1. Em caso de frustração da notificação do requerido (para, em 15 dias, pagar quantia não superior a €15 000 ou deduzir oposição), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção, por não reclamação da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para essa morada, em conformidade com o previsto no n.º 4 do art.º 12º do regime anexo ao DL n.º 269/98, de 01.9, faz presumir a notificação do requerido, nos casos em que a morada para onde se remeteram ambas as cartas de notificação coincide com o local obtido junto das bases de dados dos serviços enumerados no n.º 3 do mesmo artigo.
2. A referida solução legislativa dispensa o conhecimento efetivo do ato de notificação, sendo bastante a colocação da carta em condições de poder ser conhecida pelo destinatário.
3. A mera ausência não pode equivaler automaticamente ao desconhecimento não imputável, pois o executado teria ao seu alcance conhecer essa notificação se agisse diligentemente, tratando-se, in casu, da sua única residência (conhecida e admitida), da qual se ausentava por períodos não superiores a 15 dias.
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Em 13.3.2024, AA veio deduzir embargos à execução, para pagamento de quantia certa, que lhe é movida por A... STC, S. A,, pedindo, além do mais, que seja “absolvida do pedido e, cumulativamente, deverá ser considerada a falta de notificação da Embargante e, a falta de requisitos para a aposição da fórmula executória do requerimento de injunção – n.º 1 do artigo 14º do regime anexo ao DL n.º 269/98, de 01.9 -, o que implica, a invalidade/inexistência do título executivo, levando, à total extinção da execução, por falta de título executivo”.
Alegou, nomeadamente[1]: i) a falta da sua notificação no procedimento de injunção e a inerente inexistência do título executivo ali formado[2]; ii) a ineptidão do procedimento de injunção; iii) que a assinatura no “contrato” subjacente não foi feita pelo seu punho.
A exequente contestou (a 23.4.2024), alegando, que foram cumpridas as formalidades da notificação no procedimento de injunção, que o requerimento de injunção contém os elementos essenciais, não sendo inepto, e que a assinatura aposta não é manifestamente diferente.
Por saneador-sentença, de 22.6.2024, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo julgou “improcedente a presente oposição quanto à matéria constante nos artigos 1. a 29. e 54. a 69. da p. i. de oposição, prosseguindo a oposição quanto à restante matéria da oposição”.
Dizendo-se inconformada, a executada/embargante apelou (por requerimento de 30.7.2024) formulando as seguintes conclusões:
1ª - O despacho saneador-sentença, na medida em que foi proferido, enferma de excesso de pronúncia - 615º, n.º 1, d), do Código de Processo Civil (CPC), erro de julgamento - 608º, n.º 2 do CPC, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, erro na indicação da própria matéria de facto dada como provada, pois, o Tribunal determina, sem a produção de qualquer prova ou contraditório, com base em assunções pessoais que não resultam de modo algum da posição das partes a improcedência da maior parte da matéria vertida em sede em Embargos.
2ª - Destarte, o tribunal não podia, como fez, assentar matéria de facto que ainda é controvertida, ou não invocada, bem como não podia concluir factos que não foram alegados por nenhuma das partes, nem tampouco, tomar uma decisão que veda totalmente os direitos de defesa da Embargante, sem qualquer justificação, limitando os meios de defesa como se o requerimento de injunção de uma verdadeira sentença se tratasse.
3ª - Após a dedução dos Embargos de Executada, a Exequente já contestou, tendo tipo oportunidade de versar sobre todos os pontos invocados pela Embargante, pelo que, a postura do tribunal, ao decidir como decidiu, redunda numa negação de apreciação dessas matérias.
4ª - De facto, parece-nos errado que um cidadão, que até não tem dívidas, tendo alegadamente recebido uma carta simples, não possa defender-se em tribunal, com base nos fundamentos invocados, simplesmente porque o tribunal entende que a falta de notificação ocorreu por culpa sua, o que não corresponde à verdade.
5ª - O ponto 3. supra melhor transcrito, não pode constar da matéria de facto dada como provada, porque tal não foi indicado pelas partes e o documento que existe nos autos cria apenas a presunção de notificação e não prova tal facto, até porque a presunção é ilidível, tal como de resto consta do teor da decisão proferida, sendo que o tribunal declara que é uma simples presunção, mas faz tal facto constar da factualidade dada como provada, pelo que este ponto deverá dar-se por não provado para todos os efeitos legais.
6ª - O tribunal erradamente assumiu que a falta de notificação da injunção por culpa da Embargante, apesar de ter considerado provado que, a mesma não tomou conhecimento dessa notificação, tendo apenas tomado conhecimento da existência desta ação aquando da citação – em 22.02.2024.
7ª - Resulta provado que a Executada tem residência permanente em ... e passa temporadas em Lisboa em casa de um irmão que vive no estrangeiro, nada mais resultando provado a este título, até porque a Embargante não podia impugnar a tal notificação por carta simples sem ter conhecimento da suposta existência desta, o que não resultava da citação recebida.
8ª - E, portanto, tal facto deve considerar-se não provado ou controvertido, porque pretende a Embargante provar que tal não aconteceu ou se aconteceu, por motivos que lhe são totalmente alheios, a carta não estava no seu recetáculo postal, motivo pelo qual não teve conhecimento da mesma e, portanto, não se podia ter defendido em sede de oposição à injunção.
9ª - Salvo melhor opinião, o Tribunal não deve nem pode “assumir” o que não foi dito pelas partes, o que fez quando refere que a Embargante simplesmente esteve ausente de casa por um período de mais de 5 meses e simplesmente não cuidou de verificar o seu recetáculo postal.
10ª - O que foi invocado pela Embargante foi que só tomou conhecimento de existência de uma alegada injunção aquando da citação para o presente processo, sendo do conhecimento do tribunal que a citação se realizou na sua morada.
11ª - Portanto, estava em casa e a notificação que se PRESUME efetuada, não estava na sua caixa de correio.
12ª - E após tomar conhecimento de que deveria ter sido depositada tal notificação, e que não se encontrava na sua caixa postal, criou na Embargante o direito a apresentar queixa-crime contra desconhecidos, junto das autoridades competentes, sendo que o prazo para exercer tal direito apenas termina em 22.8.2024.
13ª - O que não podia era o tribunal retirar factos e concluir outros, quando necessariamente existem outras soluções plausíveis à luz do direito, sem que tal tenha sido invocado pelas partes.
14ª - Paralelamente, sempre se diga que esta conclusão do tribunal não considera o facto de, após a notificação ter sido presumivelmente depositada na caixa postal da Embargante, esta teria apenas 15 dias para se defender, não relevando a equação de esta estar fora mais tempo ou muito mais tempo.
15ª - É facto assente que a Embargante não outorgou o referido contrato, não conhece o mesmo, e também se diga que não podia esta ter expectativa de receber qualquer injunção por uma dívida que para si nunca existiu ou que sequer foi alguma vez interpelada para pagar.
16ª - Não é essa a diligência de um bom pai de família exigível da Embargante, em face das circunstâncias do caso concreto.
17ª - Este excesso de pronúncia redunda num verdadeiro erro de julgamento e veda o direito à Embargante de se defender da execução em causa, por entender o tribunal (porque assume tal facto) que a falta de notificação (que considera provada) decorre de culpa sua.
18ª - De resto, o erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, o que acontece nos presentes autos, e prescinde da análise da prova produzida ou que podia produzir-se para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.
19ª - Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum, no caso, o facto de a Embargante indicar ao tribunal que passa temporadas em lisboa e a conclusão que não foi notificada por culpa sua.
20ª - Tais situações reconduzem-se a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607º, n.º 4, 2ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663º, n.º 2, e 679º do CPC.
21ª - A factualidade em que assenta o tribunal a improcedência da invocada falta de notificação da Embargante, o que invocou apenas para poder defender-se, são conclusões ou assunções que não foram referidas pelas partes, nem consta da matéria considerada provada nos presentes autos e, portanto, não podia concluir pela improcedência de tal falta de notificação em sede de despacho saneador.
22ª - Subsistindo dúvida se a falta de notificação se deveu à ausência da Embargante da sua residência, e se sim durante quanto tempo e porque motivo, ou se, efetivamente, como se pretende demonstrar, a mesma não estava no recetáculo postal da Embargante, é verdade que qualquer das partes pode ainda proceder, por exemplo, à junção de documentos a demonstrar os factos cuja prova sobre si impende ou refutar os alegados, como o tribunal no uso dos poderes inquisitórios que o artigo 411º do CPC lhe confere, pode determinar as diligências que repute necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio relativamente a factos oportunamente alegados, e naturalmente, ouvir as testemunhas indicadas, e tomar declarações às partes ou pedir os esclarecimentos que repute pertinentes.
23ª - É tão clamoroso o erro que sequer o tribunal quis realizar a audiência prévia, relegando uma única questão - a integração num PERSI - para o julgamento já marcado.
24ª - E impondo à Embargante a interposição do presente recurso, pois mesmo que proceda essa questão, levando necessariamente à absolvição da instância, a verdade é que a decisão recorrida não pode cristalizar-se no direito, pois lesa de forma grave os direitos de defesa da Embargante, que não se pode defender dos factos alegados pela Exequente nem por referência ao contrato que é objeto dos autos.
25ª - S.M.O., tendo a Embargante oportunamente alegado falta de notificação do procedimento de injunção, facto esse essencial para apreciação da sua defesa apresentada em sede de Embargos de Executada, e, portanto, essenciais, que são controvertidos e têm relevância na decisão das questões suscitadas, não podia a decisão
do mérito da causa ter ocorrido em despacho saneador-sentença, devendo os autos prosseguir para a devida instrução e julgamento, de modo a que seja estabelecida a base factual bastante à apreciação das questões suscitadas, sob todas as soluções plausíveis da questão de direito e não sob a solução que o tribunal assume que aconteceu.
26ª - Pelo exposto, impõe-se o uso dos poderes oficiosamente conferidos à Relação pelo artigo 662º, n.º 1, alínea c), do CPC, anulando-se a decisão recorrida, devendo esta ser substituída por outra que considere a falta de notificação da injunção, não contestada pela Exequente, devendo então admitir-se os Embargos de Executado e todos os meios de defesa invocados pela Recorrente.
27ª - Alternativamente, caso se entenda que do processo não constam todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre tal matéria de facto, sempre deverá anular-se a decisão recorrida, devendo o conhecimento de tal questão ser relegada para final, após a devida instrução e julgamento da causa, fique também estabelecida a base factual oportunamente alegada e necessária à apreciação das questões objeto do litígio.
Remata dizendo que “deverá a decisão recorrida ser revogada, devendo o ponto 3. Da factualidade dada como provada ser dado por NÃO PROVADO; (...) devendo a decisão recorrida ser revogada, por erro de julgamento, excesso de pronúncia, nos termos supra expostos, com as demais consequências legais”.
A exequente não respondeu.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa apreciar e decidir, principalmente, se a executada foi devidamente citada/notificada aquando do procedimento da injunção base da execução.
1) Nos autos de execução foi apresentado como título executivo o requerimento de injunção que se encontra anexo ao requerimento executivo (r. e.), entregue em 18.4.2023 e ao qual foi atribuída força executiva em 11.10.2023, relativo a um “contrato de Mútuo”, para pagamento da quantia total de € 5 244,82, constando no requerimento de injunção, entre o mais, o seguinte:[3]
2) A executada, então requerida, foi notificado no âmbito do procedimento de injunção na morada sita na Rua ..., ..., em ..., através de via postal registada com aviso de receção, tendo sido devolvida ao BNI com a menção “Objeto não reclamado”.[4]
3) Na sequência do referido em 2), a executada foi notificada no âmbito do procedimento de injunção na mesma morada ali referida, a única que constava nas bases de dados consultadas pelo BNI, através de via postal simples com prova de depósito, certificada em 08.9.2023 pelo distribuidor postal.
4) A executada tem residência na morada sita em ... e passa temporadas em Lisboa em casa de um irmão que reside no estrangeiro.
5) A executada não tomou conhecimento da notificação referida em 2), apenas tendo tomado conhecimento da existência da ação através da citação na execução em 22.02.2024, data da assinatura do A/R pela própria, na morada referida em 2).
2. O Mm.º Juiz apresentou a seguinte motivação da matéria de facto:
«Os factos acima constantes resultam do acordo e/ou confissão das partes e do teor objetivo dos elementos disponíveis na execução ou eletronicamente através desta (procedimento de injunção), face à respetiva força probatória. Nota-se que se entende que a prova dos factos referidos em 4º e 5º resulta da ausência de impugnação definida (art.º 574º, n.ºs 1 e 2, do CPC) desses mesmos factos por parte da exequente (no essencial, artigos 4., 5. e 11., primeira parte, da p. i. de oposição), sendo matéria que se entende não estar em oposição com o alegado no r. e. ou com a contestação no seu todo (e que não se confunde com as formalidades da notificação no procedimento de injunção). (...)»
3. Cumpre apreciar e decidir.
Das questões elencadas em I., decidas no saneador-sentença, impugna-se, no recurso, apenas, a pretensa “falta da sua notificação no procedimento de injunção e a inerente inexistência do título executivo ali formado”.
4. Sobre tal matéria, refere-se na decisão recorrida:
«(...) Vertendo à matéria da notificação no âmbito do procedimento de injunção, inexistindo domicílio convencionado (art.º 2º do regime anexo ao DL n.º 269/98), a notificação apenas podia efetuar-se nos termos do art.º 12º do mesmo regime anexo. Resulta do aludido art.º 12º, n.º 1, que a notificação é efetuada primeiramente por carta registada com aviso de receção, seguindo, assim, o regime regra resultante do art.º 228º, n.º 1, do CPC. Todavia, no caso de se frustrar essa notificação por via postal, a secretaria obtém, oficiosamente, informação sobre residência, local de trabalho (...), nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação (n.º 3); se a residência, local de trabalho (...) do notificando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso de receção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no número anterior, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local, aplicando-se o disposto nos n.ºs 2 a 4 do art.º 12º-A (n.º 4); se a residência, local de trabalho (...) do notificando, para o qual se endereçou a notificação, não coincidir com o local obtido nas bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3, ou se nestas constarem várias residências, locais de trabalho ou sedes, procede-se à notificação por via postal simples para cada um desses locais (n.º 5).
Na hipótese dos autos, conforme resulta da factualidade provada, a notificação do requerimento de injunção mediante carta registada com aviso de receção frustrou-se, tendo depois o BNI procedido à notificação da ora executada nos termos do referido art.º 12º, n.ºs 3 e 4, mediante notificação expedida para a mesma morada obtida através das bases de dados (que coincidia com a morada original, para a qual foi remetida a notificação inicial com A/R) e que foi concretizada através do depósito da carta nessa mesma morada.
Assim, é possível concluir, em primeiro lugar, que a notificação no âmbito do procedimento de injunção existe e foi realizada nos termos legalmente previstos[5] no aludido art.º 12º, n.ºs 1, 3 e 4, do regime anexo, pelo que importa agora apreciar a pretensão da executada sustentada no desconhecimento da notificação.
Previamente, nota-se que existem duas modalidades de nulidade da citação: a falta de citação, prevista nos art.ºs 187º, alínea a), e 188º do CPC, e a nulidade da citação proprio sensu, prevista no art.º 191º do CPC (...). A falta de citação (notificação) gera nulidade e tem como consequência a nulidade do processado, sendo que tal falta de citação ocorre nas circunstâncias referidas no art.º 188º do CPC e constitui fundamento de oposição à execução nos termos do art.º 729º, alínea d), do CPC, com referência ao art.º 696º, alínea e), do CPC, nomeadamente ocorrerá falta de notificação no procedimento de injunção quando se demonstre que o requerido não chegou a ter conhecimento do ato (notificação) por facto que não lhe é imputável – cf. art.ºs 188º, n.º 1, alínea e), 696º, alínea e), subalíneas i) e ii), e 729º, alínea d), todos do CPC.
Portanto, importa agora apreciar a falta de conhecimento da citação (notificação) a que respeita o art.º 188º, n.º 1, alínea e), do CPC e/ou o equivalente art.º 696º, alínea e), item ii), do CPC, não se afigurando que a matéria alegada possa ser enquadrável em outra das hipóteses legais – em rigor, o primeiro item da alínea e) poderá abranger a falta de citação prevista no art.º 188º, n.º 1, alínea e), do CPC, mas equipara-se esta ao item seguinte; a última hipótese legal pressupunha que a executada aceitasse a realização e a validade da citação (e invocasse uma situação configuradora de força maior, o que se entende não estar causa).
Nessa sequência, mostra-se comum a qualquer uma das duas hipóteses acima referidas – art.º 188º, n.º 1, alínea e), do CPC e/ou o equivalente art.º 696º, alínea e), item ii), do CPC – que o desconhecimento não seja imputável ao citando (“Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável”; “o réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável”).
Nessa sequência, quanto ao “conhecimento” da notificação por depósito, importa salientar que se entende que tal “conhecimento” resulta presumido pelo legislador, mas “tem de se admitir sempre a prova pelo requerido – que este fará na oposição por embargos ao processo de execução – de que a residência ou local de trabalho encontrada naquelas bases de dados, mesmo que seja em todas, não corresponde à sua no momento em que foi expedida e depositada a notificação por via postal simples, ou que desconhecia, sem culpa, o seu conteúdo, constituindo, em qualquer dos casos, uma situação de falta de notificação (cf. art.º 188º, n.º 1, al. e), 729º, al. d) e 857º, n.º 1, todos do CPC; ainda, art.º 14º-A, n.º 2, al. b), do RPOP)” – cf. Ac. da RP de 09/01/2023, dgsi.
Portanto, “a notificação efetuada por um dos meios previstos nos n.ºs 3 a 7 do artigo 12º do RPOP obedece à estrutura de uma presunção jurídica ilidível: (i) se forem observadas as formalidades inerentes àquela notificação e (ii) se a carta (ou uma das cartas) for depositada na residência ou local de trabalho do notificando [facto probatório], então presume-se que este (o notificando) teve dela conhecimento [facto presumido]” (idem).
Importa ainda salientar que se entende que a jurisprudência constitucional, no conhecido Ac. do TC n.º 99/2019, que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas constantes dos n.ºs 3 e 5 do art.º 12º, do regime anexo, em determinada interpretação, não tem aplicação ao caso dos autos, visto que aqui não ocorreu a notificação (da injunção) nos termos do art.º 12º, n.º 5 (ou seja, tratou-se da mesma morada e não de moradas diversas). Aliás, inversamente, o próprio TC já decidiu, no Ac. n.º 280/2020, subsequente ao Ac. n.º 773/2019, que o regime do art.º 12º, n.ºs 3 e 4, do regime anexo, não é inconstitucional: “Não julgar inconstitucionais as normas constantes dos n.ºs 3 e 4 do artigo 12º do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro), quando interpretadas no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para, em 15 dias, pagar quantia não superior a €15.000 ou deduzir oposição), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção, por não reclamação da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para essa morada, em conformidade com o previsto no n.º 4 do artigo 12º, faz presumir a notificação do requerido, nos casos em que a morada para onde se remeteram ambas as cartas de notificação coincide com o local obtido junto das bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3 do artigo 12º”.
No caso concreto, está provado que a executada, então requerida, não tomou conhecimento da notificação, pelo que a questão que se coloca é a de saber se tal sucedeu por motivo que não lhe é imputável – certo que se entende não bastar o não conhecimento da notificação, devendo ver-se o facto não imputável como implicando um juízo de não culpa em termos da inexistência de uma conduta do citando que tenha contribuído para a situação verificada, ou seja, em termos gerais, o desconhecimento da citação (notificação) pessoal não será imputável ao citando quando esse desconhecimento não possa ser reconduzido a uma conduta negligente do citando.
No caso concreto, a (única) situação invocada reside na circunstância da executada se encontrar ausente da sua morada, por estar temporadas na morada de um seu irmão, sita em Lisboa, sendo que, em concreto, a executada também alegou que apenas tomou conhecimento quando foi citada para a execução (o que permite assumir que entre a data da notificação da injunção e a data da citação na execução – cerca de seis meses – a executada não se encontrou na sua morada – uma vez que está assente que a notificação da injunção foi depositada e, portanto, encontrava-se na caixa de correio da morada da executada e por esta poderia ter sido conhecida antes se tivesse diligenciado pela verificação dessa caixa de correio – nada mais foi alegado por parte da executada/opoente para qualquer outra hipótese).
Ora, no caso concreto, com o devido respeito, a executada invocou (e está provado, por não impugnado) que passa temporadas em Lisboa em casa de um irmão que reside no estrangeiro, pelo que, na ausência da alegação de outra factualidade essencial, considera-se que o não conhecimento da notificação da injunção lhe é imputável, visto que lhe cabia cuidar do recebimento da correspondência na sua morada (em ...) quando se encontrasse a passar temporadas na casa do irmão em Lisboa e certo que a situação invocada pela executada, pelo menos na ausência de alegação de outros factos, não se equipara a outras situações de ausência temporária da residência que pudessem eventualmente relevar (v. g., o gozo de férias), considerando que é a própria executada que invoca não ter tido conhecimento até à data da citação na execução, mais de cinco meses depois do depósito da carta (o que, estando assente o depósito da carta e nada mais tendo sido invocado a esse respeito pela executada, só pode significar que a executada não regressou à sua morada antes desses cinco meses – se assim não foi, certo é que nada mais foi alegado pela executada).
O Ac. da RP de 09/01/2023, já acima citado, apreciou uma situação relativa à aplicação do disposto no art.º 12º, n.º 4, do regime anexo (uma única morada conhecida nas bases de dados) e que se afigura aproveitável, mutatis mutandis, para o caso dos autos. Nesse Acórdão, por apelo à decisão da primeira instância, refere-se “a Rua (…), corresponde ao local escolhido pelo Embargante para o recetáculo postal domiciliário, razão pela qual mantém inalterada essa morada, pelo que sobre ele recaía o dever cívico de proceder à consulta regular do mesmo, atuando com a diligência de um bom pai de família. A eleição desse endereço mantém-se atual, como se pode constatar na leitura da petição de embargos e da procuração que o mesmo juntou aos autos. Em conclusão: a notificação efetuada não viola o princípio da proibição da indefesa, por modo que a consequência jurídica associada pelo legislador àquela notificação (início do prazo para a oposição e, não sendo esta apresentada, a formação de título executivo) pode ter-se como produzida”.
Dito de outra forma, a mera ausência não pode equivaler automaticamente ao desconhecimento não imputável, pois a executada teria ao seu alcance conhecer essa notificação se agisse diligentemente, ou seja, o depósito da carta seria suficiente para que a executada pudesse tomar conhecimento (ou, pelo menos, na ausência da alegação de outros factos, podia ter tomado conhecimento dessa notificação, agindo diligentemente) - “sobre ele recaía o dever cívico de proceder à consulta regular do mesmo, atuando com a diligência de um bom pai de família. A eleição desse endereço mantém-se atual, como se pode constatar na leitura da petição de embargos e da procuração que o mesmo juntou aos autos” e “a solução legislativa dispensa o conhecimento efetivo do ato de notificação, sendo bastante a colocação da carta em condições de poder ser conhecida pelo destinatário” – Ac. da RP acima citado.
A este respeito, no âmbito da citação pessoal e do art.º 188º, n.º 1, alínea e), do CPC (anterior art.º 195º do CPC), mas que se afigura aplicável também à hipótese equivalente do art.º 696º, alínea e), item ii), considerou-se no Ac. da RE de 13/9/2018, disponível em www.dgsi.pt, que “Para que a presunção de conhecimento do acto decorrente do envio da carta registada para a morada da ora executada seja ilidida, e se conclua pela falta de citação/notificação do destinatário nos termos do art.º 195º n.º 1 al. e) do CPC não basta a prova pela embargante de que não teve conhecimento do mesmo, sendo ainda necessário que esta demonstre que a falta de conhecimento da notificação ocorreu por facto que não lhe seja imputável, conforme expressamente exige o segmento final da referida alínea e) do n.º 1 do artigo 188º. Tendo-se provado que a Embargante passou a residir em Lisboa sem ter alterado a morada constante de todos os seus documentos oficiais, não podemos concluir, em termos de causalidade objetiva, que a conduta da requerente em nada tenha contribuído, em termos adjetivos, para que o acto de notificação da injunção não tenha chegado oportunamente ao seu conhecimento. Assim, não é possível ter-se por preenchida a previsão da alínea e) do n.º 1 do art.º 195º relativa à falta de citação da embargante, por facto que não lhe seja imputável”.
Nota-se que o aludido Acórdão apreciou precisamente uma hipótese em que a notificação no âmbito do procedimento de injunção foi efetuada nos termos do art.º 12º, n.º 4, do regime anexo, tal como no caso dos autos (...), sendo que, nesse caso, a notificanda estava a residir em Lisboa e não na morada na qual foi depositada a notificação.
Em resumo, impunha-se que a executada tomasse providências no sentido de assegurar a possibilidade de tomar conhecimento das notificações (ou citações) que lhe fossem remetidas durante os (aparentemente longos) períodos (“temporadas”) de ausência da sua residência, pelo que se entende não ser possível concluir pela verificação de hipótese prevista no art.º 729º, alínea d), do CPC, quanto à notificação (...) no âmbito do procedimento de injunção, pelo que não se mostra afetado o título executivo e a oposição à execução deverá ser julgada improcedente nesta parte. (...)»
5. Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17.02 - art.º 7º do Anexo ao DL n.º 269/98, de 01.9, na redação conferida pelo art.º 8º do DL n.º 32/2003, de 12.02[6].
O art.º 1º do DL n.º 269/98 (diploma preambular), na redação dada pelo art.º 6º do DL n.º 303/2007, de 24.8, prevê os procedimentos (especiais) destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 0000.
Quanto à injunção (Cap. II/Anexo do referido DL)[7] e no que aqui interessa, será de atentar no seguinte:
- Depois da “noção” do art.º 7º - supra referida - preceitua o art.º 10º (a respeito da “forma e conteúdo do requerimento”) que, no requerimento, deve o requerente, nomeadamente, expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão e formular o pedido [n.º 2, alíneas d) e e)].
- Nos termos do art.º 12º (sob a epígrafe “notificação do requerimento”), No prazo de 5 dias, o secretário judicial notifica o requerido, por carta registada com aviso de receção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão (n.º 1); No caso de se frustrar a notificação por via postal, nos termos do número anterior, a secretaria obtém, oficiosamente, informação sobre residência, local de trabalho ou, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade, sobre sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação (n.º 3); se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso de receção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no número anterior, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local, aplicando-se o disposto nos n.ºs 2 a 4 do artigo seguinte (n.º 4).
- Prevê o art.º 12º-A: Nos casos de domicílio convencionado, nos termos do n.º 1 do artigo 2º do diploma preambular, a notificação do requerimento é efetuada mediante o envio de carta simples, dirigida ao notificando e endereçada para o domicílio ou sede convencionado (n.º 1). O funcionário judicial junta ao processo duplicado da notificação enviada (n.º 2). O distribuidor do serviço postal procede ao depósito da referida carta na caixa de correio do notificando e certifica a data e o local exato em que a depositou, remetendo de imediato a certidão à secretaria (n.º 3). Não sendo possível o depósito da carta na caixa do correio do notificando, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, datando-a e remetendo-a de imediato à secretaria, exceto no caso de o depósito ser inviável em virtude das dimensões da carta, caso em que deixa um aviso nos termos do n.º 5 do artigo 236º do Código de Processo Civil (n.º 4).
6. Os presentes autos tiveram origem num requerimento de injunção, sendo aplicável o regime previsto no DL n.º 269/98, de 01.9, mormente, quanto à apresentação do requerimento de injunção, notificação ao devedor e à eventual dedução de oposição.
A questão do recurso prende-se, sobretudo, com os procedimentos, a forma, de realização da notificação do requerimento de injunção, sabendo-se que foi/terá sido atuado o regime previsto no art.º 12º, n.º 4 e art.º 12º-A, n.º 3, do regime anexo ao DL n.º 269/98, de 01.9.
Na sua resolução releva, entre outros, o comando expresso no art.º 130º do CPC: “Não é lícito realizar no processo atos inúteis”.
Tudo nos diz, por um lado, que o Mm.º Juiz do Tribunal a quo decidiu segundo os factos e o regime jurídico aplicável, e, por outro lado, que a atuação da executada/recorrente não encontra o menor suporte nos factos, no direito e na jurisprudência, inclusive, do Tribunal Constitucional.
Acresce que o que - ligado à “vida dos homens (e mulheres) comuns em comum” - está provado ou se vê ou vislumbra, pelo menos, fortemente indiciado, comporta desnecessário excesso, e, cremos, algum abuso...
7. Prosseguindo e concretizando.
Ao contrário do sustentado pela executada/embargante/recorrente a factualidade descrita em II. 1. 3), supra, decorre dos elementos documentais (objetivos) juntos aos autos e amparados no (abstratamente) indicado na legislação aplicável, pelo que não releva, propriamente, a circunstância de se tratar, ou não, de factualidade “alegada ou indicada pelas partes”.
Em causa o documento reproduzido a fls. 29 verso /41 / 60 verso (58 verso a 60 verso), de setembro 2023, no qual se menciona que o correspondente expediente postal foi depositado, em 08.9.2023, “no Recetáculo Postal Domiciliário da morada acima descrita a NOTIFICAÇÃO a ela referente”, a saber, “Rua ..., ..., ..., ... ...”.
E nunca foi questionado que se trata da única morada conhecida da recorrente (onde se encontraria aquando da notificação...), corroborada pelos elementos provindos da “Consulta às bases de dados da Segurança Social” (cf. fls. 40/57 verso), nenhuma razão existindo para, no caso, se aventarem as dúvidas a este respeito suscitadas ao nível da jurisprudência constitucional.[8]
8. Quanto à efetiva realização da notificação (por via postal) em causa, se é certo - como refere o recorrente - que “o documento que existe nos autos cria apenas a presunção de notificação e não prova tal facto, até porque a presunção é ilidível, tal como de resto consta do teor da decisão proferida”, tal não invalida a plena afirmação da realidade configurada no ponto 3. dos factos provados, com as consequências que daí derivam, até porque não se vê sequer alegada factualidade conducente à eventual ilisão da presunção.
De resto, só agora, contrariamente ao curso ordinário das coisas, veio a executada/recorrente invocar que “(...) se aconteceu, por motivos que lhe são totalmente alheios, a carta não estava no seu recetáculo postal, motivo pelo qual não teve conhecimento da mesma e, portanto, não se podia ter defendido em sede de oposição à injunção”; “(...) estava em casa e a notificação que se PRESUME efetuada, não estava na sua caixa de correio!”; e, veja-se/leia-se: “após tomar conhecimento de que deveria ter sido depositada tal notificação, e que não se encontrava na sua caixa postal, criou na Embargante o direito a apresentar queixa-crime contra desconhecidos, junto das autoridades competentes, sendo que o prazo para exercer tal direito apenas termina em 22/08/2024”!
Porém, a recorrente também afirmou (na alegação de recurso) que “(...) recebe outras cartas, nomeadamente com contas relativas a serviços públicos essenciais, como energia e água, e todas foram pagas – não recebeu a notificação porque a carta não estava no recetáculo postal”; “E as temporadas que passa na casa do irmão, que prontamente indicou ao tribunal, não excedem os 15 dias, pelo que haveria sempre de ter tomado conhecimento da notificação da injunção a tempo de se opor”.
9. Esta última afirmação, conjugada com os elementos disponíveis, dispensaria outros considerandos!
Mas outras afirmações e pretensas asserções da recorrente conferem, ainda, mais crédito a entendimento contrário.
Assim, designadamente:
- A afirmação contida na alegação - “após a dedução dos Embargos é que percebeu a Embargante que existia tal certificação de depósito” - é manifestamente contrária aos factos que ninguém questiona e ao procedimento de notificação do requerimento de injunção cujo regime jurídico a recorrente bem demonstrou conhecer, sendo que a forma (da notificação) utilizada era a preconizada em tal quadro normativo e por um estado de coisas avesso a qualquer “adivinhação”.
- Dizer que “é facto assente que a Embargante não outorgou o referido contrato (de crédito), não conhece o mesmo, e também se diga que não podia esta ter expectativa de receber qualquer injunção por uma divida que para si nunca existiu ou que sequer foi alguma vez interpelada para pagar”, é, no mínimo, muito estranho, já que decorre dos autos, com elevada verosimilhança, que foi endereçada à executada, pela entidade credora e/ou seus representantes, carta registada com aviso de receção, datada de 20.5.2022, que aquela recebeu, na sua residência, em 03.6.2022, visando-se, então, a “resolução amigável da dívida (...)”. (cf. documentos de fls. 41 verso e 42).
10. Considera a jurisprudência que “na oposição à execução que tem por base o título executivo formado nos termos do n.º 1 do art.º 12º do RPOP, pode o executado arguir a falta de notificação, alegando e demonstrando que não chegou a ter conhecimento do ato de notificação por facto que não lhe é imputável (cf. artigos 188º, n.º 2, alínea e), 729º, alínea d), e 857º do CPC), o que permitirá acautelar, pelo menos, as situações de ausência prolongada e as situações de mudança de residência (ainda) não comunicada”[9], mas, como vimos, a recorrente nem sequer alega factos que permitam admitir que “não chegou a ter conhecimento do ato de notificação por facto que não lhe é imputável”!
Os factos enumerados em II. 1., supra[10], dizem-nos que a recorrente/executada não recebeu a notificação referida no ponto de facto 2) (provado), mas a notificação da Injunção chegou ao seu conhecimento em razão do procedimento descrito no ponto de facto seguinte.
Sobre esta matéria em concreto, na sequência do aludido em II. 8., supra, ab initio, é inteiramente correto o explanado no despacho sobre o requerimento de interposição do recurso: «A esse respeito, nota-se que o facto provado n.º 3 resulta apenas dos elementos objetivos que constam no procedimento de injunção e que não foram colocados em causa pela executada (em especial, que foi realizada uma notificação nos termos ali constante, com depósito da carta certificado pelo distribuidor postal), o que se afigura algo diverso do (des)conhecimento da notificação, ou seja, conforme se afigura resultar da decisão, foi realizada a notificação (e é este o sentido do facto “a executada foi notificada”) e a executada não questionou o depósito da carta (apenas agora, nas alegações, invoca que a carta não estaria na sua caixa de correio), pelo que se concluiu que “está assente que a notificação da injunção foi depositada e, portanto, encontrava-se na caixa de correio da morada da executada e por esta poderia ter sido conhecida antes se tivesse diligenciado pela verificação dessa caixa de correio” (também não alegou a executada que verificou a caixa de correio e a carta não se encontrava) (...). / Por outro lado, a executada, querendo, poderia ter consultado o procedimento de injunção para a dedução da oposição à execução e inteirar-se dos atos ali praticados. (...)» 11. Na verdade, em caso de frustração da notificação do requerido (para, em 15 dias, pagar quantia não superior a €15 000 ou deduzir oposição), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção, por não reclamação da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para essa morada, em conformidade com o previsto no n.º 4 do artigo 12º do regime anexo ao DL n.º 269/98, de 01.9, faz presumir a notificação do requerido, nos casos em que a morada para onde se remeteram ambas as cartas de notificação coincide com o local obtido junto das bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3 do artigo 12º.[11]
12. De resto, sendo, aquela, a única residência conhecida e admitida pela destinatária/requerida (existindo, não a “forte probabilidade de a notificanda ter aí o seu centro de vida”, mas, sim, a certeza!), da qual se ausentava por períodos não superiores a 15 dias, podemos afirmar que a notificação se efetivou/concretizou (materialmente) e que o assim presumido se transmutou em facto assente...
Tratando-se, pois, da residência real do destinatário, e sendo de 15 dias o prazo da oposição (art.º 12º, n.º 1, cit.), naturalmente, a própria executada/recorrente afasta a possibilidade de conhecimento do procedimento de injunção após o decurso de tal prazo.
Na situação em análise, a remessa da notificação por via postal simples não comportou qualquer restrição, ainda que eventual, do “direito de defesa” (na vertente de direito a “assegurar garantias suficientes quanto ao conhecimento do respetivo conteúdo pelo destinatário”).
13. Por conseguinte, sempre seria desnecessário, excessivo ou inútil qualquer eventual indagação (suplementar) ancorada na atuação segundo a “diligência de um bom pai de família” e com o aventado propósito de ilisão da presunção de conhecimento da notificação em causa.[12]
E nessa (eventual) indagação, e subsequente ponderação, teríamos de levar em atenção que “a generalidade das pessoas, no exercício de uma cidadania responsável, mantém em segurança o recetáculo postal da sua residência e procede à consulta regular da mesma”...[13]
14. Ainda que se trate de problemática não compreendida na questão central do presente recurso, ante o contrato de crédito em causa (datado de 03.12.2012 - cf. fls. 36 verso/51) e demais elementos disponíveis (v. g., cópia do cartão de cidadão de fls. 39 e procuração datada de 27.02.2024, junta aos autos principais), dir-se-á que, além de se poder corroborar a análise efetuada no saneador-sentença (máxime, a págs. 11 e seguintes), não se vê como sustentar que “apesar de a assinatura da Embargante aí constante ser a transposição do seu nome completo numa caligrafia diferente da sua[14], nunca assinou tal documento” (cf. art.º 60º da “oposição mediante embargos”).
Quod erat demonstrandum!
15. A resposta dada à questão objeto do recurso - ao contrário do arrazoado da recorrente, - mostra-se conforme ao regime jurídico aplicável e à jurisprudência (também, do Tribunal Constitucional), não se verificando “erro na apreciação da prova”, “erro de julgamento” ou qualquer outro vício ou irregularidade suscetível de afetar de algum modo a decisão objeto do recurso.[15]
16. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.
Custas pela embargante/apelante.
26.11.2024
[2] Entre outros pontos, referiu o seguinte:
-Apresente execução tem como título executivo uma Injunção à qual foi aposta fórmula executória.
- Pese embora tenha residência na morada sita em ..., a verdade é que passa grandes temporadas em Lisboa em casa de um irmão que reside no estrangeiro.
- Apenas tomou conhecimento da existência de ação judicial intentada contra si e já em fase executiva em 22.02.2024, através da citação enviada, para a sua mesma morada, pela Agente de Execução.
- A referida notificação da Injunção nunca chegou ao poder e conhecimento da Executada, pelo que nunca teve oportunidade de se pronunciar sobre os factos nesta vertidos e deduzir a competente oposição à injunção, no tempo legalmente previsto para o procedimento injuntivo e, por isso, situação que em nada é imputável à mesma.
- Atento o disposto na alínea e) do n.º 1 do art.º 188º do CPC, subsidiariamente aplicável ao caso, e segundo o qual há falta de citação quando se demonstre que o destinatário do ato (citação pessoal) não chegou a ter conhecimento dele, por facto que não lhe seja imputável, há falta de notificação do requerimento de injunção.
[3] Reproduziu-se, de seguida, parcialmente, por simples cópia, o teor do requerimento de injunção (a que foi conferida força executiva), o qual integra o requerimento executivo de 07.12.2023 (cf. doc. de fls. 48 e 49).
No requerimento de injunção fez-se constar, designadamente, a identificação do “contrato de crédito” em causa, a forma de pagamento em prestações, os factos referentes ao incumprimento da executada e o montante em dívida (cf. fls. 49 verso).
[4] Assim decorre dos documentos, de maio/2023, reproduzidos a fls. 29/39 verso/57 (55 a 57).
[5] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[6] DL entretanto revogado (com exceção dos seus art.ºs 6º e 8º) pelo DL n.º 62/2013, de 10.5 – com entrada em vigor em 01.7.2013 – mantendo-se, no entanto, em vigor no que respeita aos contratos celebrados antes da entrada em vigor deste diploma.
A norma do art.º 7º do anexo ao DL n.º 269/98, de 01.9, que define o que seja injunção, há de entender-se como remetendo para o art.º 10º do DL n.º 62/2013, de 10.5.
[7] A respeito da delimitação do campo de aplicação do procedimento de injunção e dando-nos conta da correspondente evolução legislativa, cf. acórdão da RC de 25.01.2022-processo 8509/20.3YIPRT.C1, publicado no “site” da dgsi.
[8] Quanto à divergência na perceção da “compleição normativa” de tais bases de dados, cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 773/2019 (de 17.12), publicado no “site” da dgsi: “bases de dados públicas que, pelo menos no que respeita aos serviços de identificação civil, fiscal e da segurança social, assumem uma robusta compleição normativa”, perspetiva diversa de outros arestos do mesmo Tribunal, como acaba salientado, e é acolhido, na “declaração de voto” do Senhor Conselheiro Manuel da Costa Andrade apresentada no mesmo acórdão.
[9] Cf., por exemplo, acórdão da RP de 09-01-2023-processo 998/21.5T8OVR-A.P1 [sublinhado nosso; com o sumário: «I - No Acórdão n.º 99/2019 o Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido da inconstitucionalidade de determinada interpretação normativa dos n.ºs 3 e 5 do artigo 12º do RPOP, ao passo que as normas aqui aplicadas são as dos n.ºs 3 e 4 do mesmo artigo, e o mesmo Tribunal, pouco tempo depois, emitiu um juízo de constitucionalidade destas normas «quando interpretadas no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para, em 15 dias, pagar quantia não superior a € 15 000 ou deduzir oposição), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção, por não reclamação da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para essa morada, em conformidade com o previsto no n.º 4 do artigo 12º, faz presumir a notificação do requerido, nos casos em que a morada para onde se remeteram ambas as cartas de notificação coincide com o local obtido junto das bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3 do artigo 12º»; II – Tem o aval do Tribunal Constitucional (Acórdãos n.ºs 108/2019, de 19 de Fevereiro de 2019, e n.º 773/2019) a solução legislativa que dispensa o conhecimento efetivo do ato de notificação do requerimento de injunção, sendo bastante a colocação da carta em condições de poder ser conhecida pelo destinatário; III - Na oposição à execução que tem por base o título executivo formado nos termos do n.º 1 do artigo 12º do RPOP, pode o executado arguir a falta de notificação, alegando e demonstrando que não chegou a ter conhecimento do ato de notificação por facto que não lhe é imputável (cf. artigos 188º, n.º 2, alínea e), 729º, alínea d), e 857º do CPC), o que permitirá acautelar, pelo menos, as situações de ausência prolongada e as situações de mudança de residência (ainda) não comunicada; IV - Não é de difícil ilisão a presunção de recebimento/conhecimento da notificação efetuada por via postal simples nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 12º, com observância do formalismo previsto no artigo 12º-A, nºs. 2 e 3, mas o recorrente não logrou provar que a notificação não chegou ao seu conhecimento, como, inequivocamente, decorre do elenco de factos considerados não provados, sendo certo que não impugnou a decisão sobre matéria de facto.»], publicado no “site” da dgsi.
[10] Cf., ainda, “nota 2”.
[11] Assim, a jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf., principalmente, acórdãos do Plenário n.ºs 773/2019 e 280/2020, de 17.12.2019 e 19.5.2020) ao decidir «Não julgar inconstitucionais as normas constantes dos nºs. 3 e 4 do artigo 12º do regime constante do anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro (na redação introduzida pelo DL n.º 32/2003, de 17.02), quando interpretadas no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para, em 15 dias, pagar quantia não superior a €15 000 ou deduzir oposição), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção, por não reclamação da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para essa morada, em conformidade com o previsto no n.º 4 do artigo 12º, faz presumir a notificação do requerido, nos casos em que a morada para onde se remeteram ambas as cartas de notificação coincide com o local obtido junto das bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3 do artigo 12º.».
[12] Sabendo-se que o requerido pode, na oposição à execução que tem por base o título executivo formado nos termos do citado n.º 1 do art.º 12º, arguir a falta de notificação (e, por conseguinte, de demonstrar que não residia na residência onde se presumiu o contacto), alegando e demonstrando que não chegou a ter conhecimento do ato de notificação por facto que não lhe é imputável (cf. art.ºs 188º, n.º 2, alínea e), 729º, alínea d), e 857º do CPC), o que permitirá acautelar, pelo menos, as situações de ausência prolongada e as situações de mudança de residência (ainda) não comunicada aos serviços de identificação civil, factos que são facilmente passíveis de prova testemunhal.
[13] Cf., por exemplo, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 182/2006 (de 28.3) e 773/2019 (de 17.12), publicados no “site” da dgsi.
[14] Pese embora alguma “diferença” ...
[15] Sublinha-se que tendo os autos prosseguido quanto à restante matéria da oposição à execução, em concreto, art.ºs 30º a 53º (integração no PERSI), e por se entender depender tal matéria, no todo ou em parte, de prova a produzir, segundo as várias soluções plausíveis de direito (cf. decisão de 22.6.2024), consultado o processo eletrónico, verifica-se que, por sentença de 25.10.2024, proferida nos embargos de executado (apenso A), considerada não demonstrada a integração no PERSI - pelo que os direitos da executada, enquanto mutuária/cliente bancário, face aos objetivos pretendidos pelo legislador no âmbito do referido DL n.º 227/2012, não se podiam considerar salvaguardados -, julgou-se procedente a oposição mediante embargos de executado e, em consequência, declarou-se extinta a execução...