ACÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
Sumário

I – É admissível a ampliação do pedido, em acções de responsabilidade civil, quando estão reunidos os pressupostos do art. 265º, nº2, do C.P.C., ou do art. 569º do Código Civil.
II – Não é possível a ampliação quando a mesma comporta simultaneamente uma alteração da causa de pedir, atentas as limitações impostas pelo nº1 do mesmo art. 265º do C.P.C..

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO.

A..., S.A., pessoa colectiva nº ...70, com sede sem ..., Edifício ..., ..., ...,

instaurou no Juízo Central Cível de Coimbra [1] acção comum contra

MUNICÍPIO ..., com sede na Praça ..., ... ...

pedindo que:

a) Seja declarado que o prédio identificado no artigo 2.º da petição inicial é propriedade da autora;

b) O réu seja condenado a restituir à autora o referido prédio;

c) Caso a restituição não seja possível, o réu seja condenado a pagar à autora compensação pecuniária em valor nunca inferior 1.333.000,00 €.

Para sustentar o conjunto de pretensões supra enunciado, alegou o seguinte:

1.º

A Autora, que já girou sob a denominação B..., Sociedade Anónima (cfr. certidão permanente) é uma sociedade comercial que tem por objecto a importação e comércio de petróleo e seus derivados, bem como o exercício das actividades industriais e comerciais conexas.

2.º

A Autora é proprietária e legítima possuidora do prédio urbano sito na Quinta ..., com a área total de 10388 m2, sendo 430 m2 de área coberta e 9958 m2 de área descoberta, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...48, do Livro n.º ...53, e inscrito na respectiva matriz sob o n.º ...57 (cfr. documentos n.º 1 e n.º 2 que ora se juntam e se dão por reproduzidos).

3.º

O referido prédio encontra-se registado a seu favor desde 03/02/1969, por o ter adquirido quando ainda girava sob a denominação de B..., Sociedade Anónima.

4.º

Numa parcela do prédio descrito no artigo anterior encontra-se implantado um posto de abastecimento de combustíveis, o qual esteve em funcionamento até Janeiro de 2014.

5.º

Actualmente o posto de abastecimento encontra-se desactivado, pela não renovação do alvará de exploração pela Câmara Municipal ....

6.º

Ainda em 2003, foram iniciadas negociações, entre a Autora e o MUNICÍPIO ..., tendentes à viabilização da deslocalização desse posto de combustível, para local alternativo daquele onde se situava (lado Este da Av. ...) – cfr. documento n.º 3.

7.º

Para tanto, e como é referido no documento n.º 3, foram negociados os termos de um Protocolo, a celebrar entre a Autora e o MUNICÍPIO ..., assente numa permuta de terrenos entre ambos (cfr. documento n.º 4 que ora se junta e se dá por reproduzido).       

8.º

O MUNICÍPIO ..., desde Outubro de 2006, ocupou a parcela de terreno que a Autora estava disposta a permutar.

9.º

Com o consentimento da Autora, quanto ao prédio identificado no artigo 2.º, o Município ocupou parte do terreno à rectaguarda do posto de abastecimento, para poder circular ao longo do rio e instalar parte do estaleiro de obra (cfr. documento n.º 5 que ora se junta e se dá por reproduzido).

10.º

A Autora deu o seu assentimento considerando que “as negociações para a recolocação do posto estão bem encaminhadas, pelo que não vejo qualquer inconveniente” (cfr. documento n.º 5).

11.º

Contudo, atendendo à impossibilidade do MUNICÍPIO ... disponibilizar a parcela de terreno sita na Rotunda ..., freguesia ..., por motivos alheios à Autora, nem o protocolo foi assinado, nem os termos nele acordados são hoje reciprocamente exequíveis.

12.º

A parcela ocupada foi destinada a um jardim e foi avaliada, pelo próprio Município, em cerca de €1.333.000,00 (cfr. ponto 2 do documento n.º 4).       

13.º

Conforme foi referido, actualmente, o posto de abastecimento encontra-se desactivado pela ausência de decisão, por parte da Câmara Municipal ..., quanto ao pedido de renovação do alvará de exploração formulado em 16/12/2010.

14.º

Apesar da Autora nunca ter sido notificada de uma decisão final sobre o pedido de renovação de alvará de exploração, foi notificada, em 15/02/2012, do projecto de indeferimento desse pedido.

15.º

De acordo com a notificação, o indeferimento fundamentava-se no incumprimento do art.º 39.º do Regulamento do PDM: a) por contrariar a implementação de uma zona verde de uso público da estrutura verde urbana especialmente vocacionada para o recreio e lazer, a usufruir por toda a população; b) por estar incluído em Zona Verde de Uso Público V1 e por não se tratar de uma função complementar da utilização do espaço verde; c) por ser prevista a sua desactivação e integração no Parque ..., nos termos do n.º 3 do art. 39.º, aprovado pela CMC e por todas as entidades consultadas, e na ausência de qualquer outra proposta de estudo.

16.º

Ou seja, a Câmara Municipal ... fundamentou a proposta de indeferimento com base na violação do artigo 39.º do Regulamento do PDM e na inserção do posto de combustível dentro

do Parque ....

17.º

Ora, foi exactamente para ampliar o Parque ... que o Município ocupou a parcela de terreno propriedade da Autora e descrita no artigo 2.º.

18.º

A Autora já requereu, em sede de audiência prévia e por cartas de 16/10/2012 e 23/11/2012, ao Município, compensação pecuniária, nesse montante, pela ocupação do terreno sua propriedade (cfr. documentos n.os 6 a 8 que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos).

19.º

Pretensão que, até à presente data, e não obstante as diversas diligências e insistências da Autora, não teve qualquer resposta por parte do Município.

20.º

Ou seja, e em resumo, o Município ocupou o prédio de que a Autora é proprietária, assumindo compromissos que não respeitou.

21.º

Tal ocupação é ilegal, e não pode mais manter-se.”.

O réu contestou, impugnando, de forma motivada, parte da factualidade alegada na petição inicial e formulando uma pretensão a título reconvencional, pedindo que seja reconhecido que o réu MUNICÍPIO ... adquiriu a propriedade da parcela de terreno, com a área de 6. 427m2, a destacar do prédio descrito no artigo 2.º da petição inicial e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição n.º ...51, da freguesia ..., concelho ..., por acessão industrial imobiliária, mediante o pagamento do valor que esta parcela tinha antes das obras efectuadas, valor esse que nunca poderá ser superior a 42. 996,63€ (quarenta e dois mil, novecentos e noventa e seis euros e sessenta e três cêntimos).


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A autora apresentou réplica, contestando a reconvenção deduzida pelo réu e requerendo a ampliação do pedido formulado na petição inicial, nos seguintes moldes:

“(…)

 2) Subsidiariamente, e para o caso de não ser possível a restituição do prédio propriedade da Autora, deve ser o Réu condenado a pagar à Autora, para além do valor integral do prédio, identificado no documento n.º 1 da petição inicial, conforme pedido naquele articulado, uma indemnização que compreende todos os danos sofridos pela Autora em consequência da actuação ilícita do MUNICÍPIO ..., nomeadamente os decorrentes da ocupação e edificação ilegal em terreno propriedade da Autora, privação do direito de propriedade da Autora, demora na fixação e no pagamento da indemnização devida por aquela privação e culpa na negociação do protocolo, o que se computa, nesta data em €1.636.968,32, sendo o remanescente a liquidar em execução de sentença, tudo com as legais consequências.”.

Para fundamentar a requerida ampliação, alegou o seguinte:

85.º

Em consequência das acções ilícitas do Réu, a Autora sofreu, em síntese, os seguintes danos:

- Dano negativo, ou de confiança, resultante da lesão do interesse contratual negativo, ou seja, o dano que não teria sido sofrido se não se tivesse entrado em negociações para a celebração do “protocolo”, e que consiste no rendimento que a Autora poderia ter auferido com a exploração de um posto de abastecimento em local alternativo, o qual, em virtude das negociações em curso perdeu a oportunidade de procurar de forma activa e diligente, e que corresponde ao lucro previsto, para o período de 20 anos, de um posto de abastecimento em localização idêntica, com semelhante capacidade de armazenamento, com os seguintes volumes de vendas anuais (com referência ao ano de 2013): o 2.281m3 de combustíveis;         

- €15.000,00 de lavagens automóvel;

-  €400.000,00 de loja,

Valores que perfazem um lucro anual previsto de €42.000,00, ou seja, um lucro previsto para um período de 20 anos correspondente a €840.000,00.

-  Violação do direito de propriedade da Autora, pela ocupação de um prédio, ao qual a Autora atribui o valor de €1.133.000,00 (como resulta do pedido da petição inicial), mas que o Réu, em 2007, já valorou, ele próprio, em €973.297,00;

- Demora na fixação e no pagamento da indemnização pela ocupação e utilização do prédio propriedade da Autora, que corresponde aos juros corridos sobre o valor do prédio, desde a data da sua ocupação (1/11/2006) até à data em que for efectivamente paga e recebida a indemnização, e que se ascendem, nesta data, a €796.968,32 (cfr. documento n.º 3 que ora se junta e se dá por reproduzido).”.


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Notificada da réplica, o réu, por requerimento de 11/12/2014, opôs-se à ampliação do pedido.


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Em 18/12/2023, foi proferido despacho que admitiu a requerida ampliação, nos seguintes termos:

Admito a ampliação do pedido. Atento o que dispõe o artº 265/2 do CPC, afigura-se que a indemnização por danos decorrentes da ocupação e indemnização por danos em virtude da demora na fixação e no pagamento da indemnização constituem desenvolvimento do pedido primitivo.”. 

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Não se conformando com o despacho proferido, o réu interpôs o presente recurso, no qual formula as seguintes conclusões:

“1) O presente recurso visa reagir contra o douto despacho proferido na audiência prévia e que decidiu admitir a ampliação do pedido formulado pela Autora, despacho que deve ser revogado com base em dois fundamentos: (a) nulidade do douto despacho por falta de fundamentação e, sem prescindir, (b) ilegalidade do douto despacho por erro de julgamento ou erro de direito.

2) Todas as decisões e despachos judiciais devem ser fundamentados, ou seja, o Tribunal deve indicar as razões de facto e de direito que justificam a tomada de decisão num determinado sentido, nos termos do disposto nos artigos 154º, 613º, n.º 3 e 615º, n.º 1, al. b) do CPC, bem como, acima dela, a CRP (art. 205º, n.º 1).

3) O despacho recorrido limita-se a admitir tabelarmente a ampliação do pedido sem justificar em que se fundamenta tal ampliação, para além de se limitar a invocar meros conceitos jurídicos - meras expressões normativas - para justificar a admissão dessa ampliação quando refere que a indemnização por danos decorrentes da ocupação e indemnização por danos em virtude da demora na fixação e no pagamento da indemnização “constituem desenvolvimento do pedido primitivo”.

4) Ora, o despacho limita-se a reproduzir a redação legal, o mesmo é dizer, limita-se a repetir o que consta do texto legal (artigo 265.º, n.º 2 do CPC).

5) Não se conhecem - e, portanto, não podem ser sindicadas - quais as razões de facto em que o tribunal se apoiou para chegar à conclusão de que os pedidos constantes da ampliação “constituem desenvolvimento do pedido primitivo

6) Não se trata de fundamentação meramente insuficiente, mas sim, ao invés, de verdadeira falta de fundamentação, pelo que, em consequência, s.m.j., deve o despacho recorrido ser declarado nulo, por falta de fundamentação.

7) O douto despacho incorre em erro de julgamento na medida em que o pedido ampliado formulado pela Autora na sua réplica não podia ter sido admitido, por não se mostrarem verificados os pressupostos legais para o efeito.

8) A Autora alicerça a sua pretensão no direito de propriedade sobre um prédio urbano onde se encontrava instalado um posto de combustível, pretendendo o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o terreno e a condenação do Réu a restituí-lo.

9) Alega para o efeito que o Réu violou esse direito ao ocupar uma parcela de terreno para ampliar o Parque ... e peticiona que se declare que o prédio em causa é sua propriedade e a condenação do Réu Município a restituir o mesmo.   

10) E, no caso de não ser possível a restituição, peticiona a Autora, subsidiariamente, a condenação do Réu MUNICÍPIO ... no pagamento de uma compensação pecuniária em valor nunca inferior a 1.333.000,00€.

11) A causa de pedir e dos pedidos formulados pela Autora quadram no âmbito da típica ação de reivindicação prevista no artigo 1311.º do Código Civil.         

12) Na sua réplica, a Autora vem alterar o pedido – alegando que se trata de uma “ampliação” – peticionando “subsidiariamente e para o caso de não ser possível a restituição do prédio, a condenação do Réu a pagar à Autora, para além do valor integral do prédio, uma indemnização que compreende todos os danos sofridos pela Autora em consequência da actuação ilícita do MUNICÍPIO ..., nomeadamente os decorrentes da ocupação e edificação ilegal em terreno propriedade da Autora, privação do direito de propriedade da Autora, demora na fixação e no pagamento da indemnização devida por aquela privação e culpa na negociação do protocolo, o que computa em 1.636.968,32€ sendo o remanescente a liquidar em execução de sentença.”

13) Sustenta este novo pedido na alegação de uma acção ilícita do Recorrente consubstanciada a ocupação ilícita da parcela de terreno propriedade da Autora e na má-fé na negociação do protoloco com a Autora, com base na qual considera que a obrigação de indemnização recai sobre o Réu não só pela violação do seu direito de propriedade (cfr.. artigo 483.º do Código Civil), como também pela culpa na formação do contrato/protocolo (cfr. artigo 227.º do Código Civil).

14) E, em consequência da alegada actuação ilícita do ora Recorrente – que não se aceita – peticiona a Autora no novo pedido, indemnização pelo dano negativo, ou de confiança, resultante da lesão do interesse contratual negativo, violação do direito de propriedade da Autora, pela ocupação de um prédio e pela demora na fixação e no pagamento da indemnização pela ocupação e utilização do prédio propriedade da Autora, o que computou, na data da apresentação da ampliação do pedido, em €1.636.968,32, sendo o remanescente a liquidar em execução de sentença.

15) Nos termos do disposto no artigo 265.º, n.º 2 do CPC, como se alegou, é certo que o pedido pode ser ampliado em qualquer momento, mister é que essa ampliação seja o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.         

16) Para que se verifique uma situação de desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, é necessário concluir que a ampliação radique naquele pedido.

17) A ampliação deve radicar numa origem comum, devendo estar contida virtualmente no pedido inicial, de jeito que a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando o pedido formulado está virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da ação, pressupondo-se, para tanto, que dentro da mesma causa de pedir o pedido se modifique para mais – (Cfr. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, pp. 93- 4; Cfr. Ac. da RP de 19.05.2022, rel. Des. Judite Pires, processo n.º 22906/19.3T8PRT-C.P1, www.dgsi.pt).

18) No caso sub judice, como se alegou, decorre da petição inicial – na concretização da respetiva causa de pedir - que o pedido deduzido pela Autora, a final, de condenação do Réu no reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o terreno e a condenação do Réu a restituí-lo, assenta no alegado direito de propriedade sobre um prédio urbano, onde se encontra implantado um posto de abastecimento e na circunstância de o Réu ter violado esse direito ao ocupar uma parcela de terreno para ampliar o Parque ..., visando a Autora o reconhecimento da sua propriedade e a condenação do Réu a restituí-lo.

19) Atento o exposto, os pedidos cumulados em sede de réplica, com vista à ampliação do pedido inicial, porque se fundamentam numa causa de pedir distinta, ou seja, numa alegada responsabilidade civil contratual (pré-contratual), não consubstanciam um desenvolvimento ou a consequência dos pedidos primitivos.

20) A Autora peticiona, na ampliação, agora uma indemnização com fundamento numa responsabilidade pela frustração das negociações do protocolo e na alegada má-fé na negociação do protocolo, que é causa de pedir diferente dos pedidos primitivos.

21) Bem como cumula um pedido de compensação por danos decorrentes da ocupação e edificação ilegal, privação do direito de propriedade e demora na fixação e no pagamento de indemnização devida pela privação, danos esses que não foram alegados na p.i. e não podiam, naquele momento processual, ser alegados e peticionados ex novo.

22) Pelo que, o Tribunal a quo não devia ter admitida a ampliação do pedido, por ilegal, com todas as legais consequências.

23) Quer isto dizer que os pedidos que a Autora veio formular em ampliação dos pedidos primitivos são pedidos que não constituem uma ampliação ou um desenvolvimento dos pedidos primitivos, mas outrossim pedidos novos, distintos e autónomos dos pedidos primitivos, convocando uma nova causa de pedir assente numa alegada responsabilidade pela frustração das negociações do protocolo e na alegada má-fé na negociação do protocolo e pela reparação dos danos decorrentes da ocupação e edificação ilegal, privação do direito de propriedade e demora na fixação e no pagamento de indemnização devida pela privação.

24) É certo que a Autora alega na sua petição inicial a não renovação do alvará de exploração do posto de abastecimento e as negociações do protocolo que permitiriam deslocalizar o posto, mas tal alegação não consubstancia causa de pedir na ação, mas mero enquadramento da questão.

25) Não obstante esta alegação, o certo é que esse enquadramento insere-se agora numa nova causa de pedir que é complexa e que não serviram de suporte aos pedidos primitivamente deduzidos na p.i..

26) O que significa que não ocorre um caso de ampliação, pois o que se pretende acrescentar ou adicionar não se insere na mesma causa de pedir, consubstanciando um caso de cumulação pois a Autora acrescenta outros pedidos fundados em actos ou factos diversos dos alegados na p.i., ou seja, acrescenta pedidos com individualidade e autonomia diferenciada dos pedidos primitivos.

27) Em face do exposto e salvo o devido respeito, andou mal o Tribunal “A quo” ao admitir a ampliação do pedido, por falta de fundamento legal.

28) Ao decidir pela admissão da ampliação do pedido violou o douto despacho recorrido, entre outros, o disposto nos artigos 154.º, 265.º, n.º 2 e 613.º, n.º 3 e 615º, n.º 1, al. b) do CPC e 205.º, n.º 1 do CRP.”.


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A autora contra-alegou, nos seguintes termos:

“a) Na ação de reivindicação enquanto ação real, é susceptível de ser cumulado com a pretensão real, um pedido de indemnização por danos sofridos em consequência de actuação ilícita do réu;

b) Os pedidos constantes da réplica, formulados a título subsidiário, são um mero desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo apresentado pela A., ora Recorrida, na sua petição inicial, também com carácter subsidiário;

c) Aqueles pedidos de indemnização, no total de € 1.636.968,32 (um milhão seiscentos e trinta e seis mil novecentos e sessenta e oito euros e trinta e dois cêntimos) a que acrescem, no que toca ao segundo pedido, juros vincendos, são conformes ao disposto no artigo 265º nº2 do Código de Processo Civil;

d) De nenhum vício, designadamente nulidade, padece o douto despacho recorrido, que, embora sucinto quanto à questão sub judice, se encontra justificado à luz da lei processual vigente.”.


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Questões objecto do recurso

- Nulidade da decisão recorrida;

- Admissibilidade da ampliação do pedido formulada pela autora em sede de réplica, caso se entenda que o despacho impugnado não enferma de nulidade.   


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II – FUNDAMENTOS.

2.1. Factos provados.

Com interesse para a apreciação do presente recurso, importa considerar a tramitação processual que vem descrita no relatório antecedente.


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2.2. Enquadramento jurídico

Sustenta a apelante que o despacho recorrido é nulo, o que decorre, de acordo com o seu entendimento, da circunstância de não ter sido fundamentado, por parte da 1ª instância, por que motivo é admissível a ampliação do pedido formulada em sede de réplica.

Em matéria de fundamentação das decisões, importa considerar o regime previsto no art. 154º do C.P.C., cuja redacção é a seguinte:

1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.

2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”.        

No caso vertente, constata-se que a ora recorrente opôs à ampliação do pedido (cf. requerimento de 11/12/2014), pelo que estamos perante uma questão controvertida que implicava, de harmonia com o citado art. 154º do C.P.C, a fundamentação do despacho que viesse a incidir sobre tal matéria.

Conforme pode verificar-se face ao teor da decisão posta em crise, os respectivos fundamentos são deficientes, não tendo sido abordada, na sua plenitude, a problemática que o réu, ora recorrente, suscitou no requerimento onde se opõe à ampliação do pedido.

A deficiência de fundamentação não se confunde, no entanto, com a total ausência de fundamentação, pois só esta permite, nos termos legais, considerar que ocorre a nulidade invocada (cf., a propósito desta temática e a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 9/12/2021, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/54940067083ff01f802587a80057e6d2?OpenDocument, o Acórdão, também do STJ, de 3/3/2021, disponível em http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/73fe72e4c98e28908025868d003f205b?OpenDocument, o Acórdão da Relação do Porto de 23/5/2024, disponível em  http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/9e31989ba631ed0580258b49004b2768?OpenDocument, e o Acórdão da Relação de Coimbra de 13/12/2022, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/ed0cc1f5f86cbe608025893b0035efee?OpenDocument).

Tendo sido referido pela 1ª instância que a indemnização por danos decorrentes da ocupação e indemnização por danos em virtude da demora na fixação e no pagamento da indemnização constituem desenvolvimento do pedido primitivo, importa verificar, atento o que foi alegado nas correspondentes peças processuais, se a ampliação do pedido pode ser admitida.

O quadro normativo que rege esta matéria, como sabemos, resulta do disposto no art. 265º, nº2, do C.P.C., norma que apresenta a seguinte redacção: “O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.” [2].

A nossa jurisprudência, pronunciando-se sobre o regime que o legislador consagrou – entendimento que também sufragamos –, tem defendido que ampliação é admissível quando a nova pretensão se possa integrar no pedido primitivo e não exista alteração da causa de pedir, ou seja, quando não sejam alegados factos que não se integram nos fundamentos que sustentam a pretensão formulada inicialmente (neste sentido, cf., entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa de 4/4/2024, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/c4a23b9d9ee926c980258afc0045203d?OpenDocument, o Acórdão da Relação de Évora de 12/10/2023, disponível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/4ce81ebdc844733d80258a7d00347ae4?OpenDocument), o Acórdão da Relação de Guimarães de 10/7/2023, disponível em http://www.gde.mj.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/791f24cef40b8740802589f900301d3a?OpenDocument, e o Acórdão da Relação do Porto de 27/10/2022, disponível em http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/7ac448831b9c72d88025890500533f00?OpenDocument).

No caso vertente, tratando-se de uma situação que tem reflexos no domínio da responsabilidade civil – o pedido formulado a título subsidiário, na petição inicial e na réplica, situa-se nesse âmbito – é ainda necessário levar em consideração o disposto no art. 569º do Código Civil, o qual prescreve que “Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos.”.

Compulsada a réplica, verificamos, salvo melhor opinião, que a autora formula um pedido que, embora se enquadre nos parâmetros da responsabilidade civil, se funda num acervo factual que não tem correspondência com o que havia sido alegado na petição inicial, tratando-se, por isso, de uma pretensão inteiramente nova, com base em pressupostos fácticos que ultrapassam os limites fixados pela causa de pedir que integra o articulado que introduziu o feito em juízo.       

É invocada, entre outra matéria, factualidade que nos remete para o campo do denominado interesse contratual negativo [3], sendo alegados prejuízos que decorrem da circunstância de o posto de abastecimento referido nos autos ter sido encerrado, factualidade, como referimos, que não constava na petição inicial.

Uma vez que não existe acordo das partes, caso em que seria admissível a ampliação (art. 264º do C.P.C. [4]), teriam de estar verificados os pressupostos do nº1 do art. 265º do C.P.C., preceito este que estabelece que “Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.”

Em resumo, não estando reunidos os requisitos dos arts. 264º e 265º, nºs1 e 2, do C.P.C., bem como os que se encontram previstos no art. 569º do Código Civil, não é admissível a ampliação do pedido, pelo que o recurso merece provimento, devendo decidir-se em conformidade, com as consequências legais.


***

III – DECISÃO.

Nestes termos, decide-se julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar o despacho recorrido, não se admitindo a requerida ampliação do pedido.

Custas pela apelada.

 Coimbra, 26 de Novembro de 2024  

 (assinado digitalmente)


Luís Manuel de Carvalho Ricardo

(relator)

Sílvia Pires

(1ª adjunta)

António Domingos Pires Robalo

(2º adjunto)

(…)



[1] À data da instauração da acção, Vara Mista de Coimbra.
[2] O sublinhado é nosso.
[3] Sobre a matéria, cf. o Acórdão desta Relação (Coimbra) de 9/11/2022, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/b8fdaa3539e168698025891f003d4e7b?OpenDocument, e o Acórdão da Relação do Porto de 19/12/2023, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/5dd81f7863ed174880258ab5003f27b1?OpenDocument.
[4] Art. 264º do C.P.C.: “Havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.”.