no dia 29/07/2019, que havia uma desconformidade com a Licença nº ..., na medida em que a fração teria na realidade 130m2 e não 180m2, pois o piso superior estava ilegal e não fazia parte das peças desenhadas entregues na Câmara Municipal ...;

. a renda terá de ser acertada para os 3 600 EUR, ou seja, menos 50m2;

. a Ré não assumiu o prejuízo de o Autor ter tido de realizar obras de remodelação e decoração no piso superior que foi retirado por imposição da Câmara Municipal ..., nem assumiu a demolição do referido piso, nem a reestruturação do piso inferior sem o superior;

. com a pandemia do coronavírus, o estabelecimento teve de estar fechado, não havendo abertura da Ré sobre o pagamento das rendas que não o atende, pelo que a falta de pagamento de rendas não lhe é imputável.


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Citada, a Ré contestou, alegando em resumo que:

. é dona da fração em causa;

. a Autora conhecia o locado antes de celebrar o contrato de arrendamento;

. a Autora demoliu a construção sem lhe dar conhecimento, o que constitui um ato ilícito;

. nunca conheceu qualquer ilegalidade à indicada construção, sendo que não padece da mesma pois a sua construção era anterior a 1951 (publicação do Regulamento Geral das Edificações Urbanas);

. a destruição do piso intermédio causou-lhe danos pois perdeu 54 m2 do seu património;

. além de ter efetuado tal destruição, também a Autora usa o locado para outro fim, colocou toldo na fachada, obrigou-se a contratualizar um seguro multirriscos, o que não fez e ameaça a Ré;

. não insonorizou devidamente o espaço;

. poderia por isso recusar-se reunir com a Autora, o que, no entanto, não fez;

. a renda deveria ser paga para conta bancária da Ré e não no domicílio do locatário;

. está impossibilitada de arrendar uma parte de uma fração situada acima do locado por causa do ruído emitido pela Autora;

. a Autora não pagou as rendas vencidas de abril a dezembro de 2020 e janeiro e fevereiro de 2021;

. o pagamento das rendas vencidas nos meses de abril, maio e junho pode ser

diferido, devendo estas rendas ser pagas em iguais prestações e durante vinte e quatro meses, a partir de janeiro de 2021;

. em janeiro e fevereiro, a Autora devia pagar a renda vencida nesse mês, acrescida de uma parcela resultante da divisão por 24 do montante total das rendas vencidas em abril, maio e junho, o que não fez.

Pede a improcedência da ação e, em sede de reconvenção, pede:

b). Declaração de resolução do contrato de arrendamento, com base no disposto no n.º 2, do artigo 1083.º, do C. C., condenando-se a Ré a entregar o locado livre e devoluto de pessoas e bens e no estado em que o recebeu;

c). subsidiariamente ao pedido mencionado na al. b), deverá declarar-se a resolução do contrato de arrendamento com fundamento no disposto no n.º 3, do artigo 1083.º, do C. C., condenando a Ré a entregar o locado livre e devoluto de pessoas e bens e no estado em que o recebeu;

d). condenar a Autora a indemnizar a Ré pela destruição do piso intermédio, devendo a indemnização fixar-se no valor de 288 734,44 EUR;

e) Condenar a Autora no pagamento das rendas vencidas e não pagas, acrescidas da indemnização, valor que se cifra em 64 980,20 EUR.


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Em 04/05/2021, a Autora apresentou réplica onde, em síntese, menciona que:

. teve de demolir o piso por ser ilegal e se tratar de uma situação urgente, não se encontrando a Ré no país;

. nunca alega que não teria realizado o negócio se soubesse daquela ilegalidade, apenas pretende uma renegociação face à diminuição de área;

. a Autora propôs diminuição de renda a outros inquilinos e a si propôs um aumento, isto em período de pandemia do Covid-19.

Pede a improcedência dos pedidos formulados pela Ré.


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Em 12/05/2021, a Autora apresentou novo articulado de réplica, o qual não foi admitido por despacho de 13/09/2021.

Interposto recurso de tal decisão, foi a mesma confirmada por Acórdão da Relação do Porto proferido em 10/03/2022.

Interposto recurso desta última decisão para o Tribunal Constitucional, não foi o mesmo admitido (histórico analisado pela consulta on line dos competentes recursos).


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Em 13/04/2022, a Ré apresenta requerimento onde que a Autora/Reconvinda seja notificada nos termos do artigo 14.º n.º 3 e 4, do NRAU para proceder ao depósito das rendas vencidas e, em caso de ausência de cumprimento, seja ordenado o despejo imediato, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo.

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Foi marcada audiência prévia, sem indicação das suas finalidades, a qual se realizou em 21/04/2022, tendo sido decidido acordado suspender a instância até ao final do mês corrente, ao abrigo do disposto no artigo 272.º, n.º 4, do C. P. C., mencionando-se ainda que «caso não haja acordo ou nada seja dito, a autora deve enviar aos autos, no prazo de 10 dias a contar do final da suspensão, os elementos que possui relativamente ao licenciamento do locado em causa, atendendo ao ora solicitado pela ré. Após, ordeno que os autos me sejam conclusos, a fim de ser proferido despacho subsequente por escrito.».

Por despacho de 04/05/2022, a instância foi prorrogada por mais 5 dias, prorrogação que foi estendida por mais 10 dias por despacho de 18/05/2022.

Em 24/09/2022, o tribunal profere despacho no sentido de «tendo terminado a suspensão e não tendo a autora procedido ainda à junção, até à presente data dos elementos documentais que possui relativamente ao licenciamento do locado, notifique esta para juntar, no prazo máximo e improrrogável de 10 dias, tais elementos aos autos.».

Foram juntos documentos e, em 17/11/2022, a Ré alerta o tribunal que pediu o despejo imediato da Autora, tendo o tribunal, em 21/11/2022, determinado a notificação da Autora para, em 10 dias, proceder ao pagamento ou depósito do valor das rendas indicadas no requerimento da Ré, juntando prova aos autos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 14.º do NRAU.

A Autora impugnou o pedido em 07/12/2022, tendo havido junção de respostas mútuas a nível de articulados (em 05/01/2023 – Ré -, 18/01/2023 – Autora -, 03/02/2023 – Ré -).

Em 09/03/2023, o tribunal recorrido profere sentença onde decide julgar a ação, imediata e antecipadamente, totalmente improcedente e:

. absolver a ré dos pedidos formulados pela Autora; e

. julgar a reconvenção parcialmente procedente e, em conformidade:

. declarar resolvido o contrato de arrendamento objeto da ação, descrito no ponto 1 – factos provados;

. condenar a Autora/reconvinda a entregar o imóvel arrendado à ré/reconvinte, desocupado e no estado próprio de uma prudente utilização;

. condenar a Autora/reconvinda no pagamento à Ré/reconvinte da quantia correspondente às rendas que se venceram desde abril de 2020, inclusive, e até à efetiva entrega do locado, deduzida das quantias referidas no ponto 24 – factos assentes –, 25 – factos assentes – e 26 – factos assentes –, valor total a liquidar em incidente pós-decisório;

. condenar a Autora/reconvinda a indemnizar a Ré/reconvinte pela destruição do mezanino/piso intermédio do locado, no valor total a liquidar em incidente pós-decisório.

Igualmente se decidiu que «conforme resulta da decisão que se segue, deve ser julgado procedente o pedido reconvencional de despejo, o que determina a inutilidade superveniente do incidente de despejo imediato, o que se decide.».


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A Autora recorreu, tendo sido proferida, em 25/09/2023, decisão sumária pelo Tribunal da Relação do Porto que decidiu declarar nula a decisão (saneador-sentença) proferida nos autos, devendo os autos prosseguir com a marcação de audiência prévia, com as finalidades que o tribunal recorrido entender serem as adequadas – artigo 615.º, n.º 1, d), parte final, do C. P. C. -.

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Em 06/10/2023, a Ré/reconvinte formula pedido no sentido de se ordenar a notificação da Autora/Reconvinda para que proceda ao depósito das rendas vencidas na pendência do processo, desde já se requerendo, sem mais considerandos, seja decretado o despejo imediato em caso de omissão por parte daquela, nos termos do art. 14.º, n.º5 do NRAU.

Em resposta, a Autora reconvinda alegou que:

. em maio corrente a pagou à Ré 12 205,65 EUR a título de rendas de maio a julho corrente, em sede de arresto, pagou 15 000 EUR a título de rendas;

. tem tentado encontrar um acordo com a Ré que permita manter a relação arrendatícia, dispondo-se a regularizar a quantia que eventualmente esteja em dívida a título de rendas no âmbito de uma renegociação global do contrato de arrendamento em vigor;

. a Ré manifesta pretensões de muito onerosa concretização com as quais não pode cumprir;

. os pagamentos foram efetuados na convicção da recíproca vontade entre as partes de que fosse mantido o arrendamento e renegociado o contrato;

. se a vontade de celebrar um acordo fosse uma vontade real da Ré, não estaria hoje a negociar receber a quantia em dívida mediante renegociação do contrato em vigor e, amanhã, sem mais, a pedir o despejo imediato do mesmo locado cujo contrato está a negociar;

. este comportamento integra o conceito de venire contra factum proprium, pelo que atua em abuso de direito.

. o incidente já foi extinto por inutilidade superveniente da lide.

Termina pedindo a improcedência do despejo imediato.


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Após os autos terem sido devolvidos ao tribunal de 1.ª instância, a Ré/reconvinte, convidada a tal, pronunciou-se negando existir abuso de direito e que a decisão que declarou a inutilidade superveniente da lide tinha por base sentença que foi anulada por aquela decisão sumária.

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Em 03/01/2024, o tribunal recorrido profere o seguinte despacho:

Em obediência ao decidido no Ac. da RP proferido no âmbito destes autos, designa-se, para realização de audiência prévia, com as finalidades previstas no art. 591º/1/a)/b), do CPC, o dia 05-02-2024, pelas 10:30h.

Em tal data, realizou-se a audiência prévia, onde se exarou:

Iniciada a diligência, com as observâncias das formalidades legais, a Mm.ª Juiz tentou a conciliação das partes, a qual não foi possível obter;

Após, pela Mm.ª Juiz foi dada a palavra aos ilustres mandatários das partes, no sentido de se pronunciarem acerca da possibilidade de conhecimento imediato do mérito da ação, tendo os mesmos se pronunciado, ficado gravado no sistema habilus media studio.

No decurso da pronúncia, pelo ilustre mandatário da Ré, foi requerida a junção aos autos do auto de entrega do imóvel e fotografias que acompanharam a diligência. Mais requerendo a junção de várias fotografias.

Questionado pela Mm.ª Juiz, pelo ilustre mandatário da A. foi dito que aceita que o imóvel tenha sido entregue na data que consta do auto de entrega, ou seja, em 22 de dezembro de 2023. Mais disse não prescindir do prazo de vista para se pronunciar acerca de todos os documentos ora juntos.

A Juiz, após obter a concordância dos ilustres mandatários determinou que o despacho saneador fosse proferido por escrito e que, caso a ação venha a prosseguir para conhecimento de algum ou de alguns pedidos, às partes será concedida a oportunidade de reclamarem por escrito dos temas da prova que eventualmente venham a ser fixados e de correspondentemente adequarem os seus requerimentos probatórios.

A juiz proferiu despacho a determinar que o processo lhe seja concluso.


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Em 21/04/2024, o tribunal profere sentença e despacho imediatamente posterior, nos seguintes termos:

1) Absolve-se a ré dos pedidos formulados pela autora.

2) Declara-se a resolução do contrato de arrendamento referido no ponto 1 dos factos provados, condenando a autora a entregar o locado à ré livre e devoluto de pessoas e bens e no estado em que o recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.

3) Condena-se a autora no pagamento à ré da quantia de €29.501,18 (vinte e nove mil, quinhentos e um euros e dezoito cêntimos), acrescidas do valor mensal das rendas vencidas e vincendas desde a data da apresentação da reconvenção e até entrega do locado.

4) Condena-se a autora a indemnizar a ré pelo valor do dano que, aquando da entrega, o imóvel revelar como decorrente da destruição/alteração do mezanino/piso intermédio mencionado nos articulados, a liquidar posteriormente.

5) Absolvo a autora do mais peticionado em sede de reconvenção.

(…)

Considera-se que, antes do trânsito em julgado do ponto 2) da presente sentença, o incidente de despejo imediato não perde utilidade. Constata-se, no entanto, que não liquidou a ré a taxa de justiça devida pelo mesmo. Assim, antes do mais, notifique-se a mesma para, em 10 dias, proceder a tal pagamento, acrescido do da multa prevista nos art.s 145º/3 e 642º, do CPC).

Inconformada, recorre a Autora, formulando as seguintes conclusões:

I – O Tribunal aceitou a petição inicial, a contestação reconvenção, os demais articulados, sem ter indeferido liminarmente a petição inicial, nem determinado o seu aperfeiçoamento.

II – Os autos seguiram os seus termos, tendo sido, aliás, marcada audiência previa, nos termos da Lei.

III – Sem prévia e inequívoca declaração de decisão imediata dos pedidos para que as partes se pronunciassem, o Tribunal acabou por não realizar, não obstante a prova indicada pelas partes, quer instrução, quer julgamento acabando por propalar sentença em que julgou improcedente a ação e procedente a reconvenção.

IV – A decisão recorrida é, assim, antes de mais, e só por isto, verdadeira decisão surpresa, sendo nula, por essas características, e proibida por Lei.

V – A nulidade da decisão recorrida decorre também do facto do Tribunal ter omitido uma das fases importantes do processo – Instrução/ julgamento.

VI – Pelo que o procedimento está ele também ferido de nulidade, porventura desde a apresentação da petição inicial mas, pelo menos, sempre após a notificação para audiência prévia – nulidade que afeta igualmente a decisão recorrida.

Sem prescindir

VII – De qualquer modo, a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância sofre/ sofreria de diversos vícios e decide inadequadamente quer a questão de facto, quer a questão de Direito, violando antes de mais o principio da igualdade das partes, previsto no artº 4 do CPC, em violação também de imperativos/normas de natureza constitucional, v.g. artºs 12, 13, 16 e 20 da CRP, mostrando-se também a decisão recorrida verdadeiramente inconstitucional.

Sempre sem prescindir

VIII – O procedimento em presença e a decisão recorrida, mostram-se também violadores de muitas outras normas de direito adjetivo e substantivo.

IX – A decisão recorrida, não obstante deixar o processo chegar ao ponto a que chegou, acaba por julgar a ação improcedente e a reconvenção procedente, alegadamente por considerar inviáveis alguns dos pedidos formulados na p.i. e por considerar inadequada impugnação da matéria reconvencional.

X – O Tribunal, porem, não indeferiu liminarmente a petição inicial, nem notificou/ ordenou à A. a correção ou aperfeiçoamento da mesma.

XI – Ao não fazê-lo e permitindo que o processo pudesse prosseguir, terminando por decidir como decidiu, violou grosseiramente o principio da igualdade das partes, bem como o principio da adequação formal, v.g. artigos 6, 7, 590 e 591 do CPC.

XII - E daqui de duas uma: ou o Tribunal entendia que a petição inicial (e os pedidos aí formulados) não tinham qualquer possibilidade de procedência (ou “salvação”) e então devia ter sido logo indeferida a petição inicial - veja-se artigo 591 nº 1 do CPC; ou o Tribunal entendia, não obstante eventuais deficiências, que essa petição inicial era ainda aproveitável, não obstante e se necessário exercido o poder/ dever de notificar a parte para os aperfeiçoamentos ou correções que entendesse necessários (ou suprimento de quaisquer pressupostos essenciais suscetíveis de sanação).

XIII – No que respeita ao pedido formulado pela A. sob a al. D) o Tribunal não o podia julgar improcedente sem produção de outra prova, sendo que tal pedido a ser julgado de imediato só podia ser decidido a favor da A., ainda que a liquidar em execução de sentença.

Sem prescindir

XIV - Não obstante o que vai dito, a decisão recorrida decidiu erradamente ainda assim a questão de facto em face dos elementos constantes dos autos e em violação de norma substantiva quanto ao valor das provas.

XV – De facto, quanto à ação e aos pedidos formulados na ação, o Tribunal desconsiderou os documentos autênticos emitidos pela C.M. ..., não sujeitos a qualquer incidente de falsidade e não impugnados, e desconsiderou o próprio texto do contrato de arrendamento.

XVI – Fixou factos como “não controvertidos” (ou carecidos de prova) de forma contrária aos factos atestados por aqueles documentos com valor probatório pleno.

XVII – E quanto aos controvertidos acabou por não permitir que fosse realizada qualquer prova.

XVIII – Na decisão da ação, o Tribunal não considerou os documentos juntos aos autos com força probatória plena – repete-se duas certidões emitidas pela C.M. ... e o contrato de arrendamento - não permitindo que se realizasse prova quanto aos factos que entendeu controvertidos.

No que concerne à decisão da questão de facto reconvencional

XIX – Igualmente aqui a decisão recorrida seleciona factos não controvertidos.

XX - E do mesmo modo omite a fase de instrução/ julgamento, acabando por, a posteriori, considera-la desnecessária.

XXI – Quanto aos factos ditos não controvertidos, de modo semelhante, o Tribunal a quo dá como provado um conjunto de factos apenas porque alegadamente não impugnados suficientemente mas, ainda assim, em violação dos factos atestados pelos documentos atrás identificados a que a lei confere força probatória plena.

XXII – esquecendo ainda a impugnação (ainda que imperfeita) genérica e concreta formulada pela A. na sua réplica (v.g. artº 3 da réplica).

XXIII – Nos termos expostos, os factos dados como assentes nos pontos 17, 18, 19, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 31 nunca poderiam ser dados como assentes, por contrariarem os factos atestados por aqueles documentos atrás identificados e/ou por deverem considerar-se impugnados genericamente no artigo 3º da réplica e, especificamente, nos artigos 71, 72, 73, 74, 75, 81, 82, 83, 84 e 85 da réplica.

XXIV - Salvo o devido respeito, mesmo com os parcos elementos constantes do processo, a decisão recorrida erra ao dar como assentes os factos dos 17, 18, 19, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 31 que deveriam/devem, em qualquer caso, ser dados como controvertidos (não provados). Acresce que,

XXV - O Tribunal a quo não elabora motivação suficiente quanto à decisão da questão de facto.

XXVI - Ou seja, não fundamenta adequadamente a decisão sobre a questão de facto, o que faz incorrer a sentença recorrida igualmente no vicio de nulidade.

Quanto à questão de Direito

XXVII – A sentença recorrida, em varia sede e antes de mais, é nula como demonstrado.

XXVIII – Ainda que assim se não entenda, decidiu erroneamente a questão de facto, como visto.

XXIX – Pelo que, alterada quanto a esta matéria a decisão recorrida, nos termos expostos, naturalmente sempre se deveria alterar a sentença sobre a questão de Direito.

XXX – Mas, em qualquer caso a decisão recorrida sobre a questão de Direito, data vénia, é também nula

Com efeito,

XXXI – A decisão recorrida não julga os pedidos formulados nas alíneas A), B) e C) do petitório da acção, por considera-los impossíveis e inviáveis.

XXXII – Porém, os pedidos A), B) e C) estão entre si interligados.

XXXIII - Facilmente se entende o que a A. pretendia:

1 – que fosse reconhecida que a área útil do imóvel para a atividade prevista no arredamento havia sido reduzida, devendo ser reduzida correspondentemente a contraprestação do arrendamento – a renda;

2 – que fosse a Ré condenada a reconhecer os valores recebidos a mais, em função da determinação do direito de redução da renda, computando-se tais valores em eventuais rendas que não estivessem integralmente pagas.

XXXIV – Ora, no caso, produzida a indispensável prova, mesmo considerando apenas a prova documental junta aos autos, a Lei confere ao arrendatário o direito ao reequilíbrio das condições do contrato, nomeadamente pela redução do valor locativo.

XXXV – Pelo que, salvo o devido respeito, aqueles pedidos deveriam ter sido sempre apreciados, se necessário, nomeadamente - como se defende – apreciação essa precedida de produção de prova.

XXXVI – Mas se é assim quanto aos pedidos formulados nas alíneas A), B) e C), por maioria de razão teria que ser apreciado o pedido formulado na alínea D).

XXXVII – O Tribunal envolve-se em lucubrações erradas e não decide esta questão que bem entendeu.

XXXVIII – O que para além de omissão de pronúncia representa também errónea aplicação da Lei, nos termos expostos.

XXXIX – No que diz respeito à reconvenção, o Tribunal decide a sua procedência, considerando apenas os factos assentes, desconsiderando, mais uma vez, os factos provados por documentos.

XL – Antes de mais, o Tribunal recorrido resolve um contrato de arrendamento que já havia caducado - estava extinto - acto inútil que fere a sentença de nulidade.

XLI – De seguida, o Tribunal faz uma interpretação do contrato de arrendamento e dos documentos camarários completamente errónea.

XLII – E, por fim, sem qualquer prova bastante, condena também a A. no pagamento de rendas, não averiguando, nem decidindo sobre todas as questões a esta matéria atinentes.

XLIII – Sendo certo que, nos termos expostos, a aferição se existia ou não rendas em atraso, particularmente em termos relevantes para justificarem a resolução do contrato, exigiria também a apreciação dos pedidos formulados na ação.

XLIV – Ao não decidir os pedidos formulados pela A. e ao decidir a reconvenção (ignorando-os) e decretando a resolução do contrato, o Tribunal ofendeu o principio da igualdade das partes, considerando o direito de ação a uma das partes e recusando-o à outra, nos termos expostos.

XLV – O Tribunal a quo omitiu também a aplicação das normas excecionais durante o período da pandemia Covid 19.

XLVI - Igualmente o Tribunal a quo ao julgar procedente o pedido indemnizatório formulado pela Ré, ainda que em liquidação de sentença, aplicou erradamente o direito.

XLVII – E, por fim, a decisão recorrida condena a A. a pagar indemnização à Ré a liquidar em execução de sentença respeitante à demolição do mezanino, violando até normas do Direito Administrativo.

XLVIII – De facto, a decisão recorrida condena a A. a pagar uma indemnização pela alteração e destruição do mezanino, sendo certo que o referido elemento construtivo era ilegal e nunca poderia ser reposto por contrariar o projeto camarário do prédio.

XLIX - Para além do que, no caso concreto, o contrato sempre permitia à A. realizar os trabalhos que efetuou no locado, e mesmo que tal não acontecesse poderia fazê-lo ao abrigo das disposições previstas nos artigos 1036 e/ou 1037 do Cod. Civil.

L – A entender-se que a prova dos autos era bastante para resolver a ação e/ou a reconvenção ainda que parcialmente, então a decisão a proferir deveria ser a da procedência da ação e a improcedência, ainda que parcial, da reconvenção.

LI - Violou, assim a sentença recorrida, por erro na aplicação da Lei, diversas disposições legais, nomeadamente as normas dos artigos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 193, 574, em especial seu nº 2, 590, 591, 593, 595, 598, 607, 608 e 615 do CPC, artigos 227, 236, 237, 238, 239, 369, 371, 376, 428, 437, 1036, 1037, 1040, 1069, 1072, 1073 e 1074 do Código Civil e artigos 1, 2, 12, 13, 16 e 20 da CRP, Decretos do Presidente da República nº 14-A/2020 de 18 de Março, nº 17-A/2020 de 4 de Abril, nº 20-A/2020 de 17 de Abril, nº 61-A/2021, nº 6-B/2021, 9-A/2021, nº 11-A/2021, nº 11-A/2021, nº 21-A/2021, nº 25-A/2021, 31-A/2021, 41-A/2021 e 59-A/2020; Resoluções do Conselho de Ministros nº 33-A/2020 de 30 de Abril, nº 38/2020 de 17 de Maio, 45-C/2021 de 30 de Abril, nº 46-C/2021 de 6 de Maio, 51-A/2021 de 11 de Maio e 59-B/2021 de 14 de Maio; Lei 4-C/2020 de 6 de Abril; Decreto nº 2-A/2020 de 20 de Março e Decreto-Lei nº 10-A/2020 de 13 de Março.».

Termina pedindo que seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência:

«A) Deve declarar-se a nulidade da decisão recorrida e de todo o processado, pelo menos a partir do despacho de notificação da Ré para contestar.

Ainda que assim se não entenda

B) Deve sempre revogar-se a decisão recorrida, ordenando-se a baixa do processo para que o Tribunal de 1ª Instância ou indefira liminarmente a petição inicial, dando-se sem efeito todo o seu processado ou, em alternativa ordene o aperfeiçoamento da petição inicial, seguindo o processo os seus ulteriores termos.

Ainda que assim se não entenda

C) Deve sempre revogar-se a decisão recorrida, ordenando-se a remessa dos autos ao tribunal de 1ª Instância para instrução e julgamento, com todas as consequências legais.

Sem prescindir ainda que assim se não entenda

D) Deve ser julgada a ação parcialmente procedente e provada e a reconvenção improcedente, nos termos expostos, com todas as consequências legais.».


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Contra-alegou a Ré/reconvinte, pugnando pela manutenção do decidido.

Em 04/10/2024 o tribunal admite o recurso e profere despacho sobre o incidente de despejo imediato, nos seguintes termos:

Por não ter sido atempadamente paga a taxa de justiça (acrescida de multa) devida pelo incidente de despejo imediato (cfr. despacho subsequente ao saneador sentença e art. 129º/1/3, do CPC), não se admite o incidente de despejo imediato.


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As questões a decidir (neste momento) são:

. inutilidade superveniente parcial de pedidos;

. apreciação da impugnação da matéria de facto assente;

. eventual repercussão na apreciação jurídica da alteração de factos;

. consequência de ininteligibilidade de pedido;

. aplicação do disposto no artigo 1040.º, do C. C. no que respeita a redução de renda por impossibilidade de uso de parte do locado;

. determinação da subsidiariedade de pedido reconvencional de pagamento de indemnização em confronto com pedido principal de restituição de locado.


*

2). Fundamentação.

2.1). De facto.

O tribunal recorrido elencou factos assentes do seguinte modo:

1. Em 27 de Dezembro de 2018, a autora, como segunda outorgante e a ré, como primeira outorgante, subscreveram o documento intitulado “Contrato de Arrendamento Comercial por Tempo Determinado”, junto com a petição inicial que, no que infra não se faça constar, aqui se dá por integralmente reproduzido.

2. Segundo a sua cláusula primeira “1. A Primeira Outorgante é dona e legítima possuidora da fração autónoma designada pela letra “G” correspondente ao n.º ... do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., (…) Porto (doravante abreviadamente designada por Locado)”.

3. Nos termos da sua cláusula segunda “1. Pelo presente instrumento, a Primeira Outorgante dá de arrendamento à Segunda Outorgante, e esta aceita, o Locado.”

4. Segundo a cláusula terceira “1. A Segunda Outorgante está ciente de que o locado se encontra licenciado para “comercio de têxtil – grossista – armazém têxtil” se bem que aquela o pretende afetar à actividade de bar, snack-bar, restaurante ou “grill”, e outras que sejam relacionadas, comprometendo-se a não lhe dar outro uso ou finalidade para além da a que pretende afetar o locado. 2. Compete à Segunda Outorgante e esta obriga-se, a suas expensas e responsabilidade em obter as licenças ou autorizações requeridas ao funcionamento daquelas actividades no Locado.

5. Segundo a cláusula quarta “1. O prazo de duração do contrato de arrendamento é de 5 (cinco) anos, com início em 01/01/2019 e renovável automaticamente por iguais e sucessivos períodos de 1 ano, podendo qualquer uma das partes opor-se à renovação ou denunciar o presente Contrato, nos termos descritos na presente cláusula.”

6. Dispondo a cláusula quinta que “1 A renda mensal é de 4.964,40 € (…) que a Segunda Outorgante pagará em duodécimos mensais, no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que se refere, por transferência bancária permanente e automática para a conta bancária de que a Primeira Outorgante é titular no Banco 1... o IBAN PT50  .... A renda sofrerá os seguintes aumentos anuais de 3% relativamente ao valor pago no ano antecedente, aplicando-se este aumento durante o prazo inicial e respectivas renovações sucessivamente m relação a cada uma delas; tudo e sempre no pressuposto de que a atualização anual da renda se opera de forma automática obrigando-se o inquilino a cumpri-la independentemente de qualquer interpelação da senhoria nesse sentido; tudo e sempre no pressuposto de o coeficiente legal não ser superior a 3%, caso em que aplicará esse coeficiente (…) 5. A falta de pagamento de duas rendas confere ao senhorio o direito a resolver o presente arrendamento, com carácter imediato, através de interpelação enviada à Segunda Outorgante por via postal com AR (…)”

7. Segundo a cláusula sexta “1. Compete à Segunda Outorgante: a) obter todas as licenças, alvarás, ou quaisquer outras autorizações necessárias ao funcionamento da sua actividade; b) obter as competentes licenças e autorizações para realização de obras no Locado bem como na instalação ou aplicação de qualquer meio publicitário para o exercício da respectiva actividade, com autorização previa da senhoria; c) realizar as obras que tiver por convenientes para tornar o Locado apto ao desenvolvimento da actividade definida no n.º 1 da Cláusula Terceira; d) contratar e manter plenamente válida e em vigor, durante a vigência do contrato de arrendamento um seguro multirriscos que cubra, nomeadamente, a responsabilidade civil por danos pessoais ou materiais sofridos, em resultado da sua actividade e da utilização do Locado e que cubra as perdas de exploração, nomeadamente, o pagamento de rendas.

2. A Segunda Outorgante compromete-se a desenvolver a actividade referida no n.º 1 da Cláusula Terceira nos termos e limites legalmente impostos, nomeadamente no que respeite à emissão de odores e ruídos (…)”.

8. Dispõe a cláusula sétima que “1. A Segunda Outorgante é responsável pelo pagamento de todos os custos e encargos decorrentes: a) (…); b) das obras que a Segunda Outorgante deva realizar no Locado; c) das obras de reparação que decorram de uma manifesta má utilização que a Segunda Contraente faça do Locado e eventuais indemnizações que sejam reclamadas pagar (…)”.

9. Segundo a cláusula oitava “1. A Segunda Outorgante conhece o estado de conservação actual do Locado, aceitando-o no estado em que o mesmo se encontra. 2. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a Primeira Outorgante autoriza desde já a Segunda Outorgante a realizar as obras referidas na al. c) do n.º 1 da Cláusula Sexta. 3. A Segunda Outorgante deverá obter prévia autorização da Primeira Outorgante para a realização de obras que impliquem alteração da estrutura do edifício ou do Locado, alteração da estética exterior do edifício, construção de marquises ou alteração da configuração das divisões do Locado, devendo essa autorização revestir a forma escrita. 4. A colocação de meios publicitários ou reclamos autorizados pela primeira outorgante serão preceitos do competente licenciamento camarário, cujo custo é da responsabilidade da segunda contraente. Estes deverão, findo o contrato, ser retirados, sendo responsabilidade da arrendatária a reposição em perfeito estado de conservação os locais em que os mesmos foram afixados”.

10. Nos termos da cláusula nona “1. Todas as obras de beneficiação e benfeitorias realizadas passarão a integrar o Locado e nele permanecerão, findo o Contrato, sem que daí resulte para a Segunda Outorgante qualquer direito de retenção ou indemnização pelas mesmas. 2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, a Segunda Outorgante obriga-se a repor o Locado no estado em que o mesmo foi dado de arrendamento, removendo quaisquer alterações por si realizadas no arrendado, se for essa a vontade da Primeira Outorgante, comunicando essa vontade com a antecedência mínima de 30 dias relativamente ao termo deste Contrato.”

11. Acrescentando a cláusula décima segunda que “1. A Segunda Outorgante compromete-se a manter para o locado os seguros que forem impostos para o efeito bem como a manter um seguro de recheio e multirriscos ativo durante a vigência do contrato. 2. A Segunda Contraente obriga-se a não emitir cheiros, odores, sujidade, ruídos ou barulhos que estorvem os restantes residentes ou ocupantes do prédio (…) 4. A Segunda Contraente terá de restituir o local arrendado devoluto até ao último dia do contrato, em perfeitas condições de funcionamento e estado de conservação, nomeadamente respectiva instalação elétrica, ora existente no arrendado, conservação e limpeza.”.

12. Em 29 de Junho de 2019, por uma comissão de vistoria organizada pela Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal ... foi elaborado o documento intitulado “Auto de Vistoria”, de “Recintos de Espetáculos e Divertimento” referente ao locado para efeitos de emissão de alvará de autorização de utilização, onde se descreve o recinto como “espaço com dança”.

13. Tal documento, junto a estes autos com a petição inicial e que no mais aqui se dá por reproduzido, prestou parecer desfavorável, indicando como motivo “Desconformidade com a licença n.º ..., por existência de um entrepiso e seu acesso, que não consta das peças aprovadas. Obteve parecer desfavorável do B... (faz parte integrante do auto a informação ...). O explorador do estabelecimento ficou advertido que o entrepiso não possui condições de arejamento/ventilação/luminosidade para a permanência de pessoas (utente/funcionários). Pelo que deverá ser solicitada nova vistoria após terem sido efetuadas as devidas correções de forma a dar cumprimento às condições impostas pelos técnicos que integram esta Comissão. Prazo concedido / dias úteis.”.

14. A autora removeu o piso superior do locado (mezanino/entrepiso), realizando obras de remodelação e decoração (pinturas, tetos falsos, espelhos, portas, etc.).

15. A autora construiu um novo mezanino no espaço locado, visando satisfazer os requisitos referidos no documento descrito no ponto 13.

16. A ré não suportou o custo das obras referidas no ponto 14.

17. Antes da subscrição do documento descrito no ponto 1, os representantes da autora visitaram o locado e verificaram se o espaço existente lhes servia para os fins que pretendiam.

18. A 26-08-2019, a Sr.ª BB, em representação da autora, remeteu à ré um e-mail, no qual é anexo o documento descrito no ponto 13, não tendo a ré compreendido que o piso intermédio já tinha sido derrubado.

19. A autora não obteve da ré autorização, nem verbal, nem escrita, para realização de obras de eliminação do piso intermédio.

20. Com a demolição do piso intermédio, a autora obteve licença para desenvolver no locado a actividade de recinto de diversão e recinto destinado a espectáculos de natureza não artística.

21. A autora apresenta-se como Bar/Discoteca.

22. No locado são realizadas festas onde a música é o componente principal.

23. Nessas festas não é possível manter uma conversação devido ao volume a que se encontra a música.

24. Há recurso a amplificadores de som.

25. Os clientes juntam-se no espaço para dançar.

26. Há um disco Jockey colocado num palco.

27. O imóvel é um edifício do início do século XX, com estrutura interior composta quase exclusivamente por madeira, sem isolamento acústico adequado para a actividade de discoteca.

28. A autora comprometeu-se a fazer um isolamento acústico que protegesse os pisos superiores do ruído provocado pela música, mas não o fez ou não o fez de forma adequada.

29. O ruído que emana do locado, a diferentes horas do dia, provoca incómodo nos restantes utilizadores do prédio.

30. A ré, no registo predial, sob a descrição ..., tem inscrição definitiva a seu favor da propriedade da fracção “I”, sita no primeiro andar do prédio referido em 1, destinada a escritórios, que a ré destina a arrendamentos.

31. O ruído que emana do locado provocou queixas dos inquilinos da parte da fracção referida I, arrendada pela autora, que se situa imediatamente por cima do locado.

32. A autora destruiu três telhas do telhado.

33. Em virtude da destruição destas telhas, começou a entrar água no terceiro andar, o que causou diversos estragos.

34. A autora incorporou na fachada do edifício onde se encontra o locado um toldo, sem para tal pedir autorização à ré.

35. Tendo, para o efeito, feito furos na fachada.

36. A autora nunca fez prova à ré da contratualização de um seguro multirrisco.

37. A autora não entregou à ré nenhuma quantia destinada a liquidar a renda vencida no mês de Abril de 2020, correspondente ao arrendamento do mês de Maio de 2020, nem as subsequentes, até à data de apresentação do pedido reconvencional (23 de Fevereiro de 2021).

38. Em 17 de Maio de 2022, a autora transferiu para a conta bancária referida na cláusula quinta do documento descrito no ponto 1 a quantia de €8.137,10, inscrevendo como descritivo da operação “Hora extra renda de maio e junho de 2022”.

39. Em 3 de Junho de 2022, a autora transferiu para a conta bancária referida na cláusula quinta do documento descrito no ponto 1 a quantia de €4.068,55, inscrevendo como descritivo da operação “Renda de Julho de 2022 A...”.

40. Em 28 de Outubro de 2022, por meio de transferência bancária e em numerário, a autora entregou à ré a quantia de €15.000,00, “por conta da quantia reclamada”, conforme consta do auto de arresto (apenso C).

41. A entrega do locado à ré no estado em que se encontrava implica, designadamente, que em tal data se verifique a: a) recolocação de todas as madeiras no estado em que se encontravam na data do início do arrendamento; b) reposição da cor branca nas paredes; c) reconstrução o piso intermédio; d) limpeza do gradeamento exterior.».


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A estes factos acrescenta-se um outro:

42). Em 22/12/2023 a Autora entregou o imóvel, objeto do arrendamento, à Ré, com entrega e recebimento das chaves do mesmo, conforme documento junto em 05/02/2024.


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Este facto tem por base o teor do documento junto em audiência prévia, não merecendo qualquer tipo de discórdia entre as partes que assim sucedeu.

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2.2). Do recurso.

Vamos procurar seguir a ordem das questões suscitadas conforme consta das alegações de recurso.

Mas, como questão prévia, referiremos o seguinte:

Inutilidade superveniente parcial do pedido reconvencional.

É preciso atender que o locado já foi entregue pela Autora à Ré, entrega essa, incluindo naturalmente as chaves do mesmo, definitiva, o que, na nossa visão, fez cessar o contrato de arrendamento em questão por revogação real.

Na verdade, conforme se menciona no Ac. da R. P. de 06/05/2024, processo n.º 9378/20.9T8PRT.P1, www.dgsi.pt, «A cessação do contrato por via da revogação real encontra acolhimento no artigo 1082.º do CCivil. Com efeito, este normativo consagra a revogação do contrato mediante acordo a tanto dirigido, que deve ser celebrado por escrito quando não seja imediatamente executado ou quando contenha cláusulas compensatórias ou outras cláusulas acessórias. É, no entanto, possível celebrar de modo tácito ou implícito um negócio abolitivo ou extintivo do contrato de arrendamento. Na verdade, se ocorre desocupação material do prédio, recebendo-o o senhorio, o contrato resulta revogado por revogação real. A revogação real materializa-se e consuma-se com a entrega das chaves e do arrendado ao senhorio e com o recebimento de tais elementos por banda deste, alcançando assim plena validade e eficácia; o apontado ato tem que ser interpretado e entendido no sentido de que, com ele, as partes quiseram de mútuo acordo, pôr termo, naquele momento, ao contrato de arrendamento.» - também Ac. R. E. de 31/01/2019, processo n.º 14/18.4T8NIS.E1, no mesmo sítio -.

Foi o que sucedeu in casu: as partes acordaram em que a Autora/arrendatária entregasse imóvel locado à senhoria/Ré, tomando esta posse efetiva do mesmo, com o recebimento das chaves. Com esta atuação, as partes fizeram cessar o contrato de arrendamento, em 22/12/2023. E tanto assim é que as partes tiveram o cuidado de mencionar que esta entrega não prejudica as demais pretensões efetuadas pelas partes neste processo, ou seja, as pretensões que, por força da entrega esgotem a sua utilidade, estão prejudicadas mas as outras que, mesmo com a entrega, permaneçam atuais, devem ser apreciadas pelo Tribunal.

No caso, as pretensões que perdem utilidade são:

. o pedido de resolução do contrato e de entrega do locado – se as partes revogaram, por atos, o contrato, deixou de ter qualquer interesse apreciar se há motivo para o resolver pois a finalidade da resolução já foi atingida – regresso do locado à posse do senhorio -:

. o pedido de renegociação do contrato pois se o contrato está findo, não se pode decidir que as partes devem encetar negociações para o alterar já que o objeto dessa renegociação desapareceu;

Estes pedidos serão assim julgados extintos por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, e), do C. P. C..


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A). Prolação de decisão surpresa com a decisão de mérito no despacho saneador.

A recorrente, se bem julgarmos descortinar a totalidade do alcance do que alega, entende que:

. às partes foi comunicada a possibilidade de o tribunal decidir de mérito a ação, não se fazendo menção à reconvenção;

. colocou-se a possibilidade de assim se apreciar a ação mas deu-se a entender que os autos prosseguiriam para apreciação da reconvenção, tendo até sido escrito pelo tribunal que caso a ação venha a prosseguir para conhecimento de algum ou alguns pedidos, às partes será concedida a oportunidade de reclamarem por escrito dos temas de prova que eventualmente venham a ser fixados e de correspondentemente adequarem os seus requerimentos probatórios.

. não se identificou o objeto de litígio nem os temas de prova nem se permitiu a alteração dos meios de prova.

Afigura-se-nos clara a falta de razão da recorrente.

Como consta do relatório que acima se elaborou, o tribunal convocou a realização de audiência prévia «com as finalidades previstas no art. 591º/1/a)/b), do CPC», ou seja, realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º (a) e facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa (b).

Por isso, a menção que é feita no despacho é a que consta do artigo: possibilidade de se conhecer do mérito da causa.

Por outro lado, a referência, já no decurso da audiência prévia, a ter sido dada a palavra aos advogados para se pronunciarem acerca da possibilidade de conhecimento imediato do mérito da ação, além de claramente se poder perceber que se está a referir ao mérito de toda a ação, ou seja ação e reconvenção, modo como geralmente é usada a terminologia ação (e não quando se está a analisar detalhadamente, por exemplo, em sentença, os pedidos formulados na ação e reconvenção), o certo é que, ouvida a gravação da audiência prévia, percebe-se que o que a juíza afirmou foi que os advogados tinham a palavra para se pronunciarem sobre a possibilidade de se decidir de mérito. E os advogados pronunciaram-se (ainda que com alguma celeridade) sobre essa possibilidade, até fazendo o advogado da Autora notar que não se podia decidir de mérito pois importava produzir prova sobre a recolocação do piso intermédio já feita, matéria que se prende com a reconvenção, nomeadamente o pedido em 2) e 4), do pedido reconvencional.

Ou seja, a juíza não só não especificou que os advogados se iriam pronunciar sobre a ação, em sentido estrito, como o próprio advogado da recorrente se opôs à decisão sobre matéria que inclui a reconvenção. Aquela redação da ata (onde se menciona a pronúncia sobre o mérito da ação) peca por uma imprecisão, totalmente compreensível e sem relevo mas, repete-se, às partes foi conferida a total possibilidade de se pronunciarem sobre a possibilidade de o tribunal decidir de mérito sobre toda a causa.

Aliás, tendo sido marcada audiência prévia com essa finalidade e mostrando o historial dos autos que o que era necessário realizar era uma audiência prévia caso se entendesse que se a decidir de mérito, não vemos qual a surpresa por assim se ter efetivamente realizado.

Por fim, naturalmente que não havia que fixar objeto de litígio nem temas de prova, os quais só se fixam quando os autos prosseguem para julgamento – artigo 596.º, n.º 1, do C. P. C. - proferido despacho saneador, quando a ação houver de prosseguir, o juiz profere despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova -.

É lógico que, tendo a audiência prévia sido designada para as partes se poderem pronunciar sobre a apreciação do mérito, foi avisada a cautela do tribunal quando menciona que caso a ação venha a prosseguir para conhecimento de algum ou de alguns pedidos, às partes será concedida a oportunidade de reclamarem por escrito dos temas da prova que eventualmente venham a ser fixados e de correspondentemente adequarem os seus requerimentos probatórios.

Mas tal só teria de suceder se, de algum modo, a ação/causa prosseguisse, o que não foi o caso.

Assim, não existe a prolação de qualquer decisão surpresa, tendo sido observadas todas as regras processuais atinentes à possibilidade da decisão de mérito da causa/ação, inexistindo igualmente qualquer nulidade, processual ou de sentença.

Improcede assim esta arguição.


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B). Do pedido formulado em A) e violação de dever de correção do mesmo por iniciativa do tribunal.

Este pedido tem a seguinte redação:

Julgar-se liquidadas supostas dívidas que a Ré alega que o Autor tem para com ela.

Nestes autos, quer na primeira decisão (de 09/03/2023), entretanto anulada, quer na que está agora em apreciação, foi decidido:

. Este pedido ostenta uma contradição intrínseca. Se as “dívidas” são meramente “supostas” (não as reconhecendo a autora), não só elas não existem, pelo que nenhuma entrega poderia ser qualificada de “liquidação” (ou cumprimento), como também seria incoerente qualquer atuação da autora no sentido de as liquidar (dado que não existem). De todo o modo, o pedido em análise é absolutamente incerto e indeterminado (quase ininteligível), pois a autora nunca identifica os créditos em causa.

Talvez se pudessem vislumbrar no art. 17.º da petição tais “dívidas que a ré alega que a autora tem para com ela”. No entanto, para que possam estas “julgar-se liquidadas”, teria a autora de alegar que… as liquidou, isto é, que pagou estas rendas. Não o fez – dizendo até o contrário.

Nunca o tribunal poderia considerar liquidadas estas rendas – quando muito, poderia, eventualmente, considerar que não são devidas, que é coisa diferente e não pedida. Este pedido é manifestamente infundado. (decisão de 09/03/2023); e

. Acontece exatamente que o pedido de que que se julguem “liquidadas as supostas dívidas que a Ré alega que o Autor tem para com ela”, revela-se contraditório. Se as dividas são supostas, quer-se dizer que as mesmas não existem. E se não existem, não se vê como se possam ter como liquidadas. Mesma que se atribuísse o dito supostas a uma redação mais infeliz (com tal vocábulo se pretendendo antes significar que tais dívidas já não subsistem), a verdade é que ainda assim tal pedido se revela de tal forma genérico que impede o tribunal de apreender qual a concreta pretensão da autora. Não subsistindo dúvidas sobre a sua ininteligibilidade. E, como se escreve no Ac. da RL de 13-02-2019 (disponível em www.dgsi.pt) a formulação de pedidos genéricos “(que colocam o Tribunal na impossibilidade de decretar qualquer tipo de providência concreta e exequível) é ilegal e determina o indeferimento liminar ou por ineptidão da petição inicial, nos casos em que é subsumível à figura da ininteligibilidade do pedido nos termos do art.º 186º nº 1 e 2 do CPC de 2013, ou por verificação de exceção dilatória atípica insuprível decorrente do pedido genérico fora das situações previstas na lei, determinando a absolvição do réu da instância ou indeferimento liminar consoante os casos (nos termos do disposto no art. 590º e 577º CPC).”

Assim, quanto a este pedido tem que ser a ré absolvida da instância. (decisão sob recurso, de 21/04/2024).

Concordamos com esta última análise. O pedido em causa é efetuado de modo tão vago que não permite que se consiga retirar qualquer juízo – que dívidas são aquelas que a Ré alega de que a Autora é devedora e como concluir que estão liquidadas se nunca são identificadas ou concretizadas no tempo e no seu objeto.

Qualquer decisão que fosse proferida sobre tal pedido, mormente o de procedência, nunca poderia vir a ter a força de caso julgado pois não tinha matéria que se pudesse considerar definitivamente discutida entre as partes.

Mesmo que se pudesse perspetivar que se estaria na presença de um pedido integrador de uma ação de simples apreciação negativa (pedido de que se declare de que a Autora nada deve à Ré – artigo 10.º, n.º 3, a), do C. P. C.: obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto), sempre a Ré estaria impossibilitada de alegar que a Autora era efetivamente sua devedora pois não teria qualquer elemento factual para poder argumentar e sustentar a prova do seu crédito (e, na contestação, não há qualquer alegação que permita concluir que a mesma Ré tinha compreendido o pedido).

Daí que, efetivamente, pelo que o tribunal recorrido afirmou, o pedido, vago e totalmente não concretizado, é igualmente ininteligível, seja pelo seu teor, seja pelo conjunto dos factos alegados na petição inicial de onde não se consegue extrair afinal que afirmações são essas que a Ré tem produzido.

Assim, sendo ininteligível, a consequência inelutável é a da absolvição da Ré da respetiva instância; e, não sendo um vício que se possa suprir pois a falta de clareza do pedido inquina-o definitivamente, a petição inicial é parcialmente inepta (quanto a este pedido), nos termos do artigo 186.º, n.º 2, a), do C. P. C. (quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir).

Em caso de ineptidão da petição inicial, não há lugar a convite ao aperfeiçoamento, nos termos do artigo 590.º, n.º 1, do C. P. C.: Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º.-.[1]

Se a exceção dilatória é insuprível como é o caso, a petição inicial, se tivesse sido apresentada ao juiz para despacho, teria de ser indeferida liminarmente. No caso, como o processo não foi apresentado ao juiz (nem tinha de o ser pois a citação é oficiosa e não vemos que a secção tivesse de percecionar que o pedido em causa não cumpria os requisitos legais), a sanção tinha de ser aplicada no despacho saneador – absolvição de instância, conforme artigo 278.º, n.º 1, b), C. P. C., anulando, no caso apenas parte do processo atenta a nulidade parcial da petição inicial -.

E a circunstância dessa consequência ser atingida no despacho saneador não acarreta qualquer prejuízo para a Autora que, confrontada com a mesma, poderá recorrer, como aliás fez e como poderia fazer se a petição fosse liminarmente indeferida nessa parte.

Prejuízo poderia existir se o tribunal tivesse incumprido o dever convidar a aperfeiçoar esse pedido mas, como já vimos, no caso, tal não é legalmente permitido, não se vislumbrando havendo a mínima violação do princípio constitucional da igualdade previsto no artigo 13.º, da C. R. P. que a recorrente não alega minimamente em que poderia consistir – que direito não lhe foi conferido que foi à outra parte ou a qualquer outra parte que se encontrasse nas mesmas condições da Autora -. Não se explicita nem verificamos que ocorra tal violação.

Deste modo, improcede esta argumentação.


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C). Da nulidade de sentença por falta de fundamentação.

Como se alcança do teor da decisão recorrida, a mesma está fundamentada factualmente, com a menção do motivo por que os factos foram considerados assentes, motivando essa opção em relação a todos os mesmos factos.

Sabendo-se que só a total falta de fundamentação dá azo à nulidade de sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, b), do C. P. C., conclui-se assim que não ocorre a apontada nulidade.


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D). Factos que não poderiam ser dados como assentes.

Facto 17.

Antes da subscrição do documento descrito no ponto 1, os representantes da autora visitaram o locado e verificaram se o espaço existente lhes servia para os fins que pretendiam.

A recorrente entende que o facto não pode ser considerado assente pois foi impugnado na sua réplica, estando sujeito a prova.

Na presente ação, em termos muito sucintos, o que acaba por sustentar a pretensão da Autora é a circunstância de lhe ter sido arrendado pela Ré um espaço com alegadamente 180 m2 mas que se vem a verificar que só tem 130 m2 já que um piso superior era ilegal e teve de ser (por si) demolido. Daí, a Autora retira que tem de existir uma renegociação do contrato de arrendamento, com restituição do valor em excesso que pagou pelo arrendamento de 180 m2.

Alegada essa desconformidade, a Ré menciona na contestação que esse piso superior/intermédio não era ilegal e que não faz sentido vir agora a Autora alegar uma desconformidade de área, referente a esse piso quando foi ela, Autora, quem o demoliu. E, previamente àquela alegação, menciona, no artigo 6.º, que antes da celebração desse contrato, os representantes da Autora visitaram o locado, inspecionaram-no, verificaram livremente se lhes servia para os fins que pretendiam, que acaba por resultar no facto assente 17.

A Autora, na réplica que foi admitida nestes autos em 04/05/2021 (terá apresentado uma posterior mas que, por decisão transitada em julgado, após recurso para este Tribunal da Relação, não foi admitida), sobre aquele artigo 6.º nada diz; mas refere no artigo 5.º que o primeiro artigo que iria refutar era o artigo 8.º, da contestação. Ora, este artigo 8.º, da contestação tem a seguinte redação:

Antes da celebração desse contrato, os representantes da Autora visitaram o locado, inspecionaram-no, verificaram livremente se lhes servia para os fins que pretendiam (6.º);

Concluíram que sim e assumiram a livremente a posição de arrendatários (7.º)

8.º). Conhecendo plenamente, repete-se, o locado e sem que posteriormente tivesse sido detetado qualquer vício não aparente que não pudessem ter previamente verificado.

Este artigo 8.º, surge obviamente, em termos numéricos, na sequência dos artigos 6.º e 7.º mas também surge na sequência do alegado conhecimento das características do imóvel alegada no artigo 6.º, que dá origem ao facto assente 17; ora, se surge na sequência lógica de explanação de factos, até tendo a Ré tido o cuidado de afirmar, no artigo 8.º, que estava a repetir o que já tinha antes referido, quando a Autora impugna esse facto alegadamente novo (a Autora sabia das características do imóvel) vertido no artigo 8.º, da contestação, também impugna o facto constante do artigo 6.º, da contestação.

Tanto assim é que depois nos artigos 6.º a 8.º, da réplica, a Autora expressamente declara que é falso esse seu alegado conhecimento. Ora, na perspetiva da Ré, facto essencial seria aferir se a Autora conhecia as características do imóvel tal como ela própria, Autora, alega agora que o imóvel possui (ou seja, se já conhecia que o imóvel afinal não poderia ter a área que lhe indicaram por aqueles 50 m2 serem ilegais).

Mas, prosseguindo nesta análise, temos opinião diversa. O que para nós se retira, face ao alegado pela Autora e ao impugnado pela Ré, é que não é relevante saber se a Autora visitou o imóvel para ver se lhe convinha para as suas necessidades. Na verdade, essa alegada desconformidade não resulta de um erro de medição ou de uma informação prestada pela Ré no sentido de o imóvel ter 180 m2 e afinal não ter, mas antes da pressuposição de que o imóvel, por não poder ter em si construído um piso intermédio (alegadamente ilegal), acaba por ter menos cerca de 50 m2.

Não é alegado nos articulados que a Ré prestou informação falsa sobre a área do imóvel nem que o a Autora viu afinal não era possível de visionar; o que se alega é que o se que viu não podia ser utilizado face à suposta ilegalidade do piso superior.

Deste modo, o que importa decidir é se o imóvel que foi arrendado afinal não tem a área que a Autora considera necessária por uma parte ser ilegal e não se se se visitou o imóvel ou se podia ter visto o piso superior.

Por isso, o facto 17, não sendo sequer facto instrumental do que é essencial nestes autos, não tem de constar da factualidade assente, motivo pelo qual se elimina o mesmo.


*

A partir deste facto, confessamos a extrema dificuldade em descortinar quais os motivos em concreto que levaram a recorrente a pugnar pela alteração de factos. Na verdade, ultrapassando a fase das alegações em que se mencionam em que há factos que não só deveriam ser dados assentes, como foram, como ainda serviriam para alterar a decisão de direito, o que se reveste de alguma clareza é quando se menciona que:

. «Mas, no que aqui agora importa, o certo é que os factos levados aos pontos 17, 18, 19, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 31 dos factos assentes, jamais o poderiam ser neste enquadramento, pelo menos sem mais adequada produção de prova.

Como referido, a A. impugnou “genericamente” todos os factos alegados pela Ré na contestação (veja-se sem margem para dúvida o alegado no artº 3º da réplica da A.).

E, de alguma maneira, tais factos foram impugnados nos artigos 71, 72, 73, 74, 75, 81, 82, 83, 84 e 85 da réplica.

Acresce ainda que o facto dado como assente no ponto 15, ainda que pudesse ser dado como assente, não podia ser relevante para a decisão da causa, porquanto o contrato, salvo melhor opinião, não estabelece uma única utilização especifica para o locado arrendado. (…).

Entende pois a A., com os fundamentos atrás deduzidos, que, em qualquer caso, não deveriam – não podem - ter sido dados como assentes igualmente os pontos 17, 18, 19, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37 e 41 da sentença recorrida

Afigura-se-nos que a única alegação compreensível e que pode ser aceite para apreciação é a que redunda em se mencionar que há factos que não podiam ser dados como assentes (provados, de acordo com a decisão sob recurso e não «não controvertidos» que foi a nomenclatura atribuída pelo primeiro despacho-saneador, entretanto anulado) por estarem impugnados pela recorrente.

Ora, entrando, sem demora, na análise desta questão, não é correto afirmar que a Autora impugnou, sem margem para dúvida, os factos conforme artigo 3.º, da réplica. Na realidade, este artigo tem a seguinte redação:

1 - Conforme referido anteriormente nas peças processuais componentes do presente processo, a Ré é dona e legitima proprietária da fração identificada no artigo 1º da Petição Inicial (PI), doravante designado por Locado.

2 - O Autor e a Ré celebraram em 27/12/2018 um contrato de arrendamento que versa sobre o locado supra referido, o qual teve início a 01/01/2019.

3 - Porém estes são os únicos factos que a Ré aceita/corrobora, os restantes rejeita por completo e alega inclusive que o alegado pelo Autor não passa de uma estratégia para fugir às responsabilidades assumidas no contrato de arrendamento.

Ou seja, a Autora, nestes artigos, em especial no 3.º, não está a impugnar todos os factos alegados pela Ré; está a mencionar que a Ré impugna todos os factos que ela, Autora, alegou, com exceção da propriedade do imóvel e da celebração do contrato de arrendamento.

Assim, nada mais há a referir sobre esta pretensa mas inexistente impugnação.

No mais, como referimos, temos dificuldade em encontrar um motivo concreto para que, um determinado facto assente, não possa ser assim considerado. Não se deteta porque entende que os vinte e um factos assentes devem ser considerados controvertidos pois, afastada a impugnação genérica do artigo 3.º da réplica, temos que refere que os factos estão, de alguma maneira, impugnados em vários artigos da réplica. Fica-se com a dúvida sobre que maneira será essa que a recorrente não cuidou de identificar: por impugnação direta, motivada, indireta, imotivada, em bloco ou por facto isolado.

Daí que, sem a recorrente indicar o motivo concreto relativo a cada facto que pretende que seja dado como controvertido, temos que a mesma, em rigor, não cumpriu o disposto no artigo 640.º, n.º 2, a), do C. P. C., adaptado a este caso em que se analisa se um facto foi corretamente dado como assente em saneador-sentença: têm de se indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida ou, no caso concreto, teria de indicar em relação a cada facto o motivo por que entende que o mesmo deve ser alterado.

Se estivéssemos perante poucos factos, até se poderia, eventualmente, facilmente entender que o que estava em causa era que a recorrente tinha negado expressamente o que a Ré alegou ou que impugnava por desconhecimento; mas estão em causa vinte e um factos, sem se indicar em relação a qualquer um o motivo porque devem ser considerados controvertidos, remetendo-se para dez artigos da réplica, deixando ao trabalho de tribunal de recurso e recorrida o encargo de descortinar qual possa ser, com o risco de não ser esse o motivo que afinal se queria alegar, a existir.

Porém, caso se consiga detetar que algum facto não podia ser dado como assente face ao que é alegado pelas partes, sendo essa desconformidade de conhecimento oficioso, teria de ocorrer tal alteração por força do disposto no artigo 607.º, n.º 5, ex vi artigo 663.º, n.º 2, do C. P. C. -.

Assim:

. facto 18 da sentença – está em causa o envio de um mail que não é colocado em causa e também a circunstância de a Ré não ter compreendido, aquando do recebimento dessa comunicação, que já tinha havido o derrube do piso intermédio. Também esta última parte do facto não tem qualquer tipo de impugnação na réplica nem se pode considerar que esteja antecipadamente impugnada na petição inicial;

. facto 19 da sentença - A autora não obteve da ré autorização, nem verbal, nem escrita, para realização de obras de eliminação do piso intermédio. Esta matéria foi alegada no artigo 58.º, da contestação mas, na réplica, a impugnação da Autora não é no sentido de que houve autorização mas sim que era urgente a realização de tal demolição e que estava legalmente autorizado a fazê-la; não há que alterar o facto.

. factos 21 a 28 da sentença – está em causa o uso concreto (e não o que está clausulado) dado pela Autora ao locado, as características desse imóvel e obras de impermeabilização acústica que a Autora ou não fez ou não realizou de modo adequado. Sobre tais factos, não é apresentada qualquer impugnação, na réplica, de onde de possa retirar que os factos não podem ser dados como assentes;

. factos 29 a 31 da sentença – pelo ruído provocado pela Autora no locado, a Ré não pode arrendar uma fração situada no andar superior que lhe pertence.

A questão da propriedade dessa outra fração («I») – facto 30 - não é questionada pelas partes.

Na réplica, a Autora/recorrente, nos artigos 71.º a 75.º, reporta-se ao que ocorre nas ruas do Porto e que há barulho produzido nas mesmas e interroga-se no que é que garante à Ré que o ruído não advém dessas artérias. E nos artigos 81.º a 85.º, da mesma réplica, a Autora questiona se a Ré terá algum interesse em arrendar tal parte da fração.

Ou seja, os factos 29 e 31 da sentença estão, na nossa opinião, efetivamente impugnados pois se a Autora questiona como pode a Ré saber se o ruído vem do seu locado e se a mesma tem interesse em arrendar o imóvel situado acima do locado, não aceita que:

29). O ruído que emana do locado, a diferentes horas do dia, provoca incómodo nos restantes utilizadores do prédio.

31). O ruído que emana do locado provocou queixas dos inquilinos da parte da fração referida I, arrendada pela autora, que se situa imediatamente por cima do locado.

Assim, eliminam-se estes factos da sentença por estarem controvertidos.


*

Os factos 32) a 37) da sentença também não estão impugnados pois:

. 32) a 35) reportam-se a danos no imóvel e obras, nunca impugnadas na réplica;

. 36) refere-se a falta de celebração de seguro pela Autora, algo que a mesma também não impugna na réplica;

. 37) respeita à falta de pagamento de rendas (vencida em abril de 2020, correspondente ao arrendamento de maio, nem as subsequentes, até à data de apresentação do pedido reconvencional (23/02/2021). E também aqui a Autora não impugna esta alegação, mormente alegando que tais rendas estariam pagas, total ou parcialmente;

. 41) da sentença, com o seguinte teor: A entrega do locado à ré no estado em que se encontrava implica, designadamente, que em tal data se verifique a: a) recolocação de todas as madeiras no estado em que se encontravam na data do início do arrendamento; b) reposição da cor branca nas paredes; c) reconstrução do piso intermédio; d) limpeza do gradeamento exterior.

Aqui descreve-se, parcialmente, o estado em que a Autora terá recebido o imóvel dado de arrendamento - tinha madeiras, cor branca nas paredes -.

Mas este facto não pode ser dado como assente pois está a antecipar-se em que consiste o cumprimento da eventual obrigação do arrendatário em restituir o imóvel, algo que só pode concluir-se com uma análise jurídica – que tipo de utilização houve, o que prevê o contrato e o estado atual do imóvel - para, com este conjunto de factos, se poder concluir se, havendo tal obrigação de restituição, como deve ser cumprida.

Assim, por ser um facto jurídico, elimina-se também dos factos assentes este ponto 41.

Deste modo, para além destas alterações, improcede a parte restante do pedido de alteração da matéria de facto.


*

Do direito.

A). Dos pedidos formulados pela Autora/recorrente.

A1). Julgarem-se liquidadas supostas dívidas que a Ré alega que o Autor tem para com ela.

Já nos pronunciamos sobre este pedido da qual a Ré foi absolvida da instância.


*

A2). Promover a renegociação do contrato de arrendamento comercial por tempo determinado.

Já foi declarada a inutilidade superveniente da instância deste pedido.


*

A3). Pedido de restituição do valor correspondente a 1400 EUR de acréscimo que o Autor tem vindo a pagar indevidamente todos os meses, a multiplicar pelo período de tempo que já passou desde o início do contrato, que foram 22 meses, a que corresponde em termos rendas pagas a 26 rendas (rendas e caução), no valor de 35 000 EUR.

A Autora/recorrente sustenta que, como o imóvel teve de ficar destituído de uma sua parte (cerca de 50 m2), a renda deve ser reduzida.

E, como se menciona na decisão recorrida, bem como na anterior decisão entretanto anulada, a Autora sustenta esse pedido no instituto do enriquecimento sem causa, conforme artigo 473.º e seguintes, do C. C.. Sucede que, como bem se menciona na decisão sob recurso, não se poderia enquadrar tal situação em tal instituto pois haveria sempre uma causa para a Autora pagar uma renda: o gozo que lhe foi atribuído através da celebração do contrato de arrendamento.

No entanto, na nossa visão, pensamos que a Autora pretendeu usar da faculdade prevista no artigo 1040.º, do C. C. como veio mencionar, em sede de alegações de recurso. A Autora alega que a renda deve ser reduzida proporcionalmente em virtude de o locado ter sofrido uma redução de área; ora aquele artigo 1040.º, do C. C. dispõe que:

1. Se, por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta, sem prejuízo do disposto na secção anterior.

2. Mas, se a privação ou diminuição não for imputável ao locador nem aos seus familiares, a redução só terá lugar no caso de uma ou outra exceder um sexto da duração do contrato.

Numa situação em que o senhorio tem de proporcionar o gozo do locado ao arrendatário (artigo 1031.º, b), do C. C.), se afinal o arrendatário não consegue gozar a totalidade do imóvel objeto do contrato, pode este suscitar a redução da renda. Vem sendo definida esta possibilidade como uma situação especial de exceção de não cumprimento (Ac. R. L. de 24/09/2024, processo n.º 6150/23.8T8SNT-A.L1-7, www.dgsi.pt., com menção de doutrina e jurisprudência).

Se a aplicação deste artigo costuma ser quando existem condições físicas do imóvel que impedem o gozo do locado, muitas vezes referentes a falta de realização de obras, no caso, alega-se que por força da necessária demolição de parte do locado, a arrendatária/Autora deixou de poder usufruir essa mesma parte do imóvel, o que, potencialmente, poderia fazer com que se operasse uma redução de renda.

Sucede que foi a Autora quem deu causa a essa redução de área do locado ao demolir o identificado piso intermédio – facto provado 14 -, alegadamente por ter de o fazer já que se trataria de uma obra ilegal.

Ora, nem consta provado dos autos que a obra seja ilegal nem resulta que a Autora/recorrente, enquanto arrendatária, pudesse ela própria proceder à demolição parcial do locado.

No que respeita à ilegalidade da obra, o que se tem nos autos é que:

«12. Em 29 de Junho de 2019, por uma comissão de vistoria organizada pela Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal ... foi elaborado o documento intitulado “Auto de Vistoria”, de “Recintos de Espetáculos e Divertimento” referente ao locado para efeitos de emissão de alvará de autorização de utilização, onde se descreve o recinto como “espaço com dança”.

13. Tal documento, junto a estes autos com a petição inicial e que no mais aqui se dá por reproduzido, prestou parecer desfavorável, indicando como motivo “Desconformidade com a licença n.º ..., por existência de um entrepiso e seu acesso, que não consta das peças aprovadas. Obteve parecer desfavorável do B... (faz parte integrante do auto a informação ...). O explorador do estabelecimento ficou advertido que o entrepiso não possui condições de arejamento/ventilação/luminosidade para a permanência de pessoas (utente/funcionários). Pelo que deverá ser solicitada nova vistoria após terem sido efetuadas as devidas correções de forma a dar cumprimento às condições impostas pelos técnicos que integram esta Comissão. Prazo concedido/dias úteis.”

Em momento algum se menciona que o imóvel não pode conter um entrepiso; o que se menciona é que o mesmo não tem condições para ser usado pela arrendatária para aí permanecerem pessoas. Ou seja, essa parte do imóvel constituía assim um entrave à exploração do estabelecimento tal como pretendido pela arrendatária mas nunca (pelo menos nos autos) se menciona que teria de ocorrer uma demolição desse entrepiso.

A arrendatária, confrontada com essa impossibilidade de uso, teria de buscar ou na reconfiguração do estabelecimento ou na eventual resolução contratual ou outra figura jurídica relacionada com a subsistência do contrato de arrendamento para sustentar a conclusão de que, afinal, não pode usar o locado para o fim que pretendia (artigo 1035.º, do C. C., por exemplo, como se menciona na decisão recorrida).

Não o fez, nem sequer alegando (como acima referimos) que não se apercebeu do que viu ou que o vício estava escondido de si mas antes optou por demolir o entrave à exploração do estabelecimento no modo por si pretendido.

Não se estando perante uma situação provada de urgência, a arrendatária não podia proceder a tal obra, conforme artigo 1032.º, do C. C.:

«1 Se o locador estiver em mora quanto à obrigação de fazer reparações ou outras despesas, e umas ou outras, pela sua urgência, se não compadecerem com as delongas do procedimento judicial, tem o locatário a possibilidade de fazê-las extrajudicialmente, com direito ao seu reembolso.

2. Quando a urgência não consinta qualquer dilação, o locatário pode fazer as reparações ou despesas, também com direito a reembolso, independentemente de mora do locador, contanto que o avise ao mesmo tempo.».

No caso, repete-se, inexiste qualquer indício, e menos ainda prova, de uma situação de urgência; daí que a eventual falta de uso do entrepiso do locado deve-se exclusivamente à arrendatária/Autora, através de uma atuação sem sustento legal, não podendo assim beneficiar da proteção conferida pelo artigo 1040.º, do C. C..

Assim, confirma-se também esta parte do decidido ao julgar improcedente o pedido, ainda que por uma justificação diversa.


*

A4). Indemnização pelo facto de o Autor ter tido de realizar obras de remodelação e decoração no piso superior que foi retirado por imposição da Câmara Municipal ..., bem como a demolição do referido piso, e a reestruturação do piso inferior sem o superior, valor esse a determinar pelo Tribunal, com todas as devidas e legais consequências.

Pelo que já referimos, este pedido deve improceder pois, desde logo, em momento algum se demonstra que a recorrente tivesse tido de realizar obras por imposição da edilidade municipal e muito menos que o tivesse de fazer em substituição da senhoria que estaria relapsa no incumprimento do dever de as realizar. A recorrente arrendou um espaço em que depois, do que se percebe, a indicada edilidade informou-a de que teria de ocorrer uma alteração/correção no que respeita ao entrepiso, com nova vistoria.

E, como já dissemos e resulta da sentença, não foi imposta à Autora/recorrente a realização de tais obras; por outro lado, não resulta que a senhoria estivesse contratualmente obrigada a realizar obras de adaptação para a exploração do espaço. Na verdade, nos termos da cláusula 6.ª, 1 c), do contrato de arrendamento, tais obras eram da competência da arrendatária (que assim as podia efetuar, ainda que sujeita a realização das obras a determinado condicionalismo, como infra se analisará), pelo que não se pode assacar à senhoria/Ré o incumprimento contratual quanto a esta parte (e seria contratual a eventual responsabilidade pois estaria em causa uma eventual violação de deveres que resultariam da celebração do contrato de arrendamento).

Não havendo a violação de qualquer dever contratual pela senhoria/Ré, não pode haver lugar ao pagamento de indemnização, pelo que se conclui pela improcedência deste pedido, confirmando-se o decidido.


*

B). Dos pedidos reconvencionais.

B1). Pagamento de rendas (analisa-se já este pedido por se nos afigurar ser o que tem lógica apreciar depois de se concluir que o contrato de arrendamento está findo, ordem que é a que consta do dispositivo da sentença recorrida).

A Autora/reconvinda foi condenada a pagar à Ré/reconvinte a quantia de 29 501,18 EUR, acrescidas do valor mensal das rendas vencidas e vincendas desde a data da apresentação da reconvenção e até entrega do locado.

Estão em causa as rendas vencidas em abril de 2020 (correspondente a maio de 2020), e as rendas subsequentes, até à data de apresentação do pedido reconvencional (23/02/2021) e ainda as que se vencerem até entrega do locado.

Esta entrega ocorreu em 22/12/2023, pelo que as rendas a pagar, sendo caso disso, são as vencidas até esse momento.

A recorrente questiona a obrigação de pagar, mencionando que:

a). não se apreciou o pedido de redução de renda e a compensação dos valores pagos a mais em eventuais rendas não pagas.

Ora, o pedido de redução de renda foi julgado improcedente na 1.ª instância e também nesta decisão de recurso se julgou improcedente o mesmo, ainda que por fundamentação jurídica diversa.

Assim, não havia, e não há, obstáculo a apreciar o pedido de pagamento de rendas por tal alegada falta de apreciação.

b). necessidade de produção de prova sobre a execução do contrato.

Também já aferimos que não tem de haver lugar a produção de prova atentos os factos que resultam assentes, sem necessidade da mesma produção.

c). não considera, em determinados períodos, a exceção da Pandemia Covil 19 –.

A sentença, nesta parte, não analisa a influência da legislação aprovada em tempos da referida pandemia. Mas, na verdade, pensamos que não o tinha de fazer.

Existindo de facto um regime de pagamento de rendas diferido no tempo que beneficia o arrendatário não habitacional (como é o caso) por força da indicada pandemia, o certo é que a reconvinda não pagou na totalidade as mencionadas rendas, nem na altura contratualmente estabelecida, nem posteriormente, mesmo com eventual possibilidade de pagamento diferido (até 31/12/2022, nas rendas vencidas até 31/12/2020, conforme artigo 8.º, n.º 2, a) e b), da Lei 4-C/2020, de 06/04, redação da Lei 45/20, de 20/08).[2]

Assim, não havia que aplicar tal regime, pelo que a sentença não tinha de o referir.

A recorrente não alega qualquer questão sobre a falta de pagamento das rendas não poder dar origem à sua condenação nem se deteta qual possa ser e muito menos que seja necessário produzir prova sobre essa mesma questão da vigência de leis em tempos de pandemia. Também não coloca qualquer óbice ao valor das rendas que o tribunal recorrido encontrou pelo que se confirma assim o decidido.

*

B2). Condenar a Autora/reconvinda a indemnizar a Ré/reconvinte pela destruição do mezanino/piso intermédio do locado, no valor total a liquidar em incidente pós-decisório.

Este pedido é formulado, nestes termos, no competente petitório da reconvenção – a reconvinda terá de indemnizar a reconvinte pela destruição daquele entrepiso -; no entanto, se se ler a reconvenção, entende-se que o mesmo pedido é efetuado de forma subsidiária a um outro. Na verdade, a reconvinte elabora o seu raciocínio do seguinte modo:

. requer-se a resolução do contrato de arrendamento e, em consequência, se condene a Autora a entregar o Locado à Ré, livre e devoluto de pessoas e bens e no estado em que o mesmo lhe foi entregue (artigo 176.º);

. a entrega do locado no mesmo estado implica a obrigação de, designadamente de reconstruir o piso intermédio (artigo 177.º);

. ao demolir o piso, a Autora atuou em violação do contrato de arrendamento, consciente de que este ato era ilegal e abusivo, e provocando um dano à Ré;

. caso se entenda que não é possível a reconstrução do piso, o que não se aceita, deverá a Autora indemnizar a Ré pelos prejuízos causados que se cifram em € 288.734,44 (artigo 182).

Temos assim que a reconvinte pretende a entrega do locado (já obtida) no estado em que se encontrava quando foi entregue à arrendatária, mencionando até como deve ser efetuada a reconstrução daquele piso e, só para o caso dessa reconstrução não ser possível, é que pede a condenação na referida indemnização.

Este pedido de condenação da reconvinda no pagamento de uma indemnização é assim um pedido subsidiário (artigo 554.º, n.º 1, do C. P. C.), só a ser atendido no caso de improceder o principal, no caso, entrega do locado com reconstrução do piso intermédio (no estado em que se encontrava quando foi entregue à Autora).

Se é certo que o locado já foi entregue, também o é que, do que resulta dos autos, tal entrega foi efetuada ainda com a remoção do piso superior do locado (mezanino/entrepiso) e com a construção de um novo mezanino no espaço, de modo a satisfazer os requisitos impostos pela Câmara Municipal ..., o que a reconvinda terá conseguido já que obteve licença para desenvolver no locado a atividade de recinto de diversão e recinto destinado a espetáculos de natureza não artística (factos assentes 14, 15 e 20).

Importa assim, em primeiro lugar, apreciar se o locado tem de ser entregue à senhoria/reconvinte com a construção do antigo piso intermédio.

O contrato em causa foi celebrado com a finalidade de bar, snack-bar, restaurante ou grill (cl. 3.ª, n.º 1, do contrato de arrendamento), sendo que o imóvel tinha como finalidade de origem (antes da celebração deste contrato de arrendamento dos autos) comércio de têxtil. E daí que, certamente porque eram necessárias obras de adaptação do imóvel para que a arrendatária conseguisse aí exercer a atividade comercial que pretendia, ficou acordado que seriam a cargo da mesma arrendatária a realização de todas as obras convenientes para tornar o locado apto ao desenvolvimento dessa atividade – cl. 6.ª, n.º 1, c), do mesmo contrato -.

Na cl. 8.ª, n.º 2, a senhoria declara autorizar a arrendatária a realizar as obras referidas na citada cl. 6.ª, n.º 1, c) – as convenientes para tornar o locado apto ao desenvolvimento daquela atividade -, sem prejuízo do disposto no nº. seguinte; neste – n.º 3 -, menciona-se que a arrendatária se obriga a obter prévia autorização, por escrito, para realização de obras que impliquem, entre outras, alteração das divisões do locado.

A eliminação de um entrepiso/piso intermédio, é uma alteração de divisões do locado, a que acresce a construção de uma divisão diferente em sua substituição.

Daí que, a obra em causa, apesar de eventualmente se poder considerar como conveniente para a arrendatária poder exercer a sua atividade, necessitava de um consentimento prévio escrito da senhoria.

E, por fim, na cl. 9.ª, n.º 2, a arrendatária, findo o contrato, obrigava-se a repor o locado no estado em que se encontrava antes do arrendamento se essa fosse a vontade da senhoria, com a comunicação dessa vontade em 30 dias antes do termo do contrato (o que acaba por fazer ao deduzir reconvenção com esse pedido, com o contrato ainda vigente).

Temos então que a reconvinda realizou obras que até podem ser consideradas de adaptação do locado para o exercício da sua atividade mas que, apesar disso, necessitavam de ser autorizadas por escrito pela senhoria; essa autorização não resulta provada (antes pelo contrário, está demonstrado que não a obteve – facto assente 19 -), o que competia à reconvinda demonstrar – artigo 342.º, n.º 2, do C. C. -.

Assim, a obrigação de restituição que resulta, em termos gerais do artigo 1043.º, n.º 1, do C. C. - na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato – no caso concreto acaba por resultar também na obrigação de restituição no estado em que se encontrava o locado quando foi entregue, a saber, com o entrepiso original já que a possibilidade de tal não suceder não foi preenchida.

Ora, se existe esta obrigação de entrega do locado com o entrepiso original (quanto às outras obras/danos, infra nos pronunciaremos), o que sucede é que procede este pedido de condenação da reconvinda a entregar o locado no estado em que se encontrava, com esse piso (naturalmente a ter de ser reconstruído), pelo que, procedendo o pedido principal, não há que apreciar o pedido subsidiário.

Por isso, na nossa opinião, tem de ser alterada a decisão que condena a reconvinda a pagar a pedida indemnização para o caso de não ser possível a reconstrução do piso; esta eventual impossibilidade terá de ser eventualmente suscitada em sede de execução de sentença, nos termos dos artigos 710.º, 868.º, n.º 1 a 870.º, do C. P. C.; ou seja, a reconvinte, na execução da sentença, que pode cumular, por exemplo, com o pedido de pagamento de rendas e a obrigação de reconstrução do piso intermédio como originalmente configurado e construído, pode pedir a indemnização pelo dano sofrido com a não realização da obra e a prestação do facto por outra pessoa, passando a execução a servir de meio para pagar essa indemnização e custos com a prestação de facto.

Mas aqui, em sede declarativa, sendo possível e exigível a entrega do locado no estado em que se encontrava quando foi entregue à arrendatária, apenas há que condenar a reconvinda a cumprir essa obrigação.

Procede assim, parcialmente, o recurso no sentido de não ser a reconvinda condenada no pagamento da indemnização em causa.


*

Por último, verifica-se ainda que a reconvinda/arrendatária:

. destruiu três telhas do telhado (facto 32), tendo, em virtude dessa destruição, começado a entrar água no terceiro andar, o que causou diversos estragos (facto 33);

. incorporou na fachada do edifício onde se encontra o locado um toldo, fazendo furos na fachada, sem pedir autorização à Ré (factos 34 e 35).

Aqui temos, por um lado, a realização de obras no exterior do locado o que também necessitava de autorização escrita da senhoria – cl. 8.ª, n.º 3 – alteração da estética exterior do edifício e, por outro, a danificação de bens do locado (telhas) sem que se detete o motivo, dano esse que não se pode assim enquadrar numa utilização prudente do locado (tanto assim é que não só se danificaram as telhas como se permitiu a entrada de água), o que, face ao disposto no artigo 1043.º, n.º 1, do C. C., implica a entrega do locado sem o toldo e furos na fachada exterior e com as três telhas colocadas.

Já no que respeita a pinturas, colocação de tetos falsos, espelhos e portas (facto assente 14), afigura-se-nos que se tratam de obras consentidas previamente pela senhoria, ao abrigo da citada cl. 6.ª, n.º 1, c) e 8.ª, n.º 3, este a contrario (são obras que se apresentam como adequadas para a arrendatária exercer uma atividade de bar, por exemplo, e que não se integram naquelas obras mais robustas que exigiam consentimento escrito, como sucedeu com a demolição do piso e construção de um novo), pelo que não terão de ser alteradas pela reconvinda/arrendatária.

Assim, a restituição do locado também abrange a reparação daquelas duas situações, assim se concretizando a decisão recorrida quanto a este aspeto que tinha decidido ordenar a entrega do locado à Ré livre e devoluto de pessoas e bens e no estado em que o recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato. Para nós, os autos já contêm os elementos de facto suficientes para se definir como deve ser, em concreta, efetuada a restituição.


*

3). Decisão.

Pelo exposto, decide-se:

1). Julgar extinta, por inutilidade superveniente da lide, a instância relativa aos pedidos de renegociação do contrato de arrendamento, resolução do contrato de arrendamento e de entrega do locado – artigo 277.º, e), do C. P. C. -.

Custas da inutilidade a cargo da Autora por ter dado causa à mesma com a entrega do locado – artigo 536.º, n.º 3, do C. P. C. -.

2). Condenar a Autora/reconvinda a entregar à Ré/reconvinda, no âmbito da entrega do locado no estado em que se encontrava quando o recebeu, a:

. reconstruir o entrepiso original;

. reparação de três telhas do telhado;

. retirada de toldo colocado na fachada e reparação dos respetivos furos.

3). Alterar a decisão recorrida, no sentido de se revogar a condenação da Autora/reconvinda a indemnizar a ré pelo valor do dano que, aquando da entrega, o imóvel revelar como decorrente da destruição/alteração do mezanino/piso intermédio mencionado nos articulados, a liquidar posteriormente.

Manter a parte restante do decidido.

Custas do recurso a cargo de recorrente e recorrida, na proporção de 4/5 e 1/5, respetivamente.

Registe e notifique.


Porto, 2024/11/21.
João Venade
António Paulo Vasconcelos
Francisca Mota Vieira
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[1] Decisão sumária da R. C. de 18/10/2016, processo n.º 203848/14.2YIPRT.C1: V - Não é de convidar à correção da petição inicial (nos termos do art. 590º, nºs 2, al.b), 3 e 4 do nCPC) quando a petição seja inepta nos termos do art. 186º do mesmo diploma, uma vez que só um articulado que não padeça dos vícios mencionados neste último preceito pode ser objeto desse convite à correção e isto porque se a parte declinar tal convite tal comportamento de inércia não obsta a que a ação prossiga os seus termos, contrariamente à consequência para a ineptidão que é a de determinar a nulidade de todo o processo.
Ac. R. L. de 1/11/2022, processo n.º 118395/21.4YIPRT.L1-2: III) A falta ou a ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir não são passíveis de suprimento, pelo que, também não terá lugar a prolação de despacho de aperfeiçoamento.
Ac. S. T. J. de 07/06/2022, processo n.º 3786/16.7T8BRG.L1.S3, mesmo relator da acima referida decisão sumária: III. - Não pode convidar-se a aperfeiçoar uma petição inepta, mas apenas a que seja deficiente, sendo o critério decisivo para distinguir o que define se a petição permite ou não, como foi apresentada, o conhecimento e decisão sobre o mérito do pedido, todos em www.dgsi.pt.
[2] Sem prejuízo das rendas que foram pagas e a que a sentença recorrido atendeu.