CONTRATO PROMESSA
RECONHECIMENTO DAS ASSINATURAS
NULIDADE
RENÚNCIA
ORDEM PÚBLICA
ABUSO DO DIREITO
Sumário

1. A falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes em contrato-promessa a que alude o art.º 410º, n.º 3, do CC, acarreta a nulidade do negócio, sujeita embora a um regime especial que permite qualificá-la como uma nulidade atípica ou mista, invocável a todo o tempo, em regra apenas pelo promitente comprador.
2. Não obstante do contrato-promessa constar que os outorgantes “renunciam expressamente ao reconhecimento presencial e certificação notarial das assinaturas apostas no presente contrato, conforme o previsto no n.º 3, do art.º 430º do Código Civil, comprometendo-se a não invocar a falta da aludida formalidade”, uma cláusula com este teor é nula por contrariar uma norma de interesse e ordem pública, que pretende defender os promitentes compradores – normalmente a parte mais fraca – contra a sua fraqueza negocial.
3. A nulidade só não ganhará consistência em caso de abuso do direito - um modo de ser jurídico que se coloca no trajeto entre a norma e a solução concreta.
4. Não se poderá concluir pela existência de abuso do direito se a factualidade provada não permite concluir pela criação de uma situação de confiança na outra parte que a levasse a deduzir que tal invalidade não seria arguida.
5. A Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1, do CPC).

Texto Integral

Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Moreira do Carmo
                  Fernando Monteiro


 

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                 (…)       

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                       

           I. Em 04.7.2022, AA e BB, intentaram a presente ação declarativa comum, contra CC e mulher DD, pedindo que: i) seja declarado nulo o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os Autores e os Réus por as assinaturas dos promitentes compradores e vendedores não terem sido reconhecidas presencialmente, em violação do previsto no n.º 3 do art.º 410º do Código Civil (CC) e a consequente inobservância da forma legal prevista no art.º 220º do CC; ii) consequentemente, os Réus sejam condenados a restituir aos Autores as importâncias que destes receberam a título de sinal, concretamente, o montante global de € 100 000 (cem mil euros), acrescido de juros à taxa legal a contar da data em que sejam citados da presente ação; iii) subsidiariamente, que se declare resolvido ou anulado o contrato-promessa de compra e venda por haver erro que atingiu os motivos determinantes da declaração dos Autores, nos termos do art.º 251º do CC; iv) consequentemente, a condenação dos Réus a restituir aos Autores o montante que destes receberam a título de sinal, isto é, a quantia de  € 100 000, acrescida de juros à taxa legal a contar da data em que sejam citados da presente ação.

           Alegaram, nomeadamente: os Autores e os Réus outorgaram a 27.5.2019 contrato-promessa de compra e venda, respetivamente nas qualidades de promitentes compradores e promitentes vendedores, tendo como objeto o prédio urbano melhor identificado no art.º 29º da petição inicial (p. i.), pelo preço de € 415 000, tendo os Autores pago aos Réus a quantia de € 100 000, a título de sinal e princípio de pagamento; não foi feito o reconhecimento presencial das assinaturas das partes; após a remessa da documentação a fim de recorrer a empréstimo junto do Banco, efetuada  avaliação da propriedade, concluiu-se no relatório elaborado em conformidade que o valor da propriedade era de € 232 100; verificaram-se existir, após o relatório do Banco, desconformidades entre a realidade e o vertido no contrato-promessa de compra e venda, designadamente quanto às áreas cobertas e descobertas, bem como na composição do prédio prometido vender; por carta datada de 21.02.2020, os Autores informaram os Réus que não iriam comparecer para outorgar escritura do contrato definitivo, solicitando a devolução do montante entregue a título de sinal, em virtude de ter havido falta de reconhecimento presencial das assinaturas.

           Os Réus contestaram, alegando, em síntese: aquando da assinatura do contrato-promessa de compra e venda, foi explicado aos outorgantes, ponto-por-ponto, cada uma das cláusulas; no contrato-promessa, as partes declararam prescindir da formalidade do reconhecimento das assinaturas e da invocação da respetiva omissão, havendo, agora, abuso do direito por banda dos Autores; estes foram informados dos anexos carecidos de licenciamento; desconhecem os Réus as discrepâncias de áreas referidas na p. i..

           Concluíram pela improcedência da ação, pedindo a sua absolvição do pedido; deduziram reconvenção, pedindo que se declare resolvido o contrato-promessa de compra e venda por incumprimento definitivo dos Autores e que estes sejam condenados a pagar-lhes a quantia de € 28 040,47 e juros moratórios; pediram a condenação dos AA., por litigância de má fé, no pagamento de multa e indemnização.

           Os Autores replicaram, concluindo pela improcedência do pedido na contestação-reconvenção.

           Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador que firmou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

           Efetuado o julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 17.5.2024, decidiu: 1) julgar procedente a ação e, em consequência: a. Declarar nulo o contrato-promessa de compra e venda outorgado entre os Autores e os Réus a 27.5.2019, a que se refere o facto provado 10); b. Condenar os Réus a restituir aos Autores a quantia de € 100 000 (cem mil euros), acrescida de juros à taxa legal a contar da citação para os termos da presente ação;    2) julgar improcedente a reconvenção e, em consequência, absolver os Reconvindos do pedido reconvencional; 3) julgar improcedente o pedido formulado pelos Réus de condenação dos Autores como litigantes de má fé.

           Dizendo-se inconformados, os Réus apelaram formulando as seguintes conclusões:[1]

           1ª - Versa o desacordo com a sentença, essencialmente, na resposta à questão inscrita no despacho saneador e que é a pedra de toque da ação movida pelos Autores. Isto é, saber:

           1) Da declaração de nulidade do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre AA. e RR. no dia 27-05-2019, tendo por objecto o prédio melhor identificado no artigo 29º da petição inicial, com base na violação do previsto no n.º 3 do artigo 410º do Código Civil (falta de reconhecimento presencial das assinaturas) ou, em alternativa, do direito à resolução do mesmo contrato por erro sobre os motivos determinantes da declaração dos AA. (artigo 251º do Código Civil); 2) Do direito dos Autores à restituição pelos Réus do montante global de € 100 000, acrescido de juros vincendos.

           2ª - E é sobre esta dúvida que se impõe uma confirmação ou, pelo contrário, uma revogação da decisão recorrida, porquanto o discutível caminho percorrido pelo Tribunal a quo, apenas se ancorou à inquilinação doutrinária do próprio julgador - por uma ou por outra variante - e não verdadeiramente, como importaria, na observação de todos os elementos constitutivos da prova, abundantemente carreada para os autos, e saber se perante a causa de pedir e a particularidade do caso concreto, a resposta seria a de decretar a nulidade do contrato-promessa de compra e venda.

           3ª - Neste conspecto, a decisão recorrida, não só apresenta pontos que se afiguram incorretamente julgados (factos não provados que devem passar a provados), atenta a prova documental carregada para os autos e, bem assim, quanto à prova testemunhal que impõe a reapreciação da prova gravada, como, de resto, a decisão do Tribunal a quo denuncia um clamoroso erro de julgamento – porquanto a conjugação deste dois elementos (ou a sua errada análise) contribuíram para a errada subsunção dos factos ao direito (quanto ao direito aplicável), que deverá ditar a revogação da decisão.

            4ª - Tivesse a decisão tido o cuidado de uma mais ampla análise da prova, abrangente e desligada da literalidade da norma jurídica (que como se verá, nem é consensual), e tal erro não produziria o resultado apresentado na sentença de que se recorre, mas a resultado oposto, pela exigência imposta pelo princípio da legalidade.

            5ª - Entre outros e para contextualizar o desespero latente na p. i., argumentaram o seguinte os AA.:

            - Que ambos detêm apenas o 9º ano de escolaridade, aludindo a que a fraca formação os tornaria mais frágeis e modestos, face aos RR. mais traquejados nos negócios;

           - Que foram emigrantes mais de vinte anos e que por via disso era limitado o entendimento da língua portuguesa e expressões técnicas e jurídicas utilizadas, sem embargo de com os RR. terem previamente concretizado um negócio de mais de € 600 000;

           - Que não conheciam o concelho de ..., apesar de ali quererem implementar o negócio;

            - De que o escritório de advogados que assessorou a outorga do CPCV era íntimo dos RR., sem embargo de, posteriormente, terem contratado o mesmo escritório de advogados para questões diversas;

           - Que não obtiveram qualquer cópia do CPCV, mesmo após assinatura do mesmo;

           - De que os Recorrentes não entregaram qualquer documentação para efeitos de pedido de crédito bancário, quando desconheciam estes a necessidade dos AA. recorreram a empréstimos;

           - De que existiam discrepâncias entre áreas e zonas não licenciadas, mesmo que só tenham disso dado conta aquando da interpelação à celebração da escritura;

            - Que a propriedade não tinha o valor de mercado constante no CPCV (€ 415 000), mesmo tendo visitado, anuído e pago o valor a titulo de sinal, que as partes estipularam em € 100 000;

            e, por fim, a essência da discórdia….

           - A ausência do reconhecimento presencial das assinaturas gera a nulidade do CPCV, não obstante de só disso se terem lembrado quase três anos após a assinatura de tal contrato.

            6ª - Tudo isto ignorou o Tribunal a quo, afunilando a sua decisão na letra do art.º 410 º, n.º 3, do CC.

            7ª - A matéria de facto incorretamente julgada é a que consta do ponto j) dos factos dados como não provados na sentença e que colidem, objetivamente, com as declarações prestadas pela testemunha, EE, facto que deve passar de “não provado” a “provado”.

           8ª - Mesmo sob o manto do sigilo profissional (cf. n.º 5, art.º 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados), foi esta testemunha respondendo categoricamente às questões formuladas, não deixando margem para dúvidas quanto à assinatura do CPCV, prescindindo as partes do reconhecimento da assinatura.

            9ª - E, também, deveria o Tribunal a quo ter considerado que a testemunha garantiu que todos os esclarecimentos, dúvidas e questões foram sanadas no momento da assinatura, tendo as partes ficado com cópia do contrato na sua posse, de modo que nunca poderia o facto vertido no ponto j), ter sido dado como não provado, quando toda a prova produzida segue em sentido contrário, devendo passar a facto provado.

           10ª - In casu, a questão mantém-se, isto é, saber o que ficou enunciado na “conclusão 1ª”, supra.

           11ª - O Tribunal a quo esteve perante dois entendimentos, optou por um.

           12ª - Sucede, porém, que sendo ambos os entendimentos respeitáveis e legítimos quanto à norma jurídica em questão, não deixam eles mesmos de serem de aplicabilidade diversa quanto à material (sic) de facto, como, aliás, é dito na própria sentença recorrida.

           13ª - E é, justamente, nesta generalização que reside o erro crasso da sentença recorrida, isto porque é quanto ao substrato, à génese, ao âmago (se quisermos) que deverão emergir as razões de que depende a decisão. E não apenas essa dependência falível que é a letra da lei.

            14ª - É que o Tribunal a quo tratou o caso dos autos, como se de um caso genérico fosse, ignorando os elementos trazidos no petitório inicial e que reavivamos e que são a marca d´água que distingue este de outros casos, a saber toda a narrativa já exposto na “conclusão 5ª”, supra.

           15ª - Não só tais argumentos eram fait-divers para se escaparem à outorga da escritura pública prometida como, de resto, utilizaram a figura da nulidade por inexistência de formalismo, como válvula de escape do incumprimento que haviam cometido.

           16ª - Lembrando-se os AA. mais de três anos após a assinatura de tal documento (pasme-se!), que o mesmo não só está contaminado de nulidade como, de resto, lhes foram omitidos dados relevantes – mas constantes no CPCV – que atingiram (de novo, mais de três anos após a sua assinatura), a vontade na concretização do negócio imobiliário.

           17ª - No caso vertente não se trata de uma invocação de nulidade que serve para proteger à prática de um acto que os AA. não queriam, NÃO! Os AA. leram o contrato, assinaram o contrato, contrataram a Advogada que elaborou o contrato e, tempos mais tarde, alegaram a nulidade de um documento que conheciam e com o qual aderiram sem reservas.

            18ª - É face a essa desproteção sentida pelos AA., no dever do cumprimento pontual dos contratos que surge o presente recurso, devendo a balança da justiça reequilibrar as partes e, já agora, discipliná-las.

            19ª - Devendo colocar-se cobro à possibilidade de in extremis todos os contratos-promessa celebrados, mesmo com adesão das partes, serem nulos se – por dá cá aquela palha – os promitentes-comprados assim quiserem.

            20ª - Devendo, pelo exposto, ser revogada a sentença recorrida, “sendo esta substituída por decisão que confirme e dê procedência aos pedidos, nos seus precisos termos e nos termos das presentes motivações de recurso”.

           Ao AA. responderam concluindo pela improcedência do recurso, requerendo, “por mera cautela”, a título subsidiário, a ampliação do âmbito do recurso relativamente à matéria de facto e aos demais fundamentos por eles invocados (o facto de haver erro que atingiu os motivos determinantes da declaração dos autores, nos termos do art.º 251º do CC ou, caso assim não se entenda, subsidiariamente, com fundamento na alteração substancial das circunstâncias em que as partes fundaram a vontade de contratar, nos termos do art.º 437º, n.º 1 do CC).

           Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa apreciar e decidir, principalmente: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação e valoração da prova); b) decisão de mérito (cuja modificação depende da eventual procedência daquela impugnação), importando responder às seguintes questões: se o contrato-promessa celebrado entre as partes está ferido de nulidade por ter sido omitido o reconhecimento presencial das assinaturas que é imposto por lei; se a invocação dessa nulidade por parte dos AA. corresponde a abuso do direito.


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            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            1) AA nasceu a ../../1974.

            2) BB nasceu a ../../1979.

            3) Os Autores foram emigrantes no estrangeiro, em França e na Suíça, durante mais de vinte anos consecutivos.

            4) Aí trabalharam e exerceram as atividades de Diretor de Loja e Responsável de Loja, respetivamente.

           5) Em dezembro de 2018, os Autores e os Réus encetaram negociações tendentes à aquisição pelos primeiros da Loja do A... de ..., que os últimos exploravam, negócio da aquisição que se veio a concretizar, através do Gabinete de Advogados B... – Sociedade de Advogados, com escritório em ....

           6) Após o que os Réus também propuseram aos Autores a aquisição de uma casa/quinta/vivenda de que eram proprietários sita na Quinta ..., freguesia e concelho ....

           7) O prédio sito em ... e ..., composto por edifício de rés-do-chão com logradouro, com a área total de 30 150 m2 e área coberta de 230,76 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...81, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º ...26, cuja propriedade se encontra registada a favor do Réu[2], através da Ap. ...19 de 2009/10/12.

           8) Os Autores visitam a propriedade em causa, na qual estava construída uma moradia em madeira somente de rés-do-chão, e composta ainda por logradouro, um anexo com instalação sanitária, um canil e uma piscina com cerca de 35 m2.

           9) Os Autores não visitaram Agências Imobiliárias e/ou Consultores Especializados na área, tendo-se limitado ao valor proposto pelos Réus para aquisição da casa, de € 415 000.

           10) Assim, no dia 27.5.2019, os Autores, na qualidade de promitentes-compradores, e os Réus, na qualidade de promitentes-vendedores, outorgaram documento particular escrito intitulado «Contrato-Promessa de Compra e Venda», junto aos autos a fls. 24 verso / 26, tendo os primeiros declarado prometer comprar aos segundos, e estes declarado prometer vender aos primeiros, o prédio urbano, em propriedade horizontal sem andares nem divisões suscetíveis de utilizações independentes, destinado a habitação, sito na Quinta ..., ..., Estrada ..., ... ..., freguesia e concelho ..., descrito na CRP ... com o n.º ...26 da freguesia ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o n.º ...81, com o certificado de desempenho de qualidade energético e da qualidade do ar interior n.º ...28, emitido em 05/12/2011 e válido até 05/12/2021, com o Alvará de Autorização de Utilização n.º ...11, emitida em ../../2011, pela Câmara Municipal ..., pelo preço de € 415 000.

            11) Consta ainda do documento particular a que se alude em 10) que Autores e Réus declararam reciprocamente acordar, entre outras cláusulas, nos seguintes termos:

            «E considerando que:

           1 - A presente relação contratual traduz livre e conscientemente a vontade de ambas as Outorgantes celebrarem o presente contrato-promessa de compra e venda que tem por objecto um prédio urbano, em propriedade horizontal sem andares nem divisões susceptíveis de utilizações independentes, destinada a habitação, sita na Quinta ..., ..., Estrada ..., ... ..., freguesia ..., concelho C..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n. ...26, inscrita na matriz predial urbana sob o n.º ...81 da mesma freguesia, com o certificado de desempenho de qualidade energético e da qualidade do ar interior n." ...28, emitido em 05/12/2011 e válido até 05/12/2021, com o Alvará de Autorização de Utilização n.º ...11, emitida em ../../2011, pela Câmara Municipal ..., do qual os primeiros Outorgantes se declaram ser donos e legítimos proprietários.

            É celebrado o presente contrato de promessa de compra e venda que se regerá nos termos das seguintes cláusulas:

            PRIMEIRA

          Pelo presente contrato, os Primeiros Outorgantes donos e legítimos proprietários, prometem vender aos Segundos e estes prometem comprar o prédio urbano, melhor identificado nos Considerados.

            SEGUNDA

            1- O preço da transacção é de €415.000,00 (quatrocentos e quinze mil euros) e será pago pelos Segundos Outorgantes aos Primeiros, da seguinte forma:

            a) €100.000,00 (cem mil euros) pagos, no dia da assinatura do presente contrato-promessa de compra e venda, a título de sinal e princípio de pagamento, por transferência bancária para a conta dos Primeiros, quantia de cujo recebimento estes darão, quitação na data do recebimento da transferência; -

            b) €315.000,00 (trezentos e quinze mil euros), pagos na data da celebração da respectiva escritura pública de compra e venda.

            TERCEIRA

            A escritura pública de compra e venda será realizada até ao dia 31 de Outubro de 2019, cabendo a sua marcação aos Segundos Outorgantes que, do dia e hora, bem como do respectivo Cartório Notarial/Serviço Público, avisarão os Primeiros com pelo menos 7 dias de antecedência.

            (…)

            QUINTA

            §1 Em caso de incumprimento pelos Segundos Outorgantes do presente contrato, têm os Primeiros Outorgantes a faculdade de reter o valor já entregue a título de sinal, bem como, de fazer seu, o objecto do presente contrato.

            §2 - Em caso de incumprimento do presente contrato pelos Primeiros Outorgantes, por motivo que lhe seja imputado, os Segundos Outorgantes têm a faculdade de exigir o dobro do valor prestado a título de sinal.

            SEXTA

           Fica expressamente estabelecido e é reciprocamente aceite por ambas as Outorgantes que em caso de incumprimento do presente contrato-promessa de compra e venda por qualquer das partes outorgantes, e não obstante a existência de sinal, poderá a parte não inadimplente requerer a execução específica, nos termos do art.º 830º do Código Civil.

            SÉTIMA

           A fracção autónoma, objecto do presente contrato será transmitida livre de quaisquer ónus ou encargos, cabendo aos Primeiros Outorgantes disponibilizar aos Segundos toda a documentação exigível à celebração da respectiva escritura pública, designadamente, as respectivas certidões, assim como a licença de utilização e o certificado de desempenho energético.

            OITAVA

           Qualquer alteração ou aditamento ao presente contrato-promessa de compra e venda, que possa vir a ser acordado entre as partes Outorgantes, só será válido e eficaz se for reduzido a escrito e assinado por todos os Outorgantes.

            NONA

           As notificações entre as partes Outorgantes, designadamente, quaisquer correspondências enviadas pelos Primeiros Outorgantes aos Segundos ou vice-versa, deverão ser remetidas para as moradas constantes do presente contrato, convencionando-se o domicilio, e sempre mediante carta registada com aviso de recepção,

            (…)

            DÉCIMA-PRIMEIRA

            Todos os Outorgantes declaram aceitar o presente contrato nos seus precisos termos, com prometendo-se a cumprir como nele se contém.

            DÉCIMA-SEGUNDA

           Os Outorgantes renunciam expressamente ao reconhecimento presencial e certificação notarial das assinaturas apostas no presente contrato, conforme o previsto no n.º 3, do art.º 430º do Código Civil, comprometendo-se a não invocar a falta da aludida formalidade.

           Feito em duplicado, ficando um exemplar para cada uma das partes Outorgantes.

            ..., 27 de Maio de 2019»

           12) Não foi efetuado o reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes Autores e Réus no documento referido em 10).

           13) Os Autores pagaram o montante de € 100 000, a que se alude no contrato referido em 1), em duas tranches de: € 46 836,34, através de transferência bancária datada de 28.5.2019; € 53 163,66, através de transferência bancária datada de 29.5.2019.

           14) Quer o negócio da Loja A..., quer o negócio referente à casa/quinta/vivenda foram realizados através do Gabinete de Advogados B... - Sociedade de Advogados que, à data, prestava assessoria e demais serviços jurídicos aos Réus e que estes recomendaram aos Autores para o efeito.

            15) A 08.5.2019, o Réu remeteu à Advogada, Sr.ª Dr.ª EE, por correio eletrónico e em anexo cinco documentos, a saber: Caderneta Predial; Certidão permanente (prédio rustico e prédio urbano); Licença de Utilização emitida pela Câmara Municipal ...; e Comprovativo do Certificado Energético do imóvel com o n.º ...28.

           16) Os Réus remeteram carta registada com aviso de receção, datada de 29.10.2019, aos Autores, recebida por estes a 30.10.2019, com o seguinte teor:

            «..., 29 de Outubro 2019

            Não existindo marcação de escritura pública, com 7 dias de antecedência conforme cláusula terceira descrita no Contrato-Promessa compra e venda celebrado a 27 de Maio de 2019 e com um prazo máximo descrito na mesma cláusula de 31 de Outubro 2019.

            O mesmo pode ser renegociado, se for esse o seu interesse, terá de ser demonstrado por esta mesma via ou por Mail para ..........@......

            O acordo terá que ser realizado até o dia 8 de Novembro de 2019, caso contrário a venda fica sem efeito, com perda do valor de sinal, conforme ponto 1 da quinta cláusula do contrato acima referido».

           17) Os Autores receberam mensagem de correio eletrónico do Réu, reencaminhada pela Advogada Dr.ª EE, datada de 07.11.2019, com o seguinte teor:

            «Boa tarde,

           Ainda não tivemos resposta, à carta enviada com data de término amanhã 8/11.

           Caso o comprador não efectue pagamento em dívida da loja, a casa será entregue para venda ás imobiliárias, e o comprador perde o sinal conforme o contrato.

            Cumprimentos

            CC».

           18) Os Réus, por intermédio do seu Advogado, remeteram aos Autores uma carta registada com aviso de receção datada de 20.01.2020, recebida pelos últimos, com o seguinte teor:

            «..., 20 de Janeiro de 2020

           Assunto: Celebração da escritura do imóvel objecto do contrato-promessa compra e venda, sito Quinta ..., ..., Estrada ... em ...

            Exm.ºs Senhores,

           Na qualidade de mandatário de CC e esposa DD, incumbem-me os meus clientes de notificar V. Exas., para no próximo dia 21 de Fevereiro do presente ano pelas 11 horas, comparecerem no escritório da Ilustre Solicitadora, Dra. FF, na Rua ..., ... em ..., a fim de ser forjada escritura pública relativa ao prédio melhor identificado em assunto e prometido no contrato-promessa de compra a venda celebrado a 27 de Maio de 2018.

           Atento ao lapso de tempo entretanto decorrido e sucessivamente desconsiderado por V. Exas., entendem os m/clientes ser o prazo que medeia daqui até à data indicada, suficiente para dar cumprimento ao contrato-promessa outorgado entre as partes, sem sobressaltos, atento as várias interpelações para celebração da escritura da qual ficam, agora intimados.

           Assim e para cumprimento cabal da cláusula segunda do aludido contrato, deverão ainda, apresentar no dia 26-02-2020 o remanescente do valor da transacção do imóvel.

           Caso naquele dia e hora não comparecerem para dar cumprimento ao contrato-promessa outorgado entre os m/clientes e V. Exas., embora lamentando tal postura, consideraremos que é v/ intenção não cumprir a obrigação emergente do aludido contrato, considerando-se definitivamente incumprido.

           Na espectativa de que procedam avisadamente e em conformidade com o ora notificado,

            Subscrevo-me atentamente e ao dispor».

            19) Os Autores não compareceram no escritório da Solicitadora, Dra. FF, na Rua ..., ..., em ..., na data agendada de 21.02.2020 para a realização da escritura pública a que se alude em 18).

           20) Os Autores remeteram aos Réus uma carta registada com aviso de receção datada de 21.02.2020, recebida pelos últimos 24.02.2020, com o seguinte teor:

           «Assunto: Nulidade de contrato-promessa de compra e venda outorgado com V. Exas. em 27.05.2019 referente ao imóvel sito em Quinta ..., ..., Estrada ..., em ....

            Exmos. Senhores,

           Como V. Exas. bem sabem, fomos emigrantes no estrangeiro, nomeadamente, em França e na Suíça, durante mais de vinte anos consecutivos, sendo que as nossas habilitações literárias se confinam ao equivalente ao 9º ano de escolaridade e que foi sempre o nosso sonho/ideal regressar a Portugal para estabelecer o nosso negócio.

           Pese embora não sejamos do concelho de ... (somos oriundos do concelho ...), tomamos conhecimento que o estabelecimento de V. Exas., A... - Loja de ..., se encontrava à venda aquando de uma visita nossa a ..., ás vossas instalações, em Setembro de 2018.

           Tínhamos à data 42 anos de idade e 39 anos de idade, respetivamente e com muitas limitações no entendimento da língua portuguesa e expressões técnicas e jurídicas utilizadas.

           Em Dezembro de 2018, numa segunda vista a ..., negociamos diretamente com V. Exas, a aquisição da vossa loja do A... e criou-se uma relação de empatia recíproca.

           Nessa ocasião, V. Exas. propuseram-nos também a aquisição da vossa "casa/quinta/vivenda" da Quinta ... e tudo foi tratado com o Gabinete de Advogados que prestava/presta serviços a V. Exas., sem que houvesse da nossa parte qualquer tipo de entraves e/ou desconfiança.

           Não conhecíamos a realidade de ... e nem tão-pouco procuramos outras soluções de "casa/quinta/vivenda", nem visitamos Agências Imobiliárias ou Consultores Especializados na área, pois, tudo se passou numa estrita relação de confiança que se desenvolveu com V. Exas..

            E nessa base, celebrámos com V. Exas., no dia 27 de Maio de 2019, o contrato- promessa de compra e venda tendo por objeto "o prédio urbano, em propriedade horizontal sem andares nem divisões suscetíveis de utilizações independentes, destinada a habitação, sita na Quinta ..., ..., Estrada ..., ... ..., freguesia ..., concelho de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...26, inscrita na matriz predial urbana sob o n.º ...81 da mesma freguesia, com o certificado de desempenho de qualidade energético e da qualidade do ar interior n.° ...28, emitido em 05/12/2011 e válido até 05/12/2021, com o Alvará de Autorização de Utilização n.º ...11, emitida em ../../2011, pela Câmara Municipal ..." do qual V. Exas. se declararam ser donos e legítimos proprietários.

           Nos termos da cláusula segunda do referido contrato-promessa, estipularam V. Exas, o preço da referida transação no montante de 415.000,00 € (quatrocentos e quinze mil euros), sendo que vos entregamos na data da celebração do dito contrato, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 100.000,00 € (cem mil euros).

Ainda no mencionado contrato, de acordo com a cláusula sétima do mesmo, ficou estipulado que V. Exas. teriam de nos disponibilizar até á celebração da escritura pública de compra e venda toda a documentação legal exigível para o efeito.

           Sucede que existem não só discrepâncias de áreas entre aquelas que constam da matriz e do registo predial e aquelas que existem na realidade no local prometido vender e, ainda, divergências na composição do próprio prédio prometido vender (trata-se de uma vivenda em madeira), pois, quer na matriz predial respetiva quer na Conservatória do Registo Predial, como bem sabem, não há menção da existência de um anexo com cerca de 85,00 m2, de uma piscina, de uma estrutura de apoio à piscina e de um canil no logradouro.

           Desconhecemos em absoluto se as ditas construções estão devidamente licenciadas pela Câmara Municipal ..., pois, até esta data e apesar de instados para o efeito, não vieram nunca V. Exas. demonstrar-nos o estado dessa situação.

           Pelo que foi com total consternação que nos vimos confrontados com a correspondência datada de 20.01.2020 que recebemos do Exmo. Senhor Dr. GG, Advogado, invocando a qualidade de mandatário de V. Exas., sem contudo juntar com aquela sua missiva qualquer procuração a atestar tal qualidade, a interpelar-nos para comparecermos no próximo dia 26.02.2020, pelas 11.00 horas, no escritório da Sra. Solicitadora, Dra. FF, sito na Rua ..., ..., em ..., a fim de, alegadamente, ser outorgada a escritura pública referente ao prédio objeto do contrato-promessa acima identificado.

           Ora, desde já, informamos V. Exas, que não iremos comparecer no local, dia e hora em apreço e isto por várias razões, pois, entretanto, já nos informamos e já conhecemos os nossos direitos.

           Por um lado e pese embora a disposto na cláusula décima-segunda do contrato-promessa aqui em causa contenha um erro quanto à disposição legal ai mencionada, a verdade é que tal contrato-promessa não foi alvo de reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes, quer dos vendedores quer dos compradores.

            Tal omissão é causa de nulidade do contrato-promessa, nos termos do artigo 410, n.º 3 do Código Civil, que, como se referiu e apesar do disposto na cláusula décima-segunda do mesmo, nós, promitentes-compradores, aqui nos vimos forçados a invocar expressamente para os devidos e legais efeitos, face, inclusive, ao que a seguir referimos.

           No âmbito das negociações pré-contratuais e contratuais que levaram à assinatura do referido contrato-promessa, prestaram-nos V. Exas. uma série de informações e elementos relativamente ao prédio prometido vender que conduziram à formação da nossa vontade no sentido de nos conformarmos e aceitarmos o preço de compra pedido, assente direta e necessariamente na boa fé que fizemos da veracidade dos elementos sucessivamente indicados por V. Exas. quanto às caraterísticas e valor de mercado do prédio em causa.

           A verdade é que, na sequência de diversas diligências, entretanto, realizadas por nós, fomos confrontados com várias opiniões especializadas e elementos idóneos reveladores do valor real do prédio prometido vender, sendo que temos em nosso poder um Relatório de Avaliação que atribui a tal prédio um valor nunca superior a 232.100,00 € (duzentos e trinta e dois mil e cem euros) que não se compadece com o preço de venda fixado por V. Exas, de 415.000,00 € (quatrocentos e quinze mil euros), para o prédio em questão, tal qual consta do contrato-promessa.

           A discrepância dos referidos valores constitui divergência relevante e grave das características reais do objeto no que toca ao valor constante do contrato-promessa e que assentou em informações prestadas por V. Exas. e o valor que, objetivamente, lhe é reconhecido por Técnicos Especializados.

           Tal divergência pela sua relevância e disparidade, envolvendo montantes de valor muito elevado e um bem imóvel de que pudemos constatar recentemente, fundada em elementos idóneos, já que até então estavam apenas assentes nas informações de V. Exas., implica igualmente uma proteção legal reconhecida aos promitentes-compradores, parte contratual mais fraca no negócio, que, perante a alteração de circunstâncias e condições agora apuradas, nos confere o direito de procedermos, também por esta razão, à invocação da nulidade do contrato-promessa aqui em causa, o que aqui e agora também expressamos pela presente.

           Por outro Indo ainda e como já salientamos supra, continuamos a constatar não existirem no prédio em questão as seguintes características apresentadas por V. Exas, e que determinaram a celebração do contrato-promessa:

           a) Não se encontram regularizadas as acima indicadas discrepâncias de áreas, composição e natureza do prédio prometido vender entre o que consta da matriz predial respetiva e registo predial respetivo com as construções existentes no imóvel, acima identificadas,

           b) Desconhece-se a situação do licenciamento junto da Câmara Municipal ... de todas as construções existentes no prédio e se as mesmas estão aprovadas pela Câmara e se são, ou não, passíveis de aprovação e/ou licenciamento,

           c) Quer a descrição predial quer o constante na matriz predial urbana respetiva não se encontram em consonância com o existente, ou seja, no local existe uma moradia em madeira e, ainda, um anexo, uma piscina, uma estrutura de apoio à piscina e um abrigo destinado a canil, sendo que apenas se encontra registada uma moradia.

            A falta de reconhecimento presencial das assinaturas e de menção da licença de utilização constituem fundamentos para se invocar a nulidade do Contrato Promessa. Os factos atrás descritos constituem forçosamente incumprimento definitivo por parte de V. Exas. do contrato-promessa aqui em causa.

            O imóvel em questão não nos chegou a ser entregue, nem sobre o mesmo praticamos qualquer tipo de atos, anterior ou posteriormente à assinatura do contrato-promessa, que revelasse a intenção de celebrarmos efetivamente o contrato prometido ou que demonstrasse a aceitação plena do contrato-promessa.

            Assim, vimos, pela presente, proceder à rescisão com justa causa e efeito imediato do contrato-promessa celebrado, com fundamento na nulidade do mesmo e incumprimento definitivo de V. Exas., nos termos sobreditos, requerendo, em consequência, que procedam V. Exas. à devolução imediata da quantia (100.000,00 €) que vos entregamos a título de sinal e princípio de pagamento.

           Mais, solicitamos que procedam a tal devolução no prazo máximo de oito dias a contar da boa receção da presente para o seguinte IBAN  ...56 (sobre o Banco 1..., S.A.), sob pena de, sem mais avisos/interpelações, sermos obrigados a recorrer aos meios legais e judiciais competentes para salvaguarda dos nossos direitos.

            Sem outro assunto.

            ..., 21 de Fevereiro de 2020»

           21) Em 23.12.2011, o Município ... emitiu o Alvará de Autorização de Utilização n.º ...11, em nome do Réu, e a que corresponde o alvará de licença e obras n.º 19/2011, que titula a autorização de utilização ou de alteração do edifício sito em ... ou ..., da freguesia ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...43 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...03 da respetiva freguesia.

            22) Do Alvará atrás referido consta, entre o mais, o seguinte:

           «Por despacho de 22-12-2011, foi autorizada a seguinte utilização para Habitação de uma moradia com a área do lote/terreno 30 150m2, área de logradouro 29 919,24m2, área bruta de habitação 230,76m2, área bruta de estacionamento 30 m2, área de varandas 31,86m2, área bruta total de construção 230,76m2, área útil 186,8m2, n.º total de frações 1.

            O técnico responsável pela direção técnica da obra foi HH.

           As partes comuns do edifício encontram-se concluídas e em conformidade com o projeto em 05.11.2010.

           O edifício preenche os requisitos legais para a constituição da propriedade horizontal Não.

           Dado e passado para que sirva de título ao requerente e para todos os efeitos prescritos no Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei 26/2010, de 30 de Março.»

            23) Do processo de obra a que se refere o alvará atrás referido, não constam piscina nem qualquer construção anexa.

            24) Por solicitação do Banco 2..., S. A., a D..., S. A., elaborou relatório de avaliação ao prédio referido em 10), datado de 05.11.2019, tendo atribuído ao mesmo o valor de € 232 100, com recurso ao método comparativo de mercado.

            25) Do relatório elaborado pela D..., S. A., consta, entre o mais, o seguinte:

            «Observações:

           As áreas utilizadas na presente avaliação foram aferidas pela consulta da Caderneta Predial Urbana e da Certidão da Conservatória do Registo Predial para a área de terreno e pela medição das Plantas para as áreas de construção.

            Salienta-se que foi fornecida uma planta cortada, podendo existir divergência de áreas entre a medição realizada e as existentes no local. As áreas de construção descritas na Caderneta Predial Urbana não se encontram de acordo com as áreas medidas em planta pelo que se recomenda a sua retificação.

            Durante a visita verificou-se que existe um anexo e um canil no logradouro que não foram considerados na presente avaliação uma vez que não se encontram desenhados nas plantas.

            Não foi disponibilizada documentação com a informação da licença de utilização, deverá ser garantida a entrega ao Banco 1... até à data da escritura, a licença de utilização, com o uso descrito documentação analisada e conforme considerado na avaliação.»

            26) Por solicitação dos Réus, a Iportuguesa Real Estate elaborou relatório de avaliação ao prédio objeto do acordo referido em 10), datado de 11.6.2021, atribuindo ao aludido prédio o valor de mercado num intervalo entre os valores de € 396 928,18 e € 530 143,08.

            2. E deu como não provado:

            Da petição inicial:

           a) Os Autores têm como habilitações literárias o equivalente ao 9º ano de escolaridade.

           b) Os Autores tinham e continuam a ter, ainda hoje, muitas dificuldades e limitações no entendimento da língua portuguesa, escrita e falada.

           c) Os Autores, à data, informaram os Réus que teriam de recorrer necessariamente a financiamento bancário para concretizarem a aquisição da “casa/quinta/vivenda” em questão.

           d) E que o iriam fazer junto do Banco 2..., por ser, na altura, nesta zona, o único a financiar empréstimos para casas de madeira, como era o caso.

           e) Após a outorga do contrato-promessa de compra e venda a 27.5.2019, durante meses consecutivos, os Autores insistiram junto dos Réus no sentido de estes lhes facultarem toda a documentação atinente ao prédio prometido vender a fim de poderem tratar do empréstimo bancário junto do Banco 2....

           f) Os Réus foram protelando a entrega aos Autores da documentação solicitada.

           g) Os Réus somente entregaram aos Réus na segunda quinzena de outubro de 2019, uma caderneta predial urbana, uma certidão da Conservatória do Registo Predial e umas plantas referentes ao prédio prometido vender.

            h) Nessa ocasião, os Réus não entregaram aos Autores a licença de utilização da moradia.

           i) Os Autores pediram aos Réus que lhes fizessem chegar comprovativos de terem e/ou estarem a tratar da legalização e/ou licenciamento das ditas construções junto das competentes entidades, sem qualquer sucesso, pois, nada os Réus lhes disseram, escusando-se a atender as respetivas chamadas telefónicas, não lhes devolvendo os telefonemas e furtando-se aos contactos pessoais, durante semanas consecutivas, o que impossibilitou os Autores de concluírem o seu processo de financiamento e obtenção do respetivo empréstimo bancário junto do Banco 2....

            Da contestação:

           j) Foi explicado aos Autores ponto por ponto o teor de cada uma das cláusulas do contrato a que se alude em 10) aquando da sua assinatura nos escritórios da sociedade de advogados E..., SP, RL, em ....

           k) Convencidos de que os Autores iam honrar o compromisso de adquirir o imóvel, os Réus contraíram um empréstimo bancário para adquirir o imóvel onde atualmente residem.

          l) Os Réus liquidaram em juros por conta do crédito contraído para a aquisição do imóvel em ... o valor de € 7 330,42.

           m) Os Réus desde a data do contrato-promessa de compra e venda até à presente data despenderam anualmente o valor de € 300,15 a título de IMI sobre o imóvel objeto do contrato, despendendo um total de € 900,45.

           n) Os Réus serão tributados em sede de IRS pelas mais valias provenientes da venda do imóvel, no valor tributável de € 19 809,60.

            3. Cumpre apreciar e decidir.

           a) Os Réus insurgem-se contra a decisão sobre a matéria de facto, considerando que se deverá dar como “provado” o facto indicado em II. 2. j), supra - cf., sobretudo, “conclusões 7ª e 9ª”, ponto I., supra.

           Importa assim averiguar se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto à factualidade em causa, essencial para o desfecho do recurso.

           Invoca-se a prova pessoal (sobretudo, o depoimento de uma testemunha) conjugada com a prova documental junta aos autos.

            b) Na parte que aqui releva, a motivação da decisão facto do Tribunal a quo é a seguinte:

            «(...) EE, advogada, conhecida dos Autores e Réus por ter sido advogada de todas as partes, tendo intermediado o negócio de trespasse do A... e presenciado alguns momentos atinentes ao negócio da promessa de venda da Quinta ..., depôs de forma genérica sobre a sua atuação e intervenção[3], não se podendo retirar do seu depoimento que tenha explicitado de forma rigorosa, numa circunstancialidade balizada no tempo, lugar e modo, aos Autores o conteúdo de todas as cláusulas do contrato-promessa de compra e venda. No mais revelou que os Autores foram apresentados à advogada pelos Réus (estes já eram seus clientes).

           (...) Quanto ao facto j), considerou-se o mesmo como não provado, pelas seguintes razões: apenas recaíram as declarações de parte dos Réus sobre a ocorrência de tal facto (e as declarações de parte dos Autores concorreram em sentido contrário) e o depoimento de EE, foi demasiado genérico e abstrato sobre a sua atuação e intervenção no caso concreto, não se podendo retirar do (...) mesmo que tenha explicitado de forma rigorosa as cláusulas do contrato (para além de que do contrato em causa resultam descritas ocorrências que não se coadunam com a realidade, o que parece inculcar a ideia de que se tratava de uma minuta feita com alguma pressa e pouco rigor, designadamente a referência ao artigo 430º do Código Civil e de que se está perante um prédio constituído em propriedade horizontal[4]. O que pode indicar que a realização do mesmo (e conexa explicitação) não foi profusamente cuidada. Por outro lado, a depoente referiu que o contrato foi assinado no A... de ..., e não no escritório em .... (...)»

           c) Esta Relação teve presente a prova produzida em audiência de julgamento, especialmente, os depoimentos/declarações das partes e o depoimento da referida testemunha.

            O expendido pelo Mm.º Juiz do Tribunal a quo é correto.

           Vejamos, no entanto, alguns excertos da mencionada prova pessoal:

            - Depoimento/declarações de parte do A. (fls. 243 verso):

            “(...) Esse gabinete “E...” é o assessor, era o assessor deles, da loja e referenciado pelo Grupo “F...” nós, automaticamente, estávamos num mundo de confiança, não é? (...) subitamente, recebemos uma chamada, amanhã temos que estar em ... para assinar o CPCV (contrato-promessa de compra e venda), (...) fomos de própria vontade, assim foi, chegámos lá e assim foi, era a BB a minha esposa e eu, prontos, e a outra parte, não é? E a outra parte, assinámos um CPCV...; (...) Estavam os dois (Réus) (...) e estavam dois advogados, também que eram a Dr.ª EE e o seu marido (...). E assim foi, assinámos, entretanto...; (...) Só sei que assinei na Dr.ª EE, esse contrato. (...) Nesse dia não li, assinei de cruz, esse contrato. Assinei um documento onde depois foi-me feito a leitura do documento, mais nada, pela Dr.ª EE. Não deixa de ser um contrato com muitas linhas, não é? (...) eram advogados da entidade “G...” que é a entidade que eu comprei por quotas. (...)”

            - Depoimento/declarações de parte da A. (fls. 244):

           “(...) fomos convocados por causa do compromisso de compra e venda, pelos advogados (...), acho que foi em maio. 2019, sim! (...) foi em ..., fomos contactados pelo telefone para irmos fazer então a assinatura do CPCV, e pronto, e fomos e... Correu, em termos de amizade, pronto e foi aí que conhecemos os advogados, que por acaso não conhecíamos (...), são advogados do Grupo dos “F...”, são referenciados do Grupo, pronto e... Sim, fomos lá e assinamos, pronto. Foi-nos lido o contrato sim, foi, foi. (...) quando leram, confiámos e assinámos e pronto e ficou...” Disse, ainda, que não tinha “visto” o contrato antes da assinatura ou daquele dia.

            - Depoimento/declarações de parte do Réu (fls. 244):

           “(...) penso que houve uma primeira marcação para a semana anterior em que uma das partes não podia e, depois, foi marcado para a semana seguinte..., em ..., escolhemos ... porque era metade de caminho para eles e para nós, ao fim e ao cabo e pronto, até falei, conversei com ele, olha, se calhar calha bem, porque é aqui a meio e vamos lá assinar o contrato e pronto, até já ficas a conhecer o gabinete que nos dá apoio, se quiseres manter o gabinete manténs, pronto, e foi assim que sucedeu. (...) Sei que, no dia da escritura, foi lido em voz alta, foi a Dr.ª que o leu, a Dr.ª EE...; (...) foi aceite por todos...; (...) trouxemos uma cópia (...)”. Afirmou, ainda, que a Sr.ª Dr.ª EE explicou o teor do dito contrato, designadamente, o que consta da respetiva “cláusula 12ª”.

            - Dr.ª EE (fls. 246):

           “(...) Conheço (o A.), é meu cliente. (...) o Sr. AA é sócio gerente de uma sociedade da qual eu sou mandatária. (...) (o Réu) É meu cliente também! (e a Ré) também é minha cliente. (...) a intervenção que eu tive com as partes foi na qualidade de Advogada, no fundo prestei aconselhamento às partes no âmbito desse contrato e considerando que os dois eram e são meus constituintes, eu entendo que estou e que não devo prestar declarações sobre estes factos em concreto, ao abrigo do sigilo profissional a que estou obrigada. (...) neste caso em concreto como noutros, fui eu é que fui à empresa a ... reunir com os meus clientes. (...) Foi na empresa! (...) Esse contrato foi assinado na empresa do A... de ..., sim! (...) [Sra. Dra., neste como em outros contratos, pergunto (...) se costuma ler, se é seu hábito ler os contratos às partes que estão perante si para o assinarem ou não?] Oh Sr. Dr.! Eu percebo a sua pergunta e a esta pergunta em concreto, entendo não devo responder, o que eu posso dizer a esse Tribunal é que em 20 anos de exercício de atividade que tenho, eu cumpro estritamente os deveres deontológicos e profissionais de que estou obrigada e acho que só por isso é que com 20 anos de exercício de atividade é que consigo ter a carteira de clientes que tenho (...). Todos os meus clientes que têm dúvidas e que me colocam questões de esclarecimento de qualquer dúvida, é evidente que se eu estou a aconselhar eu respondo a todas essas dúvidas. [Nomeadamente, dúvidas de cariz técnico-jurídico, como seja e, em abstrato, a preterição da formalidade de reconhecimento de assinaturas?] Como é óbvio, Sr. Dr.! Aliás, o reconhecimento de assinaturas em qualquer contrato é feito se os clientes quiserem que seja feito e não é feito se os clientes não quiserem que seja feito. [Portanto, presumo também que a Sr.ª Dr.ª não e, aliás, pelo semblante, passo essa expressão, pelo semblante dificilmente acreditaríamos que a Sr.ª Dr.ª coagiu a preterirem essa formalidade. É certo que não aconteceu?] Sr. Dr.! Eu sou apenas uma Advogada! Não tenho nenhum poder de coação, muito pelo contrário, a minha função, na qualidade de advogada, é aconselhar as partes e, depois, acabar por fazer aquilo que as partes entenderem que querem e desejam, depois de estarem esclarecidas claro! [Se deu cópia do contrato promessa de compra e venda, às partes? Ou se quiser de outra forma, para não ter que justificar de novo: em mais de 20 anos de atividade, tendo cumprido zelosamente os seus compromissos para com os seus clientes, particularmente, e para com o Estatuto da Ordem dos Advogados, questiono se cede no final da assinatura desse contrato, cópia do negócio jurídico que os clientes acabaram de celebrar?] Sr. Dr., uma das nossas obrigações é entregar a cada uma das partes uma cópia daquilo que assinaram para que as partes fiquem esclarecidas sobre aquilo que assinaram. E em todos os contratos em que eu estou presente, e em que eu dirijo, aconselho e esclareço, eu faço sempre a entrega de um documento a cada uma das partes que está presente, seja o original ou uma cópia, pode ser o original ou uma cópia, dependendo, mas o documento é sempre entregue. [(...) estamos a falar do contrato de promessa de compra e venda da dita moradia que a Sr.ª Dr.ª falou há pouco?] Sim. (...) Houve dois negócios, sim! Da empresa concretamente dita, esse não foi mediado por mim, foi mediado pelos Advogados do H..., na altura, ou seja, o Grupo H... tem uma estrutura quando há trespasses de sociedades e quando há cedências em relação a estabelecimentos comerciais, quem trata de toda a documentação são os Advogados do H..., é o Dr. II, por norma, e os escritórios até são em Lisboa e a mim pediram-me apoio no contrato particular relativo à moradia. (...) foi tudo feito em conjunto. Portanto, à data, parece-me que ainda, ou estava quase ou estava na iminência o trespasse ou estaria já concluído, não sei se já não estaria concluído o trespasse, creio até, não tenho a certeza absoluta neste momento, não posso confirmar, mas não tenho a certeza, mas não sei se já estaria concluído o trespasse do estabelecimento, não tenho a certeza relativamente a isso. (...) Os Autores foram-me apresentados pelos Réus. [Já era mandatária dos Réus muito antes de conhecer os Autores?] Sim! [Foram os Réus que, como é que eu hei de dizer isto, que aconselharam a Sr.ª Dr.ª...] Sr. Dr.! Eu não lhe vou responder a essa pergunta, porque isso entendo que é sigilo profissional. [Eu peço desculpa, peço desculpa!] O que eu lhe posso dizer é o seguinte: a minha intervenção foi consentida e solicitada por todas as partes intervenientes. Eu era mandatária da sociedade dos Réus, como ainda o sou hoje da G... que quem é gerente é o Sr. AA, portanto eu trabalho com a G... desde 2010, a G... teve como gerente o Sr. CC até sensivelmente 2019, de 2019 em diante o gerente passou a ser o Sr. AA com quem eu trabalho até ao dia de hoje. [Com quem passou a trabalhar a partir dessa altura?] Exatamente! [A Sr.ª Dr.ª não me vai levar a mal, mas eu vou-lhe insistir nesta pergunta, penso que não viola nenhum dever. À data em que foi assinado este contrato promessa de compra e venda, da dita moradia, a Sr.ª Dr.ª não era mandatária dos Autores?] Já disse que não, Sr. Dr.! Na data em que eu, deixe-me esclarecer o seguinte (...) e até digo mais, até tenho muita pena efetivamente de não ter sido levantado o sigilo profissional porque, acima de tudo e para além do interesse das partes neste processo, em causa está o meu desempenho profissional e está a EE enquanto Advogada. (...) Deixe-me só dizer-lhe isto, eu nunca teria, nunca tive em 20 anos que exerço, nunca tive nenhuma intervenção em que não houvesse consentimento das partes envolvidas, ok? Sempre pautei o meu comportamento por aquilo que é, por aquilo que são, e o Sr. Dr. como Advogado sabe, as nossas obrigações legais enquanto profissional e deontológicas, portanto, nunca eu tomei as dores de nenhum cliente em virtude de violar ou ultrapassar aquilo a que estou obrigada, até porque os clientes vão e vêm e a nossa dignidade fica sempre e o nosso nome, portanto Sr. Dr. ... [A Sr.ª Dr.ª não leve a mal, mas não é minha testemunha, só estou a perguntar aquilo que enfim...] Não, não, eu sei que não, só estou a esclarecer o Tribunal daquilo que eu entendo que posso efetivamente esclarecer.

           d) Esta Relação pôde verificar a exatidão da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a fidedignidade na reprodução (e a correta valoração) de toda a prova produzida em audiência de julgamento.

            A respeito da prova documental, dir-se-á, apenas, que o Mm.º Juiz do Tribunal a quo referiu e analisou o que existe nos autos, contextualizando-o e valorando-o de forma adequada, como decorre da dita fundamentação, pelo que nada mais se impõe dizer.

           4. Tendo em atenção o objeto do litígio e o que decorre da mencionada prova pessoal e documental, conclui-se que a factualidade indicada em II. 2. j), supra, respeita a prova produzida nos autos e em audiência de julgamento, sendo que, até em razão da exigência de (especial) prudência na apreciação da prova pessoal[5], o Mm.º Juiz não terá desconsiderado as regras elementares desse procedimento, inexistindo elementos seguros que apontem ou indiciem que não pudesse ou devesse ponderar a prova no sentido e com o resultado a que chegou, pela simples razão de que não se antolha inverosímil e à sua obtenção não terão sido alheias as regras da experiência e as necessidades práticas da vida[6]

           O Mm.º Juiz analisou criticamente as provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, não se mostrando violados quaisquer critérios ou normas segundo a previsão dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607º do Código de Processo Civil (CPC), sendo que a Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1, do CPC).

           E sabemos que não basta ao recorrente atacar a convicção que o julgador for­mou sobre cada uma ou sobre a globalidade das provas, para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, mostrando-se necessário que cumpra os ónus de especifica­ção impostos pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 640º, do CPC, devendo ainda proceder a uma análise crítica da prova, de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que pretende ver alterados, não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.[7]

           5. Salvo o devido respeito por entendimento contrário, os Réus/recorrentes cingiram-se àquele depoimento de testemunha que arrolaram, indicando e transcrevendo alguns excertos, sem proceder à análise crítica e conjugada de toda a prova produzida nos autos e em audiência de julgamento, quando é certo que o recorrente que se limita a indicar o meio de prova em que funda a impugnação da decisão da questão de facto, sem proceder à determinação da sua relevância e à sua valoração, de modo a tornar patente a violação, pelo decisor de facto, da regra da ciência, da lógica ou da experiência aplicável ao caso, não satisfaz o ónus de impugnação daquela matéria a que lei de processo o vincula. [8]

           Ao contrário dos Réus/recorrentes, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo concretizou e explicitou a valoração dada a cada um dos meios de prova produzidos nos autos, de forma clara e inequívoca, sem margem para dúvidas sobre o resultado dessa valoração/ponderação, de sentido oposto ao da impugnação de facto, resultado esse que esta Relação assim corrobora e confirma, porquanto, além do mais, é evidente que o conteúdo do invocado depoimento nunca poderia suportar/permitir resposta afirmativa ao incluído no questionado ponto da factualidade dada como não provada - cf., sobretudo, II. 3. alíneas b) e c), supra.[9]

            Não se demonstra a violação, pelo decisor de facto, de qualquer regra de ciência, da lógica ou da experiência aplicável ao caso.

           Soçobra, assim, a pretensão dos apelantes visando a modificação da decisão de facto.

           6. A questão suscitada no presente recurso tem vindo a ser debatida pela doutrina e a jurisprudência de forma não uniforme.

           A orientação perfilhada na 1ª instância segue a posição que se crê dominante e, não menos importante, salvo o devido respeito, também se adequa ou ajusta à realidade do caso, como se irá demonstrar.

           7. Em causa a eventual nulidade do contrato-promessa celebrado entre as partes, por omissão do reconhecimento presencial das assinaturas que é imposto pelo art.º 410º, n.º 3, do CC, e o eventual abuso de direito na invocação dessa nulidade.

           Preceitua o referido normativo[10]: “No caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respetiva licença de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.

           O contrato em análise corresponde a uma promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão de direito real sobre edifício; o documento que o incorpora não contém o reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes, omitindo, portanto, a formalidade legal imposta pelo citado art.º 410º, n.º 3.

           A omissão dessa formalidade implica a nulidade do contrato, ainda que tal nulidade seja atípica, na medida em que, ao contrário do que acontece no regime geral da nulidade (art.º 286º do CC), ela não é invocável a todo a tempo por qualquer interessado e não pode ser declarada oficiosamente pelo Tribunal - decorre da norma citada que a omissão daquela formalidade não poderá ser invocada pelo promitente que promete transmitir ou constituir o direito a não ser que tal omissão tenha sido causada culposamente pela outra parte; por outro lado, se a nulidade não pode ser invocada pelo promitente que promete transmitir ou constituir o direito (a não ser na situação que se prevê), também não fará sentido que possa ser invocada por terceiros e declarada oficiosamente pelo tribunal.[11]

           8. Pesem embora as especificidades do regime a que está submetida a invocação da omissão daquela formalidade, parece não haver dúvidas de que estará em causa uma nulidade (atípica) que poderá ser sempre invocada, a todo o tempo, pelo promitente que promete adquirir o direito e que, em determinadas circunstâncias, também poderá ser invocada pelo outro contraente, sem prejuízo da sua preclusão por eventual abuso de direito.[12]

           Daí, em face do exposto, o contrato-promessa em causa nos autos é nulo por omissão das formalidades impostas pelo citado art.º 410º, n.º 3 do CC, e, como tal, os AA. (promitentes-compradores) podiam invocar – como invocaram – essa nulidade a todo o tempo.

           9. A parte final do art.º 410º, n.º 3, do CC – que diz expressamente que o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão do requisito apontado quando a mesma tenha sido culposamente causada pela contraparte permite que o promitente-vendedor demonstre a existência duma situação de abuso do direito de arguir a nulidade do contrato-promessa por inobservância das formalidades legais não apenas quando a falta tenha sido intencionalmente causada pelo promitente-comprador que a invoca em juízo, mas também quando o comportamento deste posterior à conclusão do contrato tenha sido de molde, por um lado, a não pôr em questão a validade do negócio e, por outro, a criar na contraparte a fundada confiança de que ele seria integralmente cumprido.[13]  

10. Incluindo o contrato-promessa uma cláusula por via da qual se dispensa o reconhecimento das assinaturas e que a nenhuma das partes é lícito invocar a nulidade, comprometendo-se a não invocar (a falta de) tal formalidade - como sucede no caso vertente [cf. II. 1. 11), in fine, supra] -, a doutrina e a jurisprudência têm-se divido quanto ao seu significado e alcance.

           Uma primeira corrente admite a “cláusula de renúncia”, com o argumento de que se está perante um direito que se encontra na disponibilidade das partes.[14]

           Uma segunda corrente, que se afigura maioritária, não admite a “cláusula de renúncia”, por violar uma disposição que contém em si um comando de ordem pública social. Considera-se que é nula a cláusula pela qual o promitente-comprador renuncia antecipadamente ao direito de a invocar, para salvaguarda da ordem pública de proteção ou ordem pública social que ditou a norma legal, ou seja, para o proteger da sua própria fraqueza e inexperiência, ligeireza e inadvertência, na tomada de decisão temporã, em branco. A admitir-se a validade de cláusula pela qual o promitente-comprador renuncia antecipadamente ao direito de arguir a nulidade estaria aberta a porta para com a maior das facilidades os promitentes-vendedores incluírem nas promessas uma cláusula de estilo em que as partes declarariam prescindir das formalidades impostas pelo art.º 410º, n.º 3, renunciando à invocação da respetiva omissão, e assim sabotar o sentido e fim de uma norma de proteção da parte mais fraca, o consumidor. Tanto mais incoerente quanto o art.º 830º, n.º 3, veio também impor a irrenunciabilidade antecipada ao direito de exigir a execução específica e a Lei de Defesa do Consumidor é imperativa nos direitos conferidos.

            Estamos perante uma norma de carácter imperativo que visa tutelar, em especial, a posição do promitente comprador, atenta a ordem de grandeza dos interesses patrimoniais envolvidos, obrigando ao reconhecimento presencial, devidamente autenticado, de assinaturas no texto que formaliza o contrato-promessa, como forma de sensibilização e consciencialização, pela sua solenidade, para a importância do ato e para o dever do subscritor de atentar, com toda a seriedade e rigor, em todo o clausulado a que se está dessa forma a vincular (e que na esmagadora maioria dos casos é (pré)elaborado e proposto pelo promitente vendedor).[15]

11. Também se adere a este segundo entendimento, que defende a nulidade de tais cláusulas, razão pela qual se considera nula, nos termos do art.º 220º do CC, a cláusula contratual de contrato-promessa (“décima-segunda”) que estipulou a renúncia de qualquer dos promitentes a invocar a nulidade prevista no art.º 410º, n.º 3, do CC.

           Sendo nula tal cláusula, podiam/podem os AA. promitentes-compradores invocar a nulidade do contrato, sem prejuízo da sua preclusão por eventual abuso do direito.

            12. Segundo o art.º 334º do CC, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

           O abuso do direito, a ajuizar nos referidos termos, aponta de modo inequívoco para as situações concretas em que é clamorosa, sensível, evidente a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjetivo, de carga essencialmente formal, e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou, pelo menos, dos direitos de certo tipo.[16]

Manuel de Andrade e Vaz Serra, para definir ou caracterizar o instituto, falam em direitos exercidos em termos “clamorosamente ofensivos da justiça” e em “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante”.[17]

Mesmo aceitando a autorizada noção do abuso do direito, dada por Castanheira Neves, que o define como “a `contradição´ entre o cumprimento da estrutura formalmente definidora de um direito e a violação concreta do fundamento que material-normativamente constitui esse mesmo direito[18], importa ter sempre presente que a arma realista do legislador, carregada com as munições extremas do art.º 334º do CC, só aponta, por razões óbvias, para os casos de contradição ´manifesta´.[19]

Como exceção perentória inominada, o abuso do direito traduz-se “num problema metodológico-normativo de realização (ou de aplicação) concreta do direito…; o abuso é um modo de ser jurídico que se coloca no trajeto entre a norma e a solução concreta”.[20]

Ocorre esta figura quanto o direito legítimo - e, portanto, razoável, em princípio - é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, ou seja, longe do interesse social e por forma a exceder manifestamente os limites resultantes da boa fé, dos bons costumes ou do fim económico-social do direito.

           O abuso de direito constitui uma válvula de segurança, uma das cláusulas gerais que permitem ao julgador poder obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido.

            No abuso de direito protege-se a tutela da confiança, base de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens, sendo que a nossa lei adotou a conceção objetiva do abuso do direito, isto é, não exige que o titular do direito haja procedido com consciência do excesso ou com “animus nocendi” do direito da contraparte, bastando, pois, que tais limites sejam e se mostrem ostensiva e objetivamente excedidos.

            13. A manifestação mais clara deste abuso é a chamada conduta contraditória (venire contra factum proprium) em combinação com o princípio da tutela da confiança, existindo ainda duas figuras próximas: a renúncia e a “neutralização do direito”.

            A situação objetiva de confiança existe quando alguém pratica um acto - o factum proprium - que, em abstrato, é apto a determinar em outrem a expectativa da adoção, no futuro, de um comportamento coerente ou consequente com aquele primeiro e que, em concreto, efetivamente gera tal convicção (uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura)[21]; por exemplo, a situação objetiva de confiança não surgirá se o factum proprium não influenciar o destinatário, como sucede quando se demonstra que este, independentemente da conduta de outrem, teria agido do mesmo modo.

           Mas, para se apurar se uma conduta abusiva, fundamentada no venire contra factum proprium, não basta concluir pela presença de uma situação objetiva de confiança, havendo ainda que averiguar a existência de mais dois elementos integradores do “facto jurídico da confiança”: o investimento da confiança e a boa fé subjetiva de quem confiou.

           O investimento da confiança corresponde às disposições ou mudanças na vida do destinatário do factum proprium que, não só evidenciam a expectativa nele criada (esse “investimento” foi feito apenas com base na dita confiança), como revelam os danos que, irrefragavelmente, resultarão da falta de tutela eficaz para aquele. Se pelo contrário não se verificar uma relação de causalidade entre o (pretenso) facto gerador da confiança e o “investimento” dessa contraparte, se esta não foi influenciada nas suas decisões e por outros motivos as tomou ou teria igualmente tomado, não se verifica a necessidade de fazer intervir o princípio da proteção da confiança.

           Finalmente, entende-se que a confiança apenas se mostra digna de proteção jurídica se o destinatário se encontrar de boa fé em sentido subjetivo, ou seja, se houver agido na suposição de que o autor do factum proprium estava vinculado a adotar a conduta prevista e se, ao formar tal convicção, tiver tomado todos os cuidados e precauções usuais no tráfico jurídico - cautelas que deverão ser tanto maiores quanto mais vultuosos forem os investimentos inspirados na confiança; estando em causa quantias importantes ou negócios decisivos, não se pode considerar que haja atuado de boa fé quem não procurou, de acordo com as práticas habituais do comércio jurídico, esclarecer o bem fundado do seu juízo.[22]

           14. Não se vê razão para dissentir do enquadramento fáctico e jurídico traçado pela 1ª instância, que seguiu de perto a jurisprudência desta Relação.[23]

            Assim, atenta a factualidade provada, destaca-se e conclui-se:

            - Após a outorga do contrato-promessa os AA. remeteram uma carta aos Réus, datada de 21.02.2020, ou seja, cerca de 9 meses após a outorga do contrato-promessa - cf. II. 1. 20), supra.

           - Entre tais datas, desconhece-se qualquer outra atuação dos AA., com exceção de uma avaliação ao imóvel datada de 05.11.2019, que terá sido realizada no âmbito de uma primeira fase de (frustrado) processo de empréstimo bancário por eles desencadeado - cf., sobretudo, II. 1. 24) e 25), supra, e vejam-se os depoimentos produzidos em audiência pelas testemunhas ligadas à respetiva instituição bancária.

           - Na mencionada carta, os AA. comunicaram recusar comparecer na outorga da escritura do contrato definitivo, solicitando a devolução do sinal prestado, e invocando, designadamente, a nulidade decorrente da omissão de reconhecimento de assinaturas - cf. II. 1. 20).

           - A confiança que os Réus criaram com a assinatura do contrato por parte dos AA. (e pagamento do sinal) durou cerca de nove meses (de 27.5.2019 a 21.02.2020), já que, a partir desse momento, não havia outra razão para acreditar ou confiar que os AA. não iriam invocar a nulidade e que iriam cumprir o contrato.

           - Os Réus tinham, aliás, todas as razões para acreditar que os AA. iriam invocar essa nulidade; em primeiro lugar, porque os AA. já tinham invocado a omissão daquela formalidade e pedido a restituição do sinal e, em segundo lugar, porque, tendo os Réus marcado a escritura, os AA. (a quem também incumbia a marcação...) não compareceram, comunicando-lhes, de imediato, os fundamentos dessa sua atuação - cf. II. 1. 11), 16), 18), 19 e 20), supra.

           - Até à propositura da presente ação - onde se pediu a declaração de nulidade do negócio -, os AA. não adotaram qualquer comportamento contraditório com o exercício daquela pretensão e com base no qual os Réus pudessem ter criado a expectativa legítima de que o contrato iria ser cumprido e a nulidade não seria invocada.

           - A realização de um relatório de avaliação por entidade bancária, em que teve necessariamente de haver uma visita ao imóvel para o efeito - facto que se presume do conhecimento dos Réus - antolha-se insuficiente para fundar ou basear situação de abuso do direito na invocação da nulidade, por pretensa quebra ilegítima da confiança (negocial), atendendo, por um lado, a que tal procedimento, cujo circunstancialismo foi insuficientemente apurado, veio a ser concluído cerca de 5 meses após a celebração do contrato e porque, por outro lado, passados 3 meses e meio, os AA. tornaram bem clara a sua posição naquela sua missiva, dirigida aos Réus, datada de 21.02.2020.

           - Por conseguinte, nada existe em contradição insanável com a postura assumida pelos AA. em fevereiro de 2020, não ocorreu qualquer comportamento contraditório com a invocação da nulidade - nenhum dos demonstrados comportamentos dos AA. era apto a criar nos Réus a convicção de que a nulidade não iria ser invocada e o negócio iria ser cumprido, e também não se provou que estes hajam sido de algum modo influenciados nas suas decisões em virtude da confiança ou convencimento fundado na pretérita atuação dos AA. [cf., por exemplo, II. 2. k), supra].

            - E também não releva o facto de os AA. terem demorado mais de dois anos a propor a presente ação, uma vez que, com a propositura da ação - para obter a restituição do sinal que, sem sucesso, já haviam solicitado - apenas vieram reiterar a posição anteriormente assumida.[24]

           - Acresce que pouco ou nada sabemos relativamente às “circunstâncias” da “cláusula décima-segunda” do contrato-promessa - cf. II. 2. alínea j) e II. 3. a 6, supra.

            15. Concluindo.

           Os AA., em fevereiro de 2020, invocaram, perante os Réus, a omissão da formalidade em causa que era determinante da nulidade do negócio e pediram a restituição do sinal.

           A partir desse momento, não seria legítima e atendível qualquer expectativa que os Réus pudessem ter criado de que o contrato iria ser cumprido e, portanto, é totalmente irrelevante que os AA. não tenham comparecido à escritura que foi marcada pelos Réus (e que, nos termos do contrato-promessa, deveria ser marcada pelos AA.); os Réus marcaram a escritura porque assim o entenderam, sabendo, porém, que o contrato-promessa era nulo e sem que tivessem qualquer razão objetiva para acreditar ou confiar que aos AA. iriam comparecer nessa escritura e não iriam invocar aquela nulidade.

            A matéria de facto que ficou provada não aponta, pois, para uma clamorosa e intolerável ofensa ao princípio da boa fé e ao sentimento de justiça geralmente partilhado pela comunidade que possa justificar a manutenção e cumprimento do contrato-promessa que, por efeito da omissão de uma formalidade, o legislador considerou nulo, atribuindo ao promitente-comprador o direito de invocar essa nulidade a todo o tempo, sendo certo que qualquer confiança ou expectativa legítima que os Réus pudessem ter criado com base no comportamento dos AA. durou cerca de nove meses e essa confiança, desacompanhada de quaisquer outros factos (ou comportamento da parte que, de forma séria e consistente, haja criado a convicção de que tal vício não iria ser atuado), não é relevante, como referimos, para paralisar o direito atribuído aos AA. de invocar a nulidade do contrato com fundamento na falta de reconhecimento presencial das assinaturas no contrato-promessa.[25]

           Porque os AA. não adotaram um comportamento que, por ser reiterado e consistente, tivesse idoneidade para criar nos Réus a convicção séria, legítima e atendível de que iriam cumprir o negócio[26] e não iriam invocar a nulidade, não resta alternativa à improcedência da excepção perentória do abuso do direito[27], impondo-se, assim, declarar a nulidade do contrato aludido em II. 1. 10) a 13), supra, com a consequente devolução/restituição do sinal prestado (art.º 289º, n.º 1 do CC) e o mais peticionado.[28]

           16. Soçobrando, desta forma, todas as “conclusões” da alegação dos Réus, o recurso improcede e fica prejudicado o conhecimento da ampliação do âmbito do recurso, pedido pelos AA./recorridos, por via subsidiária.                 


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III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.                  

            Custas pelos Réus/apelantes.  


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26.11.2024

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[1] Introduziu-se alguma sintetização/simplificação.
[2] Retificou-se lapso manifesto (cf. documento de fls. 67/68).
[3] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[4] Tratando-se, sim, de uma moradia em madeira e com as demais caraterísticas indicadas em II. 1. 7) e 8), supra.
[5] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 277.
[6] Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 192 e nota (1) e Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ, 110º, 82.
[7] Cf., de entre vários, acórdãos da RC de 17.6.2014-processo 405/09.1TMCBR.C1, 03.3.2015-processo 1381/12.9TBGRD.C1 [tendo-se concluído: “Fundamentando-se o recurso de facto na desconformidade entre a prova documental e a factualidade que veio a ser demonstrada, não basta remeter para o teor do documento, recaindo sobre o recorrente o ónus de indicar eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito, especificando os fundamentos da sua discordância, os motivos que justificam que o documento conduza a um juízo diferente do efetuado pelo juiz.”] e 22.9.2015 processo 198/10.0TBVLF.C1 [constando do respetivo sumário: (…) não basta ao recorrente atacar a convicção que o julgador for­mou sobre cada uma ou sobre a globalidade das provas, para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, mostrando-se necessário que cumpra os ónus de especifica­ção impostos pelos n.ºs 1 e 2, do art.º 640º do Novo C. P. Civil, devendo ainda proceder a uma análise crítica da prova, de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que pretende ver alterados, não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.”], publicados no “site” da dgsi.
[8] Cf. ainda, nomeadamente, acórdão da RC de 24.02.2015-processo 1265/05.7TBPBL.C1, publicado no “site” da dgsi.

[9] Tendo-se como inteiramente pertinente e verosímil, o assim expresso na resposta à alegação de recurso: «Quem não reparou nos acabados de mencionar lapsos graves, de identificação do próprio objeto do CPCV inclusive e não os corrigiu na hora ou naquela ocasião, necessária e forçosamente não esclareceu os recorridos – para o que importa aqui – do alcance, necessidade e das consequências do não reconhecimento presencial das respetivas assinaturas no contrato.»

   Cf., ainda, II. 3. b) e “nota 4”, supra.

[10] Na redação conferida pelo DL n.º 116/2008, de 04.7 (idêntica à do DL n.º 379/86, de 11.11), sendo que o regime primitivo foi criado pelo DL 236/80, de 18.7.

[11] Assim se considerou nos Assentos n.ºs 15/94 e 3/95 (hoje com valor de jurisprudência uniformizada e que mantêm atualidade), publicados, respetivamente, no DR, I Série, de 12.10.1994 e DR, I Série-A, de 22.4.1995.

[12] Vide, nomeadamente, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 361; Antunes Varela, Emendas ao regime do contrato-promessa, RLJ, 119º, págs. 359 e seguinte e J. Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 2010, 13ª edição, págs. 78 e seguintes e, de entre vários, acórdãos do STJ de 05.7.2007-processo 07B2027, 29.11.2011-processo 2632/08.0TVLSB.L1, 04.7.2013-processo 176/03.5TBRSD.P1.S1 e 26.10.2022-processo 5261/20.6T8BRG.G1.S1 e da RC de 03.5.2016-processo 1159/14.5TBCLD.C1, publicados no “site” da dgsi.             

[13] Cf. acórdão do STJ de 29.11.2011-processo 2632/08.0TVLSB.L1, publicado no “sote da dgsi.

[14] Vide F. Gravato Morais, Contratos-Promessa em Geral. Contratos-Promessa em Especial, Almedina, 2009, págs. 278 e seguinte, que refere: “Quanto ao facto de os promitentes prescindirem do reconhecimento presencial das assinaturas, renunciando assim à invocação da nulidade do contrato promessa, cremos que nada obsta a que tal aconteça. Trata-se de um direito que, atentos os interesses em jogo, se entende disponível. Embora a regra, através do assinalado reconhecimento, vise dar uma dimensão solene ao acto, e, consequentemente, conferir mais segurança às partes, a cláusula de renúncia ficaria afetada se, v.g., houvesse lugar a falsidade da assinatura ou à sua comprovação por pessoa legitimada. E isso é atacável noutra sede.”

  Na jurisprudência, cf., designadamente, acórdãos do STJ de 27.6.2002-processo 02B1948, RC de 29.5.2007-processo 604/04.2TBMMV-A.C1 e RP de 09.10.2012-processo 7883/10.4TBVNG.P1 (com voto de vencido), publicados no “site” da dgsi.

[15] Vide J. Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, cit., págs. 79 e seguinte.

   No mesmo sentido, cf., de entre vários, os citados acórdãos do STJ de 05.7.2007-processo 07B2027 [com o sumário: «(...) 2. A omissão dos requisitos prescritos no n.º 3 do art.º 410º do C. Civil conduz a uma invalidade arguível a todo o tempo, subtraída ao conhecimento oficioso do tribunal, e apenas invocável pelos contraentes, mas, quanto ao promitente-vendedor, apenas no caso de a falta ser imputável ao promitente-comprador. Trata-se, pois, de uma nulidade atípica. (...) 4. O não reconhecimento notarial das assinaturas acarreta a nulidade do contrato, sendo irrelevante o facto de, previamente ao acto de assinatura do contrato, as partes, por mútuo acordo, dispensaram as referidas formalidades. 5. A nulidade só não ganhará consistência em caso de abuso de direito.»], 04.7.2013-processo 176/03.5TBRSD.P1.S1 [tendo-se concluído: «I - A nulidade atípica prevista no art.º 410º, n.º 3, do CC – falta de reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes – não é de conhecimento oficioso, carecendo de ser invocada pelas partes. II - Sendo a nulidade invocada pelos promitentes-compradores, a mesma pode ser feita a qualquer tempo, nem necessidade de mais; sendo invocada pelo contraente que promete transmitir ou constituir o direito, fica dependente de a omissão dos requisitos ter sido culposamente causada pela outra parte. III - Não obstante do contrato-promessa constar que se dispensa “o reconhecimento das assinaturas, e que a nenhuma das partes outorgantes é lícito invocar qualquer nulidade, seja a que título for, designadamente daí adveniente”, uma cláusula com este teor é nula por contrariar uma norma de interesse e ordem pública, que pretende defender os promitentes compradores – normalmente a parte mais fraca – contra a sua fraqueza negocial. (...)»] e 26.10.2022-processo 5261/20.6T8BRG.G1.S1 [sumariando-se: «I – O artigo 410º, n.º 3, do Código Civil, estabelece uma norma de carácter imperativo que visa tutelar, em especial, a posição do promitente comprador, atenta a ordem de grandeza dos interesses patrimoniais envolvidos, obrigando ao reconhecimento presencial de assinaturas (devidamente autenticado) no texto que formaliza o contrato promessa como forma de sensibilização e consciencialização, pela sua solenidade, para a importância do acto e para o dever do subscritor de atentar, com toda a seriedade e rigor, em todo o clausulado a que se está dessa forma a vincular (e que na esmagadora maioria dos casos é (pré)elaborado e proposto pelo promitente vendedor). II – Constitui um exercício de incontornável ilogicidade permitir que esse escrito – que não contém a obrigatória assinatura presencial, devidamente certificada, do promitente comprador – possa, afinal e simultaneamente, comportar uma cláusula que visa diretamente frustrar o desiderato que a lei visou alcançar, impedindo o promitente transmissário (não sensibilizado ou alertado pela obrigação de reconhecimento presencial da sua assinatura) de invocar a nulidade estabelecida para sua especial proteção. III – Sendo o segmento da norma em causa de cariz imperativo e de interesse público, nada vale a inclusão no texto do contrato promessa de uma cláusula, pretensamente consensual, que se propõe produzir o efeito prático contraditório de tornar não obrigatória uma formalidade que a lei expressamente impõe como tal. (...) V – Pelo que é nula, nos termos do artigo 220º, do Código Civil, a cláusula contratual de contrato promessa que estipula a renúncia de qualquer dos promitentes a invocar a nulidade prevista no artigo 410º, n.º 3, do Código Civil.»].
[16] Vide Antunes Varela, Das obrigações em geral, Vol. I, 8ª edição, págs. 552 e seguintes e RLJ, 128º, 241.

[17] In Teoria Geral das Obrigações, pág. 63 e BMJ, 85º, 253, respetivamente.

[18] In Questão de facto-Questão de direito, I, Almedina, 1967, pág. 524.
[19] Cf. Antunes Varela, RLJ, 128º, 241.
[20] Vide Castanheira Neves, ob. cit., pág. 528.
[21] João Baptista Machado, no estudo Tutela da Confiança e “Venire Contra Factum Proprium”, in Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Ivridica, Braga, 1991, pág. 417, admite, contudo, que “em certos casos, a simples passividade pode bastar para criar uma situação de confiança”.     
[22] Vide João Baptista Machado, ob. cit., págs. 352 e 416 a 419 e M. J. Almeida Costa, RLJ, 129º, págs. 61 e seguinte.

   Cf., na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do STJ de 09.5.1991, 03.10.1991, 12.7.1994, 28.11.1996, 21.11.2000, 21.01.2003-processo 02A4233, 07.4.2005-processo 05B796, 07.02.2008 e 28.02.2008, in BMJ, 407º, 551 (tendo-se concluído, nomeadamente: “O instituto do abuso do direito – art.º 334º do CC – não deve constituir panaceia fácil para todo e qualquer situação de exercício excessivo de um direito, em que o respetivo excesso não seja manifesto ou que só aparentemente se apresente como manifestamente excessivo.”) e 410º, 776; CJ-STJ, II, 2, 176; IV, 3, 118 (constando do respetivo sumário: “O abuso do direito pressupõe a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito e casos em que se excede os limites impostos pela boa fé.”) e VIII, 3, 130; “site” da dgsi e CJ-STJ, XVI, I, págs. 77 e 122, respetivamente, bem como, por exemplo, os citados acórdãos de 05.7.2007-processo 07B2027, 29.11.2011-processo 2632/08.0TVLSB.L1, 04.7.2013-processo 176/03.5TBRSD.P1.S1 e 26.10.2022 - processo 5261/20.6T8BRG.G1.S1.
[23] Cf., sobretudo, o cit. acórdão de 03.5.2016-processo 1159/14.5TBCLD.C1.

[24] Neste contexto, relevam, ainda, as suspensões de prazos e as dificuldades inerentes à crise pandémica que a todos afetou - cf., nomeadamente, art.º 7º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 (com a redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06.04); Lei n.º 16/2020, de 29.5; art.º 6º-B, n.º 1, aditado à Lei n.º 1-A/2020 pela Lei n.º 4-B/2021, de 01.02.

[25] Considerando que o mero decurso do tempo não torna abusiva a invocação de tal nulidade, cf., por exemplo, o cit. acórdão do STJ de 04.7.2013-processo 176/03.5TBRSD.P1.S1.

[26] E não era necessário invocar factos como o aludido em II. 2. b), supra, nada se podendo objetar ao que a esse respeito se consignou na motivação da decisão sobre a matéria de facto (sublinhado nosso):

   «O facto b) foi dado como não provado por diversas razões. A primeira é imediata. Os Autores foram ouvidos em declarações e depoimento de parte e não mostraram quaisquer problemas na fala ou entendimento da língua portuguesa. Por outro lado, muito se estranha tal alegação visto que os próprios juntaram uma carta supostamente da sua própria produção intelectual ou lavra (documento n.º 4 junto com a petição inicial) e espelhado nos factos provados que não se coaduna com a de uma pessoa que tenha quaisquer limitações no entendimento da língua portuguesa. (...)»

[27] Não assim, designadamente, nas situações aludidas nos citados acórdãos do STJ de 29.11.2011-processo 2632/08.0TVLSB.L1 e 26.10.2022-processo 5261/20.6T8BRG.G1.S1 [explicitando-se, na fundamentação: «(...) olhando com atenção para os factos provados verifica-se que a autora agiu ao longo de vários meses até à propositura da causa como se o contrato fosse inteiramente válido, jamais dando a entender à contraparte, fosse por que modo fosse, que iria servir-se da irregularidade formal do negócio para, com base nela, obter a sua anulação. (...)»; «Atuam em abuso de direito os promitentes compradores que efetuaram, ao longo de meses, diversas e elucidativas comunicações dirigidas à Ré, promitente vendedora, assentes, todas elas e coerentemente, na plena pressuposição (para eles) da intocada validade do contrato promessa que subscreveram (sem a formalidade legal necessária), e cujo clausulado manifestaram a firme , clara e inequívoca intenção de aceitar (procurando inclusive tirar dele proveito pessoal), apenas se tendo lembrado de invocar o vício formal previsto no artigo 410º, n.º 3, do Código Civil aquando da interposição da presente ação, quase um mês após terem entregue a chave do imóvel à Ré. Existe, portanto, na situação ´sub judice`, um caso de inalegabilidade do vício formal do negócio que impede os ora AA. de obterem a declaração da invalidade que peticionam.»] e, por exemplo, no acórdão da RC de 19.12.2018-processo 752/17.9T8LRA. C1 (subscrito por dois elementos do presente coletivo - relator e 1º adjunto) [concluindo-se: «(...) 3. Em situações excecionais e bem delimitadas, pode decretar-se, ao abrigo do instituto do abuso de direito, a inalegabilidade pela parte de um vício formal do negócio jurídico, decorrente da preterição das normas imperativas que, com base em razões de interesse público, regem a forma do ato: porém, esta solução – que conduz ao reconhecimento do vício da nulidade, mas também à paralisação da sua normal e típica eficácia - carece de ser aplicada com particulares cautelas, não podendo generalizar-se ou banalizar-se, de modo a desconsiderar de modo sistemático o conteúdo da norma imperativa que regula a forma legalmente exigida para o ato. 4. Em consonância com esta orientação geral, pode admitir-se a paralisação da invocabilidade da nulidade por vício de forma, com base num censurável venire contra factum proprium, quando a conduta das partes, sedimentada temporalmente, se traduziu num cumprimento do contrato, sem quaisquer focos de litigiosidade relevante, assumindo aquelas inteiramente os direitos e obrigações dele emergentes e criando, com tal estabilidade da relação contratual, a fundada e legítima confiança na contraparte em que se não invocaria o vício formal, verificado aquando da celebração do ato. (...)»], publicado no “site” da dgsi.  

[28]Versando situação com alguma similitude, cf. o cit. acórdão da RC de 03.5.2016-processo 1159/14.5TBCLD.C1 [com o sumário: «I – A falta de reconhecimento presencial das assinaturas num contrato-promessa onde essa formalidade era imposta pelo art.º 410º, n.º 3, do Código Civil determina a nulidade do contrato e tal nulidade, não obstante ser atípica – porque nem sempre pode ser invocada pelo promitente que promete transmitir ou constituir o direito e porque não pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal –, pode ser sempre invocada, a todo o tempo, pelo promitente que promete adquirir o direito, salvo se a sua invocação, dadas as circunstâncias em que é exercida, corresponder a abuso de direito. II – O abuso de direito, na modalidade de ´venire contra factum proprium` – que, conforme entendimento doutrinal e jurisprudencial, poderá assumir relevância como forma de paralisar os efeitos da nulidade do negócio – pressupõe um determinado comportamento anterior que é incompatível ou contraditório com essa invocação; não basta, para o efeito, um acto isolado praticado pouco tempo após a celebração do negócio, antes se exigindo um comportamento consistente e reiterado que seja bastante para criar no outro contraente uma confiança séria e legítima de que a nulidade não irá ser invocada, de tal modo que o exercício desta pretensão – que vem defraudar a expectativa e confiança adquirida com base naquele comportamento anterior – corresponda a uma clamorosa e intolerável ofensa ao princípio da boa fé e ao sentimento de justiça geralmente partilhado pela comunidade. III – Não obstante ter assinado o contrato (sem o reconhecimento presencial das assinaturas) e não obstante ter chegado a efetuar (um mês depois) uma proposta de ir habitar a casa mediante um reforço do sinal, não atua com abuso de direito o promitente-comprador que, dois meses após a celebração do contrato, vai pedir ao outro contraente a devolução do sinal, invocando a omissão daquela formalidade e que, além do mais, não procede à marcação da escritura (o que deveria suceder uns meses depois) e não comparece à escritura marcada pelo outro contraente, vindo a intentar, um ano depois, uma ação onde pretende obter judicialmente a declaração de nulidade e a restituição do sinal; o comportamento do promitente-comprador onde poderia radicar a confiança ou expectativa criada na outra parte foi invertido quando haviam decorrido apenas dois meses sobre a celebração do contrato – sendo que, após esse momento, o comportamento adotado, além de compatível, fazia mesmo prever o exercício do direito de invocar a nulidade – e esse comportamento inicial não assume o carácter reiterado e consistente que seria necessário para fundar uma confiança séria e legítima que seja atendível para efeitos de paralisar o exercício do direito de invocar a nulidade do negócio.»].

   Veja-se, ainda, a posição (idêntica, quanto ao efeito ou consequência) expressa por F. Gravato Morais, ob. cit., pág. 282, na base do expendido no cit. acórdão do STJ de 05.7.2007-processo 07B2027 - “Noutras circunstâncias, porém, a factualidade provada não permite concluir pela criação de uma situação de confiança na outra parte que a levasse a deduzir que tal invalidade não seria arguida. Assim se entendeu, v. g., no Ac. STJ, de 5.7.2007: apesar do acordo entre as partes que prescindiram das formalidades, não se conseguiu apurar os seus contornos, de quem partiu tal iniciativa, bem como as suas motivações, pelo que inexistiu fundamento para considerar a atuação do promitente-comprador no quadro do abuso do direito.