EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
SUSTAÇÃO DA ENTREGA DO BEM AO COMPRADOR NA EXECUÇÃO
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
Sumário

Nas cautelas previstas nos arts. 840 e 841 do Código de Processo Civil, em caso de bem imóvel, vendido sem protesto, não consta que a ação de reivindicação entretanto instaurada faça sustar a entrega do bem ao comprador.

Texto Integral

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Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            Está em causa a seguinte decisão:

“Ainda que o terceiro possa socorrer-se da acção de reivindicação prevista nos arts. 819º e ss. do C.C. e 841º do C.P.C., a sua instauração não tem a virtualidade de interferir com a marcha própria do processo executivo, antes estando os seus efeitos dependentes da respectiva decisão, transitada em julgado, o que ainda não se verifica – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.11.2020, disponível em www.dgsi.pt.

Consequentemente, indefere-se o pedido de suspensão da entrega do bem.”


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           Inconformados, os interessados AA e BB, intervenientes incidentais, recorreram e apresentam as seguintes conclusões:

a) Vem o presente recurso interposto do despacho que indeferiu o e pedido de suspensão da entrega do bem.

b) É indiscutível que, enquanto proprietário e possuidor, o (s) recorrente (s) podem lançar mão de ação de reivindicação para defender a sua inerente posse, ficando sem efeito a venda judicial, nos termos do art.º 909.º/1, al. d) do C. P. Civil (art.º 839.º/1, al. d) do NCPC.”.

c) Está pendente ação no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo Central Cível de Leiria - Juiz ..., processo n.º 735/24.... onde são formulados os seguintes pedidos: (i) Reconhecido e declarado que os AA são legítimos possuidores e proprietários do prédio urbano composto por cave para garagem e arrumos, rés do chão e primeiro andar e logradouro o qual se encontra inscrito na matriz predial sob o Artº ...40 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...26; (ii) consequência da procedência do pedido anterior, condenado o réu a reconhecer e a não perturbar, por qualquer meio, o direito de posse e propriedade dos AA sobre o referido prédio; e (iii) Ordenado o cancelamento de todos os ónus e encargos incidentes no registo predial sobre o referido prédio e que não sejam imputáveis aos AA.

d) É indiscutível que os recorrentes, por serem proprietários, são, simultaneamente, possuidores – e assim o são de facto, há mais de 20 anos - do prédio ilegalmente penhorado e vendido.

e) Pelo que na doutrina dos acórdãos supracitados não existe fundamento para ordenar a entrega da coisa com recurso à força pública, pois a venda de bens alheios é nula, o que tanto vale para as vendas entre particulares como para as vendas judiciais, sem prejuízo do disposto no artigo 839.º/1 al. d) do CPC.

f) A nulidade da venda, invocável a todo o tempo, faz com que a mesma não produza os seus efeitos típicos, nomeadamente a transmissão da propriedade e da posse.

g) Atenta a jurisprudência acima citada, afigura-se-nos ser de suspender a entrega forçada do bem, até porque se a dita ação proceder, como se julga de direito, o Estado terá de indemnizar os recorrentes na medida em que quem esbulha a sua legítima posse é o Estado.

h) Por todo o exposto, a decisão recorrida, errou na aplicação literal dos artigos 819.º e ss do C. C. e 841.º do C. P. C., pois devia aplicar o disposto nos artigos 839.º/1 al. d) do C.P.C. e 1311.º do C. C., devendo estas normas serem interpretadas e aplicadas no sentido expresso nas conclusões deste recurso.


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           O Banco 1... contra-alegou, defendendo a correção do decidido.

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A questão a decidir é a de saber se a ação de reivindicação entretanto proposta pelos Recorrentes faz sustar a entrega do bem imóvel ao comprador na execução.

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           Os factos a considerar são os que resultam do relatório antecedente e das considerações infra exaradas.

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            Em 10.4.2019, o imóvel em questão foi vendido na execução ao credor Banco 1..., que foi dispensado do depósito do preço. A escritura respetiva foi outorgada em 10.9.2019.

            A ação reivindicativa dos Recorrentes é de 22.2.2024.

            Não foi deduzido protesto prévio na execução.

Ora, nas cautelas previstas nos arts. 840 e 841 do Código de Processo Civil, em caso de bem imóvel, vendido sem protesto, não consta que a ação de reivindicação entretanto instaurada faça sustar a entrega do bem ao comprador.

A lei apenas ressalva os bens móveis.

Não se suscita a questão do levantamento do produto da venda.

A alegação dos Recorrentes, de que são proprietários/ possuidores, há mais de 20 anos e que, por isso, a venda executiva será nula, é carecida de prova, não sendo razão suficiente, em caso de imóvel, para sustar a entrega do bem ao seu atual proprietário – que adquiriu em sede executiva e assim o registou na Conservatória do Registo Predial.


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            Decisão.

           Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pelos Recorrentes, vencidos.

            2024-11-26


(Fernando Monteiro)

(Luís Cravo)

(Moreira do Carmo)