SERVIDÃO
USUCAPIÃO
Sumário


I. Na usucapião, a servidão é imposta por uma parte à outra, sendo que o seu conteúdo é delimitado pela posse que conduziu a essa constituição.
II. E, sendo assim, não carece o prédio dominante de estar encravado, quer absoluta, quer relativamente, nem haverá que atentar no conceito de “menor prejuízo” na constituição da servidão.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


Processo: 353/21.7T8RMR.E1

ACÓRDÃO
I.RELATÓRIO
1. Na presente acção declarativa sobre a forma de processo comum, que AA na indicada qualidade de cabeça de herança de BB, CC, DD na indicada qualidade de cabeça de casal da herança de EE, FF, GG, HH, II intentam contra JJ e KK, alegaram os AA. em síntese que:
São proprietários e possuidores de prédios rústicos e mistos melhor identificados nos autos.
Os RR. são donos de prédio urbano.
A atravessar prédio dos RR. existe há mais de 20, 30, 50, 70, 100 e mais anos, uma servidão de passagem delimitada no solo através de sinais visíveis e permanentes também conhecida e designada por rua casal de baixo, que entre o mais passa no aludido prédio dos RR., sendo a mesma usada pelos AA. e outros proprietários de prédios para acederem aos mesmos.
Tais prédios dos AA. e de outros proprietários não têm qualquer confrontação com qualquer outro caminho ou com estrada, de modo que a única forma de os AA. acederem aos seus prédios é através daquela servidão.
Tal passagem feita pelos AA. e seus antecessores e outros proprietários sempre foi feita à frente de todos sem oposição de ninguém de forma continuada, pública e pacificamente convictos de exercerem direito próprio.
Em Agosto de 2021 os RR. colocaram uma placa no local onde termina a servidão com o sinal de “propriedade privada – passagem proibida” e colocaram obstáculos à passagem pelo caminho acima referido.
Após chamada das autoridades ao local, os RR. retiraram os obstáculos do caminho, sendo que as autoridades públicas entendem que tal trilho é do domínio público.
Os AA. adquiriram por usucapião o direito de passagem nessa servidão pelo decurso do tempo e pelos actos de posse que nele praticaram, não tendo outra alternativa para passar para os seus terrenos.
Tem ainda os AA. direito a uma indemnização de € 1.000,00 por danos não patrimoniais, e os 6ºs AA. direito a uma indemnização de € 2.000,00 de danos não patrimoniais acrescida de € 102,36 de danos não patrimoniais.
Terminam pedindo:
“Ser reconhecida a constituição por usucapião da servidão de passagem, a favor dos prédios dos AA, que se inicia na Estrada Municipal ...66, tem cerca de 500 metros de comprimento e 3 metros de largura, e que se encontra asfaltada até ao cruzamento com a Rua 1 e dai para a frente, onde atravessa o prédio dos RR, em terra batida, AA, de modo a que possam, por qualquer meio, aceder aos seus prédios, que não têm qualquer ligação com qualquer via pública, devendo os RR. serem condenados em absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou dificultem a passagem dos AA. pela referida servidão.
Serem os RR condenados em reconhecerem que o seu prédio se encontra onerado com uma servidão de passagem para acesso aos prédios dos AA. para a passagem a pé, com tractores agrícolas e outros veículos automóveis, constituída por usucapião;
Assim não se entendendo:
Ser reconhecida a constituição de uma servidão legal de passagem, em beneficio de prédio encravado nos termos do artigo 1550.° do Código Civil, devendo os RR absterem- se de praticar quaisquer actos que impeçam ou dificultem a passagem dos AA. pela referida servidão.
- Serem os RR condenados em reconhecerem que os prédios dos AA se encontram encravados, devendo ser declarada a constituição de servidão por via legal,
- E serem sempre em quaisquer um dos pedidos os RR. condenados ao pagamento de uma indemnização aos 1º,2º,3º,4º e 5º AA., por danos não patrimoniais no valor de € 1.000,00 euros, e condenados no pagamento de uma indemnização aos 6º AA pelos danos não patrimoniais, no montante de € 2.000.00 euros e pelos danos patrimoniais no valor de € 102,36 euros, num total de € 3.118,97 euros, sem prejuízo dos danos patrimoniais que ainda se venham posteriormente a apurar.”.
Os RR. foram citados e contestaram.
Referiram desconhecer se os AA. são donos e proprietários dos prédios de que se arrogam proprietários.
Os 1º a 5º AA. não usam ou passam pelo prédio dos RR, dispondo de acesso aos seus supostos prédios por outras vias, muito mais cómodas e simples.
O que igualmente sucede com o prédio dos 6ºs AA. os quais até há pouco tempo tinham acesso mais curto e directo à via pública através de caminho bem visível sem terem de o fazer pelo prédio dos RR.
A existir qualquer servidão de passagem os respectivos comprimento e largura jamais poderiam onerar o prédio dos RR. no comprimento e largura alegados na petição inicial.
Reconvindo alegaram ser proprietários de um prédio urbano, e pedem seja reconhecida a eles a propriedade desse prédio com a inerente obrigação de os AA. absterem-se de praticar todo e qualquer acto de acesso ou passagem pelo prédio deles RR, e caso seja reconhecida a servidão invocada declarada a mesma extinta por desnecessidade.

2. Realizada a audiência final foi, subsequentemente, proferida sentença que culminou com o seguinte dipositivo:
“a) Condenam-se os Réus JJ e KK a reconhecerem que, onerando o seu prédio - inscrito sob a apresentação nº 72 de 2021/04/13, tendo por causa compra, e que constitui prédio urbano com a área total indicada de 2242 m2, composto de “rés do chão para habitação, arribanas, arrecadação e logradouro”, sob o nº ...54/...26, da Conservatória do Registo Predial Local 1, e que “confronta a norte e nascente com baldio, sul ...A, Poente... B”, e ainda que é “formado pela anexação dos nºs 729, 730 e 731/...18, - existe a favor dos prédios indicados nos factos provados 1, 4, 7, 14 e 19 que pertence aos AA., uma servidão de passagem a pé, de carro, tractores agrícolas e outros veículos automóveis, constituída por usucapião, sendo que o acesso à mesma, é constituído por um caminho com a largura entre 2,50 metros e 3,20 metros e com um comprimento desde o seu inicio e até ao seu fim, de cerca de 500 metros no sentido norte/sul, e que atravessa o prédio dos RR. acima indicado em cerca de 60/70 metros até dar acesso ao prédio dos AA. HH e II e daí para os prédios rústicos dos restantes AA.
b) Condenam-se os RR. a absterem-se de por qualquer forma impedirem ou perturbarem o exercício do direito de servidão acima aludido que onera o seu prédio a favor do prédio dos AA, podendo tais AA sempre que quiserem usar tal servidão a pé ou de carro, tractores agrícolas e outros veículos automóveis.
c) Absolvem-se os RR. do pagamento de qualquer quantia a título de danos patrimoniais ou não patrimoniais a favor dos AA.
d) Reconhecem-se os RR. reconvintes como proprietários do prédio indicado em IV a).
e) Absolvem-se os AA. do pedido reconvencional deduzido pelos RR. na parte em que se pede o reconhecimento da desnecessidade da servidão que onera o prédio dos RR a favor de prédio dos AA.

3. É desta sentença que recorrem os Réus, JJ e KK, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:
a) Vem o presente recurso interposto da sentença que condenou os ora recorrentes a reconhecerem que, onerando o seu prédio a favor dos prédios indicados nos factos provados 1, 4, 7, 14 e 19 que pertence aos AA., uma servidão de passagem a pé, de carro, tractores agrícolas e outros veículos automóveis constituída por usucapião, sendo que o acesso à mesma, é constituído por um caminho com a largura entre 2,50 metros e 3,20 metros e com um comprimento desde o seu inicio e até ao seu fim, de cerca de 500 metros no sentido norte/sul;
b) O qual atravessa o prédio dos RR. acima indicado em cerca de 60/70 metros até dar acesso ao prédio dos AA. HH e II e daí para os prédios rústicos dos restantes AA., bem assim, a absterem-se de por qualquer forma impedirem ou perturbarem o exercício do direito de servidão acima aludido que onera o seu prédio a favor do prédio dos AA, podendo tais AA sempre que quiserem usar tal servidão a pé ou de carro, tractores agrícolas e outros veículos automóveis, decisão com que não se podem conformar.
c) É, desta decisão que agora se interpõe recurso e com ele visam os recorrentes impugnar a decisão acerca da matéria de facto assente, e, por inerência, impugnar a decisão de direito que lhe está subjacente.
d) Pois, salvo o devido respeito que no merece o decidido no Tribunal “a quo”, o Mm.º Juiz do tribunal recorrido realizou uma errada apreciação da prova realizada e dos factos que considerou provados e não provados, motivo pelo qual padece a douta sentença de um vício de apreciação e valoração da prova (artigo 607.º, nº 4 e n. 5 do Código do Processo Civil) e de uma consequente errada aplicação do direito.
e) Consideram, por conseguinte, os aqui recorrentes, que perante a prova testemunhal decorrente da audiência de discussão e julgamento, da documental junta aos autos e da própria inspecção judicial ao local, que:
f) Não só o facto vertido no ponto 30 dos factos provados, deve ser modificado, como o facto assinalado em 31 dos factos provados, deve ser tido como não provado, solução que deve ter o facto do ponto 40 dos factos provados, que deve ser tido como não provado.
g) Além disso, deverá ser aditado aos factos provados o seguinte ponto: “Os prédios dos AA. têm acesso à via pública por caminho com entrada ao lado do prédio dos RR.”
h) No caso dos autos, foi realizado a prova por inspecção ao local no dia 12 de Setembro de 2023 de que se lavrou o competente auto, junto a fls., instruído por vários registos fotográficos, que no entender dos RR. recorrentes mereceriam decisão francamente diversa sobre a relação material controvertida.
i) A apreciação correcta e consentânea desta prova específica com a realidade dos factos imporia a conclusão que na verdade existe - óbvia e notóriamente - um diferente acesso dos prédios dos AA. à via pública por um outro local, que não pelo meio da propriedade dos recorrentes.
j) Esse acesso situa-se precisamente ao lado da entrada do prédio dos AA., acompanha esse prédio do lado de cima, para finalizar no prédio dos 6.º e 7.º AA. de onde os demais AA. comodamente acedem aos prédios que lhes pertencem.
k) Isso mesmo é constatável pelas fotografias ns.º 12, 13 e 14 do auto de inspecção ao local, sendo que como atrás se viu, a fotografia supra (n.º 12) tirada da estrada municipal, evidencia a entrada de esse acesso/caminho, logo ao lado do prédio dos recorrentes - que está do lado direito e onde se vê um telhado, pertença dos mesmo.
l) Esse caminho é ladeado por várias oliveiras, tendo uma largura de 2 metros e meio indo finalizar no prédio dos 6.º e 7.º RR. consoante melhor se infere das fotografias juntas sob os ns.º 13 e 14 daquele auto.
m) Os registos fotográficos em referência, evidenciam o início, o meio e o fim de um acesso de todos os AA. à via pública e que foi totalmente “descartado” pelo Tribunal recorrido, com prejuízo evidente dos RR., com isso fazendo uma incorrecta valoração dessa prova, que ao contrário deveria ter implicado que:
n) O facto vertido no ponto 40 dos factos provados, fosse dado por não provado e se aditasse aos factos provados que “Os prédios de todos os AA. Têm acesso à via pública por caminho com entrada ao lado do prédio dos RR., sendo que o dos 6.º e 7.º também o tem através de acesso à Rua 2 Local 2”.
o) Mais a mais, também a prova documental junta pelos recorrentes, mormente, no que respeita aos registos fotográficos juntos ao respectivo articulado de contestação - e que nunca foram impugnados - deveriam ter merecido apreciação e análise pelo Tribunal “a quo”, que nem minimamente sobre os mesmos se debruçou.
p) Essas fotografias mostram um acesso direito, directo e muito mais curto, dos 6.º e 7.º AA. ao seu prédio, através da Estrada Principal, em Local 2, acesso que se inicia no local onde foi colocada uma manilha para escoamento de águas e facilitação da entrada no prédio daqueles AA., cfr. docs. 3 e 4 da contestação;
q) Era por ali, junto ao recepiente do lixo doméstico, do lado direito de ambas as fotografias que os 6.º AA. entravam no seu prédio e quem quer que pretendesse aceder ao prédio daqueles.
r) A verdade é que esse acesso ou caminho estava perfeitamente perceptível, fazendo os 6.º e 7.º AA. uma manutenção cuidada e regular do mesmo, designadamente, pela colocação de brita, para melhor circulação na mesma, seja a pé, de moto ou de carro, cfr. registos fotográficos juntos como docs. 6 e 7 da contestação dos ora recorrentes, que
igualmente não foram valorados pelo Tribunal recorrido.
s) A análise devida dos registos fotográficos do auto de inspecção ao local e a valoração correcta da prova documental em causa, não impugnada pela parte contrária, deverá ter como consequência, que o facto vertido no ponto 40 dos factos provados, seja dado por não provado e que seja aditado aos factos provados que “Os prédios de todos os AA. Têm acesso à via pública por caminho com entrada ao lado do prédio dos RR., sendo que o dos 6.º e 7.º também o tem através de acesso à Rua 2 Local 2”.
t) Sem conceder, a decisão sob recurso, julgou de forma incorrecta a prova testemunhal produzido em audiência final, em especial, a decorrente da sessão de julgamento de 09.04.2024 onde foi afirmado pela testemunha LL, em breve súmula, que não passa lá ninguém, a não ser o senhor II, a esposa e alguém que vá a casa deles no fim-de-semana / na altura eles tinham um caminho aberto que dá acesso à casa do II…caminho que vai sair à estrada principal / esse é o caminho mais directo para ir para casa deles, passando pela nossa tem de dar uma volta muito maior / advogado: por cima da casa do JJ e da MM existe algum acesso? / sim, existe, inclusive já lá vi um tractor / e já lá vi passar pessoas a pé / começa na estrada pública vai pelo baldio e desemboca no prédio do II (…) agora está mais tapada…tem umas oliveiritas já antigas de um lado e de outro. / - advogado: mas vai parar ao terreno deles? sim.
u) O mesmo se verificou com o testemunho prestado por NN onde foi afirmado, em síntese, quem conheço eram os vizinhos, que lá passavam várias vezes, a qualquer hora / passavam num passat branco e num suv, os 2 wolkwagen / eles tinham uma outra estrada, em brita, a subir, notava- se arranjada e sem buracos / o meu carro é um ligeiro normal e passei por lá / esse caminho foi tapado, num dia, à noite / esse é o caminho de acesso pela estrada principal./ advogado: e a estrada de cima? testemunha: há…o terreno baldio (…) há lá um caminho já antigo, cheio de ervas que entretanto foi limpo (…) Contorna o terreno, faz curva e vai dar à casa do II / advogado: e isso é um outro acesso? Sim
v) Igualmente importa a repreciação do depoimento do vendedor do imóvel aos recorrentes, cujo depoimento foi totalmente desconsiderado pelo tribunal recorrido, mas a que é imperioso atender.
w) Este depoimento foi feito no dia 09.04.2024 pelo senhor OO que as aos 24m:10ss refere: - juiz: o que se quer saber é se havia por lá uma serventia – tão só isso? pois não, não havia – não havia nenhuma serventia / advogado: a situação deteriorou-se com o II e com a HH porquê? / (…) começámos a dizer que não podia passar por lá – um dia o II estava a passar por lá de motoreta e ele com ar de gozo disse-me: “quando vou para as Local 2 passo por aqui, quando vou a Local 1 passo pela minha estrada” – e foi-se embora / advogado: a que estrada se estava ele a referir? é a estrada que fizeram quando reconstruíram a casa deles – há uma estrada perfeitamente boa para transitar e até construíram umas colunas, nos lados dessa estrada (…) - advogado: e esse acesso era melhor ou pior? tem acesso directo à casa deles – a estrada era boa, vem da estrada principal e é logo ali. / estrada que vem de Local 1, é virar à direita e a casa deles é a 50 metros / advogado: e essa estrada quando lá viviam era essa que o II e a HH usavam para ir para casa? sim, sim / advogado: a sua sogra e o senhor quando lá estava via pessoas a passar de carro, a passar para ir tratar dos eucaliptos, com material de poda, de corte? Nunca /advogado: …pequenos tractores, pequenas gruas que porventura fizessem aquela estrada até ao eucaliptal? nunca, nunca (…) tirando a família do senhor II nunca houve mais ninguém – nunca conversámos com ninguém…nunca dissemos a ninguém para não passar porque não havia…nunca lá passou ninguém, nunca houve discussões com mais ninguém, (…) mesmo durante a reconstrução da nossa casa nunca houve ninguém que aparecesse e dissesse “olhe que nós passamos por aí”
x) Face ao teor dos depoimentos cujas sínteses supra se elencou é manifesto que estamos perante prova que impunha decisão diversa da que se encontra sob recurso, designadamente, não se podendo assentar, o que se assentou na sentença em 30 e 31 dos factos provados.
y) O primeiro a carecer de ser modificado, porque apenas 6.º e 7.º AA. usam tal caminho e o segundo (31) a ser considerado como não provado, tal como o ponto 40 da factualidade assente, que não poderá dar-se por provado - A sentença recorrida que se respeita, mas com que não se concorda desconsiderou tais depoimentos que foram totalmente espontâneos, isentos e credíveis e consequentemente, não procedeu ao exame critico da prova (testemunhal, mas também da documental e por inspecção ao local) produzida em audiência, impondo-se a revogação da mesma naqueles segmentos concretos.
z) Preceitua, por sua vez, o disposto no artigo 1553.º do CC, a servidão deve ser constituída através do prédio ou prédios que sofram menor prejuízo, e pelo modo e lugar menos inconvenientes para os prédios onerados.
aa) Nestas circunstâncias e tendo optado por demandar apenas os ora recorrentes com vista à constituição de uma servidão a onerar os respectivos prédios – sem que tenham sido demandados quaisquer outros proprietários de prédios vizinhos – os Autores tinham o ónus de alegar e provar que o prédio dos RR. era o que sofria menor prejuízo com a constituição da servidão, uma vez que esse era um facto constitutivo do direito à constituição da concreta servidão que vinham reclamar.
bb) Salvo o devido respeito por melhor opinião, os AA. para ver satisfeita a sua pretensão – estavam obrigados a alegar e provar uma de duas coisas: ou alegavam e provavam que a constituição da servidão sobre o prédio dos Réus era a única possibilidade viável para estabelecer o acesso à via pública (alegando e provando a eventual inexistência de outros prédios confinantes ou a eventual existência de obstáculos que impedissem o acesso através desses prédios);
cc) Ou alegavam e provavam que, de entre as várias alternativas possíveis, eram esses os prédios que sofriam menor prejuízo (e tal implicava que alegassem quais eram as várias alternativas possíveis para estabelecer o acesso; quais os prédios que seriam afectados em cada uma delas; qual a área dos prédios que seria afectada em cada uma daquelas possibilidades; quais os concretos prejuízos e incómodos que seriam sofridos por cada um desses prédios em cada uma daquelas possibilidades com a consequente alegação de factos relacionados com as características e utilização desses prédios e outros factos relevantes para o apuramento do prejuízo decorrente da implantação da servidão).
dd) Os AA. não alegaram um qualquer facto com base no qual se pudesse concluir que a constituição da servidão sobre o prédio dos recorrentes era a única possibilidade viável para estabelecer o acesso à via pública;
ee) Sendo certo que nada alegaram a propósito da existência (ou não) de outros prédios confinantes e a propósito da existência (ou não) de eventuais obstáculos físicos à implementação de um acesso em qualquer outro prédio vizinho.
ff) Existe, no caso concreto, uma outra possibilidade, que passa pelo caminho evidenciado no auto de inspecção ao local, sendo que no caso do prédio dos 6.º e 7.º AA o acesso também pode ser estabelecido através do acesso pela estrada principal.
gg) Sabendo-se que existe, pelo menos, uma outra alternativa ou possibilidade, a verdade é que não resultaram provados factos bastantes para concluir se a servidão causa mais prejuízo aos recorrentes ou se causaria mais prejuízo ao prédio dos pais da 6.º A, caso passasse por esse prédio, como aliás, só há pouco tempo deixou de suceder. Não existem, portanto, quaisquer factos com base nos quais se possa concluir que é o prédio urbano dos recorrentes o que sofre menor prejuízo e que como tal, deveria ser onerado com a servidão em causa.
hh) Por isso também, a sentença recorrida viola, por erro de aplicação e interpretação o disposto no artigo 1553.º do Código Civel, merecendo o competente reparo.
Nestes termos, nos melhores de direito aplicável e sempre com o mui douto Suprimento de V.Exas., deverá ser dado integral provimento ao presente recurso e em consequência, revogada a decisão recorrida, julgando a acção totalmente improcedente, com as demais consequências legais,
E como é, aliás, de inteira, JUSTIÇA !”.


4. Contra-alegaram os Autores defendendo a improcedência do recurso e a manutenção do decidido.

5. O objecto do recurso- delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr.art.ºs 608ºnº2,609º,635ºnº4,639ºe 663º nº2, todos do CPC) – circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:
5.1. Impugnação da matéria de facto: se o facto inserto no ponto 30 dos factos provados deve ser alterado, se os factos insertos nos pontos 31 e 40 do mesmo elenco devem transitar para o dos “Não provados” e se deve ser aditado o facto sugerido pela apelante (“Os prédios dos AA. têm acesso à via pública por caminho com entrada ao lado do prédio dos RR.”)
5.2. Reapreciação jurídica da causa: Se é de reconhecer a serventia reclamada.

II. FUNDAMENTAÇÃO

6. É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença recorrida:
“Factos Provados:
1- Sob a apresentação nº 6379 de 2022/11/16 está descrito na Conservatória do Registo Predial Local 1, prédio rústico aí se dizendo que o mesmo é “composto de olival, cultura arvense em olival”, sob o nº ...59/...16, mais se referindo que “confronta a norte e sul com caminho, nascente com PP e Poente com GG”
2- O prédio indicado em 1 tem por causa: sucessão hereditária, em comum sem determinação de parte ou direito, sendo sujeitos activos:
QQ;
RR;
SS casado com TT
UU casado com VV;
WW casado com XX;
YY casado com ZZ no regime de comunhão de adquiridos.
É sujeito passivo BB casado com CC.
3- Na matriz o prédio indicado em 1 tem o número 194, com a indicada área de 0,204000, sendo de cultura arvense em olival, e constando como titulares BB – cabeça de casal da herança de.
4- Sob a apresentação nº 13 de 1996/03/19 está descrito na Conservatória do Registo Predial Local 1, prédio rústico aí se dizendo que o mesmo é “composto de olival, e solo subjacente de cultura arvense de olival”, sob o nº ...90/...19, mais se referindo que “confronta a norte com AAA, sul BBB, nascente com CCC, DDD, e EEE e Poente com caminho”
5- O prédio indicado em 2 tem por causa: partilha da herança, sendo sujeitos activos: CC casada com FFF no regime de comunhão de adquiridos.
É sujeito passivo GGG.
6- Na matriz o prédio indicado em 4 tem o número 196, com a indicada área de 0,170000, sendo de cultura arvense em olival, e constando como titular CC.
7- Sob a apresentação nº 5 de 1994/12/29 está descrito na Conservatória do Registo Predial Local 1, prédio rústico aí se dizendo que o mesmo é “olival, solo subjacente de cultura arvense de olival”, sob o nº ...90/...29, mais se referindo que “confronta a norte com HHH, sul III, nascente com JJJ, e KKK”
8- O prédio indicado em 7 tem por causa: partilha da herança, sendo sujeitos activos: CCC casado com LLL, MMM ou MMM casado com NNN, EEE casado com OOO, DDD casado com PPP.
São sujeitos passivos:
QQQ, QQQ, QQQ ou QQQ casado com RRR.
9- Sob a apresentação nº 13 de 1998/01/30 consta aquisição tendo por causa partilha judicial com quota adquirida de ¼ e sendo sujeito activo GG casada no regime de comunhão de adquiridos com SSS e sujeito passivo EEE casado com TTT.
10- Sob a apresentação nº 5 de 2008/11/11 consta aquisição tendo por causa doação com quota adquirida de ¼ e sendo sujeitos activos EE e DD, casados um com o outro no regime de comunhão de adquiridos, e sujeito passivo MMM casado com NNN.
11- Sob a apresentação nº 2007 de 2010/03/23 consta aquisição tendo por causa partilha da herança com quota adquirida de ¼ e sendo sujeitos activos UUU casado com VVV do WWW no regime de comunhão de adquiridos, e sujeito passivo DDD casado que foi com PPP.
12- Sob a apresentação nº 5243 de 2016/12/29 consta aquisição tendo por causa doação com quota adquirida de ¼ e sendo sujeitos activos ... casado com XXX no regime de comunhão de adquiridos, e sujeitos passivos CCC e LLL.
13- Na matriz o prédio indicado em 7 tem o número 198, com a indicada área de 0,494000, sendo de cultura arvense em olival, e constando como titulares: FF ¼; GG ¼, UUU – cabeça de casal da Herança de ¼, EE – cabeça de casal da herança de ¼.
14- Sob a apresentação nº 14 de 1998/01/30 está descrito na Conservatória do Registo Predial Local 1, prédio rústico aí se dizendo que o mesmo é “cultura arvense e oliveira”, sob o nº ...33/...30, mais se referindo que “confronta a norte com serventia, sul III, nascente com BB, e Poente AAA.
15- O prédio indicado em 14 tem por causa: partilha judicial, sendo sujeito activo: GG casada com SSS no regime de comunhão de adquiridos, e sujeito passivo EEE.
16- Na matriz o prédio indicado em 14 tem o número 191, com a indicada área de 0,083000, sendo de cultura arvense, e constando como titular: GG.
17- Sob a apresentação nº 578 de 2017/05/31, tendo por causa doação, está descrito na Conservatória do Registo Predial Local 1, prédio rústico aí se dizendo que o mesmo é “cultura arvense”, sob o nº ...80/...17, mais se referindo que “confronta a norte com terreno público, sul YYY, nascente com Câmara Municipal Local 1, e Poente Estrada Pública” mais se dizendo que foi “desanexado do nº 4405/...20, freguesia Local 2” e que tem a área de 1920m2.
18- Constam como sujeitos activos do prédio indicado em 17 HH e II6 casados um com o outro no regime de comunhão de adquiridos e sendo sujeito passivo ZZZ.
19- Sob a apresentação nº 578 de 2017/05/31, tendo por causa doação, está descrito na Conservatória do Registo Predial Local 1, prédio com parte rústica e urbana e indicada área total indicada de 2690m2, aí se dizendo que o mesmo é “cultura arvense e casa de rés do chão para habitação, dependências e logradouro com 204,50m2”, sob o nº ...05/...20, mais se referindo que “confronta a norte com terreno público, sul AAAA, nascente com Estrada Pública, e BBBB” e ainda que é “formado pela anexação do prédio ...08, Local 2 com parte omissa, desanexado o nº 5180/...17, freguesia Local 2, atualizado após desanexação, usada a faculdade de fixação de área prevista na alínea a) do nº 2 do artigo 28º-C do CRP”.
20- Constam como sujeitos activos do prédio indicado em 19 HH e II casados um com o outro no regime de comunhão de adquiridos e sendo sujeito passivo ZZZ.
21- Os prédios indicados em 17 e 19 na matriz tem os números 227 e 228 rústicos, e 2365 urbano.
22- Sob a apresentação nº 72 de 2021/04/13, tendo por causa compra, está descrito na Conservatória do Registo Predial Local 1, prédio urbano com a área total indicada de 2242 m2, aí se dizendo que o mesmo é “rés do chão para habitação, arribanas, arrecadação e logradouro, sob o nº ...54/...26, mais se referindo que “confronta a norte e nascente com baldio, sul ...A, Poente... B”, e ainda que é “formado pela anexação dos nºs 729, 730 e 731/...18, Local 2”.
23- São sujeitos activos do prédio mencionado em 22 JJ e KK, solteiros e maiores.
24- O prédio indicado em 22 está na matriz registado sob o nº ...95 tendo tido origem nos prédios com os números ...04, ...60, ...96, sendo aí descrito como “prédio urbano destinado a habitação composto de r/c com 6 divisões assoalhadas, cozinha, casa de banho, hall, Arribanas, Logradouro e anexos de r/c destinado a arrecadação” com a área total indicada de 2.224,0000m2, sendo indicada como área de implantação do edifício 367,0000m2, área bruta de construção 367,0000m2, área bruta dependente 225,0000m2 e área bruta privativa 142,0000m2, e constando como titulares JJ ½ e KK ½.
25- Existe um caminho com sinais visíveis de passagem de pessoas e veículos, o qual se inicia em estrada municipal, com cerca de 3,20 metros de largura no seu início e que depois disso atravessa ao meio o prédio indicado em 22, em cerca de 60 a 70 metros, continuando no sentido norte sul, diminuindo a sua largura para 2,50 metros, e com aproximadamente 500 metros de comprimento, até finalizar perto do prédio referido em 19.
26- O prédio indicado em 22 tem construções de ambos os lados do caminho.
27- O caminho aludido em 25 atravessa não só o prédio indicado em 22 mas outros tractos de terreno cuja propriedade é desconhecida.
28- Desde há mais de 30 anos que os AA. e seus antecessores tem usado o caminho indicado em 25 para aceder aos prédios indicados em 1,4,7,14 e 19.
29- A habitação indicada em 19 está implantada em local onde antes dela, há mais de 30 anos o avó da A. HH tinha uma casa e que para ela se deslocar usava o caminho acima referido.
30- Os AA. e seus antecessores usam o caminho acima indicado para acedendo aos seus prédios deles poderem tratar, quer cultivando-os, quer arrancando ervas e matos, quer os 6ºs e 7º AA. para acederem à sua casa de habitação.
31- Sem que ninguém se opusesse a tal passagem, fazendo-o à vista de todos e de forma pacífica, a pé, de carro e também com uso de máquinas agrícolas.
32- Convictos de terem direito a nele passar porque sempre eles e seus antecessores o tinham feito.
33- Em data não concretizada de Agosto de 2021, os RR. em local não concretizado do caminho, colocaram obstáculos à passagem totalmente livre de pessoas e veículos.
34- Tais obstáculos estiveram colocados nesse local durante período não concretizado mas não inferior a um dia nem superior a três dias.
35- Após intervenção das autoridades os RR. acederam a retirar os obstáculos.
36- Durante o período em que os obstáculos impediam a passagem totalmente livre de pessoas e veículos os 6º e 7º AA. tiveram que deixar o seu carro fora de casa e do caminho.
37- Tendo que transportar os filhos a pé, incluindo uma filha do casal que tem autismo.
38- A qual durante esse tempo ficou perturbada com a situação.
39- Perturbação que se estendeu aos outros filhos dos 6º e 7º AA., e a estes que se viram impedidos de fruir de forma plena do acesso a sua casa, apesar de nela sempre terem ficado.
40- Os prédios dos AA. não tem acesso à via pública por outro local que não seja pelo caminho indicado em 25.
41- Durante o período em que os 6º e 7º AA. construíam o prédio indicado em 19, chegaram a passar algumas vezes por terreno propriedade dos pais da 6ª A. para acederem à construção, desde a estrada para Local 1 e subindo por esse terreno que tem inclinação ascendente, até chegarem à aludida construção, estando o mesmo actualmente e no seu local de entrada com uma cerca com rede.
Factos não provados
a- Os AA. podem ter acesso aos seus prédios sem grande incomodo quer pela rua da 3 - os 1º a 5º AA - ou pela Rua 2 Local 2 em Local 2 - os 6º e 7º AA -.

b- As quais concedem boa passagem quer aos terrenos rústicos quer à casa dos 6º e 7º AA.

c- Os 1º a 5º AA. por causa dos factos relatados em 33º a 35º estiveram impedidos de aceder aos seus imóveis o que pretendiam fazer na altura em que tais factos ocorreram.
d- Sentindo-se angustiados e preocupados por tal motivo.
e- Os 6º e 7º AA. por causa dos factos elencados em 33º a 39º tiveram que faltar aos respectivos empregos, perdendo a A. a quantia de € 61,39.
f- E gastaram € 40,97 em deslocações por causa desses factos.”.


7. Impugnação da matéria de facto
Defendem os apelantes que o facto inserto no ponto 30 dos factos provados (Os AA. e seus antecessores usam o caminho acima indicado para acedendo aos seus prédios deles poderem tratar, quer cultivando-os, quer arrancando ervas e matos, quer os 6ºs e 7º AA. para acederem à sua casa de habitação) deve ser modificado por forma a dele constar que apenas os 6.º e 7.º AA. usam tal caminho. Isto de acordo com o depoimento das testemunhas LL, NN e OO.
Atentemos na fundamentação da 1ª instância.
“Factos 28º a 32º
A prova dos factos acima relatados resulta dos depoimentos das testemunhas CCCC (ex-membro da Junta de Freguesia do local em discussão nos autos), DDDD, EEEE (ex-membro da Junta de Freguesia do local em discussão nos autos), FFFF (filha de anterior proprietário do prédio dos RR), VVV, GGGG (ex membro da Junta de Freguesia do local em discussão nos autos).
Todas elas foram claras e unânimes, em referir que o caminho que se vem discutindo era acedido pelos AA. bem assim pelos seus antecessores e por qualquer pessoa que precisasse de aceder aos seus prédios fazendo-o por aquele local.
Refira-se que nenhuma destas testemunhas demonstrou interesse na causa, sendo particularmente impressivos os depoimentos de VVV e FFFF, esta última afirmando que o seu pai foi dono da casa que agora é dos RR. e que sempre passaram à porta do seu progenitor, a pé, de carro de vacas e de tractor, o qual faleceu há cerca de 38 anos, nunca ninguém impedindo essa passagem.
Referiu no que foi secundada por FFFF que também o senhor HHHH, avó da R. HH passava por tal caminho para aceder à sua casa, a qual estava situada no sítio onde hoje é a casa daquela R.
E isto mesmo foi confirmando pelas restantes testemunhas acima referidas, em moldes mais ou menos semelhantes, dizendo a título de exemplo EEEE que a Junta de Freguesia em determinado momento colocou touvenant no caminho pretendendo até alcatroá-lo, o que, contudo, não foi possível por o anterior proprietário do prédio que hoje é dos RR. se ter a tal oposto, ou referindo DDDD que nasceu a cerca de 50 metros do local do conflito, tendo 54 anos e que sempre se lembra de os AA. e seus antecessores e outras pessoas passarem pelo local em discussão para irem tratar dos seus prédios.
Em suma, atenta a forma como os depoimentos supra foram feitos, não resultam dúvidas que há mais de 30 anos, os AA., e seus antecessores, passavam e vem passando no caminho que entre o mais passa à frente da propriedade dos RR. para acederem às suas propriedades, e que o fazem à vista de todos sem oposição, pelo que inexoravelmente se conclui terem sempre agido com o propósito de exercerem um direito próprio e que não lesava ninguém.
É indicativo disso mesmo a circunstância de os anteriores proprietários Sr. IIII (dono do prédio que agora é do R) e o senhor HHHH (avô da R. HH) terem vivido há mais de trinta anos naquele sítio, e ninguém ter referido (sequer as testemunhas dos RR) qualquer conflito entre os mesmos ou seja que IIII se opusesse à passagem do senhor HHHH para que este acedesse ao seu imóvel que fica localizado depois do dos RR. e onde a A. HH tem agora a sua casa.
É certo que OO e JJJJ (sogro e filha da proprietária do prédio actualmente dos RR. que a adquiriu dos herdeiros do senhor HHHH) afirmam que ninguém passava por aquele sítio, ou seja, à frente da casa que agora é dos RR. e que lhes foi vendida por eles na sequência do falecimento da sogra/mãe.
Diz até OO que em determinado momento o avô da R. HH lhe pediu para poder lá passar o que foi por si autorizado.
Mais referiu ter-se oposto ao alcatroamento do caminho por entender que o mesmo era propriedade da sogra e não uma serventia.
Estes depoimentos são contrários aos das testemunhas acima referidas, mas na verdade e ao contrário daqueles, as testemunhas OO e JJJJ embora sem interesse na causa, já o tiveram, e além disso o que não é despiciendo foram elas que venderam aos RR. o prédio onde está o caminho.
E questionada a testemunha OO se informou os RR. a quem foi vendido o prédio, da existência de problemas com a passagem de pessoas que o mesmo referiu terem passado a existir a partir de 2007, informou que nada disse.
Ora parece-nos que duas de uma, se nada disse foi porque quis omitir um problema potencial para os compradores o que se revela inusitado, ou a razão para nada ter dito prende-se com a circunstância de o caminho estar a ser usado normalmente pelos AA. e outras pessoas ao contrário do por si afirmado.
E entende-se ser esta última a verdadeira razão, pelo simples facto de os demais testemunhos feitos em audiência e acima já referidos, terem sido claros, unânimes e sem dúvidas no sentido da passagem dos AA. e seus antecessores por aquele local, sem oposição durante anos e anos porque quem se podia opor.
Finalmente diga-se que a própria R. KK foi clara ao referir que em determinado momento após adquirirem a propriedade e por o A. II ter dito ao seu marido que era por aquele local que passava, foram ter com a Imobiliária que lhes vendeu a casa e que contactou a Câmara Municipal a qual confirmou não haver nenhum caminho público.
Mas que depois disso falaram com GGGG, presidente da Junta o qual terá dito à testemunha que por aquele caminho passariam várias pessoas para acederem aos seus prédios, o que a fez ficar com dúvidas da situação.
Ora se assim é, e GGGG confirmou isso mesmo, ou seja, que por aquele local passavam os AA., então parecem restar poucas reservas quanto à natureza do caminho enquanto serventia.
E para concluir, realce-se que o R. JJ afirmou ter tentado que o acesso dos RR. HH e II se fizesse por outro local, à custa até se necessário de parte de terreno seu, só não querendo que passassem perto da sua casa.
É certo que diz ter proposto o acima referido por desespero e para resolver a situação, mas se assim foi não é possível saber, restando apenas a parte objectiva, ou seja, que propôs uma solução para um problema.
Atento o supra exposto, dúvidas não temos da prova dos factos 28º a 32º

A solidez da motivação exposta é dificilmente rebatível e não cremos que os depoimentos das assinaladas testemunhas sejam susceptíveis de inverter a resposta dada.
É que o depoimento de LL é eivado de contradições: Tanto diz o caminho não é transitável, que não existe qualquer uso do mesmo por parte dos demais AA, como reconhece que passa lá diariamente um táxi e que não sabe quem são os 1.º a 5ºs AA. e a localização dos prédios destes (aliás, só mora no local há 3 anos).
Por seu turno, o depoimento de OO merece-nos idênticas reservas às expressas pelo Tribunal “a quo” na motivação, tanto mais que foi o vendedor do prédio aos Réus JJ e MM, aos quais ocultou a existência da serventia.
Por último, NN que revelou só conhecer os 6º e 7º Autores e que é sobrinho da Ré MM, pouco ou nada contribuiu para o esclarecimento dos factos, apesar de ter vivido com esta última alguns meses do ano de 2022. Sem embargo, reconheceu que via aqueles Autores diariamente a passar a pé e de carro. Também referiu que os demais só os viu uma vez quando lá foram todos “à porta”.

Em suma: a prova produzida e que permitiu dar como provado o facto em apreço nos moldes em que o foi não foi consistentemente contraditada pelos depoimentos referidos, por isso mantemos a decisão do Tribunal “a quo”.

Defendem os apelantes a transição dos factos insertos nos pontos 31 e 40 do rol dos “Provados”para o dos “Não provados”.
Quanto ao vertido no ponto 31 (Sem que ninguém se opusesse a tal passagem, fazendo-o à vista de todos e de forma pacífica, a pé, de carro e também com uso de máquinas agrícolas) acompanhamos na íntegra a motivação expressa pelo Tribunal “a quo” e que as ditas testemunhas também não lograram contraditar.
Por último e no que tange ao facto inserto no ponto 40 (Os prédios dos AA. não tem acesso à via pública por outro local que não seja pelo caminho indicado em 25. ) conexionado com o facto que o apelante pretende ver aditado (“Os prédios dos AA. têm acesso à via pública por caminho com entrada ao lado do prédio dos RR.”) também não é correcto que o auto de inspecção judicial ou qualquer outro meio de prova revele a existência de tal caminho “ alternativo”.
Como bem se salienta na motivação de facto da sentença e que não podemos deixar de acompanhar “(…) do auto de inspecção ao local acima já referido, não se consegue retirar que o aludido caminho do baldio dê acesso aos prédios dos AA. (vejam-se a título de exemplo as fotografias 12º a 14º) acabando o tal aludido caminho abruptamente e sem ligação a qualquer prédio.”.
Convenha-se, aliás, que não faria o menor sentido a passagem ter sido constituída através do prédio dos réus se com origem na estrada municipal existisse um caminho igualmente directo para o prédio dos Réus.
Por conseguinte, esta pretensão dos apelantes também não pode ser provida.
De todo o modo, é de salientar o seguinte: Mostrando-se a valoração da prova efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, não é a circunstância de haver depoimentos que dissentem da versão que singrou que permitem, só por si, alterá-la.
Para tanto ter-se-ia de concluir que o juízo efectuado pela 1ª instância está alicerçado numa incorrecta avaliação da prova, o que de todo em todo ficou por demonstrar.

8. Reapreciação jurídica da causa
Os apelantes consideram que a constituição da servidão sobre o seu prédio pressupunha que se concluísse ser imprescindível para estabelecer o acesso à via pública.
Sem razão, porém.
É que quer o art.º 1550º (Servidão em benefício de prédio encravado) quer o art.º 1553º (Lugar da constituição da servidão) do Cód. Civil se reportam às servidões legais.
No caso, o que se pretendia primacialmente era o reconhecimento da existência de uma servidão constituída por usucapião e não a constituição coactiva de uma servidão legal[1].
Na usucapião, a servidão é imposta por uma parte à outra, sendo que o seu conteúdo é delimitado pela posse que conduziu a essa constituição.
E, sendo assim, não carecia o prédio dominante, o dos AA, de estar encravado, quer absoluta, quer relativamente[2], nem haverá que atentar no conceito de “menor prejuízo” na constituição da servidão.
Não há, pois, dúvidas que se verificam, no caso, os requisitos de que depende a constituição da servidão de passagem a pé e de carro que teria sido adquirida, por usucapião, a favor dos prédios dos Autores e a onerar os prédios dos Réus.
Como decorre do art.º 1543º do Cód. Civil, a servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.
Fundamental é que os prédios pertençam a donos diferentes em decorrência do princípio nemine res sua servit.
Não há, outrossim, servidão sem ocorrência de utilidades susceptíveis de serem gozadas por intermédio de um determinado prédio – o dominante – e que a este tragam proveito.
Por seu turno, pressuposto primeiro da sua constituição por usucapião é a posse correspondente à servidão de passagem.
E como se sabe, haverá posse quando se actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (art.º 1251º do Cód.Civil), independentemente de se ser ou não titular do mesmo.
Por seu turno, é o art.º 1253º que estabelece as situações em que ocorre mera detenção (ou posse precária) estatuindo que: “São havidos como detentores ou possuidores precários:
a) Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito;

b) Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito;

c) Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem.”.

Na alínea a) contemplam-se as situações em que o poder de facto foi adquirido em termos tais que a própria lei afasta a posse desde que a situação não caia no âmbito das alíneas b) e c), do mesmo preceito.

É, aliás, nesta alínea a) que se faz referência ao animus que não existe no detentor mas que é configurado como um elemento da posse, para os que seguem a concepção subjectivista do instituto.

Por maioria de razão para os que defendem a teoria objectivista, provado o exercício de um poder de facto sobre uma coisa e não se provando que o mesmo corresponda a uma situação de mera detenção, enquadrável em qualquer das alíneas do art.º 1253º, tem-se como verificada a posse.

Para os que seguem a teoria subjectivista, a posse é integrada por dois elementos - o corpus (ou elemento material da posse ) e o animus ( elemento subjectivo) que consiste na intenção de exercer como seu titular o direito real correspondente aquele domínio de facto.

A posse conducente à usucapião tem de ser pública e pacífica, influindo as características de boa ou má-fé, justo título e registo de mera posse na determinação do prazo para que possa produzir efeitos jurídicos.

Por último, há que atentar que as servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião, entendendo-se estas as que não se revelam por sinais visíveis e permanentes ( cfr. art.º 1548º do Cód.Civil).

Os apelados invocaram uma posse originária traduzida na apropriação material de uma coisa, mediante a prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito ( artº 1263º a) do Cód. Civil).

E lograram provar que:

“ 25- Existe um caminho com sinais visíveis de passagem de pessoas e veículos, o qual se inicia em estrada municipal, com cerca de 3,20 metros de largura no seu início e que depois disso atravessa ao meio o prédio indicado em 22, em cerca de 60 a 70 metros, continuando no sentido norte sul, diminuindo a sua largura para 2,50 metros, e com aproximadamente 500 metros de comprimento, até finalizar perto do prédio referido em 19.
26- O prédio indicado em 22 tem construções de ambos os lados do caminho.
27- O caminho aludido em 25 atravessa não só o prédio indicado em 22 mas outros tractos de terreno cuja propriedade é desconhecida.
28- Desde há mais de 30 anos que os AA. e seus antecessores tem usado o caminho indicado em 25 para aceder aos prédios indicados em 1,4,7,14 e 19.
29- A habitação indicada em 19 está implantada em local onde antes dela, há mais de 30 anos o avô da A. HH tinha uma casa e que para ela se deslocar usava o caminho acima referido.
30- Os AA. e seus antecessores usam o caminho acima indicado para acedendo aos seus prédios deles poderem tratar, quer cultivando-os, quer arrancando ervas e matos, quer os 6ºs e 7º AA. para acederem à sua casa de habitação.
31- Sem que ninguém se opusse a tal passagem, fazendo-o à vista de todos e de forma pacífica, a pé, de carro e também com uso de máquinas agrícolas.
32- Convictos de terem direito a nele passar porque sempre eles e seus antecessores o tinham feito.”.

Esta materialidade fáctica permite confirmar a existência de posse dos Autores sobre a dita faixa de terreno em termos correspondentes ao direito real de servidão (de passagem): A actuação de facto dos Autores (corpus) corresponde ao exercício daquele mencionado direito. E o elemento subjectivo (animus) da posse, a intenção, por parte daqueles, de exercerem, como seus titulares, o direito de passagem pelo caminho existente no prédio dos Réus, como forma de acederem aos seus prédio, também se verifica.
De todo o modo, sempre o nº2 do art.º 1252º do Cód. Civil estabelece uma presunção de posse em nome próprio por parte daquele que exerce o poder de facto, ou seja, daquele que tem o corpus.
Tal posse reveste igualmente características conducentes à usucapião.
Como se sabe, se não houver título ou se este não tiver sido registado, o prazo da usucapião é de 15 ou 20 anos, consoante a posse seja de boa ou má-fé (artº 1296º).
Uma vez que a posse dos Autores sobre a faixa de terreno em questão não radica em qualquer negócio jurídico válido com esse objecto, ter-se-á de considerá-la como não titulada e dado que esta posse se presume de má-fé (artº 1260º nº2 in fine) o prazo de usucapião é, no caso, de 20 anos, lapso temporal que se completou há muito.

O desfecho da acção não poderia ter sido outro.

III. DECISÃO
Por todo o exposto se acorda em julgar a apelação totalmente improcedente mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelos apelantes.

Évora, 7 de Novembro de 2024
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Francisco Xavier
Ana Pessoa
________________________________________
[1] Como nos dá conta, Carvalho Fernandes ( in Lições de Direitos Reais, Quid Juris, 4ª edição, pag.444.) : “ A constituição coactiva ou coerciva das servidões é própria das servidões legais, o que não significa, como logo se deixa simples leitura do nº2 do art.º 1547º, a exclusão da possibilidade de em relação a elas, se verificar a constituição voluntária. Mais: em rigor, é a falta de constituição voluntária que legitima o recurso à via coerciva , judicial ou administrativa.”.
[2] Cfr. entre outros, Acórdão do STJ de 21.3.2013, relatado pelo Conselheiro Helder Roque.