EMBARGOS DE TERCEIRO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
INVERSÃO DO TÍTULO DA POSSE
Sumário

I - O princípio da confiança exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas, numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura.
II - A inversão do título da posse tem que consistir numa oposição expressa à situação anterior, através de actos materiais ou jurídicos, inequívocos, reveladores do novo animus da atuação e praticados na presença ou com o consentimento daquele a quem os atos se opõem.

Texto Integral

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Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

AA veio deduzir embargos de terceiro contra Banco 1..., S.A., exequente nos autos principais, e A... - Unipessoal, Lda., executada nos autos principais, peticionando o recebimento dos embargos, condenando-se as embargadas a reconhecer o legítimo direito de propriedade e posse do embargante sobre o seu prédio urbano na freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...28 e descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sobre o número ...98, abstendo-se da prática de qualquer acto que possa perturbar aquele mesmo direito. Mais peticionou que seja considerada a nulidade das vendas celebradas.

Para sustentar a sua pretensão, o Embargante alegou, em síntese:

No processo executivo ao qual os presentes embargos se encontram apensos foi penhorado, em 04.06.2018, o imóvel identificado como “Prédio urbano, Casa de altos e baixos que serve de escola do ensino primário, pendências e logradouro, com área total 476,00 m2, sendo a área coberta de 296,00 m2, situada na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., distrito ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...28 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...98”.

O referido imóvel é, há mais de sessenta anos, a sua casa de morada de família, alegando factos tendentes à sua aquisição originária.

Em 1995, essencialmente por razão de favor, conveniência e amizade com o Sr. BB, e a pedido deste, acedeu em ajudar a obter para este e sua companheira, CC, um empréstimo bancário junto da Banco 1... no valor de onze mil e quinhentos contos.

Para tal, para que pudesse servir de garantia do empréstimo, colocou o referido prédio em nome da referida CC, tendo, porém, ficado combinado que logo que estivesse tal valor pago à Banco 1..., deveria imediatamente ser escriturado “em sentido inverso” o dito imóvel, e portanto, para a titularidade do embargante.

A vontade real, no caso em apreço, nunca foi a de vender, nem de comprar, a casa do embargante, não tendo nenhum preço sido pago ou recebido, como também nenhuma verdadeira transferência da posse e da titularidade ocorreu.

A CC veio a realizar novo negócio simulado de compra e venda, exatamente sobre este mesmo imóvel, intervindo em 20.04.2012 numa correspondente escritura, na mascarada veste de vendedora, “contracenando” com a aqui 2.ª embargada/executada, A..., Unipessoal, Lda., que aí interveio como “compradora”. Também nesta segunda compra e venda nenhuma das partes quis realmente o negócio, bem sabendo a legal representante desta, ora 2.ª embargada, que relativamente à referida primeira escritura, nenhuma das partes quis o que declarou na correspondente escritura.


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Pese embora inicialmente houvessem sido liminarmente rejeitados, após recurso e na sequência do Acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, vieram os presentes embargos de terceiro a ser liminarmente admitidos.

Subsequentemente, foi produzida prova e recebidos os embargos de terceiros deduzidos.


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Entretanto, veio a ser deduzida habilitação de cessionário, tendo B... Company sido habilitada a intervir nestes autos em substituição de Banco 1..., S.A.

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Devidamente citadas, apenas a embargada B... Company apresentou contestação, defendendo-se, em síntese:

O embargante age em abuso de direito, este consubstanciado no facto de o embargante pretender prevalecer-se do instituto da usucapião para lhe ser reconhecido o seu direito de propriedade quanto ao imóvel em causa nos autos, quando é o próprio quem participa no negócio simulado que invoca, criando a aparência do direito de propriedade da CC, prejudicando a embargada.

Desconhece a “trama” alegada pelo embargante, sendo certo que o próprio admite que a realização do negócio simulado teve por objectivo a concessão de financiamento apenas a CC e que a mesma deveria ter o imóvel registado na sua propriedade para dar de hipoteca, como fez. Isto é, as partes envolvidas no negócio alegadamente simulado tiveram o intuito de enganar a Banco 1..., enquanto instituição que concedeu financiamento a esta última.

Tendo a instituição bancária agido sempre perante aquela que acreditava ser a legítima titular do crédito garantido e na convicção da validade da constituição da garantia, e do negócio jurídico de transmissão de propriedade do imóvel dado de hipoteca.

A embargada é terceira de boa-fé perante o embargante, a 2.ª embargada e a mutuária CC, e a existir invalidade do negócio jurídico, por via da alegada simulação absoluta, não lhe pode ser oponível. A invocação de usucapião pelo embargante a fim de ver anulada a penhora realizada pela exequente com base em simulação para a qual deu o seu acordo excede os limites da boa fé.


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Realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar os embargos totalmente improcedentes, absolvendo as embargadas de tudo o peticionado.

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Inconformado, o Embargante recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

I Objecto do recurso: O presente recurso incide sobre a Douta Sentença que julgou improcedentes os Embargos de Terceiro deduzidos pelo Recorrente na sua qualidade de terceiro contra a Exequente Banco 1..., S.A., e a Executada C... - Unipessoal, Lda.,

II No dia 5 de Junho de 2018, o Embargante, ora Recorrente tomou conhecimento que no dia anterior, 4 de Junho de 2018, no âmbito dos referidos autos de processo executivo (processo principal à margem referenciado) ter sido penhorado, para ser posto em venda judicial por leilão eletrónico, o imóvel identificado como “Prédio urbano, Casa de altos e baixos que serve de escola do ensino primário, pendências e logradouro, com área total 476,00 m2, sendo a área coberta de 296,00 m2, situada na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., distrito ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...28 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...98,

III Este bem imóvel supra identificado sito na R. ..., daquela mesma freguesia ..., é a sua casa e morada da sua família há mais de sessenta anos.

IV Ele e a sua esposa foram viver para a casa em 1959, cerca de dois anos e pouco, após casarem em 20 de outubro de 1956, e desde então e até hoje a habita;

V A adquiriu por sucessão do seu pai DD;

VI Igualmente o filho do Embargante, EE, reside consigo na casa;

VII Há sessenta anos, ininterruptamente até hoje, dorme, toma as suas refeições, recebe os seus amigos, recebe a respectiva correspondência; paga os valores relativos aos consumos de água e eletricidade contratualizados;

VIII Desde que foi viver para a casa e até ao presente tem feito com regularidade anual ou bianual obras de manutenção, pintura, arranjo de portas e janelas, concertos nas instalações de água e saneamento e eléctricas, agriculta o quintal da casa, sobretudo com culturas hortícolas e árvores de fruto, também com a ajuda do filho mais novo.

IX Todos estes actos referidos nos artigos anteriores desde que para a casa foi viver e até ao presente, têm sido praticados ininterruptamente pelo Embargante de forma clara e manifesta, à vista de todos, sem oposição de ninguém, na firme convicção de lhes assistir de forma absoluta e exclusiva o correspondente direito de propriedade, tendo poder real sobre a coisa imóvel – corpus - mas igualmente o outro elemento possessório: o animus;

X Tem pois de forma inequívoca a posse plena, exclusiva, pública, pacífica e de boa fé sobre a casa em apreço, referido prédio urbano – cft. artigos 1251º., 1258º., 1259º., 1260º., 1261º. e 1262º. do Código Civil;

XI Esta posse nunca foi posta em causa por ninguém nem por qualquer acto jurídico: nem sequer por dois negócios jurídicos inválidos por nulidade, que incidiram ainda que formalmente, sobre a casa em apreço, e que infra se explicarão.

XII Quanto aos negócios jurídicos que versaram sobre o prédio em apreço relatou detalhadamente o Embargante, ora Recorrente que: - em 1995, ele, essencialmente por razão de favor, conveniência e amizade com o Sr. BB, a pedido deste, acedeu em ajudar a obter para este e sua companheira, CC, um empréstimo bancário no valor de onze mil e quinhentos contos, atualmente € 57.361,76 (cinquenta e sete mil trezentos e sessenta e um euros e setenta e seis cêntimos) – conforme documentos de escritura e registo que constam dos autos de execução em referência; - como para tal se mostrava essencial “ arranjar “ um imóvel que servisse de garantia, o referido Sr. BB pediu-lhe, por ser seu amigo, que colocasse a dita casa da ... em nome da sua companheira CC, pois só interessava que o financiamento ficasse apenas em nome desta; - já que em nome dele, BB, não poderia por ter diversos problemas com a Banca e com outros credores; - sendo que se o bem imóvel em apreço figurasse na titularidade do dito BB correria risco de ser juridicamente agredido; - concordou com tal plano, sendo que do valor do referido empréstimo a obter junto da Banco 1...., Balcão ..., formalmente pela dita CC, uma pequena parte, concretamente o valor de 5.000 contos, ou seja atualmente vinte e cinco mil euros, seria para extinção da hipoteca bancária de igual valor que aquele havia constituído em 5 de Junho de 1995, conforme consta dos autos de

execução; - a diferença entre o valor mutuado pela Banco 1...., 11.500 contos e o valor da hipoteca que o Embargante detinha no valor de 5.000 contos, ou seja, 6.500 contos, hoje € 32.426,18 (trinta e dois mil quatrocentos e vinte e seis euros e dezoito cêntimos) seria para o referido BB investir no negócio que tinha em ..., denominado “...“; - mais combinado ficou entre as partes que o referido BB, através da sua companheira, CC, logo que a Banco 1...., ora 1ª. Embargada, estivesse paga relativamente àquele valor mutuado de 11.500 contos, deveria imediatamente escriturar “em sentido inverso“ o dito imóvel para a titularidade do Embargante; - quanto ao montante referente à dita hipoteca à Banco 1.... relacionada com o Embargante, foi o respectivo valor de 5.000 contos pago pela D. CC; - tendo o referido valor sido pago consequentemente, pouco tempo depois por ele, Embargante, ao Sr. BB, companheiro da D. CC; - eram portanto aquelas as condições essenciais da combinação negocial em apreço, correspondendo à única vontade real das partes intervenientes na dita escritura de compra e venda: o Embargante, a companheira do mencionado Sr. BB, CC, aquele, que embora não tenha formalmente intervindo, era na verdade quem arquitetara o exposto “plano negocial“; - o referido negócio só foi possível porque os filhos do Embargante e a sua esposa concordaram, nas precisas condições expostas supra; - a vontade real das partes subjacente à dita escritura de compra e venda, incluindo quem dela formalmente ficou “ocultado “, não obstante ter sido o cérebro desde o primeiro momento de todas pré-negociações e negociações, incluindo com a Banco 1...., foi apenas e só obter o referido financiamento de 11.500 contos – como explicado supra - mesmo que para tal tivesse sido, como efectivamente veio a ser, colocar artificialmente o imóvel a hipotecar à Banco 1.... em nome de outra pessoa, que não o seu legítimo e único dono; - a vontade real no caso em apreço nunca foi portanto a de vender nem de comprar a casa do Embargante; - jamais este quis vender a dita casa da ..., como jamais a dita CC a quis comprar; - nenhum preço foi pois pago ou recebido pela “suposta“ venda; - como também nenhuma verdadeira transferência da posse e da titularidade ocorreu; - resulta assim clara a divergência entre a vontade real das partes e aquela que falsamente declararam na correspondente escritura, sendo portanto o negócio jurídico em questão simulado e, por conseguinte, nulo - Cft. artigos 240º., 242º., 285º., 286º., 289º. do Código Civil; - da nulidade deste contrato resulta que o prédio em questão nunca deixou verdadeiramente de sair da titularidade do Embargante;

XIII Expôs ainda o Embargante, ora Recorrente, que: - porém, a mencionada alegada primeira compradora, a CC, veio a realizar novo negócio simulado de compra e venda exatamente sobre este mesmo referido imóvel, intervindo em 20.04.2012 numa correspondente escritura, na mascarada veste de vendedora, “contracenando“ com a aqui 2ª. Embargada / Executada, A..., Unipessoal, Lda., que aí interveio como compradora; - também tendo presente esta segunda compra e venda (reportada na escritura sob o doc. 14, ponto IV, relativamente à dita casa da ..., nenhuma das partes outorgantes quis realmente o negócio: nem quem declarou nesta segunda escritura vender, ou seja, a referida CC, quis verdadeiramente vender, nem quem aí declarou comprar, a representante da D..., Unipessoal, Lda., quis verdadeiramente comprar; - a legal representante desta, ora 2ª. Embargada, sabia relativamente à referida primeira escritura, que nenhuma das partes quis o que declarou na correspondente escritura: nem o ora Embargante quis vender, nem a referida CC quis comprar, como nenhum preço foi verdadeiramente pago / recebido, nem ocorreu qualquer verdadeira transmissão da posse ou da titularidade do imóvel; - a legal representante da 2ª. Embargada é pessoa das relações de confiança do Sr. BB e da sua companheira, CC, estava a par do carácter simulatório da referida primeira compra e venda entre o Embargante e esta última; - a 2ª. Embargada sendo terceira relativamente à primeira escritura de compra e venda não esteve nem está de boa fé, não ignorando o carácter totalmente simulatório desse negócio jurídico, sendo-lhe portanto oponível a presente invocação da respectiva simulação; - sabiam perfeitamente ambas as outorgantes desta segunda escritura que a referida CC tinha graves problemas financeiros, com dívidas a terceiros nomeadamente trabalhadores relativamente a créditos laborais, incluindo valores indemnizatórios a cujo pagamento fora judicialmente condenada por doutas sentenças transitadas em julgado no âmbito de processos do Tribunal do Trabalho da Guarda, designadamente: proc. 106/10.... e proc. 229/10...., importando tais créditos em valores respectivamente de €115.939,33 e € 43.463,38; - a CC nunca quis vender verdadeiramente o imóvel em aqui causa à 2ª Embargada, nem esta lho quis comprar, apenas pretendendo a primeira proteger esse mesmo bem relativamente à cobrança dos seus credores, ainda que por via judicial, aceitando a segunda fazer-lhe tal favor; - tudo isto com a supervisão, - qual sombra - do referido BB; - idêntico procedimento foi combinado entre tais partes contratantes no que concerne a uma série de outros imóveis registados em nome da referida CC; - sequencialmente adveio a insolvência da mesma CC, no âmbito do proc. nº. 724/16.... do Juízo da Instância Central do Comércio de Coimbra – J..., com douta sentença de 03.02.2016; - resulta assim que esta segunda alegada “compra e venda “ do imóvel em apreço é também nula por força da simulação do negócio jurídico em causa - cfr. artigos 240º., 242º., 285º., 286º., 289º. do Código Civil mas também por traduzir uma venda de bem alheio - cfr. artº. 892º., 285º., 286º. e 289º. do Código Civil.

XIV Frisou ainda o ora Recorrente que: - a referida CC nunca foi dona do dito imóvel, “casa da ...“, pois nunca realmente o comprou antes, nunca lá foi, ignora mesmo onde fica e como este imóvel é, apenas simulou tal compra; - por conseguinte, não tendo nunca tal bem na sua titularidade, na sua esfera jurídica, a alienação que do mesmo fez por meio daquela segunda escritura corresponde a uma venda de bens alheios, mortalmente ferida e sancionada com a nulidade - cfr. artº. 892º., 285º., 286º., 289º do Código Civil.

XV Concluiu o Recorrente que: - tendo presente todos os descritos actos possessórios e a natureza dos mesmos e bem assim o intuito, a intencionalidade subjacente à sua prática por si, sempre atuou na veste de verdadeiro titular do direito de

propriedade, pleno e exclusivo, mas igualmente todo o tempo decorrido desde o respectivo início até ao presente, sem qualquer interrupção, espelham claramente - como se explicou supra – uma posse plena, pública, pacífica, de boa fé, ininterrupta, mantida por mais de vinte anos, e sucessivamente renovada e renascida mesmo e apesar da prática

dos dois referidos negócios jurídicos de compra e venda nulos e reafirmada ainda hoje, sendo sua posse boa para usucapir, usucapião que para todos os efeitos invocou e invoca - cfr. artigos 1287º., 1293º., 1294º. todos do Código Civil.

XVI Sem embargo de tudo o vertido supra, o Embargante acrescentou ainda que: Em 2005, e 2006, já após a outorga da referida simulada escritura realizou obras de vulto na casa, nomeadamente picou a casa por fora para se ver o granito das paredes exteriores, retirou o reboco exterior, pintou a casa por dentro, fez remates e acabamentos em madeiras, portas e portadas e outros trabalhos na casa, num montante aproximado de € 15.000,00 (quinze mil euros) e mandou realizar outras obras significativas na casa, nomeadamente ao nível do telhado, pavimento, canalizações de água e saneamento, em valor não inferior a € 20.000,00 (vinte mil euros); - pugnando subsidiariamente por um direito de retenção sobre a coisa imóvel em apreço correspondentemente às despesas nela realizadas.

XVII Concluiu o Embargante, ora Recorrente, pedindo: - a procedência dos Embargos de Terceiro; - a condenação dos Embargados a reconhecer o legítimo direito de propriedade e posse do embargante sobre o seu identificado prédio urbano na freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...28 e descrito na respectiva conservatória do registo predial sobre o número ...98, abstendo-se da prática de qualquer acto que possa perturbar aquele mesmo direito real e correspondente posse; - a declaração da nulidade da escritura de compra e venda celebrada entre o embargante e a referida CC em 14.06.1995, vertida no doc. nº. 1 junto aos de execução e ordenado o imediato cancelamento do registo predial de aquisição a favor daquela; - a imediata invalidação por nulidade da correspondente inscrição matricial a favor da dita- a declaração da nulidade da escritura de compra e venda celebrada entre a referida CC e a segunda embargada em 20.04.2012 e vertida no doc. nº. 14, aqui junto, e o imediato cancelamento do registo predial de aquisição a favor da dita 2ª. Embargada; - a imediata anulação da correspondente inscrição matricial a favor da 2ª. Embargada.

XVIII A 1ª. Embargada contestou excecionando a intempestividade dos Embargos, o abuso de direito e pediu a improcedência dos Embargos de Terceiro.

XIX A 2ª. Embargada, regularmente citada, não contestou a acção.

XX Em sede de Réplica, o Embargante considerou que quem abusava do direito era a 2ª. Embargada Banco 1.... e a entidade que lhe sucedeu no processo por habilitação judicial ao pretender cobrar um crédito nos autos principais com mais de vinte anos, bem sabendo que a dívida correspondente estava já prescrita - cft. artº. 309º. do C.C.

XXI Invocou assim o Embargante a prescrição da dívida exequente, em que se basearam os autos principais e de onde partiu a agressão processualmente ordenada ao seu legítimo direito de propriedade e posse.

XXII A análise e pronúncia de tal invocada questão da prescrição impunha-se legalmente, mas foi omitida pelo Ilustre Tribunal a quo.

XXIII Consequenciando tal omissão de pronúncia a nulidade da sentença, cfr. artº. 615º., nº. 1, al. d) do C.P.C.

XXIV O Ilustre Tribunal a quo na sua Douta Sentença recorrida atendeu plenamente ao depoimento do próprio Embargante, a quem atribuiu toda a credibilidade, e bem assim nesse mesmo grau de total apreciação favorável aos depoimentos de todas as testemunhas pelo mesmo arroladas, excetuando a testemunha BB, totalmente descredibilizada.

XXV Na Douta Sentença recorrida com particular relevância para o presente recurso foram dados como provados os seguintes factos: (…)

XXVI A douta Sentença recorrida considerou expressamente (págs. 69 e 70) que : “ Ora daquilo que resultou provado nos autos, o embargante reside no imóvel em causa há já mais de sessenta anos, tendo pago despesas e dele cuidado, nomeadamente realizado obras. Ademais é no imóvel em causa que o embargante dorme, toma as suas refeições, recebe os seus amigos e a respectiva correspondência. Ademais, é tido na ... como o proprietário do imóvel em causa. Pelo que, mesmo considerando que se trataria de posse de má fé, tudo indicaria que se verificam os pressupostos para que fosse declarado o direito de propriedade do embargante sobre o imóvel em causa, estando preenchidos os requisitos da aquisição por usucapião. “

XXVII Pois bem, como claramente assim decorre da Douta Sentença recorrida, o Ilustre Tribunal a quo não teve qualquer dúvida em face da prova produzida e da factualidade que deu como provada, em reconhecer que o Embargante, ora Recorrente, é legítimo possuidor do imóvel em questão, que é aliás sua casa de morada da família, com uma posse plena, ininterrupta, pacífica, pública e de boa fé, mas igualmente que sempre o adquiriu por usucapião antes da aludida primeira escritura.

XXVIII Mas sempre haveria o embargante de adquirir o supra identificado imóvel após a mesma escritura, realizada que foi em 1995.

XXIX Uma vez que todos os factos dados como provados consubstanciam igualmente, a partir dessa data e até ao presente, uma posse com aquelas iguais características, com corpus e animus e boa para usucapião, que foi firmada e reafirmada pelo embargante nestes autos de embargos de terceiro.

XXX Ora – e aqui cabe, salvo todo o devido respeito por diverso entendimento - a censura à douta sentença recorrida - o Ilustre Tribunal a quo considerou que não poderia ser considerado neste caso a aquisição por usucapião a favor do embargante porque isso seria uma abuso de direito.

XXXI Ora, sempre salvo o devido respeito o Ilustre Tribunal a quo desrespeitou grave e clamorosamente o já decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do Douto Acórdão proferido em recurso nestes mesmos autos nos termos que ora se transcrevem (págs. 8 e 9): “Por outro lado, o embargante alega uma sucessão de actos que, a demonstrarem-se, serão de molde a concluir pela aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel em causa, em seu benefício, através da usucapião, o que afasta o invocado (na decisão recorrida) abuso de direito“.

XXXII Esta questão já foi portanto clarificada e decidida pelo tribunal superior, em sede daquele douto acórdão já transitado em julgado.

XXXIII O doutamente decidido naquele Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, já transitado em julgado teria pois de ser respeitado pela Primeira Instância, o Ilustre Tribunal a quo.

XXXIV Dos factos dados como provados na Douta Sentença recorrida resulta clara a posse do Embargante sobre o imóvel em apreço e posse boa para usucapião.

XXXV O Ilustre Tribunal a quo deveria pois ter atentado e respeitado o já doutamente decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra e ter rejeitado a aplicação ao caso ajuizando da figura do abuso de direito, fazendo prevalecer a aquisição pelo Embargante do imóvel em apreço através da usucapião.

XXXVI E daí retirar como consequência lógica a procedência dos presentes embargos com todos os efeitos peticionados no respectivo petitório.

XXXVII Com todo o devido respeito, a Douta Sentença recorrida ao julgar assim

improcedentes os presentes Embargos de Terceiro violou o princípio do respeito pelo caso julgado e pelas decisões dos tribunais superiores e espezinhou e fez completamente tábua rasa da ancestral figura da usucapião, da sua génese, da sua natureza a dos seus fundamentos e efeitos como modo de aquisição originária de direitos reais de gozo, no caso, o direito real maior, que é o direito de propriedade.

XXXVIII De igual forma a douta sentença recorrida violou a tutela jurídica da posse.

XXXIX A posição manifestada na douta sentença recorrida é, de todo em todo, inaceitável!

XL Na verdade, se atentarmos na factualidade dada como provada, notamos que o Embargante / Recorrente interveio apenas no primeiro negócio jurídico simulado e este foi celebrado em 1995, ou seja, há mais de vinte anos – e o prazo para aquisição por usucapião de imóveis mesmo quando se funde em posse de má fé é de 20 anos – cfr. artº.

1287º., 1296º. do Código Civil.

XLI Sendo certo que a posse do Embargante / Recorrente, relativamente ao imóvel em apreço é uma posse pública, pacífica, de boa fé e ininterrupta, cfr. artigos 1251º., 1258º., 1259º., 1260º., 1261º. e 1262º todos do Código Civil.

XLII Mas mesmo que a posse do embargante se tivesse interrompido no momento da dita escritura de compra e venda simulada – facto que apenas por académica hipótese se aventa, mas que nunca ocorreu – a verdade é que continuou na posse e continua até hoje, portanto dúvidas não podem subsistir de que o embargante adquiriu o imóvel por usucapião, de forma originária e independentemente da nulidade daquele negócio jurídico em que interveio celebrado em 1995.

XLIII A Douta Sentença a quo violou por isso o direito de propriedade do Embargante – cft. artigos 1302º., 1305º., do Código Civil e desrespeita de forma inaceitável a tutela jurídica desse mesmo direito real, designadamente os direitos da sua respectiva defesa e naturalmente também da inerente tutela possessória – cfr. 1311º. e ss. 1276º. e ss. daquele mesmo diploma legal.

XLIV Pelo exposto, sempre salvo o devido respeito, enferma a Douta Sentença recorrida de nulidade por omissão de pronúncia quanto à invocada questão da prescrição da dívida exequenda, a qual baseou os autos principais, em cujo âmbito foi praticada a agressão processual ao legítimo direito de propriedade e posse do Embargante sobre a sua

casa de morada da família, o supra identificado prédio urbano sito na freguesia ... do concelho ... (cfr. art. 309º. do C.C. e 615º., nº. 1, al. d) do C.P.C.

XLV A Douta Sentença, embora reconheça claramente o preenchimento de todos os pressupostos de facto e de direito para, relativamente ao supra identificado imóvel, sustentar na esfera jurídica do Embargante, ora Recorrente, a sua legítima posse e a aquisição originária do seu direito de propriedade por usucapião, com a fundamentação

jurisprudencial e doutrinal de que se comunga, o certo é que depois nega tal direito, nega tal legítima posse, nega tal aquisição, com fundamento em abuso de direito.

XLVI Ora o Ilustre Tribunal a quo ao fazê-lo, violou caso julgado, patenteado nestes mesmos autos, no Douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra em 22.01.2019, pondo em causa o dever legal de respeito pelo caso julgado e pela decisão já transitada em julgado proferida pelo Tribunal Superior.

XLVII O Ilustre Tribunal a quo, na sua douta Sentença recorrida, atentou contra o direito de propriedade e a legítima posse do Embargante, e respectivos meios de tutela jurídica, violando nomeadamente também os seguintes normativos: art. 1251º., 1258º., 1259º., 1260º., 1261º., 1262º., 1276º., 1287º., 1296º., 1302º., 1305º., 1311º. e ss. 1316º., 1317º. al. c), todos do C.C.

XLVIII Por todo o exposto torna-se essencial a prolação de douto Acórdão que considere a procedência dos Embargos de Terceiro em apreço e que revogue a Douta Sentença recorrida, por nulidade da mesma, atenta a omissão de pronúncia relativa a questão sobre a qual deveria ter-se pronunciado, e julgue procedente a invocada prescrição da dívida exequente, e que, independentemente de tal, considere a existência na esfera jurídica do Embargante, ora Recorrente, da sua legítima posse e sobretudo, o seu direito de propriedade adquirido por usucapião sobre o seu supra identificado prédio imóvel na ... e que desde há mais de sessenta anos constitui a sua casa de morada da família.

XLIX E que, por consequência, ordene o cancelamento de qualquer registo predial e inscrição matricial que se mostrem juridicamente incompatíveis ou conflituantes com tal direito de propriedade exclusivo e pleno por parte do Embargante, ora Recorrente, sobre o tal supra identificado imóvel.


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           A Embargada Credora contra-alegou, defendendo a correção do decidido.

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As questões a decidir são as seguintes:

A nulidade da decisão por omissão de pronúncia relativa à questão da prescrição;

A violação do caso julgado;

A posse e a sua titulação; o abuso do direito.


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A nulidade da decisão por omissão de pronúncia relativa à questão da prescrição.

A propósito desta, prevê o artigo 615, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC) que tal se verifica quando o “juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” …

A omissão de pronúncia significa ausência de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei ou pelo facto de serem suscitadas pelas partes impõem que o juiz tome posição expressa.

No presente caso, não se verifica tal omissão.

Em primeiro lugar, cabia ao Embargante invocar todos os fundamentos de oposição logo na petição de embargos, sem que existisse outro articulado para o fazer (art.732, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC). Naturalmente, a Embargada não se pronunciou sobre qualquer prescrição, tendo invocado apenas o abuso do direito. Apesar do Embargante dizer que alegou a prescrição, a verdade é que, na discussão do abuso do direito, apenas diz na réplica: “Se alguém abusa do seu hipotético direito é a Banco 1.... e é agora a embargada habilitada, ao pretender cobrar nos autos principais um crédito que bem sabem está há muito prescrito. Na verdade, volvidos mais de vinte anos em relação à respectiva constituição, a dívida exequenda está prescrita, como muito bem sabem as embargadas,”, sem que daqui retire qualquer consequência.

Neste contexto, não se aceita que o Embargante tenha invocado a prescrição como fundamento dos embargos, não bastando dizer, na discussão da exceção invocada pela parte contrária, que o crédito se encontra prescrito, sem mais.

Em segundo lugar, o Embargante não tinha legitimidade para invocar a prescrição da dívida alheia, nos termos do art.º 305, n.º 1, do Código Civil (CC). Segundo os seus embargos, ele nada tem a ver com o negócio entre o Banco e a mutuária.


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A violação do caso julgado.

O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22/01/2019, não decidiu de mérito. O mesmo decidiu revogar a decisão que indeferiu liminarmente os embargos de terceiro, determinando a sua substituição por outra que os avaliasse, determinando que cabia à Embargada a alegação da boa-fé e do (des)conhecimento relativamente aos negócios jurídicos invocados, com os ulteriores termos processuais, o que sucedeu.

Para se decidir sobre o mérito, no caso o confronto entre a usucapião e o abuso do direito relacionado, faltava a alegação das Embargadas e o apuramento dos factos pertinentes.

Neste contexto, ao decidir agora sobre o abuso do direito, não incorreu o Tribunal recorrido em violação do caso julgado.


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Os factos a considerar são os seguintes (não impugnados):

A) Nos autos de processo de execução sumária que corre termos sob o n.º 1513/16...., neste Juízo de Competência Genérica de Vila Nova de Foz Côa, a que os presentes se mostram apensos, figura como exequente B... Company, habilitada na posição inicialmente ocupada pela Banco 1..., S.A., e como executados FF, GG (que já antes da propositura da acção haviam falecido) e A... – Unipessoal, Lda..

B) No dia 04 de Junho de 2018, foi penhorado, no âmbito do processo referido em A), para ser posto em venda judicial por leilão eletrónico, o imóvel identificado como «Prédio urbano, Casa de altos e baixos que serve de escola do ensino primário, pendências e logradouro, com área total 476,00 m2, sendo a área coberta de 296,00 m2, situada na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., distrito ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...28 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...98».

C) O embargante AA teve conhecimento da penhora mencionada em B) no dia 05 de junho de 2018, através do seu filho EE, uma vez que o primeiro não se encontrava em casa, na data da realização da diligência de penhora material.

D) O imóvel identificado em B) não serve de escola há mais de sessenta anos, sendo hoje sito na Rua ..., da freguesia ..., e é a casa de morada da família do embargante há mais de sessenta anos.

E) O embargante contraiu matrimónio com a esposa em 20 de outubro de 1956.

F) O embargante e a sua esposa foram viver para a casa referida em B) em 1959, cerca de dois anos e pouco após casarem, vivendo lá o embargante até aos dias de hoje.

G) O imóvel referido em B) foi adquirido pelo embargante por sucessão mortis causa do seu pai DD.

H) No imóvel referido em B) reside igualmente o filho do embargante, EE.

I) À data de entrada dos presentes embargos em juízo, a esposa do embargante contava com 85 anos de idade, era pessoa frágil e doente, estava afastada dos problemas pessoais, familiares e patrimoniais e tinha segunda residência no Porto, onde se encontrou por razões de saúde, tendo, entretanto, acabado por falecer.

J) O imóvel referido em B) é onde o embargante desde, pelo menos, há sessenta anos, ininterruptamente até hoje, dorme, toma as suas refeições, recebe os seus amigos e a respectiva correspondência.

K) Desde que foi viver para o imóvel com a sua família e até ao presente, o embargante paga os valores relativos aos consumos de água e eletricidade contratualizados respeitante ao imóvel referido em B).

L) Desde que foi viver para a casa identificada em B) e até ao presente, o embargante, com contributo do filho mais novo, tem feito obras de manutenção, pintura, arranjo de portas e janelas, concertos nas instalações de água e eléctricas e no saneamento.

M) Desde que o embargante foi residir para o imóvel referido em B) e até ao presente, todos os actos referidos em J) a L) têm sido praticados ininterruptamente, à vista de todos, sem oposição de ninguém, na firme convicção de lhe assistir de forma absoluta e exclusiva o correspondente direito de propriedade sobre o mesmo.

N) Em 1995, o embargante, por favor, conveniência e amizade com BB, e a pedido deste, acedeu em ajudá-lo a obter para si e para a sua então companheira, CC, um empréstimo bancário no valor de 11.500$00 (onze mil e quinhentos contos), correspondente atualmente a €57.361,76 (cinquenta e sete mil trezentos e sessenta e um euros e setenta e seis cêntimos).

O) Em 1995 foi celebrado entre AA e CC um acordo por meio do qual aquele declarou vender e a segunda declarou comprar o imóvel referido em B).

P) Pela Ap. 2 de 1995/06/13 encontra-se registada a favor da Banco 1... uma hipoteca voluntária para garantia de empréstimo no montante de 11.500.000,00 escudos, que incide sobre o prédio referido em B), figurando como sujeito passivo CC.

Q) Pela Ap. 3 de 1997/09/09 encontra-se registada a favor da Banco 1... uma hipoteca voluntária para garantia de empréstimo no montante de 1.600.000,00 escudos, que incide sobre o prédio referido em B), figurando como sujeito passivo CC.

R) CC veio a celebrar por escritura pública, em 20 de abril de 2012, um acordo escrito pelo qual declarou vender à 2.ª embargada A..., Unipessoal, Lda., e esta declarou comprar, o imóvel identificado em B).

S) Em 2005 e 2006, já após a outorga da escritura pública, o embargante realizou obras no imóvel referido em B), nomeadamente, picou a casa por fora para se ver o granito das paredes exteriores, retirou o reboco exterior, pintou a casa por dentro, fez remates e acabamentos em madeiras, portas e portadas e outros trabalhos na casa, num montante aproximado de €15.000,00 (quinze mil euros).

T) Já antes da dita escritura e após a mesma o embargante mandou realizar outras obras significativas na casa, nomeadamente, ao nível do telhado, pavimento, canalizações de água e saneamento, em valor não inferior a €20.000,00 (vinte mil euros).

U) Não há sequer uma pessoa que possa afirmar, com seriedade, ter sequer alguma vez visto a dita CC na casa da ... ou que nela tenha sequer praticado qualquer tipo de acto de posse.

V) É do conhecimento geral onde era e é a casa do embargante, na ....

W) Os presentes embargos de terceiro deram entrada em juízo em 04.07.2018.

X) Pese embora apenas no dia 04.06.2018 tenha sido constituído fiel depositário do imóvel referido em B), a penhora incidente sobre o mesmo foi registada em 07.06.2017.

Y) Após o registo de penhora, a Agente de Execução promoveu as diligências de citação dos Executados, bem como, as diligências de venda do imóvel em apreço, designadamente, a notificação às partes para, querendo, se pronunciarem acerca da modalidade e valor base de venda do referido bem.

Z) O próprio embargante cria, com o referido em O), a aparência de que o imóvel mencionado em B) pertence a CC.

AA) A Banco 1... limitou-se a, no âmbito da sua actividade creditícia, conceder um financiamento garantido por hipoteca voluntária registada sobre o imóvel referido em B), com base numa aparência que o próprio embargante aceitou criar e criou, tendo a Banco 1... acreditado tratar-se da legítima titular do imóvel garantido, tendo confiado na validade do negócio de transmissão do imóvel dado de hipoteca, mencionada em P) e Q), e convicta da validade da constituição da garantia.

BB) CC veio a ser declarada insolvente por sentença datada de 03.02.2016, proferida no âmbito do processo n.º 724/16.... que correu termos no Juízo da Instância Central do Comércio de Coimbra – J....


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Não resultaram provados os seguintes factos:

1) O referido em L) é praticado pelo embargante com regularidade anual ou bianual, sendo que o mesmo ainda agriculta o quintal da casa, sobretudo culturas hortícolas e árvores de fruto.

2) Na sequência do referido em N), e de modo a conseguir um imóvel que servisse de garantia ao empréstimo bancário, BB pediu ao embargante, que colocasse o imóvel referido em B) em nome da sua companheira CC.

3) BB pediu ao embargante que colocasse o imóvel em nome da companheira porquanto no seu poderia ter diversos problemas com a banca e com outros credores, e correria o risco de o ver juridicamente agredido.

4) O embargante concordou com tal plano, sendo que do valor do referido empréstimo a obter junto da Banco 1..., Balcão ..., formalmente por CC, uma pequena parte, concretamente o valor de 5000 contos, ou seja, atualmente €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) seria para a extinção da hipoteca bancária de igual valor que aquele havia constituído em 05 de junho de 1995.

5) A diferença entre o valor mutuado pela Banco 1..., os 11.500,00 contos e o valor da hipoteca que o embargante detinha no valor de 5.000 contos, ou seja, 6.500 contos, hoje correspondente a €32.426,18 (trinta e dois mil quatrocentos e vinte e seis euros e dezoito cêntimos) seria para BB investir no negócio que tinha em ..., denominado «...».

6) Mais ficou acordado entre as partes que logo que a Banco 1... estivesse paga relativamente ao valor mutuado de 11.500 contos, BB, através da sua companheira, CC, deveria imediatamente escriturar «em sentido inverso» o imóvel referido em B) novamente para a titularidade do embargante.

7) Quanto ao montante referente à dita hipoteca à Banco 1... relacionada com o embargante, foi o respetivo valor de 5.000 contos pago pela CC.

8) Tendo o referido valor sido pago pouco tempo depois pelo embargante a BB, companheiro de CC.

9) A vontade das partes, incluindo de BB, subjacente ao referido em O) foi,  não só obter o referido financiamento de 11.500 contos por parte de BB e CC, nunca tendo o embargante querido vender a sua casa, identificada em B), e CC comprar a mesma, não tendo nenhum preço sido pago ou recebido pela suposta venda, nunca deixando o imóvel de sair da posse e da titularidade do embargante.

10) O negócio só foi possível porque os filhos do embargante e a sua esposa concordaram, nas precisas condições acima referidas.

11) CC não pretendia na realidade vender o imóvel identificado em B), nem a representante da D..., Unipessoal, Lda., quis verdadeiramente comprar, não tendo a primeira recebido qualquer preço, e a segunda pago o mesmo, apenas pretendendo a primeira proteger esse mesmo bem relativamente à cobrança dos seus credores, ainda que por via judicial, aceitando a segunda fazer-lhe tal favor, tudo sob a supervisão de BB.

12) A legal representante da 2.ª Embargada é pessoa das relações de confiança de BB e da sua ex-companheira, CC, e estava a par do carácter simulatório da referida primeira compra e venda entre o embargante e esta última.

13) Mais sabiam perfeitamente ambas as outorgantes do acordo referido em R) que CC tinha graves problemas financeiros, com dívidas a terceiros nomeadamente trabalhadores relativamente a créditos laborais, incluindo valores indemnizatórios a cujo pagamento fora judicialmente condenada por sentenças transitadas em julgado no âmbito de processos do Tribunal do Trabalho da Guarda, designadamente, no processo n.º 106/10.... e no processo n.º 229/10...., importando tais créditos em valores respectivamente de €115.939,33 e €43.463,38.

14) Foi idêntico procedimento combinado entre as partes mencionadas em R) relativamente a outros imóveis registados em nome de CC.

15) O legal representante da Banco 1..., gerente do Balcão ... por onde foi tramitada a operação de atribuição de créditos com garantia hipotecária do imóvel mencionado em B) sabia que a venda com subsequente registo de aquisição a favor da CC tinha sido fabricada para poder ser concedido o empréstimo bancário.

16) A Banco 1... sempre soube – antes, durante e depois e até ao presente – que a casa mencionada em B) nunca saiu da posse plena, exclusiva, pacífica e de boa fé do embargante.

17) Como o sabiam os funcionários da Banco 1... que conheciam o embargante, desde sempre conhecido em ... e no concelho ... e região circundante.

18) Para aferir do real valor de mercado do bem imóvel mencionado em B), os serviços externos da Banco 1..., dos quais fazem parte peritos avaliadores, efetuaram avaliação ao bem imóvel em apreço, no dia 11.12.2017.

19) O embargante tomou conhecimento da penhora, pelo menos, a partir da data referida em 18).

20) O embargante celebrou o negócio referido em R) com o intuito de enganar a Banco 1....


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A respeito da prova das alegadas simulações, importa lembrar aqui que o Tribunal recorrido, no âmbito do artigo 394 do Código Civil, considerou que a lei estabelece restrições à prova do acordo simulatório, vedando o uso da prova testemunhal, ou seja, os simuladores podem fazer prova por outro meio de prova, com excepção da testemunhal ou por presunções, sendo certo que deixou claro que no caso concreto não existe qualquer princípio de prova documental que permita, excecionalmente, valorar os depoimentos das testemunhas. E, assim, sendo os testemunhos inadmissíveis, o Tribunal não deu a factualidade respeitante aos alegados negócios simulados como provada.

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A posse e a sua titulação. O abuso do direito.

O Tribunal recorrido considerou a existência do direito de propriedade do Embargante, mas entendeu que o seu exercício contra o credor era abusivo.

Nesse pressuposto, também nós entendemos que tal exercício é abusivo.

Porém, antes mesmo da avaliação do abuso, existe algo que nos parece essencial e não foi considerado.

O Embargante tem a posse, não há dúvida. Mas, ao realizar a escritura de compra e venda, aquele mudou a titulação da posse, ou seja, esta deixou de estar titulada pelo direito de propriedade.

Para voltar a ocorrer uma nova mudança de título relativa ao domínio do prédio em questão, a posição do Embargante tinha de traduzir-se em atos ostensivos, positivos e inequívocos de oposição, levados ao conhecimento dos específicos interessados.

A inversão do título vem prevista na al. d) do art. 1263.º e 1265.º do Código Civil.

Para a inversão não basta um mero aproveitamento da inércia de outrem.

(Ver acórdão do STJ de 17.12.2014, processo nº1313/11, em www.dgsi.pt., no qual se cita: “O detentor há-de tornar diretamente conhecido da pessoa em cujo nome possuía (quer judicial quer extrajudicialmente) a sua intenção de atuar como titular do direito”.)

No caso e para com o credor, o Embargante manteve uma aparência de detenção, pois a posse tinha perdido o seu título originário, pela venda.

De qualquer maneira, ainda que se entenda que o Embargante tem o direito de propriedade, o seu exercício neste caso é abusivo.

Por um lado, tendo resultado provado que a Banco 1..., então credora hipotecária, agora substituída pela “B...”, é terceiro de boa fé, porquanto desconhecia qualquer carácter desconforme dos negócios celebrados, ainda que se provassem as simulações, estas seriam inoponíveis àquele de boa fé (artigo 243, n.º 1, do Código Civil).

Por outro lado, no âmbito do artigo 334 do Código Civil, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”

No abuso do direito estamos perante posições jurídicas contrárias aos valores estruturantes do sistema jurídico.

            É um limite indeterminado ao comportamento jurídico, que passa pelos conceitos de fim, de bons costumes e de boa fé.

           Trata-se de um conceito indeterminado, que carece de um processo de concretização para melhor aplicar a justiça ao caso concreto.

Há, assim, necessidade de surpreender grupos típicos de comportamentos abusivos frente a "um universo informe de comportamentos inadmissíveis" - M. Cordeiro, Boa Fé, 1997, página 719.

           Têm sido considerados grupos típicos: a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegalidades formais, a suppressio e a surrectio, o tu quoque e finalmente o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.

A locução venire contra factum proprium exprime a reprovação social e moral que recai sobre aquele que assuma comportamentos contraditórios.

Parte-se de uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objetivamente considerada, é de molde a criar noutrem uma situação objetiva de confiança, ou seja, a convicção de que aquele sujeito jurídico se comportará, no futuro, coerentemente com aquela conduta. É necessário que, com base na situação de confiança criada, a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe resultarão danos se a sua confiança legítima vier a sair frustrada.

Como refere Menezes Cordeiro (Da Boa Fé no Direito Civil”, Teses, Almedina, 2007, página 745), o abuso de direito nesta modalidade postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si mas diferidas no tempo. A primeira – o factum proprium – é contrariada pela segunda – o venire. Só se considera como “venire contra factum proprium” a contradição direta entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento da mesma pessoa.

Mas a contradição a atender está limitada à proteção da confiança: um comportamento não pode ser contraditado quando tenha suscitado a confiança dos sujeitos envolvidos.

O princípio da confiança exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas, numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura.

No caso decorre que entre o Embargante e CC foi celebrado um negócio por meio do qual aquele declarou vender e esta declarou comprar o imóvel em causa nestes autos.

O imóvel foi objeto de hipoteca, para garantia de créditos obtidos junto da Banco 1..., que confiou, de forma justificada, em face da escritura e registo, que o imóvel era propriedade de CC.

A celebração do contrato de compra e venda, que teve a intervenção do Embargante, criou em quem visse o registo predial referente ao imóvel a convicção de que não se tratava de bem de sua propriedade, tendo-o vendido.

Assim, a conduta anterior do Embargante – a venda do imóvel – é susceptível e criou uma situação objetiva de confiança, que se traduziu na constituição de uma garantia de um crédito. A Embargada concedeu o crédito com a convicção suportada de que estava garantida por um bem propriedade da mutuária.

A solução passa então por penalizar quem se colocou em situação repudiável.

Assim, temos de concluir existir o decidido abuso de direito, na invocação do direito de propriedade contra o Banco mutuante.


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Decisão.

Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

           Custas pelo Recorrente, vencido, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

            2024-11-26


(Fernando Monteiro)

(Vítor Amaral)

(Moreira do Carmo)