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RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
FRACÇÃO AUTÓNOMA
INUNDAÇÃO
DANOS CAUSADOS POR EDIFÍCIOS OU OUTRAS OBRAS
DANOS CAUSADOS POR COISAS OU ACTIVIDADES
DEVER DE VIGILÂNCIA
ÓNUS DA PROVA
Sumário
Nos termos do nº 1 do artº 493º do Código Civil, não conseguindo a autora provar que as águas que inundaram e danificaram o seu apartamento provieram do interior do apartamento do réu, não se mostra preenchido, nos termos do artº 342º do Código Civil, o ónus da prova, que sobre a mesma incidia, de que o facto danoso teve origem ou causa na coisa sob vigilância daquele.
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório: AA, melhor identificada nos autos veio instaurar ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, melhor identificado nos autos, pedindo a condenação deste no pagamento à autora da quantia de € 8.000,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, danos estes resultado de uma inundação que proveio do imóvel habitado pelo réu, por força de rotura havida nas canalizações que servem a máquina de lavar roupa que ele detinha na casa de banho e cuja responsabilidade deverá ser imputada a este a título culposo.
Citado veio o réu apresentar contestação, invocando a sua ilegitimidade substancial ou substantiva, negando que a inundação invocada pela autora tenha sido originada por uma rotura das canalizações que servem a aludida máquina de lavar roupa, antes tendo tal inundação provindo de um caleiro situado num imóvel que confronta com o imóvel ocupado pela autora ou da rotura das canalizações situadas entre a fração ocupada pelo réu e a fração ocupada pela autora, caso em que, sendo o réu mero arrendatário dessa fração, a responsabilidade nunca poderia ser-lhe atribuída.
O réu impugnou a veracidade da factualidade invocada pela autora, quer a respeitante ao facto ilícito por esta invocado, quer a respeitante aos danos por aquela alegados.
Concluiu, pois, o réu, em face do por si alegado, no sentido da improcedência da ação.
A autora respondeu à matéria de exceção invocada pelo réu, tendo pugnado pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se afirmou a validade e regularidade da instância. Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu o réu dos pedidos contra si deduzidos pela autora.
Inconformada com a sentença veio da mesma recorrer a autora, formulando as seguintes conclusões:
1º - Na modesta opinião da recorrente, a sentença recorrida enferma de um erro na parte em que deu como não provada a matéria factual constante nas alíneas a) e b) dos factos não provados acima elencados, ou seja: a. sobredita inundação ocorrida no estabelecimento comercial da A. foi provocada por uma rotura nas canalizações que servem a máquina de lavar roupa que o R. detinha na casa de banho, e b. o que o R., depois de alertado para o sucedido, admitiu no local.
2º - Não se entende a razão pela qual o tribunal a quo não atribuiu relevância às declarações de parte da Autora, tendo prestado um depoimento imparcial, objetivo, situado no tempo e no espaço, inexistindo qualquer elemento que permitisse colocar dúvidas quanto à sua isenção e objetividade.
3º - O interesse que a Autora tem no desfecho da ação não é motivo para não lhe ser atribuída relevância, pois, de outro modo, não faria sentido o instituto das declarações de parte legalmente previsto.
4º -Aliás, o tribunal a quo valorou as declarações de parte da Autora para a prova assente nos pontos 1, 2 e 4 e 20 a 23 dos factos provados, não se entendendo por que razão não o fez para os factos das alíneas a) e b) dos factos não provados.
5º - De facto, como se alcança da PI (artigos 3º e 4º) a Autora reitera que no dia 7 de dezembro de 2020, caiu grandes quantidades de água pelo teto do estabelecimento, oriunda da fração do Réu, tendo danificado o teto falso e três máquinas de trabalho que ali se encontravam, o que logrou provar. E também reafirma (no artigo 5º da PI) que o Réu admitiu no local que tal inundação teria sido provocada por uma rotura nas canalizações que servem a máquina de lavar roupa que ele detinha na casa de banho.
6º - Ora, a Autora limitou-se a declarar aquilo que, no dia da inundação o Réu lhe disse como sendo a causa da inundação (rotura nas canalizações que servem a máquina de lavar roupa que ele detinha na casa de banho), conforme as seguintes passagens Mandatário da Autora: olhe, a sra. Aponta que a causa dessa inundação foi a máquina de lavar roupa, porquê? Resposta: foi o que ele me disse; porque eu não sei o que é que foi; podia ser uma torneira de uma banca… ele disse-me que foi a máquina de lavar roupa …. Mandatária do Réu: o sr. BB disse que foi a máquina de lavar? Resposta: foi ele que me disse no meu estabelecimento, que eu não entrei na casa dele nesse dia; ficou parvo, eu sei lá se foi a máquina de lavar, foi o que ele me disse, “ah é a maquina de lavar”; ele é que me disse; sei lá onde estava a máquina de lavar” foi o que ele me disse; Mandatária do Réu: como caia tanta água? Resposta: não sei, foi o sr. BB que me disse que foi da máquina de lavar; eu não sei; pode ser a lavar o piso, qualquer água que caia no soalho, cai no meu estabelecimento, naquele caso foi muita água pois a máquina de lavar leva muita água;
7º - Não era exigível à Autora – porque não vive na fração do réu –indicar com exactidão ou rigor a causa da inundação, a não ser limitar-se a alegar o que alegou: ou seja, que caiu grandes quantidades de água pelo teto do estabelecimento, oriunda da fração do Réu, situada por cima, tendo danificado o teto falso e três máquinas de trabalho que ali se encontravam, como foi provado.
8º - Tais declarações estão em consonância com o alegado nos artigos 4º e 5º da PI e com vários outros elementos probatórios: com aquilo que a testemunha CC fez constar no relatório de averiguação por si elaborado (ou seja: que a infiltração teve origem na fração ocupada pelo aqui R); com o depoimento da testemunha DD que reiterou tudo aquilo que a Autora declarou, confirmando perante as fotos juntas à PI os danos, a inundação, a grande quantidade de água que invadiu o salão e que o Réu transmitiu à Autora que tuinha sido o tubo da máquina de lavar roupa; com o depoimento da testemunha EE que, de forma isenta, credível, objetiva, esclareceu que a água só podia ter provindo de cima, considerando a disposição das máquinas quando lá chegou; e com o teor do relatório pericial e os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito na audiência final, onde concluiu que a inundação provada só pode ter sido originada por água provinda da fração ocupada pelo R., tendo afastado qualquer outra.
9º - Aliás, como decorre de vária jurisprudência abundante nos nossos tribunais superiores, não era exigível à Autora que provasse a causa, rectius, a sub-causa que em concreto originou a alegada inundação, sendo sobre o detentor do imóvel imediatamente localizado por cima da fração inundada que tem o dever de vigiar o estado de conservação do imóvel que é sua propriedade de sorte a impedir que nele se ocasionem focos danosos – cfr. entre outros, o Ac. STJ n.º 1780/06 - 6ª secção, referindo-se neste último que o lesado não tem de provar sub-causas.
10º - Com efeito, está provado que era o Réu o utilizador da fração imediatamente superior à ocupada pela Autora (cfr. ponto 3º dos factos provados), logo, era sobre ele que impendia o dever de vigilância sobre o sistema de escoamento das águas residuais daquela fração.
11º - Aliás, no depoimento de parte, o Réu acabou por reconhecer a sua responsabilidade quando afirmou: “se eu morava lá, alguma responsabilidade tinha de ser minha”. Atenda-se nas seguintes passagens do seu depoimento: Mandatário da Autora: mas então achava que a responsabilidade era de quem? Resposta: sei lá, se eu morava lá alguma responsabilidade tinha que ser minha.
12º - Efetivamente, andou mal o tribunal a quo ao não ter relevado este “reconhecimento” da responsabilidade do Réu e afinal, todo o depoimento de parte prestado pelo R., pois que o teor do atestado médico junto aos autos nada refere nem esclarece sobre a questão de saber se o Réu tem ou não aptidão mental para depor. Por outro lado, é elucidativo de que tal atestado apenas se menciona que o Réu tem um indício (usa-se a palavra “sugere”) de se tratar de demência tipo Alzeimer e ainda em fase “inicial”. De notar que a doença do foro mental que o afeta não o impediu de dizer o nome completo e a morada onde vive, demonstrativo de que a doença estará numa fase inicial.
13º - Acresce que o depoimento da testemunha FF não deve ser valorado pelo tribunal, pois entrou em profunda contradição, tendo prestado um depoimento vago, descoordenado e alinhado com os interesses do tio, aqui Réu. Note-se que começou por negar que tinha uma relação familiar com o Réu, tendo vindo mais tarde o tribunal (pelos depoimentos das testemunhas e pelo réu) a saber que, afinal, ele era seu sobrinho. Escondeu este facto ao tribunal, decisivo para apurar a sua credibilidade. Por outro lado, sendo marceneiro, e quando questionado ser era normal o Réu chamar um marceneiro em vez de um picheleiro quando ocorressem inundações de água, disse que se limitou a ver se a cozinha tinha água e que qualquer um o podia fazer. Não se pode relevar um depoimento nestes termos de alguém que, sendo sobrinho (e escondido isso ao tribunal) se limitou a analisar visualmente como qualquer pessoa o podia fazer, sem qualquer conhecimento especializado.
14º - Por outro lado, o Réu apelidava o sobrinho de canalizador, quando ele era marceneiro, tendo referido que sempre que tinha inundações o chamava ao local, e que o fez por mais de uma vez. Também a Autora e a testemunha Nomeia confirmaram ao tribunal que quando ocorria qualquer inundação no salão, era chamado o sobrinho FF. Ora, esta testemunha FF disse que apenas lá foi uma vez e nem soube precisar ao certo o dia nem o ano em que terá ocorrido a inundação em causa nos autos.
15º - Ainda a este propósito, a Autora disse que até por uma das ocasiões em que entrou água no salão, foi o sobrinho quem reparou o pladur. Ora, sobrinho disse que nunca entrou no salão da Autora. Também aqui faltou à verdade.
16º - A testemunha GG (com quem o Réu vive maritalmente) manifestou um compreensível interesse no desfecho desta ação, pondo-se aqui em causa a sua isenção e objetividade. Nas suas palavras chegou até – ao contrário do alegado na contestação - a pôr em causa a existência da inundação, afirmando que a Autora não falou com eles sobre a inundação, o que levou o Ex.mo Sr. Juiz a questionar: mas é natural que quando um vizinho se queixa de uma inundação que nós, no andar superior, tentemos ver o que se passa, não é? E, por isso, vocês fizeram alguma coisa para ver o que se passava? Resposta: ligamos ao sobrinho do BB, o sr. FF e não viu água na nossa casa. Esta testemunha nega a inundação verificada no salão da Autora (dada por assente) com o argumento de que não tinham água na sua casa. Ora, é do conhecimento comum que uma rotura de canalizações não deixa obrigatoriamente vestígios de água no piso superior, mas no piso inferior, para onde a água cai. Como foi referido na audiência, a “água não cai de baixo para cima, mas de cima para baixo!
17º - Acresce que do teor do relatório pericial junto aos autos resulta que o piso da fração ocupada pelo R. é em estrado de madeira, antigo e estragado, o que permite uma maior facilidade de passagem das águas para o rés-do-chão em caso de infiltração das águas através do pavimento dessa fração. Dali resulta também que o Sr. Perito afastou que a origem na inundação estivesse na parede de alvenaria de pedra que separa o imóvel ocupado pela Autora do contiguo a esta.
17ºA – Tendo concluído que a inundação provada só pode ter sido originada por água provinda da fração ocupada pelo R., tendo afastado qualquer outra causa, facto este que foi desconsiderado pelo tribunal.
18º - Resulta, pois, que, analisando o relatório pericial junto aos autos e os esclarecimentos do perito seu autor, o relatório de averiguação da Seguradora, as declarações de parte da Autora, o reconhecimento de responsabilidade presente no depoimento de parte do Réu, a objetividade dos depoimentos das testemunhas DD (que presenciou a inundação) e EE (considerando a disposição das máquinas), as fotos juntas com a PI (não impugnadas), é possível concluir que a causa da infiltração de água em causa residiu na fração do Réu.
19º - Aliados estes elementos de prova às regras físicas que explicam o comportamento das massas de água articuladas com todos os aludidos elementos de prova, errou o tribunal a quo ao não considerar não provada a factualidade inserida nas alíneas a. e b. dos factos não provados, devendo, pelo contrário, ter merecido nota afirmativa, pois que foram confirmados por todos os elementos de prova produzidos nos autos.
20º - De qualquer modo, se se mantiver como não provada a factualidade inserida nas citadas alíneas a. e b. (o que não se concede, mas apenas por hipótese de trabalho se acautela), tal não afasta a responsabilidade do Réu pela inundação e pelos consequentes danos que da mesma resultaram para a Autora.
21º - No caso, estão preenchidos os pressupostos previstos no art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
22º - O facto consiste na invocada inundação no estabelecimento comercial da A., identificado na PI, tendo caído água pelo teto do estabelecimento, tendo provocado vários danos, nomeadamente no teto falso do estabelecimento comercial da A. e em máquinas ali existentes, conforme dado por provado nos pontos 4 a 25 dos factos provados.
23º - A ilicitude, por seu lado, afere-se pela lesão de um direito de outrem – mormente na vertente propriedade integrada num património, em virtude de uma falta de cuidado que, a ser cumprida, seria suscetível de inviabilizar a criação de perigo de danificação do estabelecimento comercial da Autora e máquinas lá existentes.
24º - O resultado verificado, lesão da substância física do estabelecimento comercial da Autora, situado na fração inferior (teto e paredes) bem como do seu recheio (máquinas) é imputável, de forma direta e adequada, à fuga de águas provenientes da fração imediatamente superior, que é, no caso, ocupada pelo Réu – cfr. artigo 3º dos factos provados. Como se disse, face às regras físicas que explicam o comportamento das massas de água, tal resultado afigura-se normal (adequado) e previsível ao facto ilícito.
25º - No que tange à culpa, dispõe o art.º 493.º, n.º 1, do Código Civil, que «quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua».
26º - No caso, recorda-se que o Réu não logrou provar o que alegou em sede de contestação: ou seja, não provou de que tal inundação proveio de um caleiro situado num imóvel que confronta com o imóvel ocupado pela A. ou da rotura das canalizações situadas entre a fração ocupada pelo R. e a fração ocupada pela A. Nada provou.
27º - Em casos como o presente, portanto, a culpa decorre da violação de um dever de vigilância, culpa in vigilandum, que impende sobre o dono ou detentor de qualquer coisa móvel ou imóvel. «A particular responsabilidade pelos danos causados pelas coisas funda-se no perigo que essas coisas representam, como causa de danos, para terceiros, ou antes, no risco que a ausência de vigilância a respeito delas faz correr a terceiros».
28º - As tubagens, canalizações e peças sanitárias existentes em qualquer domicílio são sempre portadores de “intrínseca eficiência danosa” e, por via dela, suscetíveis de causar danos a terceiros. O transporte de água – tal como o sistema de escoamento das águas residuais, dizemos nós – através de canalizações no interior das habitações, embora normalmente não perigoso, emprega meios que não garantem a impossibilidade de produção de perigos e efetivos danos. Assim, quem deles beneficia, também deles se obriga a vigiar.
29º - In casu, a presunção de culpa funda-se na ausência da tomada de medidas adequadas a evitar a rutura (maior ou menor) das canalizações da água da fração situada por cima do estabelecimento comercial da Autora, permitindo a saída de águas de tal espaço, as quais passaram para o interior da fração ocupada pela Autora, provocando-lhe os danos assentes nos factos provados.
30º - Como se disse, o tribunal a quo deu como provado que era o Réu o utilizador da fração imediatamente superior à ocupada pela Autora (cfr. ponto 3º dos factos provados), logo, era sobre ele que impendia o dever de vigilância sobre o sistema de escoamento das águas residuais daquela fração.
31º - E, assim, «se a responsabilidade assenta, no caso presente, sobre a ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano, a presunção recai em cheio sobre a pessoa que detém a coisa (…) com o dever de os vigiar».
No caso sub judice, essa pessoa era, como se disse, o Réu.
32º - Destarte, não havendo notícia, nem alegada nem demonstrada, de qualquer obstáculo a impedir o Réu de exercer tal vigilância, sobretudo estando obrigado a fazê-lo, deve-se concluir que este não afastou a presunção de culpa, não demonstrou, ainda, que os danos se teriam igualmente produzido, ainda que nenhuma culpa sua houvesse.
Logo, entende a Autora que tal requisito se mostra preenchido.
33º - Aliás, no caso, foi dito por todos que situações de inundação eram frequentes, o que só aumenta o dever de vigilância que impendia sobre o Réu.
34º - Da reapreciação da prova produzida, nomeadamente do relatório pericial, é evidente que ficou demonstrado que as águas infiltradas na fração da Autora tiveram a sua origem, proveniência ou causa no interior do imóvel do Réu, não sendo exigível à Autora que provasse a causa, rectius, a sub-causa que em concreto originou o escorrimento das águas.
35º - Quanto ao dano e nexo causal, este consiste numa lesão aos direitos, aos bens e coisas, decorrente do facto ilícito e culposo, que foram dados por provados. Apresenta-se igualmente como elemento nuclear da génese da obrigação de indemnizar, sobretudo porque esta se destina a fazer suportar um determinado prejuízo por uma esfera jurídica distinta daquela que o sofre, ou seja, a de quem o provoca.
36º - Os danos cujo ressarcimento a Autora vem peticionar correspondem aos estragos causados pela água na sua fração, inferior à fração do Réu, e que o tribunal a quo não teve dúvidas que efetivamente ocorreram, nomeadamente os dados como provados nos artigos 5º a 24º dos factos provados, peticionados em € 8000,00. Por outro lado, nenhum facto ficou demonstrado no sentido de uma qualquer conduta ou falta dela, por parte da Autora, tenha sido a causa dos danos ou do seu agravamento. Destarte, é este o montante que a Autora tem direito a receber e o Réu a obrigação de lhe pagar.
37º - A sentença recorrida fez, pois, uma interpretação desconforme as normas da responsabilidade civil extracontratual e, nomeadamente, os artigos 483º 1; 486º, 492º, 1 e 2; 493º, CC, devendo, a final, concluir-se que, afinal, a A. terá direito a ser ressarcida pelo R. quanto aos danos por si invocados e provados. Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, nos termos das articuladas conclusões, com as inerentes consequências. Assim se fará, serena, sã e objectiva JUSTIÇA
Contra alegou o réu, formulando as seguintes conclusões:
1. O douto Tribunal a quo valorou correctamente as declarações de parte da Recorrente, apenas lhes dando relevância na parte em que tais declarações se mostram confirmadas por outros elementos probatórios, dado o óbvio interesse da mesma no desfecho desta ação, o que sempre permite colocar dúvidas quanto à sua isenção e objetividade.
2. O depoimento da A. foi tudo menos imparcial, objectivo e existiram vários elementos que permitiram colocar dúvidas quanto à sua isenção e objectividade.
3. Desde logo, é clara a contradição entre as declarações de parte da Recorrente, e o depoimento - esse sim isento, imparcial e objectivo – da testemunha arrolada pela Recorrente HH.
4. Resulta daquelas declarações de parte da Recorrente que, primeiro, alegadamente chamou o Réu que lhe disse que tinha sido a máquina de lavar;
O Réu foi logo para cima, provavelmente desligar a água; “comecei a chupar a água e nesse momento vejo o Sr. HH a subir o escadario; não sei o que lá foi fazer;” sic.
5. Já quando participou o incidente à seguradora EMP01..., alegou que tinha visto alguém, que se presume seja a mesma testemunha, sair da fracção superior com um tubo de canalização na mão.
6. Já do mencionado relatório de averiguações resultou que, naquela altura a Recorrente, alegava que o Recorrido lhe terá dito que a inundação provinha possivelmente de uma rotura na casa de banho, e já não da máquina de lavar a roupa, conforme é referido pela mesma nas suas declarações.
7. A Recorrente, como bem considerou o Tribunal a quo, não revelou possuir conhecimento direto do que esteve na origem da inundação em causa.
8. A este respeito, a Recorrente limitou-se a alegar que, no dia em que aquela inundação ocorreu, o Recorrido desceu até ao seu estabelecimento comercial e, tendo sido confrontado com a inundação, terá exclamado “Ai que foi amáquina de lavar!”. Contudo, posteriormente, refere que o Recorrido nunca lhe disse que se tratava de uma máquina de lavar roupa colocada na casa de banho da fração que ocupava.
9. Sendo certo que, nessa fração, imediatamente por cima do local por onde se infiltrou a água no seu estabelecimento comercial, fica a cozinha e não a casa de banho.
10. Ao contrário do que é alegado na PI que refere que a “inundação ocorrida foi provocada por uma ruptura nas canalizações que servia na máquina de lavar a roupa que o Réu detinha na casa de banho”, e das declarações prestadas pelaRecorrente à seguradora, em que referiu que a inundação provinha da casade banho, a Recorrente altera a sua versão dizendo que, afinal, já não sabiaonde estava a máquina de lavar roupa, pelo que o Tribunal à quo fez umacorrecta apreciação e valoração das declarações de parte da Recorrente.
11. Acresce que, questionada a testemunha que, segundo a Recorrente teria ido a casa do Ré, no imediato, HH, o mesmo refere que, a única vez que se deslocou à casa do Recorrido não viu fuga nenhuma.
12. A Recorrente pretende que seja alterada a decisão proferida e sejam dados como provados dois factos, sem que, para além de não resultar minimamente da prova produzida tais factos, resultar coisa diversa, nomeadamente que, a máquina de lavar a roupa não se encontrava instalada na casa de banho, razão pela qual o Tribunal a quo também não podia ter dado tal facto como provado.
13. Pretende a Recorrente alterar a matéria de facto dada como provada, alegando não lhe ser exigível indicar com exactidão ou rigor a causa da inundação, a não ser limitar-se a alegar o que alegou.
14. Contudo, como bem entendeu o douto Tribunal a quo, sempre seria à Autora,
aqui Recorrente, que caberia o ónus de provar a ocorrência do dano e o nexo causal entre o mesmo e a coisa sujeita a vigilância.
15. Ou seja, sempre teria A./ Recorrente de provar que os danos tiveram origem e provieram da fracção do Réu/ Recorrido, o que aquela não logrou fazer.
16. A decisão, quanto aos factos dados como não provados pelo Tribunal a quo, fundamentou-se na absoluta falta de produção da respetiva prova, quecompetia à Recorrente fazer, por recair sobre si tal ónus.
17. Considerou o Tribunal a quo, e muito bem, que não foi produzido um único elemento de prova demonstrativo de que a inundação que provocou os danos alegados pela A. / Recorrente tenha sido provocada por uma rotura nas canalizações que servem a máquina de lavar roupa que o Recorrido detinha na casa de banho.
18. Apesar da Recorrente alegar que basta a alegação de que a ocorrência da inundação proveio da fracção superior, e que o Tribunal devia desconsiderar o local concreto da proveniência da mesma (máquina de lavar situada na casa de banho), por tal alegação se ter baseado naquilo que foi alegadamente transmitido à Recorrente, cremos que não tem razão.
19. Da análise do relatório pericial junto aos autos resulta que, efetivamente, toda a rede de saneamento da fração ocupada pelo Recorrido passa pelo teto da fração do rés-do-chão, ocupada pela Recorrente, encontrando-se colocada entre o teto e o pladur aí existente. Pelo que cabia à Recorrente provar que a água proveio efectivamente da máquina de lavar que o Recorrido detinha na casa-de-banho (por ter sido este o facto por si alegado).
20. Mais resulta do mencionado relatório, que o acesso à tubagem do saneamento da fração ocupada pelo Recorrido é feito através de um alçapão existente no teto falso (pladur) existente na fração ocupada pela Recorrente.
Resulta também do relatório pericial que o piso da fração ocupada pelo Recorrido é em estrado de madeira, o que permite uma maior facilidade de passagem das águas para o rés-do-chão em caso de infiltração das águas através do pavimento dessa fração, e que contíguo ao imóvel ocupado, se localiza um outro imóvel, cuja cobertura é adjacente à parede exterior do imóvel ocupado por Recorrente e Recorrida e onde se encontra colocado um caleiro de recolha de águas e caso aquele caleiro se encontrasse entupido ou danificado, poderia haver a possibilidade da ocorrência de infiltrações de água através da cobertura no imóvel contíguo ao imóvel ocupado por Recorrente e Recorrido, sendo que, caso tal ocorresse e houvesse infiltração de água através da parede divisória em alvenaria de pedra existente entre os imóveis, então poderia ocorrer infiltração de água para o interior da fração ocupada pela Recorrente.
21. E ao contrário do que afirma a Recorrente, o Sr. Perito não afastou a possibilidade da origem da inundação ter provindo da parede de alvenaria de pedra que separa o imóvel ocupado pela Recorrente do contíguo a esta.
22. O que o dito relatório pericial refere é que “na data da peritagem o Perito não identificou na fração da Autora indícios de infiltrações de água na parede de alvenaria de pedra que separa os dois imóveis”.
23. Concluiu assim o douto Tribunal a quo que a inundação pode ter sido originada por água provinda da fração ocupada pelo Recorrido, por água provinda das canalizações existentes entre as frações ocupadas por Recorrente e Recorrida ou por água provinda do imóvel contíguo ao imóvel onde se situam estas frações.
24. E que considerando o teor do relatório pericial, não foi possível concluir no sentido de que a infiltração de águatenha provindo de uma rotura nascanalizações que servem a máquina de lavar roupa que o Recorrido detinhana casa de banho.
25. Para dar como não provado o facto mencionado na al. a) dos factos dados como não provados., relevou ainda para o tribunal a quo a alegação da Recorrente de que o Recorrido lhe teria dito que a infiltração foi provocada pela máquina de lavar, sendo que no relatório de averiguação junto aos autos e elaborado pela testemunha CC consta o seguinte: “Informou quea água surgiu no teto oriundo do 1º andar, e que aquando o ocorrido informouo inquilino deste andar do sucedido, referindo ainda que possivelmente terásido alguma rotura na casa de banho do mesmo, tendo em conta que seapercebeu de alguém face ao ocorrido ter saído de lá com um tubo decanalização. Face ao exposto, e uma vez que não conseguiu resolver o assuntocom o inquilino da fração superior, referiu decidir participar a ocorrência à suaSeguradora, uma vez que tem seguro que no seu entender cobre este tipo desituações.”
26. Assim, nunca a Recorrente declarou àquele CC que o Recorrido lhe disse que a referida inundação provinha de uma máquina de lavar, antes tendo a Recorrente declarado que a origem de tal inundação teria provindo de alguma ruptura na casa de banho da fração ocupada pelo Recorrido, e que chegou a essa conclusão, porque se apercebeu de alguém ter saído da fração ocupada pelo Recorrido com um tubo de canalização.
27. Assim, a Recorrente referiu à testemunha CC que produziu o mencionado relatório de averiguações que a inundação em causa proveio de alguma rotura na casa de banho da fração ocupada pelo Recorrido, tendo chegado a tal conclusão porque se apercebeu de alguém ter saído dessa fração com um tubo de canalização. Contudo, e já no decurso das declarações de parte que prestou, alegou que o Recorrido lhe tinha admitido que a inundação foi originada por um problema na máquina de lavar sendo que, imediatamente por cima do local por onde caiu a água, fica, não a casa de banho, mas a cozinha.
28. Acresce ainda que, corroborando o depoimento da testemunha GG, aquando da deslocação daquela testemunha CC à fracção do Recorrido, e que deu origem ao relatório de averiguação junto aos autos, (deslocação esse feita em 20-01-2021, ou seja, cerca de um mês e meio após a ocorrência da inundação), a informação prestada pelo Recorrido àquela testemunha CC, quando interpelado sobre o ocorrido na fração inferior, referiu desconhecer o mesmo, alegando que não teve qualquer problema na habitação em que residia.
29. E, não se pode dizer, como afirma a Recorrente que, no seu depoimento de parte o Recorrido tenha reconhecido a sua responsabilidade na ocorrência da inundação.
30. O Recorrido não possuía qualquer memória sobre os acontecimentos, sendo certo que, tendo em conta que os sintomas da doença mental de que padece apenas se iniciaram por volta de setembro de 2022 (o que resulta do mencionado relatório médico), relevará, como bem considerou o Tribunal aquo, não o seu depoimento de parte, mas sim a informação prestada à testemunha CC, cerca de 1 mês e meio após a ocorrência dos factos.
31. Do relatório pericial elaborado no âmbito dos presentes autos, também não resultou qual a origem das infiltrações de água no estabelecimento da Recorrente.
32. Deste modo, e considerando toda a prova documental e testemunhal, não se mostrou confirmada por qualquer uma delas, a factualidade vertida nos factos a. e b., pelo que, quanto a esta alegação não assiste razão à Recorrente, pelo que não poderia ter sido tomada outra decisão, que não fosse a de considerar não provada tal factualidade.
33. Nestes termos e decidindo como decidiu fez o tribunal a quo uma correcta interpretação e valoração da prova produzida nos autos, bem como uma correta definição da matéria dada como provada e não provada, não existiu qualquer erro de julgamento, devendo por isso manter-se a decisão recorrida quanto à resposta à matéria de facto dada como provada e não provada, e mantendo-se a improcedência do peticionado pela Recorrente.
34. Pugna a Recorrente que, in casu, e ainda que se entenda como não provada a factualidade referida nas alíneas a) e b), tal não afasta a responsabilidade do Réu pela inundação que provocou os danos alegados pela Recorrente, por se encontrarem verificados todos os os pressupostos da responsabilidade civil do 483.º do CC, facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade.
35. Salvo o devido respeito, que é aliás muito, não podemos deixar de discordar veementemente de tal posição.
36. O art. 493º n.º 1 do Código Civil, consagra uma presunção de culpa, cabendo ao A., a prova da origem dos danos, nomeadamente de que a inundação proveio da fracção do Réu (tudo conforme considerou, igualmente o já citado Ac. do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo 23707/19.4T8LSB.).
37. E dúvidas não restaram que a Recorrente não logrou demonstrar que a inundação de água tenha provindo da casa de banho da fracção ocupada pelo Recorrido, e que foi resultado de uma ruptura da canalização que servia a máquina de lavar a roupa aí colocada.
38. Ao contrário do que defende a Recorrente, não era ao Recorrido que cabia provar o que alegou em sede de contestação, ou seja que a inundação teve outra causa que não a rotura da canalização que servia a sua máquina de lavar, mas sim à A. / Recorrente provar que a inundação proveio de uma ruptura da canalização que servia a máquina de lavar do Réu / Recorrido.
39. O Recorrido apenas tinha o poder de vigilância sobre a canalização que se encontrava à vista, já que todo o sistema de canalização e tubagens de escoamento de águas e saneamento, situava-se entre o pladur da fracção ocupada pela Recorrente e o piso da fracção ocupada pelo Recorrido, não lhe sendo possível, ter, sequer, acesso às canalizações que ficavam por cima da fracção da Recorrente, uma vez que as mesmas só eram acessíveis por um alçapão instalado no pladur da Recorrente, entrando no interior do estabelecimento ocupado pela Recorrente.
40. Assim, não assiste razão à Recorrente quando argumenta que sendo o Recorrido utilizador da fracção imediatamente superior à ocupada pela Recorrente, era sobre ele que impendia o dever de vigilância sobre o sistema de escoamento de águas residuais daquela fracção.
41. Para além de estar vedado ao Recorrido executar quaisquer obras sem o consentimento dos Senhorios e tais obras, legalmente recaiam sobre o locador e não sobre o locatário, nunca seria possível ao Recorrido verificar o estado das mencionadas tubagens, uma vez que o seu acesso era efectuado pelo estabelecimento da Recorrente.
42. E também por aqui, não poderá proceder a argumentação da Recorrente de que nenhum obstáculo impedia o Recorrido de exercer tal vigilância.
43. Assim sendo, tendo a Recorrente apenas logrado provar que, no dia 07 de dezembro de 2020, pelas 12:30 horas, ocorreu uma inundação no seu estabelecimento comercial, tendo caído água pelo teto do estabelecimento, não tendo conseguido demonstrar que a referida inundação de água tenha provindo da casa de banho da fração ocupada pelo Recorrido e que tenha resultado de uma ruptura da canalização que servia a máquina de lavar roupa aí colocada, nenhuma outra decisão podia ter sido tomada pelo
Tribunal a quo, que não a da total improcedência da acção, não merecendo a douta decisão recorrida qualquer censura.
44. Nestes termos e, decidindo como decidiu, fez o tribunal a quo uma correcta aplicação do direito em nada violando os artigos 483º, 486º, 492º, n.º 1 e n.º 2, 493 todos do Código Civil, devendo por isso manter-se a decisão recorrida mantendo-se a improcedência da acção nos exactos termos em que esta o fez.
Nestes termos, e decidindo como decidiu fez o tribunal a quo uma correcta apreciação da prova e aplicação do direito, devendo por isso manter-se a decisão recorrida nos seus exactos termos, julgando-se o Recurso interposto pela Recorrente totalmente improcedente.
TUDO POR SER DE DIREITO E DE JUSTIÇA!
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
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II. Objeto do recurso:
O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim sendo, tendo em atenção as alegações/conclusões apresentadas pela recorrente importa aos autos aferir se, perante a prova produzida nos autos, deveria o Tribunal dar como provados os factos assentes sob as alíneas a) e b) dos factos não provados e as consequências que daí advém.
Importa ainda aferir se, mesmo não se dando tais factos como provados, decorre dos autos que a inundação teve origem na fração ocupada pelo réu, pelo que é este responsável pelos danos daquela emergentes.
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III. Fundamentação de facto:
A - FACTOS PROVADOS:
1. A A., em 01 de fevereiro de 2008, celebrou com II, JJ e KK um acordo escrito denominado “contrato de arrendamento”, cujo teor, contante do documento n.º 1 junto pela A., aqui se dá por reproduzido, por via do qual estes, na qualidade de senhorios, cederam àquela, na qualidade de arrendatária, o gozo de um imóvel localizado na Rua ..., cidade ..., contra o pagamento de uma renda,
2. tendo tal imóvel sido destinado à exploração, pela A., de um estabelecimento comercial, onde é exercida a atividade de esteticista, cabeleireira e comércio de produtos respeitantes a esses fins.
3. O R., pelo menos até ao ano de 2023, residiu no aludido prédio, numa fração imediatamente superior à ocupada pela A. 4. No dia 07 de dezembro de 2020, pelas 12:30 horas, ocorreu uma inundação no estabelecimento comercial da A., acima identificado, tendo caído água pelo teto do estabelecimento.
5. A dita inundação provocou danos no teto falso do estabelecimento comercial da A., nomeadamente, tendo caído pedaços do teto
6. e tendo esse teto ficado com manchas de água.
7. O custo para reparar os referidos danos ocorridos no mencionado teto falso ascendeu ao montante de € 350,00,
8. sendo que tal reparação consistiu em raspar, emassar, lixar e pintar esse teto.
9. A água que entrou no estabelecimento comercial da A. atingiu algumas máquinas pertença da A., designadamente, as seguintes:
a) máquina da marca ..., modelo ...;
b) máquina da marca ..., modelo ...;
c) e máquina da marca ..., modelo ....
10. Por força da ação da água que entrou na máquina aludida em 9., alínea a), o respetivo painel de controlo deixou de funcionar,
11. sendo que a placa de controlo não tinha reparação, tendo que ser trocada por uma nova.
12. Para reparar e pôr a funcionar a máquina aludida em 9., alínea a), incluindo deslocação do técnico e mão-de-obra, a A. teve que pagar a quantia de € 1.156,20.
13. Por força da ação da água que entrou na máquina aludida em 9., alínea b), o display deixou de apresentar menu inicial,
14. sendo que esse display não tinha reparação, tendo que ser trocado por um novo.
15. Para reparar e pôr a funcionar a máquina aludida em 9., alínea b), incluindo deslocação do técnico e mão-de-obra, a A. teve que pagar a quantia de € 1.205,40.
16. Por força da ação da água que entrou na máquina aludida em 9., alínea c), o menu inicial deixou de ser apresentado sempre que o touch screen era ligado,
17. sendo que essa máquina não pode ser reparada, pois não existem placas para substituir o módulo e não pode ser efetuada a reparação do mesmo.
18. A máquina aludida em 9., alínea c), já não se encontra à venda no mercado,
19. sendo que um aparelho com características semelhantes custa cerca de € 3.039,99.
20. A máquina aludida em 9., alínea c), permitia efetuar um tratamento específico para reduzir e eliminar a gordura localizada.
21. Tal máquina fazia com que muitas pessoas se deslocassem ao estabelecimento da A. para fazerem aquele tratamento específico que a mesma proporcionava.
22. Sem poder utilizar a referida máquina, a A. perdeu clientes para outros concorrentes,
23. o que provocou uma diminuição do seu lucro.
24. O circunstancialismo acima aludido, respeitante à inundação e às consequências da mesma, provocou irritação, tristeza, angústia e nervosismo na A.,
25. que tem receio que tal situação volte a repetir-se.
26. A fração ocupada pelo R. é propriedade de II, de JJ e de KK.
27. O R., em 20 de maio de 2013, celebrou com II, JJ e KK, um acordo escrito denominado “contrato de arrendamento para habitação de duração limitada e com prazo certo”, cujo teor, constante do documento n.º 1, junto pelo R. aqui se dá por reproduzido, por via do qual estes, na qualidade de senhorios, cederam àquele, na qualidade de arrendatário, o gozo da referida fração, localizada na Rua ..., na cidade ..., contra o pagamento de uma renda.
28. Conforme da cláusula segunda, alínea f), do contrato aludido em 27., ao R. estava vedado fazer obras ou benfeitorias no locado sem consentimento dos senhorios, dado por escrito.
29. Toda a rede de saneamento da fração ocupada pelo R. passa pelo teto da fração do rés-do-chão, ocupada pela A., encontrando-se colocada entre aquelas frações, designadamente, entre o teto e o pladur da fração ocupada pela A.
30. O acesso à tubagem do saneamento aludida em 29. é feito através de um alçapão existente no teto falso (pladur) colocado na fração ocupada pela A.,
31. sendo necessário entrar no estabelecimento comercial da A. para aceder àquela rede de saneamento.
32. O prédio acima aludido foi construído há, pelo menos, 100 anos. B – FACTOS NÃO PROVADOS
Discutida a causa, não resultaram provados os seguintes factos:
a. A sobredita inundação ocorrida no estabelecimento comercial da A. foi provocada por uma rotura nas canalizações que servem a máquina de lavar roupa que o R. detinha na casa de banho,
b. o que o R., depois de alertado para o sucedido, admitiu no local.
c. O estabelecimento comercial da A. era dos poucos na zona que possuía a máquina aludida em 9., alínea c).
d. A A. sente-se incomodada com o cheiro a bolor e a mofo que percorre o seu estabelecimento, resultante das humidades causadas pela referida infiltração.
e. O desconforto causado pelo odor é tanto que os clientes do estabelecimento se sentem incomodados,
f. o que leva a A a ter que adquirir frequentemente ambientadores para disfarçar o mau cheiro.
g. A A. receia que aquele odor contribuía para afastar os clientes desagradados com o mesmo.
h. Por força da inundação acima relatada e das consequências que dela resultaram, a A. passou a ter insónias.
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IV. Impugnação da matéria de facto:
Como resulta da questão atrás identificada, no recurso impugna-se a decisão da matéria de facto, sendo que nas suas alegações a recorrente questiona a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido no que respeita aos factos dados como não provados sob as alíneas a) e b), entendendo que deveriam os mesmos ter sido dados como provados.
Ou seja, entende a mesma que se devem dar como provados que:
a. a sobredita inundação ocorrida no estabelecimento comercial da A. foi provocada por uma rotura nas canalizações que servem a máquina de lavar roupa que o R. detinha na casa de banho,
b. o que o R., depois de alertado para o sucedido, admitiu no local.
Antes de mais importa aferir, em termos gerais, os contornos em que deve ser a (re)apreciada em 2ª instância.
Estabelece o nº 1 do artº 662º, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto” que, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Daqui decorre que, os recursos da decisão da matéria de facto podem visar objetivos distintos, a saber:
a)a alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, com base na reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (nº 1 do artº 662º do Código de Processo Civil);
b)a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova, matéria de facto alegada pelas partes e que se mostre essencial para a boa resolução do litígio (art. al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil);
c)a apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (também nos termos da al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil).
Ora, no caso sub judice, invoca a recorrente, o erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, pretendendo a alteração da decisão da matéria de facto, a saber, devendo ser considerados como provados, os factos dados como não provados sob as alíneas a) e b), com base na reapreciação dos meios de prova.
Conforme refere o D. Acordão desta Relação de Guimarães, de 7 de abril de 2016, in www.dgsi.pt, “Incumbe à Relação, enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.
Ora, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova, não pode em tal operação esquecer a Relação os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
Como refere o Dr Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed ,pág. 245, “(…) ao nível da reapreciação dos meios de prova produzidos em 1ª instância e formação da sua própria e autónoma convicção, a alteração da decisão de facto deve ser efectuada com segurança e rodeada da imprescindível prudência e cautela, centrando-se nas desconformidades encontradas entre a prova produzida em audiência, após a efectiva audição dos respectivos depoimentos, e os fundamentos indicados pelo julgador da 1ª instância e nos quais baseou as suas respostas, e que habilitem a Relação, em conjunto com outros elementos probatórios disponíveis, a concluir em sentido diverso, quanto aos concretos pontos de facto impugnados especificadamente pelo recorrente; Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida - que há de ser reanalisada pela Relação mediante a audição dos respetivos registos fonográficos -, deverá prevalecer a decisão proferida em 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso, nessa parte.”
Ou seja, a reapreciação da prova pela 2ª instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Em suma, a este Tribunal da Relação caberá apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de primeira instância, face aos elementos de prova considerados, sem prejuízo de, como supra referido, com base neles, formar a sua própria convicção.
Importa agora aferir se a recorrente, que veio impugnar a decisão da matéria de facto, quanto a determinados pontos da matéria de facto que entende deverem ser dados como provados, cumpriu os requisitos de ordem formal que permitem a este Tribunal apreciar aquela impugnação, a saber, seespecifica, como impõe a lei, os concretos pontos da matéria de facto que pretendem ver apreciada e os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa para cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, indicando com exatidão as concretas passagens da gravação dos depoimentos em que se funda o recurso.
Seguiremos aqui a posição já exposta no Acordão 2030/21.0T8VCT.G1, de 14 de setembro de 2023, relatado pela aqui relatora:
“A este propósito, estabelece o artº 640º do Código de Processo Civil que: “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
Ou seja, da leitura do preceito atrás citado resulta que, sem embargo da arguição de nulidades da sentença que visem a matéria de facto, o recurso pode versar a impugnação da decisão da matéria de facto provada ou não provada, devendo o recorrente concretizar quer os segmentos que entende erradamente julgados, quer os meios de prova que determinam uma decisão diversa.
Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de outubro de 2015, in www.dgsi.pt“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Também o Acórdão de 19 de fevereiro de 2015, daquele mesmo Tribunal, in www.dgsi.pt, refere que “(...), a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. (…) Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no nº 1 do artigo 662º do CPC. (…) É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640º, nº 1, proémio, e nº 2, alínea a), do CPC”. (…) Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1 do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”.
Como refere o recente Acordão desta Relação de Guimarães, de 30 de março de 2023, relatado pela Srª Desembargadora Fernanda Proença Fernandes, in www.dgsi.pt e que aqui de perto seguimos, “Com este novo regime, em contraposição com o anterior, pretendeu-se que fosse rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem em abstracto contra a decisão da matéria de facto. Nessa medida, o recorrente tem que especificar os exactos pontos que foram, no seu entender, erradamente decididos e indicar, também com precisão, o que entende que se dê como provado. A imposição de tais indicações precisas ao recorrente, visou impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p.153)”.
A fim de evitar impugnações abstratas e genéricas da matéria de facto, incumbe ainda ao recorrente especificar os concretos meios de prova que entende serem determinantes para a impugnação de cada um dos factos que reputa erradamente decididos (neste sentido Dr Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª Edição, pág. 155).
Ou seja, ao recorrente que impugna a decisão da matéria de facto incumbe, quanto a cada um dos factos que entende ter sido erradamente decidido e pretende ver decidido de forma distinta, indicar, com detalhe, como se refere no último dos Acordãos citado, “(…) os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, discriminadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada, evitando-se assim que sejam apresentados recursos inconsequentes, e sem fundamentação que possa ser apreciada e analisada. Ou seja, não são admissíveis impugnações em bloco que avolumem num ou em vários conjuntos de factos diversos a referência à pertinente prova que motiva a pretendida alteração das decisões e que, na prática, se reconduzem a uma impugnação genérica, ainda que parcelar”.
Neste sentido decidiram os Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de dezembro de 2017 e 5 de setembro de 2018, in www.dgsi.pt., quando, respetivamente, nos pontos II e III - IV dos respetivos sumários referem que “II. Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.” (o primeiro) e “III - Limitando-se o impugnante a discorrer sobre os meios de prova carreados aos autos, sem a indicação/separação dos concretos meios de prova que, relativamente a cada um desses factos, impunham uma resposta diferente da proferida pelo tribunal recorrido, numa análise crítica dessa prova, não dá cumprimento ao ónus referido na al. b) do n.º 1 do art. 640.º do CPC”. e “IV - Ou seja, o apelante deve fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o(s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas, sob pena de se tornar inviável o estabelecimento de uma concreta correlação entre estes e aquelas.” (o segundo).
Acresce que incumbe, a quem pretende impugnar a decisão da matéria de facto, pondo em causa a convicção do Tribunal, sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência, em sede de motivação e conclusões, fazer uma análise crítica da prova, apresentando razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados (neste sentido Acordão da Relação de Guimarães de 11 de julho de 2017, in www.dgsi.pt).
E a este ónus de impugnação, acresce o ónus de conclusão, previsto no nº 1 do artº 639º, do Código do Processo Civil, que estabelece que o “recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, definindo-se assim o objecto do recurso.
Assim, nas conclusões cabe ao recorrente indicar, de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objecto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (neste sentido, Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de junho de 2013, in www.dgsi.pt)”.
Aqui chegados, revertamos ao caso em crise.
A este propósito a recorrente vem impugnar a decisão da matéria de facto, pretendendo que se deem como provados os factos vertidos nas alíneas a) e b) dos factos não provados, a saber:
a. A sobredita inundação ocorrida no estabelecimento comercial da A. foi provocada por uma rotura nas canalizações que servem a máquina de lavar roupa que o R. detinha na casa de banho,
b. o que o R., depois de alertado para o sucedido, admitiu no local.
Assim sendo, podemos desde já dar como assente que em sede de motivação e conclusões, foram identificados os pontos concretos, da matéria dada como não provada em sede de sentença que pretende impugnar sendo ainda enunciada qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas, a saber, serem aqueles pontos concretos dados como provados.
E será que, como se lhe impunha, indicou o mesmo, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, indicando com exatidão, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Entendemos que sim e isto porque a mesma resulta da motivação e conclusões apresentadas.
Assim sendo, entendendo-se que a recorrente, no que à impugnação da matéria de facto diz respeito, cumpriu o triplo ónus da impugnação, cabe-nos apreciar da mesma.
Assim, vejamos agora se, conforme pretende o recorrente, face à prova produzida, deveria o Tribunal a quo ter dado como provados os factos que, sob as alíneas a) e b) deu como não provados, a saber que: a. A sobredita inundação ocorrida no estabelecimento comercial da A. foi provocada por uma rotura nas canalizações que servem a máquina de lavar roupa que o R. detinha na casa de banho, b. o que o R., depois de alertado para o sucedido, admitiu no local.
É a seguinte a convicção do Tribunal a quo, no que aos pontos impugnados diz respeito: “A convicção do tribunal fundou-se na apreciação crítica da prova pericial, documental e testemunhal realizada, tendo ainda em consideração as regras da experiência comum. Importará precisar, no que se refere às declarações de parte prestadas pela A., que o tribunal, com exceção das partes de tais declarações que se mostram confirmadas por outros elementos probatórios, não lhes atribuiu relevância, dado o óbvio interesse que a A. demonstrou no desfecho desta ação, o que sempre permite colocar dúvidas quanto à sua isenção e objetividade. No que respeita ao depoimento de parte prestado pelo R., o mesmo não relevou para a formação da convicção do tribunal, pois o R., certamente por força da doença do foro mental que o afeta (doença de Alzheimer), comprovada pelo teor do atestado médico junto aos autos, não revelou possuir memória da generalidade dos acontecimentos que se discutem no âmbito deste processo. (…) No que se refere à factualidade constante do ponto 4., temos que a mesma foi corroborada pela A., no decurso das declarações de parte que prestou, e, bem assim, pelas testemunhas EE (que reparou algumas das máquinas acima referidas) e DD (que trabalhou para a A. durante 5 anos, até ../../2022). Tal factualidade mostra-se, igualmente, demonstrada pelo teor dos documentos n.ºs 4 a 25 juntos pela A. Considerando os ditos elementos de prova, dúvidas não restaram acerca da veracidade da factualidade em causa, constante do ponto 4. (…) A decisão, quanto aos factos inseridos nas alíneas a. e b., baseou-se na absoluta falta de produção da respetiva prova. Na verdade, não foi produzido um único elemento de prova demonstrativo de que a sobredita inundação ocorrida no estabelecimento comercial da A. tenha sido provocada por uma rotura nas canalizações que servem a máquina de lavar roupa que o R. detinha na casa de banho. Vejamos. Importará começar por referir que a A., no decurso das declarações de parte que prestou, não revelou possuir conhecimento direto do que esteve na origem da inundação em causa. A este respeito, a A. limitou-se a alegar que, no dia em que aquela inundação ocorreu, o R. desceu até ao seu estabelecimento comercial e, tendo sido confrontado com a inundação, terá exclamado “Ai que foi a máquina de lavar!”. Mais referiu a A. que o R. nunca lhe disse que se tratava de uma máquina de lavar roupa colocada na casa de banho da fração que ocupava e que, nessa fração, imediatamente por cima do local por onde se infiltrou a água no estabelecimento comercial da A, fica a cozinha e não a casa de banho. A testemunha DD também não revelou possuir qualquer conhecimento direto acerca da factualidade em causa, tendo apenas referido que a A. lhe disse que a inundação teria sido provocada por um tubo de uma máquina do R. A testemunha EE disse desconhecer em absoluto o que terá provocado a descrita inundação. No mesmo sentido, a testemunha CC reconheceu desconhecer o que terá provocado a mencionada inundação de água, sendo que apenas fez constar no relatório de averiguação por si elaborado que a infiltração teve origem na fração ocupada pelo aqui R. porque tal lhe foi transmitido pela própria A. Também a testemunha HH (construtor civil) revelou desconhecer em absoluto o que esteve na origem da mencionada inundação. A testemunha FF disse que, na data em que a aludida inundação ocorreu, foi à fração ocupada pelo R., a pedido deste, para aferir se aquela inundação provinha dessa fração e, em caso de resposta positiva, no sentido de diligenciar pela reparação do problema que estava na sua origem. Esta testemunha esclareceu que, depois de proceder a uma vistoria na fração ocupada pelo R., não detetou quaisquer indícios de que a inundação tenha provindo da mesma, designadamente, por força da rotura do tubo de alguma máquina, tendo concluído no sentido de que a inundação teria de provir das canalizações colocadas entre as frações ocupadas por A. e R. No mesmo sentido, a testemunha GG (que vive com o R. em união de facto) negou que a inundação que se aprecia tivesse origem na fração ocupada pelo R. Do teor do relatório pericial junto aos autos resulta que, efetivamente, toda a rede de saneamento da fração ocupada pelo R. passa pelo teto da fração do rés-do-chão, ocupada pela A., encontrando-se colocada entre o teto e o pladur aí existente. Mais resulta que o acesso à tubagem do saneamento da fração ocupada pelo R. é feito através de um alçapão existente no teto falso (pladur) existente na fração ocupada pela A. Resulta também do relatório pericial que o piso da fração ocupada pelo R. é em estrado de madeira, o que permite uma maior facilidade de passagem das águas para o rés-do-chão em caso de infiltração das águas através do pavimento dessa fração. Mais resulta do relatório pericial que, contíguo ao imóvel ocupado por A. e R., se localiza um outro imóvel, cuja cobertura é adjacente à parede exterior do imóvel ocupado por A. e R. e onde se encontra colocado um caleiro de recolha de águas. Caso aquele caleiro se encontrasse entupido ou danificado, poderia haver a possibilidade de ocorrência de infiltrações de água através da cobertura do imóvel contíguo ao imóvel ocupado por A. e R., sendo que, caso tal ocorresse e houvesse infiltração de água através da parede divisória em alvenaria de pedra existente entre os imóveis, então poderia ocorrer infiltração de água para o interior da fração ocupada pela A. No entanto, na data da peritagem, o Sr Perito não identificou na fração ocupada pela A, indícios de infiltração de água na parede de alvenaria de pedra que separa os dois imóveis. Considerando o teor do relatório pericial, sem esquecer os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito no âmbito da audiência final, podemos concluir no sentido de que a inundação que se discute pode ter sido originada por água provinda da fração ocupada pelo R., por água provinda das canalizações existentes entre as frações ocupadas por A. e R. ou por água provinda do imóvel contíguo ao imóvel onde se situam estas frações. Esta terceira hipótese, porém, não tendo sido totalmente descartada pelo Sr. Perito, mostra-se menos provável, pois o Sr. Perito não identificou na fração ocupada pela A. indícios de infiltrações de água na parede de alvenaria de pedra que separa os dois imóveis. A verdade é que, considerando o teor do relatório pericial, não é possível concluir no sentido de que a infiltração de água que se discute tenha provindo de uma rotura nas canalizações que servem a máquina de lavar roupa que o R. detinha na casa de banho. De referir ainda, no que respeita à alegação produzida pela A. de que o R. lhe teria dito que a infiltração foi provocada pela máquina de lavar, que no relatório de averiguação junto aos autos e elaborado pela testemunha CC consta o seguinte: “Informou que a água surgiu no teto oriundo do 1º andar, e que aquando o ocorrido informou o inquilino deste andar do sucedido, referindo ainda que possivelmente terá sido alguma rotura na casa de banho do mesmo, tendo em conta que se apercebeu de alguém face ao ocorrido ter saído de lá com um tubo de canalização. Face ao exposto, e uma vez que não conseguiu resolver o assunto com o inquilino da fração superior, referiu decidir participar a ocorrência à sua Seguradora, uma vez que tem seguro que no seu entender cobre este tipo de situações.”. Ou seja, a A. nunca declarou àquele CC que o R. lhe disse que a referida inundação provinha de uma máquina de lavar, antes tendo a A. declarado que a origem de tal inundação teria provindo de alguma rotura na casa de banho da fração ocupada pelo R. e que chegou a essa conclusão porque se apercebeu de alguém ter saído da fração ocupada pelo R. com um tubo de canalização. Portanto, se a A. referiu ao dito CC que a inundação em causa proveio de alguma rotura na casa de banho da fração ocupada pelo R., tendo chegado a tal conclusão porque se apercebeu de alguém ter saído dessa fração com um tubo de canalização, já no decurso das declarações de parte que prestou a A. alegou que o R. lhe teria referido que a inundação foi originada por um problema numa máquina de lavar, sendo que, imediatamente por cima do local por onde caiu a água, se situa, na fração ocupada pelo R., não a casa de banho, mas a cozinha. Importa, ainda, referir que no relatório de averiguação elaborado pela testemunha CC consta a informação de que o aqui R., tendo sido interpelado sobre o ocorrido na fração inferior, referiu desconhecer o mesmo, alegando que não teve qualquer problema na habitação em que residia. Analisados os demais documentos juntos aos autos, dos mesmos não é possível retirar qualquer conclusão acerca do que motivou a infiltração de água acima mencionada. Considerando todos os aludidos elementos de prova, outra decisão não poderia ter sido tomada que não fosse a de considerar não provada a factualidade inserida nas alíneas a. e b., pois que a mesma não se mostra confirmada por qualquer um deles. (…)”.
Diga-se, antes de mais, que foram ouvidos todos os depoimentos prestados em sede de audiência, os esclarecimentos prestados pelo senhor perito e revistos os demais meios de prova produzidos, a saber, o relatório pericial e demais documentos, sendo que findo tal exercício, este Tribunal da Relação criou uma convicção que coincide com a do Tribunal a quo.
Vejamos.
Em sede de petição inicial veio a autora, ora recorrente alegar que: “(…) 3º No dia 7 de Dezembro de 2020, ocorreu uma inundação no estabelecimento comercial da Autora acima identificado. 4º De facto, naquele dia, pelas 12h30 horas, caiu grandes quantidades de água pelo teto do estabelecimento, oriunda da fração do Réu, tendo danificado o teto falso e três máquinas de trabalho que ali se encontravam. 5º Imediatamente alertado para o sucedido, o Réu admitiu no local que tal inundação teria sido provocada por uma rotura nas canalizações que servem a máquina de lavar roupa que ele detinha na casa de banho. (…)”
Na sua contestação veio o Réu, ora recorrido, não só impugnar os factos alegados, referindo não ter existido qualquer inundação no dia referido pela Autora/recorrente, como ainda não poder o mesmo ter acesso ás canalizações que se situam entre o seu piso e o pladur que serve de teto àquela, alegando ainda que, existe um
Efetivamente, a matéria de facto que foi dada como não provada e foi impugnada era matéria de facto cujo ónus da prova incidia sobre a Autora que a veio alegar.
Ora, em sede de apreciação efetuada por este Tribunal, diga-se, antes de mais, que foram ouvidos todos os depoimentos prestados em sede de audiência, os esclarecimentos prestados pelo senhor perito e revistos os demais meios de prova produzidos, a saber, o relatório pericial e demais documentos, sendo que findo tal exercício, este Tribunal da Relação criou uma convicção que coincide com a do Tribunal a quo.
Efetivamente, ouvido o depoimento da autora do mesmo resulta que a mesma em nenhuma altura se deslocou ao andar do réu, pelo que, não pode aferir se no mesmo se verificou qualquer inundação e qual a causa da mesma.
No seu depoimento a mesma apenas referiu que, no dia da ocorrência, o réu se deslocou ao rés do chão e perante a inundação terá exclamado “Ai que foi a máquina de lavar”, sendo certo que, como refere o Tribunal a quo na sua motivação “Mais referiu a A. que o R. nunca lhe disse que se tratava de uma máquina de lavar roupa colocada na casa de banho da fração que ocupava e que, nessa fração, imediatamente por cima do local por onde se infiltrou a água no estabelecimento comercial da A, fica a cozinha e não a casa de banho”.
Ou seja, do depoimento da autora resulta ter a mesma descrito a causa da inundação, não porque tenha presenciado, designadamente, deslocando-se ao andar do réu, mas sim com base numa declaração emitida, à data por aquele.
Importa assim aferir se dos autos resulta qualquer outra prova que permita concluir que, não só o réu emitiu aquela declaração, mas também que a mesma correspondia à verdade dos factos.
Foi ouvida a testemunhaDD que, á data do evento era funcionária da autora, exercendo no local a atividade de cabeleireira.
Resultou do seu depoimento que não se deslocou ao andar do réu, pelo que não revelou qualquer conhecimento direto acerca da factualidade em causa, tendo apenas referido que a autora lhe terá dito que a inundação teria sido provocada por um tubo de uma máquina do réu.
A testemunha EE, engenheiro que prestou serviços de reparação de máquinas à autora, não se encontrava no local à data do evento e referiu desconhecer em absoluto o que terá provocado a descrita inundação.
A testemunha CC, perito avaliador que elaborou, ao serviço da Companhia de Seguros EMP01..., relatório de averiguações que veio a ser junto aos autos a 11 de julho de 2023, reconheceu desconhecer o que terá provocado a mencionada inundação de água, sendo que apenas fez constar no relatório de averiguação por si elaborado que a infiltração teve origem na fração ocupada pelo aqui réu porque tal lhe foi transmitido pela própria autora.
Efetivamente, do relatório por si elaborado e junto, conforme atrás se referiu, aos autos a 11 de julho de 2023, resulta que o mesmo se deslocou ao local a 20 de janeiro de 2020, acompanhado da autora que lhe disse que na data da ocorrência começou a cair água do 1º andar, tendo informado o inquilino do 1º andar, resultando a mesma de uma rotura na casa de banho.
Do mesmo relatório resulta que a testemunha interpelou então o réu que referiu desconhecer o ocorrido e que não tinha qualquer problema na sua habitação, referindo ainda que a mesma era arrendada.
Ora, daqui resulta que, aquando da participação e da interação com o perito avaliador, a autora não mencionou a existência de uma qualquer rotura nas canalizações que servem a máquina de lavar roupa que o réu detinha na casa de banho, mas sim de uma rotura dos canos da casa de banho.
Temos pois de concordar com a motivação da sentença em crise, quando refere “Ou seja, a A. nunca declarou àquele CC que o R. lhe disse que a referida inundação provinha de uma máquina de lavar, antes tendo a A. declarado que a origem de tal inundação teria provindo de alguma rotura na casa de banho da fração ocupada pelo R. e que chegou a essa conclusão porque se apercebeu de alguém ter saído da fração ocupada pelo R. com um tubo de canalização. Portanto, se a A. referiu ao dito CC que a inundação em causa proveio de alguma rotura na casa de banho da fração ocupada pelo R., tendo chegado a tal conclusão porque se apercebeu de alguém ter saído dessa fração com um tubo de canalização, já no decurso das declarações de parte que prestou a A. alegou que o R. lhe teria referido que a inundação foi originada por um problema numa máquina de lavar, sendo que, imediatamente por cima do local por onde caiu a água, se situa, na fração ocupada pelo R., não a casa de banho, mas a cozinha”.
Ouvida a testemunha HH, construtor civil, que referiu conhecer a autora e o réu, referiu ainda desconhecer o que terá causado a mencionada inundação.
Já a testemunha FF que referiu ser marceneiro e, no decurso do seu depoimento disse ser sobrinho do réu, referiu que, na data em que a aludida inundação ocorreu foi chamado ao local e deslocou-se à fração ocupada pelo réu, a pedido deste, para verificar se a inundação ocorrida no rés do chão da autora provinha da fração do 1º andar.
Pretendia o réu que, caso de resposta positiva, diligenciar pela reparação do problema que estava na sua origem.
A testemunha esclareceu o tribunal que, depois de proceder a uma vistoria na fração ocupada pelo réu, não detetou, como se refere na motivação do Tribunal a quo “(…) quaisquer indícios de que a inundação tenha provindo da mesma, designadamente, por força da rotura do tubo de alguma máquina, tendo concluído no sentido de que a inundação teria de provir das canalizações colocadas entre as frações ocupadas por A. e R”.
No mesmo sentido, a testemunha GG, que vive em união de facto com o réu, negou que a origem da inundação no rés do chão da autora estaria na fração do réu.
Ora, apesar de estes dois últimos depoimentos terem sido prestados demonstrando algumas hesitações, pausas e até “interesse”, a verdade é que tal não permite, por si, concluir o contrário do que os mesmos referiram e isto, porque, conforme resulta dos demais depoimentos prestados, ninguém se deslocou ao 1º andar à data do evento e pode aferir da causa da inundação.
Ora, conforme já atrás se referiu, a eventual declaração do réu, prestada à autora, não só não foi verificada em sede de julgamento, aquando do depoimento prestado por este, sendo certo ainda que, também não foi infirmada por outrem que não a autora, sendo certo que a mesma não permite concluir pela existência de uma rotura na canalização que ligava á máquina de lavar.
E o mesmo se diga quanto a uma declaração de que alguma responsabilidade teria o réu, e isto porque, em sede de julgamento o mesmo não referiu qualquer evento que pudesse ter causado a inundação no rés do chão, mas tão só, ter alguma responsabilidade por viver naquela fração!!!
Foi ainda junto aos autos relatório pericial elaborado por LL que também foi ouvido em sede de audiência de discussão e julgamento.
Do relatório junto, resulta que, toda a rede de saneamento da fração ocupada pelo réu passa pelo teto da fração do rés-do-chão, ocupada pela autora, encontrando-se colocada entre aquele teto e o pladur existente.
Resulta do relatório pericial em causa que o acesso à tubagem do saneamento da fração ocupada pelo réu se faz através de um alçapão existente no teto falso (pladur) existente na fração ocupada pela autora. Ou seja, para se aceder àquela tubagem é necessário entrar na fração da autora e usar aquele alçapão.
Resulta também do relatório pericial que o piso da fração ocupada pelo réu é em estrado de madeira, permitindo, em caso de inundação, uma maior facilidade na passagem/infiltração das águas para o rés-do-chão.
Daquele relatório pericial resulta ainda que existe um imóvel contíguo ao imóvel ocupado pela autora e réu, sendo a cobertura daquele adjacente à parede exterior do imóvel ocupado por estes e onde se encontra colocado um caleiro de recolha de águas.
Referiu o perito naquele relatório que, caso aquele caleiro se encontrasse entupido ou danificado, poderia haver a possibilidade de ocorrência de infiltrações de água através da cobertura do imóvel contíguo ao imóvel ocupado por autora e réu, sendo que, caso tal ocorresse e houvesse infiltração de água através da parede divisória em alvenaria de pedra existente entre os imóveis, então poderia ocorrer infiltração de água para o interior da fração ocupada pela A.
Resulta ainda que, à data da peritagem, o Sr Perito não identificou na fração ocupada pela autora, indícios de infiltração de água na parede de alvenaria de pedra que separa os dois imóveis.
Temos de concordar com as conclusões extraídas pelo Tribunal a quo, na sua sentença quando refere que “Considerando o teor do relatório pericial, sem esquecer os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito no âmbito da audiência final, podemos concluir no sentido de que a inundação que se discute pode ter sido originada por água provinda da fração ocupada pelo R., por água provinda das canalizações existentes entre as frações ocupadas por A. e R. ou por água provinda do imóvel contíguo ao imóvel onde se situam estas frações. Esta terceira hipótese, porém, não tendo sido totalmente descartada pelo Sr. Perito, mostra-se menos provável, pois o Sr. Perito não identificou na fração ocupada pela A. indícios de infiltrações de água na parede de alvenaria de pedra que separa os dois imóveis. A verdade é que, considerando o teor do relatório pericial, não é possível concluir no sentido de que a infiltração de água que se discute tenha provindo de uma rotura nas canalizações que servem a máquina de lavar roupa que o R. detinha na casa de banho”.
Ou seja, a prova produzida e que foi apreciada por este Tribunal na sua globalidade não permite, ao contrário do pretendido pela autora, ora recorrente, dar como provados os factos elencados sob as alíneas a) e b) dos factos não provados, motivo porque se julga improcedente a impugnação deduzida.
*
V. Do direito:
Aqui chegados e apesar de não se ter introduzido as pretendidas alterações à matéria de facto provada e não provada, importa aos autos aferir se, como pretende a autora, ora recorrente, perante os factos provados, estão preenchidos os pressupostos previstos no nº 1 do artº 483º, do Código Civil, a saber, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
Vejamos.
Conforme refere a sentença em crise e com a qual concordamos, “Estamos, de facto, atenta a forma como a A. configura a acção, perante uma hipótese de eventual responsabilidade civil extracontratual, ancorada na violação de deveres gerais de conduta, sendo requisitos do dever de indemnizar com fundamento nesse tipo de responsabilidade a existência de um facto voluntário, a ilicitude deste, a culpa do seu autor, o dano e o nexo de causalidade entre tal facto e esse dano (artigo 483º, n.º 1, do CC). O facto voluntário refere-se a todo o comportamento humano voluntário relevante para efeitos de responsabilidade civil, lesivo de bens jurídicos pessoais e (ou) patrimoniais, podendo ser praticado por via de acção ou por via de omissão, sendo que, como decorre do disposto no artigo 486º do CC, as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido. O nexo de imputação subjectiva exprime a ligação psicológica do agente com a produção do sinistro e traduz o grau de censurabilidade que a conduta merecer. O dano representa o desvalor infligido aos bens jurídicos alheios por acção do facto ilícito. Finalmente, o nexo de causalidade revela-se no juízo de imputação objectiva do dano ao facto que o produz. No caso em apreciação, importará aferir se o R. omitiu algum comportamento e se esse comportamento omitido era devido, por força da lei, sendo certo que a hipótese de existência de um comportamento devido por força de negócio jurídico não se coloca (artigo 486º do CC).
Quanto ao estipulado pela lei, há que ter em conta que, como ensinava Antunes Varela (RLJ – ano 114, pp. 77-79), “o criador ou o mantenedor da situação especial de perigo pelo dever jurídico de o remover, sob pena de responder pelos danos provenientes da omissão (é o caso do atropelante que não conduz ao hospital o atropelado, vindo este a sofrer novo e mortal atropelamento, do proprietário que descura o dever de conservação das pranchas de madeira utilizadas na ponte da sua quinta ou do empreiteiro que abra um buraco na via pública)”.
A este respeito acrescenta Brandão Proença (in Direito das Obrigações – Relatório Sobre o Programa, o Conteúdo e os Métodos do Ensino da Disciplina, 2007, págs. 180/181) que, como projecções legais desse dever, estão as normas dos artigos 492º, 493º, 502º, 1347º - 1350º e 1352º, do Cód. Civil, mais referindo que os deveres em causa têm a ver com a prevenção dos perigos em locais privados ou públicos (estradas, edifícios), relacionados com coisas (venenos) ou actividades perigosas.
Nos termos do disposto no artigo 492º, n.º 1, do CC, “O proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.”.
Estipula o n.º 2 do mesmo preceito legal que “A pessoa obrigada, por lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra responde, em lugar do proprietário ou possuidor, quando os danos forem devidos exclusivamente a defeito de conservação.”.
Por sua vez, o artigo 493º, n.º 1, do CC, dispõe que “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”.
O n.º 2 do dito normativo estipula que “Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.”.
Aqui chegados, importará começar por referir que, no meu entendimento, o estipulado no artigo 492º do CC não terá aplicação na situação em apreciação.
Desde logo, porque, como vem referido no acórdão do STJ de 07/10/2014 (proferido no processo n.º 2009/11.0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt), “(…) a fração da ré não ruiu, no todo nem em parte, pois não se desmoronou nem a própria fração nem alguma das suas paredes divisórias, não sendo em consequência essa inexistente ruína que deu origem aos danos sofridos pelo autor, os quais, no que à fração da ré respeita, derivaram da falta da devida e eficaz ligação do toalheiro ao terminal da tubagem proveniente do exterior e não de qualquer desabamento”. Ou seja, não tendo a fração do R. ruído, no todo ou em parte, nunca poderia enquadrar-se a situação em apreciação no estipulado no artigo 492º do CC. Igualmente, como vem defendido no dito acórdão do STJ, não tem aqui aplicação o disposto no n.º 2 do citado artigo 493º, já que os danos em causa não resultaram de qualquer atividade perigosa desenvolvida pelo R., “tendo em conta que tal perigosidade se deve aferir pela própria natureza da actividade ou dos meios para ela utilizados, como seria o caso da navegação marítima ou aérea, comércio de substâncias ou materiais inflamáveis, fabrico de explosivos, tratamentos médicos com raios X, ou outras.”. Entendo, assim, que a situação que se discute, tal como vem configurada pela A., se integra no disposto no artigo 493º, n.º 1, do CC, pois que esta alega que a infiltração de águas em questão proveio do imóvel ocupado pelo R., designadamente, da casa de banho, provocada por uma rotura nas canalizações que servem a máquina de lavar roupa, sendo que o R. teria o dever de vigiar tais canalizações, em atenção ao aludido dever genérico de prevenção de perigo para outrem que recai sobre os donos de coisas públicas ou privadas mesmo que imóveis, tomando as necessárias medidas tendentes a evitar o maior ou menor risco de ocorrência de algum sinistro. Como se menciona no dito acórdão do STJ, “Não se consagra nestes dispositivos qualquer responsabilidade pelo risco, mas apenas uma presunção de culpa, ou seja, não tem aqui o autor de provar a culpa da ré, sendo esta, seja a ré inicial seja a sua seguradora, que tem de provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”. Como se decidiu no acórdão do TRL de 29/01/2009 (proferido no processo n.º 10782/2008-6, in www.dgsi.pt), “O proprietário (ou detentor) de um bem, móvel ou imóvel, além de estar sujeito às restrições ou limitações que a lei lhe impõe (dever de abstenção) tem obrigação de adoptar as medidas adequadas (dever de conteúdo positivo) a evitar o perigo criado pela sua própria actuação ou decorrente, por outros motivos, do bem que lhe pertence. Assim, quem tem tiver em seu poder coisa, móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou de que os danos se teriam igualmente produzido, ainda que não houvesse culpa sua. O facto que atua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excecionais. O dono de uma fração autónoma responde pelos danos causados em fração situada no piso inferior, em consequência de inundação (ou derrame de água) nela verificada e que seja causa de infiltrações verificadas na fração inferior, com a produção de danos, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido mesmo que não houvesse culpa”
Vejamos.
No caso sub judice, veio a autora imputar ao réu a responsabilidade pelos danos por si sofridos em resultado de uma inundação originada na fração daquele, situada no 1º andar.
Dos autos apenas resultou demonstrado e isto porque apenas tais factos conseguiu a autora, ora recorrente provar que, no dia 7 de dezembro de 2020, pelas 12:30 horas, ocorreu uma inundação no seu estabelecimento comercial, tendo caído água pelo teto do estabelecimento.
Ora, não conseguiu a autora, ora recorrente demonstrar que, tal inundação teve origem, proveniência no andar do réu, sito no 1º andar, sendo certo que, do nº 1 do artº 493º do Código Civil resulta que, será responsável quem tem a vigilância de coisa imóvel, no caso a vigilância do estado e das condições de um apartamento.
Assim, se de uma fracção, designadamente do seu interior, provém água, cabe ao respectivo proprietário ou possuidor responder pelos danos decorrentes da inundação ou infiltrações provocados nos pisos ou apartamentos inferiores. Torna-se pois necessário que se prove que a água provém do interior de uma fracção, que no seu interior teve origem.
Conforme refere o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 2010, relatado pelo Sr Conselheiro Salazar Casanova, in www.dgsi.pt “A lei admite que a presunção de culpa que incide sobre quem tem o dever de vigilância seja ilidida; uma coisa é a ilisão quanto à culpa, outra a prova de que o dano não teve origem na coisa sob vigilância. Ali há uma excepção, aqui, mais rigorosamente, uma contraprova, pois compete ao autor o ónus de provar (artigo 342.º/1 do Código Civil) que o facto danoso ocorreu ou foi causado pela coisa sob vigilância”.
Ora, salvo o devido respeito por contrária opinião, a autora, ora recorrente e lesada não conseguiu demonstrar que as águas infiltradas tiveram a sua origem, proveniência ou causa no interior do imóvel do réu, e isto porque apenas se demonstrou ter ocorrido uma inundação no seu estabelecimento comercial, tendo caído água pelo teto do estabelecimento.
Assim sendo, não se encontram preenchidos os pressupostos previstos no artº 493º, nº 1 do Código Civil, aplicável ao caso sub judice.
Diga-se que, tal como refere o citado Aresto, e como é entendimento da autora, ora recorrente, se “os lesados produziram a prova necessária e suficiente para ser imputada a estes últimos a responsabilidade pelos danos causados, não sendo exigível que provassem a causa, rectius, a sub-causa que em concreto originou o escorrimento das águas, porventura uma ruptura de canalização, porventura uma possível torneira deixada aberta. O proprietário tem o dever de vigiar o estado de conservação do imóvel que é sua propriedade de sorte a impedir que nele se ocasionem focos danosos. Neste sentido, Ac. do S.T.J. de 31-1-2002 (Moitinho de Almeida) (revista n.º 4050/01 - 2ª secção), Ac. do S.T.J. de 24-5-2005 (Barros Caldeira) (revista n.º 4695/04 -1ª secção) e Ac. do S.T.J. de 7-12-2005 (Lucas Coelho) (P. 2154/2005); ou ainda, como se refere no Ac. do S.T.J. de 11-7-2006 (Fernandes Magalhães) (revista n.º 1780/06 - 6ª secção) o lesado não tem de provar sub-causas”.
Acontece porém que, no caso sub judice, a lesada, não conseguiu fazer prova da origem, proveniência das águas que se infiltraram no teto da sua fração, ou seja, a causa da inundação.
Nestes termos, nãoprovando a autora, recorrente e lesada que as águas que inundaram e danificaram a fração pela mesma ocupada tiveram origem, proveniência no interior do apartamento ocupado pelo réu, ora recorrido, não se encontra preenchido, nos termos do artº 342º do Código Civil, o ónus da prova que sobre aquela incidia, de que o facto danoso teve origem ou causa na coisa sob vigilância dos réus.
Nestes termos, julga-se improcedente o recurso deduzido.
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VI. Decisão:
Considerando quanto vem exposto acordam os Juízes desta Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida
Custas pela recorrente/ré.
Guimarães, 28 de novembro de 2024
Relatora: Margarida Gomes
Adjuntas: Sandra Melo.
Paula Ribas.