I. Tendo em consideração a especial natureza do património comum conjugal, tendo os cônjuges apenas direito a uma meação enquanto não se proceder à partilha desse património, não se podem cobrar créditos entre os cônjuges antes da dissolução dessa comunhão, pois, só nesse momento é que se procede à liquidação da comunhão conjugal.
II. Nos termos do art.º 1697º, n.º 1, do C. Civil, quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respondido bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além de que lhe competia satisfazer, mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal.
III. Só são devidos juros de mora, quando se verifica um incumprimento temporário de uma obrigação - art.º 806º, n.º 1, do C. Civil -, o que sucede apenas a partir do momento em que é exigível o seu cumprimento, nos termos dos art.º 804º, n.º 2 e 805º do C. Civil.
IV. Sendo esta obrigação apenas exigível no momento da partilha dos bens do casal e não tendo esta ainda ocorrido, ainda que se reconheça o crédito do Autor, o mesmo apenas é exigível no momento da partilha dos bens do casal e a ser pago pela meação da ré no património comum ou, na sua falta ou insuficiência, pelos bens próprios da ré.
Autor: AA
Ré: BB
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Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
O Autor instaurou contra a Ré a presente ação, pedindo, como consta do relatório da sentença que aqui se recupera:
«Termos em que e mais de Direito aplicável, deve a ação ser julgada procedente por provada e em consequência e por via dela deve:
I- Ser declarado que o A. tem direito a receber da R. e esta condenada a pagar- lhe a quantia total de 29.898,06€ , acrescida dos juros de mora à taxa legal vencidos no total de 4.124,87€ e vincendos de ora em diante e até integral pagamento.
II- Para o caso referido em 22º , declarado que o crédito do A. sobre a R. do pedido I deve ser considerado no momento da partilha no mesmo Inventário e ser pago pela meação da R. e sempre sem prejuízo de virem a responder os seus bens próprios.».
Alega, em síntese, ter casado com a ré em ../../1987, no regime convencionado da comunhão geral de bens. O casamento foi dissolvido por divórcio, decretado por decisão de ../../2014, proferida no âmbito de processo de divórcio por mútuo consentimento que correu termos na Conservatória do Registo Civil .... Após o divórcio, pagou, sozinho, dívidas comuns do casal relacionadas com a construção de um pavilhão, sito em ..., ..., bem comum do casal e como tal relacionado no inventário pendente para separação de meações: 1) Reembolso de empréstimo bancário, garantido por hipoteca, contraído por autor e ré junto da «Banco 1...», no total de €39.246,12; 2) Dívida à empresa «A..., Lda.», referente ao fornecimento e montagem da estrutura e cobertura do pavilhão, no montante de €18.050,00; e 3) Dívida ao arquitecto CC, atinente a honorários pelos serviços de execução do projecto de arquitectura e licenciamento do edifício e muros de vedação e suporte de terras daquele barracão, na importância de €2.500,00.
Sendo tais dívidas da responsabilidade solidária de ambos, a ré deve pagar ao autor a metade que ele pagou por ela, no valor de €29.898,06 (€59.796,12 : 2).
No Inventário n.º 5664/19, pendente em Cartório Notarial em ..., a ré impugnou esse passivo aí relacionado pelo autor, não tendo aprovado os referidos valores na Conferência Preparatória realizada em 07/02/2022. O Senhor Notário, por despacho proferido em 07/02/2022, não os reconheceu.
Sustenta que a ré é obrigada a participar por metade em todas as dívidas referidas, da responsabilidade solidária de ambos os cônjuges, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso (art.º 1730.º do Código Civil). Pelo que deve pagar ao autor a quantia total de €29.898,06, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
Regularmente citada, a ré contestou, admitindo os factos relativos ao casamento (respectivas datas de início e fim, bem como o regime de bens), assim como o facto de o pavilhão em causa ser património comum do casal. Sustenta que o mesmo foi mandado construir pelo autor para lá desenvolver a sua actividade profissional, o que efectivamente fez desde que o pavilhão foi construído, em 2011, seja pessoalmente, seja na qualidade de gerente da sociedade que constituiu «B..., Unipessoal, Lda.». Era o autor quem geria e controlava a construção do pavilhão, bem como a conta bancária da «Banco 1..., CRL», sem qualquer intervenção da ré. A ré perdeu a confiança no autor relativamente à gestão do capital do empréstimo, pois parte do dinheiro financiado pela «Banco 1...» foi gasto pelo autor na sua vida privada para seu belo prazer.
Aquando da separação do casal, em Julho de 2014, foi acordado entre ambos que o autor se manteria no uso e fruição do pavilhão – por si e pela sua representada «B..., Lda.» - mediante a contrapartida de assumir sozinho o pagamento dos encargos relativos ao imóvel, designadamente a prestação mensal do Empréstimo n.º ...98 constituído à «Banco 1...» e quaisquer outras despesas ou dívidas relacionadas com a construção do barracão, até à liquidação integral do empréstimo e com a condição do cumprimento atempado das prestações. Daí que, se o autor pagou os valores indicados na petição inicial, não fez mais que a sua obrigação, cumprindo o que ficou acordado. A ré nunca exigiu ao autor o pagamento de qualquer valor a título de renda, cedência ou utilização do espaço, até à data da liquidação do empréstimo.
No âmbito do processo de inventário, a ré referiu ao autor que as alegadas dívidas não eram devidas pelo efeito da prescrição, que desde logo invocou para os devidos e legais efeitos, por nunca terem sido reclamadas pelos alegados credores.
Os alegados pagamentos ocorreram sem qualquer intervenção, acordo ou aceitação da ré, que nunca foi interpelada pelos respectivos credores, pelo que entende não serem devidos juros.
Termina pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
Em resposta, o autor impugna a matéria de excepção vertida na contestação, designadamente no que tange à prescrição e ao alegado acordo que, a existir – o que não concede – seria nulo e de nenhum efeito, face ao disposto nos art.ºs 1730.º, n.º 1 e 1734.º do Código Civil.
Veio a ser proferida sentença com a seguinte decisão:
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide este Tribunal julgar a acção parcialmente procedente, por provada em parte e, em consequência, declarar - e condenar a ré a reconhecer - a existência de um direito de crédito do autor sobre a ré, no montante de €27.156,98 (vinte e sete mil cento e cinquenta e seis euros e noventa e oito cêntimos), correspondente a metade do valor de dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges pelas quais respondeu só o património próprio do autor, crédito este apenas exigível no momento da partilha dos bens do casal e a ser pago pela meação da ré no património comum ou, na sua falta ou insuficiência, pelos bens próprios da ré, absolvendo-a do demais peticionado.
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A Ré interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1.ª - Na douta sentença recorrida, a Meritíssima Juiz do Tribunal a Quo diz alicerçar a sua convicção na análise crítica e na ponderação conjugada, à luz das regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, da prova produzida em audiência de julgamento (consubstanciada no depoimento de parte do autor, no depoimento das testemunhas indicadas por ambas as partes e nas declarações de parte do autor e da ré) com o teor objetivo dos documentos juntos aos autos.
2.ª - Assumindo que tal matéria de facto foi corroborada pelos depoimentos colhidos e compulsados, emergentes do conhecimento pessoal e direto da realidade dos factos, tendo em consideração a pormenorização da narração, a convicção, a certeza e não hesitação e, transversalmente, a coerência dos raciocínios.
3.ª - Para a boa decisão da causa, o Tribunal a quo deveria ter considerado com outra força probatória o depoimento da testemunha e filha do autor e da ré DD, e as declarações de parte da ré.
5.ª - Em declarações de parte, tal como a sentença refere, a ré adianta a existência de um acordo sob o forma verbal, em julho de 2014 no dia em que a mesma e os filhos saíram de casa e estavam a proceder à retirada de móveis e outros pertences de casa (o que terá ocorrido na presença do então advogado do autor e também da GNR) - nas suas palavras, “foi tudo verbal”, o advogado do autor, na sequência da conversa havida com este, ali no local, sugeriu que o autor continuasse a utilizar o barracão pagando as dividas e as despesas e “concordei em ele utilizar em troca de ele assumir todas as dívidas do barracão e as despesas de água e luz”.
6.ª - A filha do autor e da ré – das testemunhas ouvidas, única que esteve presente na ocasião daquele acordo verbal – acabou por esclarecer que, no meio da discussão, quando foi conversado, na presença do então advogado do seu pai, que o pai ficava a usufruir da casa e do barracão, a sua mãe questionou-o sobre o empréstimo e ele respondeu “isso não te preocupes”.
7.ª - A testemunha declara expressamente que ao ouvir e tomar conhecimento direto daquilo que o autor tinha acabado de dizer (“isso não te preocupes”), acrescentou ainda que, depreendeu dessas palavras de seu pai que, como ele ficava a usufruir de tudo, assumiria todas as despesas, incluindo o empréstimo, uma vez que não pagava renda do barracão, para compensar essa utilização.
8.ª - Referiu ainda a testemunha que aquele acordo “era um bom meio-termo, um encontro de contas”, pois “ele continuava a poder desenvolver a atividade e assumia as despesas inerentes ao barracão”.
9.ª - Assim, e salvo o devido respeito, do depoimento da testemunha DD e face à questão colocada pela ré sobre as despesas do barracão e do empréstimo, dúvidas não há de que era o autor quem as suportaria.
10.ª - O autor ao referir “isso não te preocupes” face à questão colocada pela ré, está a assumir expressamente a sua responsabilidade na liquidação dos valores em divida, libertando a ré daquela preocupação.
11.ª - Porém e ao invés, o Tribunal ad quo relevou e considerou as declarações de parte do autor, o qual negou a existência de um tal acordo sobre o pagamento do empréstimo e outras dividas relacionadas com a construção do pavilhão, “nem de boca, nem por escrito”, “não houve uma palavra sobre isso”.
12.ª - É por demais claro e evidente que o autor só poderia dizer que não houve nenhum acordo, até porque estaria em contradição com o objeto da ação.
13.ª - Contudo, ficou provado, quer por declarações do autor quer por prova documental, que foi ele quem procedeu ao pagamento das prestações do empréstimo, sem nunca ter interpelado a ré para fazer o pagamento de qualquer quantia, o que é bem demonstrativo do cumprimento do acordo que fez com a ré.
15.ª - Acresce ainda que, tanto a testemunha EE representante legal da empresa A..., Lda bem como a testemunha FF, declararam que nunca interpelaram a ré para proceder a qualquer pagamento, o que também é revelador que o autor assumiu exclusivamente para com aqueles credores, a responsabilidade do pagamento dos valores em divida.
16ª - Salienta-se ainda a matéria dada por assente:
“Quanto à matéria dos art.ºs 38.º e 39º da contestação, confirma ter sido o próprio a acordar com a “EE, Lda” a forma e o pagamento do valor global da dívida fixada em €14.000,00, isto sem qualquer interveniência, acordo ou aceitação da Ré, no contexto de, estando a ser pressionado para pagar a dívida e com receio da penhora do pavilhão, efetuou tal acordo com o advogado da empresa “EE, Lda”, que foi reduzido a escrito; “
Depoimento de parte do autor Gravado no sistema H@bilus Media Studio (das 10:02 às 10:59 horas)
17.ª - Assim, crê-se que o depoimento do autor é questionável em diversos aspetos, desde logo, porque usufrui de um barracão para si ou para uma sociedade unipessoal que representa, sem o pagamento do que quer que seja, e sem qualquer explicação para tal e, ao invés, a ré fica sem o usufruto da metade do imóvel que lhe pertence, sem qualquer contraprestação, o que claramente contraria as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer.
18.ª - O Tribunal a quo centrou, erradamente, a sua decisão nas declarações de parte do autor, ignorando o conhecimento direto dos factos por parte da testemunha DD e não valorando o seu depoimento, fazendo um juízo “a contrario” daquele que esta testemunha referiu, dando-lhe um sentido diferente daquele que foi dito pelo autor.
Testemunha:
DD, aos costumes disse conhecer o Autor e a Ré por serem os seus pais, não tendo qualquer relação com o pai, desde a morte do seu irmão em 2014, e "já teve melhores relações com a mãe".
Gravado através do sistema H@bilus Media Studio (das 14:59 às 16:07 horas)
19.ª - Há uma indubitável confusão entre o depoimento do autor e o sentido com que o julgador o interpretou.
20.ª - Com efeito, há questões de fragilidade atendendo às declarações de parte do autor prestadas no âmbito do art.º 466.º do Código de Processo Civil e, sobretudo, contrárias ao depoimento da testemunha sua filha DD.
21.ª - Não podia a douta decisão da matéria de facto desconsiderar a prova produzida pelo depoimento da testemunha DD, ou valorando-a em sentido diferente daquela que a testemunha depôs.
22.ª - Releva-se ainda as declarações GG, construtor civil por conta própria em nome individual há cerca de 20 ano, e aos costumes disse conhecer a Ré porque a sua esposa é prima em 1.º grau da ré, e conhecer o Autor por serem amigos.
[Gravado através do sistema H@bilus Media Studio (das 14:17 às 14:58 horas)]
23.ª - Releva-se também as declarações de parte da ré, onde esta esclarece o acordo verbal estabelecido com o autor, permitindo assim que este continue a utilizar do barracão por si e pela sua representada B..., Lda mediante o pagamento de todos os encargos relativos ao imóvel.
[Gravado através do sistema H@bilus Media Studio (das 16:22 às 16:50 horas)]
24.ª - Deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto – Factos Não Provados – no que toca à redação do nº 3 da sentença recorrida e que deve ser corrigida como ora se indica e devendo, por isso, ser eliminada dos factos não provados e, consequentemente, ser aditado o facto provado nº 24.º com a seguinte redação:
- Aquando da separação do casal, em julho de 2014, foi acordado entre autor e ré que o autor se manteria no uso e fruição do pavilhão – por si e pela sua representada «B..., Lda.» - mediante a contrapartida de assumir sozinho o pagamento dos encargos relativos ao imóvel, designadamente a prestação mensal do Empréstimo n.º ...98 constituído à «Banco 1...» e quaisquer outras despesas ou dívidas relacionadas com a construção do barracão, até à liquidação integral do empréstimo e com a condição do cumprimento atempado das prestações.
25.ª - É relevante para a decisão da causa e descoberta da verdade aquele facto ser dado como provado, já que permite ao Tribunal concluir que ficou acordado que o autor era o responsável pelo pagamento dos encargos relativos ao imóvel.
26.ª - Salvo sempre melhor opinião, na sentença recorrida ocorrem erros notórios na apreciação da prova gravada, atento o que de pertinente se alega.
27.ª - Não pode a ora apelante deixar de afirmar aqui a sua total discordância em relação a todos os segmentos da motivação da decisão da matéria de facto que estejam em oposição ao ora alegado e com especial veemência o que respeita ao depoimento do autor, pois jamais se pode ter como verdadeiro.
28.ª - Não colhe o entendimento da douta sentença recorrida ao não dar como provado o acordo estabelecido entre o autor e a ré referido no nº 3 dos factos não provados, quando apenas e tão só o autor refere que não houve acordo, e tudo o mais aponta no sentido do acordo.
29.ª - Fazendo errada interpretação e aplicação o Tribunal “a quo” violou as disposições legais constantes do Artº 607º nºs 3, 4 e 5.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, alterando-se a matéria de facto nos termos peticionados/alegados e, consequentemente, a revogação da decisão recorrida, com a absolvição da ré.
O Autor interpôs recurso subordinado, terminando com as seguintes conclusões:
1ª- A decisão proferida sobre a matéria de facto deve ser alterada, atento os pertinentes e referidos documentos nos autos e factos provados que impõem decisão diversa e devendo, pois, ser aditado aos factos provados outro facto com a redação que consta do ponto 2 in fine e aqui reproduzido.
2ª- Os valores referidos em 3.1, pagos pelo recorrente e que cabiam à recorrida pagar, são exigíveis desde cada um desses pagamentos e por ele ter o direito de exigir da recorrida o cumprimento da obrigação desde logo.
3ª- E, não tendo a recorrida cumprido então a sua obrigação, ficou ela constituída em mora e o recorrente com direito a ser ressarcido do prejuízo que lhe causa o retardamento da prestação, correspondente aos juros de mora, desde cada uma daquelas referidas datas e naqueles valores (cfr. ponto 3.2) e até integral pagamento pela recorrida.
4ª- E, na procedência da conclusão 3ª, deve ser declarado que, ao direito de crédito do recorrente sobre a recorrida reconhecido na sentença no montante de €27.156,98, acrescem os juros de mora à taxa legal vencidos à data da p.i. (19.10.2022) no total de, pelo menos, 4.124,87€ (cfr. ponto 3.2) e os vincendos daí em diante até integral pagamento.
5ª - E, quanto aos juros vencidos e vincendos, para o caso de não se entender como na conclusão 4ª, deve ser declarado que, ao mesmo crédito do recorrente de €27.156,98, acrescem os juros de mora à taxa legal vincendos a partir da citação da R. recorrida e até integral pagamento.
6ª- Deve ser eliminado este segmento da parte decisória da sentença recorrida “crédito este apenas exigível no momento da partilha “, devendo, em seu lugar, passar a constar o que peticionado está em II ou seja: “ser declarado que o crédito do recorrente sobre a recorrida deve ser considerado no momento da partilha no Inventário 5664/19”.
7ª- Deve ser revogada a douta sentença recorrida em conformidade com o ora alegado e atento o que de pertinente consta das antecedentes conclusões.
8ª - Fazendo errada interpretação e aplicação, o Tribunal “a quo “ violou as seguintes disposições legais :
- artºs do CPC : 607º nº 4 , 609º nº1- 2ª parte, 703º nº1- a).
- artºs do Ccivil : 777º nº1, 798º , 804º, 805º , 806º ,1689º nº 3 e 1697º.
O Autor apresentou resposta ao recurso interposto pela Ré, que termina pela seguinte forma:
1ª- Deve ser rejeitado de imediato o recurso, por a recorrente não ter dado cumprimento ao que lhe impunham as disposições legais do art.º 640º nºs 1-b) e 2-a) do CPC.
2ª- Não pode nem deve ser alterada a decisão da matéria de facto ora impugnada pela recorrente.
3ª- A sentença recorrida não merece qualquer censura, mormente ao dar como não provado o aí facto 3 e não violou quaisquer disposições legais, muito menos os nºs 3,4 e 5 do art.º 607º do CPC.
4ª - Deve o recurso ser julgado improcedente.
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1. Do objeto dos recursos
O Autor na resposta ao recurso interposto pela Ré, defende a rejeição do recurso, invocando o disposto no art.º 640, n.º 1, b) e n.º 2 c), do C. P. Civil, alegando que a recorrente se limita a referir o sistema de gravação e a sua duração, tal como consta da ata da audiência, não especificando com exatidão as passagens da gravação referentes aos depoimentos que pretende ver reapreciados.
Alega também que a recorrente também só se limita a transcrever idênticos segmentos da motivação da convicção probatória da sentença para redigir , por esta ordem na motivação , os art.ºs das alegações: 24º,13º; 15º ,17º, 29º, 5º,30º, 11º, 6º a 8º e, ainda, a só emitir a sua opinião conclusiva, sem atender às concretas passagens da gravação que, por isso e pelos vistos , não curou sequer de especificar !( cfr. por exemplo seus art.ºs 9º- in fine, 10º - 2ª parte , 14º, 16º,18º, 19º, 20º, 25º, 26º,27º, 32º- sua última parte e 35º.
Da leitura das alegações do recurso interposto resulta manifesta a discordância da Recorrente quanto ao julgamento da matéria de facto, identificando como tal o facto não provado.
Com vista a infirmar os factos que impugnam convoca as declarações de parte prestadas pelo Autor e pela Ré e ainda os depoimentos prestados pelas testemunhas que identifica.
O recorrente quanto aos depoimentos que reputa como essenciais para modificar o julgamento efetuado, limita-se a transcrever excertos sem proceder a qualquer análise critica alicerçadora do efeito pretendido.
O recorrente deverá apresentar um discurso argumentativo onde, além de identificar as provas nos termos exigidos pelo art.º 640º do C. P. Civil, proceda à análise crítica dessas provas, demonstrando através dessa exegese a bondade do resultado por si pretendido.
Face ao entendimento do S. T. J. de que um excesso de formalismo, não ancorado nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não pode colocar em causa a apreciação do recurso, entendemos, face à pouca matéria em apreço que deve ser conhecida a impugnação da matéria de facto.
Assim, tendo presente que são as conclusões formuladas que definem o objeto dos recursos as questões a apreciar são:
Do recurso principal:
Deve ser alterado o julgamento do facto não provado sob o n.º 3 e consequentemente julgada improcedente a ação?
Do recurso subordinado:
Devem ser aditados aos factos provados o que consta do art.º 7º da p. inicial?
A Ré deve ser condenada a pagar juros de mora sobre o capital em dívida?
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2. Da impugnação da decisão da matéria de facto no recurso principal
Com a impugnação da matéria de facto a recorrente pretende que a factualidade contida no facto não provado n.º 3 seja julgada provada e aditada ao facto provado sob o n.º 24.
A redação desse facto é:
3. Aquando da separação do casal, em Julho de 2014, foi acordado entre autor e ré que o autor se manteria no uso e fruição do pavilhão – por si e pela sua representada «B..., Lda.» - mediante a contrapartida de assumir sozinho o pagamento dos encargos relativos ao imóvel, designadamente a prestação mensal do Empréstimo n.º ...98 constituído à «Banco 1...» e quaisquer outras despesas ou dívidas relacionadas com a construção do barracão, até à liquidação integral do empréstimo e com a condição do cumprimento atempado das prestações.
E o seu julgamento foi fundamentado nos seguintes termos:
Relativamente ao alegado acordo entre autor e ré sobre quem ficaria responsável pelo pagamento das dívidas após o divórcio, designadamente no sentido propugnado pela ré de, após a separação do casal, ser o autor quem ficaria a pagar o empréstimo ao Banco em contrapartida de não pagar renda pelo pavilhão, nenhuma testemunha ouvida o soube afirmar, com conhecimento directo.
De modo firme e consistente, o irmão do autor HH disse nada saber sobre esse eventual acordo. A irmã da ré acabou por assumir nunca ter presenciado conversas havidas entre o casal a esse respeito, limitando-se a reproduzir a versão ouvida dizer da sua irmã. O mesmo sucedendo com II (irmão do autor, com quem não está de boas relações) e GG (primeiro direito da ré por afinidade), que apenas souberam dizer o que a ré lhes contou, sem que o autor estivesse sequer presente.
Em declarações de parte, a ré adianta que tal acordo terá assumido a forma meramente verbal, em Julho de 2014, no dia em que a mesma e os filhos saíram de casa e estavam a proceder à retirada de móveis e outros pertences de casa (o que terá ocorrido na presença do então Advogado do autor e também da GNR) – nas suas palavras, «foi tudo verbal», o Advogado do autor, na sequência da conversa havida com este, ali no local, sugeriu que o autor continuasse a utilizar o barracão pagando as dívidas e as despesas e «concordei em ele utilizar o barracão em troca de ele assumir todas as dívidas do barracão e as despesas de água e luz».
Por seu turno, o autor, em declarações de parte, nega peremptoriamente a existência de um tal acordo sobre o pagamento do empréstimo e outras dívidas relacionadas com a construção do pavilhão, «nem de boca, nem por escrito», «não houve uma palavra sobre isso», adiantando que o seu (então) Advogado esteve presente só para controlar as coisas que estavam a ser levadas.
A própria filha de autor e ré – das testemunhas ouvidas, única que esteve presente na ocasião – acabou por esclarecer que, «no meio da discussão», quando foi conversado, na presença do então Advogado do seu pai, que o pai ficava a usufruir da casa e do barracão, a sua mãe questionou-o sobre o empréstimo e ele respondeu «isso não te preocupes»; não se falou em contrapartidas; depreendeu dessas palavras de seu pai que, como ele ficava a usufruir de tudo, assumiria todas as despesas, incluindo o empréstimo, uma vez que não pagava renda do barracão, para compensar essa utilização - «era um bom meio-termo, um encontro de contas», pois «ele continuava a poder desenvolver a actividade e assumia as despesas inerentes ao barracão». Contudo, em discurso livre e não orientado, nem induzido, pelas instâncias dos Ilustres Advogados, explicitou, com clareza e assertividade, nunca ter ouvido o seu pai dizer «não te preocupes que eu assumo a totalidade das prestações» ou algo com significado equivalente. No contexto exposto, atentas as circunstâncias que rodearam tal troca de palavras, em clima de elevada tensão emocional e de ânimos exaltados quando, na presença da força policial, a ré se encontrava a retirar os seus pertences da casa de morada de família, a afirmação do autor dirigida à ré «não te preocupes» não pode ser interpretada como tendo o significado claro, inequívoco e concludente com a abrangência pretendida pela ré, nem expresso, nem tácito. Esse «não te preocupes com isso» bem podia querer significar «não te preocupes com isso agora» ou «não te preocupes que depois fazemos contas», por não ser aquele o momento próprio de acertarem esses temas, até para não fazer escalar a tensão daquele momento de ruptura, já de si, delicado. Certo é que, da parte do autor, não houve qualquer referência expressa à assunção exclusiva das prestações do empréstimo, desonerando em definitivo a ré dessa responsabilidade solidária, nem das outras dívidas relacionadas com a construção do barracão.
Inexiste nos autos documento ou outro elemento probatório que o ateste. Ou que legitime credibilizar as declarações da ré em detrimento das do autor. Assim, porque a ré tem interesse directo no desfecho da causa, as suas declarações, por si só, quando não corroboradas por outros elementos probatórios sólidos e consistentes, não podem servir para basear a prova de factos essenciais de excepções por si invocadas – neste sentido, vide o decidido no acórdão da Relação de Guimarães de 03/05/2018 (processo n.º 4891/17.8YIPRT.G1, disponível em www.dgsi.pt), «o depoimento de parte e as declarações de parte sem valor confessório ficam sujeitos ao princípio da livre apreciação, mas não podem ser utilizados para se dar como provados factos que beneficiam o próprio depoente (ou a sua representada) sem que esses factos sejam corroborados por outros elementos de prova. (…)».
E também o acórdão da Relação de Coimbra de 19/12/2018 (processo n.º 752/17.9T8LRA. C1, disponível em www.dgsi.pt), «(…) 2 - As declarações de parte, de mera apreciação livre (como decorre do art.º 466.º, n.º 3, do NCPC), desacompanhadas de outros elementos probatórios confirmatórios/clarificadores, não podem valer por si só, não tendo o condão de isoladas, poderem fundar uma resposta positiva ao que o declarante afirma. (…)».
A discordância da Ré incide, fundamentalmente sobre a valoração que foi feita na decisão recorrida das declarações das partes e do depoimento prestado pela filha de ambos, DD e das testemunhas GG, EE e FF.
A testemunha DD, estando de relações cortadas desde 2014 com o Autor, seu pai, farmacêutica, filho do Autor e da Ré.
A testemunha, notoriamente desconfortável pelo facto de os pais litigarem, disse que quem tratou da construção do barracão foi o seu pai, nos termos em que entendeu e com recurso a pessoas por ele contratadas. Sabe que foi contraído um crédito junto de uma instituição bancária para aquela construção, não tendo a sua mãe tido qualquer outra intervenção nesse processo para além de também se ter obrigado. Falou ainda num acordo entre os pais relativamente às despesas da gestão familiar.
Os pais separaram-se em junho de 2014, tendo o pai ficado a usufruir a casa e do barracão, dizendo a testemunha que o pai disse à mãe, após interpelação desta, que não se preocupasse com o empréstimo do barracão. Na instância do mandatário do Autor a testemunha disse que a conversa havida entre a sua mãe e o seu pai foi tida numa ocasião bastante atribulada, coincidente com o dia, em que na presença de autoridades policiais, ela e a sua mãe retiravam bens da casa de morada de família para aí deixarem de viver.
Respondendo à juiz com vista a uma melhor concretização da envolvência desse acordo a testemunha depois de hesitação, disse que da conversa havida entre os pais depreendeu que o pai assumiria o pagamento do empréstimo referente ao barracão, acabando por ser perentória a dizer que o pai não declarou isso expressamente.
Ora, deste depoimento nada se retira que nos permita concluir, sem qualquer outra prova, pela ocorrência do acordo em discussão e seus termos.
As testemunhas GG, EE e FF não revelaram qualquer conhecimento do acordo em discussão.
Das declarações de parte prestadas pelo Autor pela Ré, revestindo ambas o mesmo valor probatório, nada resulta que nos permita concluir pela veracidade da versão dos factos de um deles. Assim, não merece censura a decisão da 1ª instância quanto ao julgamento do facto como não provado.
*
3. Da impugnação da decisão da matéria de facto no recurso subordinado
O Réu pretende aos factos provados seja aditado outro do qual constem os montantes por si pagos em cada ano e que totalizam a quantia por si peticionada, propondo a seguinte redação:
Os depósitos em numerário e transferências referidos no facto provado 9) foram em valores totais de: 2.642,25€ no ano de 2014; 6.256,40€ no ano de 2015; 5.830,96€ no ano de 2016; 6.167.50€ no ano de 2017;6.168, 00€ no ano de 2018; 6.125,00€ no ano de 2019; 5.505,00€ no ano de 2020 e 5.460,00€, no ano de 2021.
Para a alteração em causa convoca o teor dos documentos por si juntos com a p. inicial sob os números 6 a 17 e 18 a 24.
Da análise dos referidos documentos, que se apresentam na sua maioria com difícil ou mesmo impossível leitura total, não resulta o fim a que as importâncias nos mesmos descritas e pagas pelo Autor se destinavam, pelo que improcede o aditamento factual requerido.
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4. Os factos
Os factos provados são, pois, os seguintes:
1) O autor e a ré casaram entre si a ../../1987, com convenção antenupcial, no regime da comunhão geral de bens, casamento que foi dissolvido por divórcio decretado por decisão de ../../2014, proferida no processo de divórcio por mútuo consentimento n.º 11549/2014 que correu termos na Conservatória do Registo Civil ....
2) Corre termos em Cartório Notarial em ... o processo de inventário n.º 5664/19, para partilha na sequência do divórcio, cuja instância se encontra suspensa, por pendência de causa prejudicial, que a ré instaurou contra o autor, pretendendo o reconhecimento de um alegado direito de crédito sobre o património comum do casal, acção esta que se encontra a correr termos no Juízo Central Cível de Leiria – Juiz ..., sob o n.º 4810/22...., instaurada na data de 03/12/2022.
3) Entre o Verão de 2011 e inícios de 2012, autor e ré construíram um pavilhão, sito na Rua ..., ..., em ..., ... – relacionado no inventário como bem comum do casal.
4) No dia 22/11/2011, autor e ré, na qualidade de mutuários, celebraram com a «Banco 1..., C.R.L.», como mutuante, um contrato de empréstimo, sob a forma de abertura de crédito, até à quantia de €55.000,00, tendo constituído hipoteca a favor desta sobre o prédio rústico sito em ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o art.º ...32 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...62, freguesia ....
5) Nos termos da Cláusula 10.ª do Anexo I que ficou a fazer parte integrante desse título, «O(s) Segundo(s) Outorgante(s) respondem, solidariamente, perante a Banco 1... credora, pelas obrigações que nesta assumem, com base no presente contrato, autorizando-se mutuamente a aceitar as letras e assinar os demais documentos representativos da utilização do crédito aberto.».
6) O empréstimo efectivamente concedido foi de €40.500,00, por crédito em conta das quantias de €15.000,00 em 29/11/2011, €19.000,00 em 20/12/2011, €1.500,00 em 12/10/2012 e €5.000,00 em 30/11/2012.
7) Aquando do divórcio, em ../../2014, o valor total do capital do empréstimo em dívida e a amortizar daí em diante até ao seu vencimento em 29/11/2021, era de €32.710,72, acrescido de juros.
8) A «Banco 1...» foi citada para os termos do processo de inventário n.º 5664/19, tendo aí apresentado requerimento no qual confirma a existência de um crédito da responsabilidade solidária do dissolvido casal, garantido por hipoteca constituída sobre imóvel relacionado no inventário, cujo capital em dívida, à data de 29/12/2020, era de €4.900,18.
9) O empréstimo em causa foi totalmente liquidado a 30/11/2021, tendo sido o autor quem, no período compreendido entre ../../2014 e 30/11/2021, pagou a importância global de €33.763,95 (€26.092,21 de capital, €7.008,68 de juros, €221,23 de juros moratórios, €295,83 de imposto do selo e €146,00 de despesas), provisionando a conta do mesmo empréstimo mediante depósitos em numerário e transferências que nela foi efectuando, conforme declaração emitida pela «Banco 1..., C.R.L.», datada de 26/12/2023, junta com o requerimento de 08/01/2024.
10) Para a construção do pavilhão, autor e ré acordaram com a empresa «A..., Lda.» o fornecimento e montagem da estrutura e cobertura, pelo valor de €31.500,00 acrescido de IVA, conforme orçamento n.º 11/152, datado de 22/06/2011, aceite por autor e ré.
11) Em 05/10/2015, do custo da empreitada do pavilhão, estava em dívida a essa empresa a quantia de €15.355,00, a que acresciam os juros de mora à taxa legal por ela exigidos. Por conta dessa dívida, entre 2015 e 11/07/2017, o autor fez-lhe os pagamentos de €250,00 + 11 x €300,00 + €500,00, no total de €4.050,00. Para liquidação do remanescente de €11.305,00 e dos juros de mora, o autor e a empresa acordaram ele pagar o total de €14.000,00, o que fez, €13.000,00 através do cheque n.º ...35 emitido com data de 22/06/2022, €500,00 através do cheque n.º ...36 emitido com data de 12/10/2022 e €500,00 pagos através do cheque n.º ...38 emitido com data de 27/01/2023.
12) Em 01/03/2010, o autor, com o conhecimento e a aceitação da ré, e o arquitecto FF ajustaram em €4.000,00 os honorários devidos pelos serviços deste na execução do projecto de arquitectura e licenciamento do edifício e muros de vedação e suporte de terras daquele mesmo pavilhão.
13) Por conta desse montante de honorários, o autor pagou ao arquitecto os valores de €1.250,00 em 29/06/2017 e €1.250,00 em 12/10/2017.
14) No inventário n.º 5664/19, a ré impugnou esse passivo aí relacionado pelo autor, não tendo aprovado os referidos valores na Conferência Preparatória realizada em 07/02/2022. O Senhor Notário, por despacho proferido nessa sede, não os reconheceu.
(…)
15) O pavilhão em causa foi construído para o autor lá desenvolver a sua actividade profissional, o que fez desde que o pavilhão foi construído, seja pessoalmente, seja através da sociedade «B..., Unipessoal, Lda.», que constituiu e da qual é o único sócio-gerente.
16) Foi o autor quem geriu e controlou a construção do pavilhão.
17) A relação entre autor e ré, enquanto casal, deteriorou-se a partir do ano de 2013; em Julho de 2014, ocorreu a separação do casal, tendo a ré saído da casa de morada de família com os 2 filhos do casal.
18) A ré perdeu a confiança no autor relativamente à gestão do capital do empréstimo.
19) A ré nunca exigiu ao autor o pagamento de qualquer valor a título de renda, cedência ou utilização do espaço do pavilhão, até à data da liquidação do empréstimo.
20) Os pagamentos acima referidos ocorreram sem qualquer intervenção, acordo ou aceitação da ré.
21) No âmbito do processo n.º 3713/16...., que correu termos no Juízo Central Cível de Leiria, instaurado pelo autor contra a ré, na sequência de recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão proferido por este Tribunal Superior a 13/09/2022, foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos relacionados com o mesmo barracão aqui em análise:
11. Numa parcela com a área aproximadamente de 2.600 m2, desanexada por autor e ré de um terreno de vinha e pinhal com a área de cerca de 6.000m2 que a ré havia adquirido em partilhas por óbito de seu pai JJ, entre o verão de 2011 e início de 2012, autor e ré levaram a cabo a construção de raiz, que concluíram, de um barracão de rés do chão amplo e 2 divisões para casa de banho e arrecadação, destinado a armazéns e atividade industrial, com a área coberta (de implantação do edifício) de cerca de 490,60 m2 e logradouros (área descoberta) com aproximadamente 2.060 m2, situado na Rua ..., ..., no lugar de ..., agora União das Freguesias ... e ..., concelho ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art.º ...93, sendo o valor atual de mercado do imóvel de cerca de €166.804,00.
12. Por título de compra e venda de 22.09.2011, outorgado na ... CRP ..., autor e ré venderam a KK, pelo preço declarado de €5.000,00, o prédio rústico composto de terra de semeadura, no sítio de ..., freguesia ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o art.º ...97.
13. Por escritura de compra e venda de 03.01.2012, outorgada no Cartório Notarial ..., autor e ré venderam a II, pelo preço real ajustado de €55.000,00 e por conta do qual, então, só receberam €39.000,00€, ½ indivisa do prédio urbano composto por barracão destinado a oficina, telheiro, arrecadações, logradouro e quintal, sito na Rua ... em ..., freguesia ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art.º ...07.
15. Após a morte de BB, o dinheiro desta foi distribuído entre os seus sobrinhos, tendo o autor recebido, nessa qualidade, a quantia de €9.900,68, mediante cheque datado de 09.07.2011.
19. Para realizar dinheiro com que pagaram as obras de construção do barracão identificado em 11. efectuaram-se as vendas mencionadas em 12. e 13.
20. O dinheiro referido em 15. correspondente a parte da do A. na herança da tia foi também aplicado na construção do barracão referido em 11.
22) Consta da fundamentação de tal decisão:
Deste modo, extraindo as devidas consequências legais, temos que:
- é bem próprio o dinheiro pelo A. herdado da tia e referido nos factos provados 15. e 20., assim procedendo o peticionado sob I., a);
- conservam a qualidade de bens próprios dele, os dinheiros dos preços das vendas dos imóveis e dos pinheiros, referidos nos factos provados 9., 12., 13., 17. a 19.
Tudo somado dá 14.714,53 € (3.740,98 + 6.234,97 + 4.738,58) para as benfeitorias na casa e 59.900,68 € (11.000 + 39.000 + 9.900,68) para as do barracão, assim procedendo parcialmente o peticionado sob I., b), c) e d);
- face à apurada realidade, no momento da partilha entre os ex-cônjuges A. e R. este montante total de 74.615,21 € (14.714,53 + 59.900,68) deve ser atribuído ao A., como direito de crédito que tem sobre o património comum do dissolvido casal, assim procedendo parcialmente o peticionado sob I., e);
23) Consta do dispositivo de tal decisão:
Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, parcialmente, e, em consequência, condena-se a R. a reconhecer que:
a) o autor adquiriu a título gratuito os imóveis tal identificados nos factos provados 2. e 4., bem como o montante em dinheiro indicado no facto provado 15.;
b) Os preços das apontadas vendas, efectivamente pagos e recebidos por A. e R. são os indicados nos factos provados 9., 12., 13. e 18.;
c) Conservam a qualidade de bens próprios do A. os dinheiros dos preços por que foram alienados os referidos bens imóveis e os pinheiros, no total de 64.714,53 € e o dinheiro só a ele doado no montante de 9.900,68 €;
d) Todas as referidas benfeitorias, nos valores de 14.714,53 € € quanto à casa e seu logradouro, e de 59.900,68 € quanto ao barracão, porque sub-rogadas no lugar de bens próprios do A., conservam a qualidade de bens próprios do mesmo; e
e) Aqueles montantes devem ser atribuídos ao autor, no momento da partilha, por ter um direito de crédito no total de 74.615,21 € sobre o património comum do dissolvido casal de A. e R.;
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5. Do recurso principal
A recorrente ancorou este recurso exclusivamente, como decorre das conclusões formuladas, na impugnação da matéria de facto, fazendo decorrer da alteração dos factos a revogação da decisão proferida
Ora, não tendo sido alterada a matéria de facto em que o tribunal alicerçou a decisão tomada, e não sendo invocado neste recurso, qualquer outro fundamento para a sua revogação, improcede o mesmo.
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6. Do recurso subordinado
A sentença recorrida condenou a Ré a reconhecer - a existência de um direito de crédito do autor sobre a ré, no montante de €27.156,98 (vinte e sete mil cento e cinquenta e seis euros e noventa e oito cêntimos), correspondente a metade do valor de dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges pelas quais respondeu só o património próprio do autor, crédito este apenas exigível no momento da partilha dos bens do casal e a ser pago pela meação da ré no património comum ou, na sua falta ou insuficiência, pelos bens próprios da ré, absolvendo-a do demais peticionado, designadamente o pagamento de juros de mora sobre aquela quantia.
O Autor, no recurso subordinado, defende que ao direito de crédito reconhecido na sentença, acrescem juros de mora, desde as datas em que o Autor foi procedendo às sucessivas prestações do empréstimo da responsabilidade de ambos os cônjuges ou, subsidiariamente, desde a data da propositura da presente ação, ou ainda, subsidiariamente, desde a data da citação da Ré.
Em defesa desta sua pretensão recursória o Autor entende que aquele direito de crédito não pode ser apenas exigível no momento da partilha do património conjugal comum, uma vez que aqueles valores parcelares de que o recorrente é credor da recorrida são por ela devidos e assim exigíveis desde as datas em que o Autor os pagou e com a óbvia consequência de a devedora ter de compensar o recorrente pela mora desde essas datas até integral pagamento dos valores em dívida.
Não é essa, contudo, a solução ditada pelo art.º 1697º, n.1, do C. Civil vigente, que alterou o que anteriormente dispunha o art.º 1113º do Código de Seabra que permitia a imediata exigibilidade do crédito [1].
O legislador de 1966, criou um regime de exceção ao regime geral do direito de regresso entre devedores nas relações solidárias. Tendo em consideração a especial natureza do património comum conjugal, entendeu que, tendo os cônjuges apenas direito a uma meação enquanto não se proceder à partilha desse património, não fazia sentido que se pudessem cobrar créditos entre os cônjuges antes da dissolução dessa comunhão, pois, só nesse momento é que se procede à liquidação da comunhão conjugal [2].
Dai que tenha passado a constar do art.º 1697º, n.º 1, do C. Civil, que quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respondido bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além de que lhe competia satisfazer, mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal.
Ora, só são devidos juros de mora, quando se verifica um incumprimento temporário de uma obrigação - art.º 806º, n.º 1, do C. Civil -, o que sucede apenas a partir do momento em que é exigível o seu cumprimento, nos termos dos art.º 804º, n.º 2 e 805º do C. Civil.
Sendo esta obrigação da Autora apenas exigível no momento da partilha dos bens do casal e não tendo esta ainda ocorrido, revela-se correta a decisão recorrida que, reconhecendo o crédito do Autor determinou que o mesmo apenas é exigível no momento da partilha dos bens do casal e a ser pago pela meação da ré no património comum ou, na sua falta ou insuficiência, pelos bens próprios da ré.
Por esta razão improcede também o recurso subordinado.
7. Conclusão
Improcedendo os recursos principal e subordinado, deve ser confirmada a decisão recorrida.
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Decisão
Pelo exposto, julgam-se improcedentes os recursos interpostos pela Ré e pelo Autor e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
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Custas do recurso principal pela Ré e do recurso subordinado pelo Autor.
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26.11.2024
[1] Ver Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. IV, 2.ª ed., 1992, p. 354.
[2] Cristina Araújo Dias, Do regime da responsabilidade civil por dívidas cos cônjuges, Coimbra Editora, 2009, p. 844 e 845.