I - Salvo relevante fator obstaculizante, o menor deve ser confiado ao progenitor que constitua para si a figura parental primária de referência –Primary Caretaker-, ou seja, que com ele mantenha uma consistente, sólida e preponderante, não apenas relação de proteção material, como, principalmente, de afetividade.
II - Inexistindo tal figura, sendo ambos os progenitores pais psicológicos, com os filhos bem se relacionando, e tendo ambos condições económico financeiras e habitacionais semelhantes, um fator determinante para atribuição da guarda normal é a maior estabilidade vivencial e emocional de um deles.
III - Não obstante a reforma de 1995 alargar, em tese, a atuação com má fé, esta, em concreto, apenas pode ser declarada, - vg. atentos os efeitos infamantes da mesma -, se se provarem factos dos quais se possa concluir, sem margem para dúvidas, sobre tal atuação, não bastando, sem mais, uma atitude incongruente/contraditória, de génese emocional e sem influência na causa.
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
1.
AA, instaurou contra BB ação de alteração das responsabilidades parentais relativamente aos filhos de ambos, CC e DD.
Alegou, em síntese:
Cansaço, seu, e dos filhos, face ao atual regime de visitas fixado que implica deslocações mensais entre a Covilhã e Lisboa.
Pediu:
Que os menores ficassem entregues à mãe, em Lisboa, e ele comparticipasse com a pensão que esta está a pagar.
Em sede de ATE AA confirmou a sua alegação e pretensão.
A mãe BB concordou com a alteração.
A 30 de novembro de 2023, em sede de conferência de pais, pelo progenitor foi referido, em súmula, que não pediu a alteração da residência das crianças e que em sede de ATE não aceitou a alteração da residência.
Face à posição assumida pelo progenitor na diligência foram pai e mãe notificados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 39.º n.º 4 do RGPT, para, em 15 dias, apresentarem alegações e juntarem requerimento probatório.
A mãe pediu que seja fixada a residência das crianças junto de si.
O pai disse que desistia do pedido de alteração de residência dos menores e entrega da guarda destes à mãe.
Referiu que o e.mail que enviou ao tribunal em 19 de Março de 2023, e que foi autuado como processo de alteração das responsabilidades parentais, não passou de um “desabafo” do Requerente, que é cidadão natural do Congo e não domina a língua portuguesa na perfeição, pois que o que o desagradava era apenas o modo e logística de entrega das crianças à mãe, que implicava que tivesse o que ir de comboio até Lisboa, sair na gare do Oriente, e depois ainda ter que apanhar o metro e um autocarro.
O Digno Curador disse que o progenitor compreende perfeitamente a língua portuguesa e expressa-a bem, pronunciando-se pelo indeferimento da pretensão do pai e a condenação deste como litigante de má fé.
Realizou-se audiência de julgamento.
2.
Seguidamente foi proferida sentença na qual foi alterado e fixado o regime das responsabilidades parentais nos seguintes termos:
«DECISÃO DE ALTERAÇÃO DO REGIME DE EXERCÍCIO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS NOS SEGUINTES TERMOS:
A –
A.1 - As responsabilidades parentais, relativamente às questões de particular importância para a vida das crianças serão exercidas por ambos os progenitores, salientando-se, nesta parte, que são consideradas «questões de particular importância para a vida» da criança, nomeadamente as seguintes: decisão sobre cuidados de saúde, nomeadamente intervenções cirúrgicas, saída da criança para o estrangeiro, quer em turismo, quer em mudança de residência com algum carácter duradouro, decisões sobre a educação, nomeadamente a escolha de estabelecimento de ensino, decisões de administração de bens, obtenção de licença de condução de ciclomotores, educação religiosa (até aos 16 anos), participação em programas de televisão, prática de atividades desportivas que importem riscos, autorização para contrair casamento, orientação profissional, propositura de ação – ou queixa – em sua representação processual.
A decisão nas questões da vida corrente da criança será tomada pela progenitora.
B – Residência e confiança habitual
B.1 – As crianças ficam confiadas aos cuidados da mãe, e residindo habitualmente com esta, na morada que a mesma tiver.
B.2 – A progenitora será a sua encarregada de educação.
C- Visitas/estadias/contactos com o progenitor
Quando as crianças estiverem com o pai, estar-lhe-ão confiadas, mas sem que este possa alterar as orientações gerais fixadas pela progenitora.
O pai visitará os filhos, quando puder, avisando a progenitora, com 48h de antecedência.
D- Férias
D1 - As crianças passarão metade das suas férias escolares de Natal e Páscoa, com cada um dos progenitores.
D2 - As crianças passarão um mês das suas férias escolares de verão com o pai.
D3 - Em datas concretas a combinar entre pai e mãe.
E – Épocas festivas
As crianças passarão, alternadamente, o Natal e passagem de ano, com mãe e pai.
Sendo nos anos pares o Natal com a mãe e a passagem de ano com o pai; invertendo nos anos ímpares.
F - Prestação de Alimentos
F.1 - A título de alimentos para cada uma criança, o pai entregará à mãe, mensalmente, a importância de 75,00 euros, até ao dia 08 de cada mês, através de transferência bancária para a conta da mesma, com IBAN indicado nos autos.
F.2 - Todos os encargos escolares e circum-escolares, nomeadamente no que respeita ao material de apoio tido por necessário às crianças, que resultem do sistema do ensino publico obrigatório, serão suportados em idêntica proporção por ambos os progenitores (50% por cada um dos progenitores).
Sendo os recibos titulados em nome da criança, que serão enviados pela progenitora ao progenitor, para o E-Mail indicado nos autos.
F.3 - As despesas de saúde, médicas e medicamentosas, relativas à criança não cobertas pela Segurança Social, nem por qualquer outro sistema ou subsistema de saúde, serão suportadas, em idêntica proporção por ambos os progenitores (50% por cada um dos progenitores).
Sendo os recibos titulados em nome da criança, que serão enviados pela progenitora ao progenitor, para o E-Mail indicado nos autos.
F.4 - A despesa deve ser comunicada no prazo de 30 dias.
F.5 – A quantia atinente a metade destas despesas a suportar pelo progenitor será paga no prazo de 10 dias após a comunicação, por transferência bancária para o IBAN/NIB indicado nos autos.
*
β – O presente regime entra em vigor 3 dias após o final do presente ano lectivo de 2023/2024 da CC.
*
γ -
Profere-se outrossim decisão de condenação do progenitor como litigante de má fé, condenando-o em multa que se fixa em 5UCS.
2. Valor da acção: € 30.000,01.
3. Custas pelo progenitor, sem prejuízo de decisão de benefício quanto a benefício de apoio judiciário.»
3.
Inconformado recorreu o pai.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1- O Progenitor, ora Recorrente, é cidadão natural do Congo, e não domina, na perfeição, a língua portuguesa. Cfr. facto dado como provado no ponto 47. da sentença ora em crise;
2. – Quando dirigiu o e.mail ao Tribunal “ a quo” do qual consta a expressão “Peço às vocês que detem autoridade nesse processo passar a guarda à BB, que se acha pronta e responsável à cuidas dos filhos. E ficarei eu à pagar o valor que ela paga da pensão”, o Recorrente não pretendia a alteração da residência dos menores.
3. – O Recorrente contextualizou as suas razões, e tal frase não pode ser entendida no seu sentido literal absoluto.
4. – Ao apenas considerar o sentido literal da mesma, sem levar em linha de conta o demais e posteriormente explicado pelo Progenitor, o Tribunal “a quo” fundou a sua convicção num pressuposto errado.
5. – Acresce que, ao qualificar a adesão da mãe, no sentido da concordância desta com o teor literal da supra referida expressão, como se de um verdadeiro pedido reconvencional se tratasse, o Tribunal “a quo” violou e fez uma errada interpretação e aplicação do estipulado nos Arts.º 266.º e 583.º do C.P.C., aplicáveis por remissão do Art.º 33.º do RGPTC
6. – Ademais que o requerido pela Progenitora não cumpre os requisitos previstos no Art.º 583.º do C.P.C., sendo, por isso, inadmissível.
Sem se conceder, e ainda que assim não fosse,
7. - Não considerando a explicação que o Recorrente trouxe aos autos, acerca da forma como mal se exprimiu acerca do que era verdadeiramente a sua pretensão, fez o tribunal “a quo” também uma errada interpretação e aplicação do Art.º 42.º do RGPTC.
8. – Razão ou circunstância superveniente alguma , objectiva ou subjectiva, justifica a aplicação do supra citado preceito legal, e a consequente alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais em vigor, que se devería ter mantido. Finalmente,
9. – O comportamento processual do Requerente Progenitor não é, nem pode ser, subsumível a qualquer uma das alíneas do Art.º 552.º do C.P.C., pelo que, ressalvado que seja o maior respeito por opinião diversa, mal andou o Tribunal “quo” ao condená-lo como litigante de má fé.
Ainda e sempre sem se conceder e por mera cautela de patrocínio,
10.- A condenação como litigante de má fé do ora Recorrente, na multa de 5 uc’s para além de infundada e injustificada, mostra-se ainda exagerada e exorbitante, carecendo sempre de ser reduzida ao mínimo legal.
Contra alegou o Digno Magistrado do MºPº pugnado pela manutenção do decidido, com s seguintes argumentos finais:
I-É, o superior interesse da criança, o critério legal orientador que deve ser tido em conta na determinação de qual o progenitor a quem a menor deve ficar confiada (quando não é possível que seja confiada a ambos).
II- A guarda da criança deve ser confiada ao progenitor que promove o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, que tem mais disponibilidade para satisfazer as suas necessidades e que tem com a criança uma relação afetiva mais profunda.
III- O interesse superior da criança define-se como o interesse que se sobrepõe a qualquer outro interesse legítimo, seja o dos pais, seja o dos adultos terceiros.
No caso em apreço face à manifestação do pai de estar cansado de cuidar das crianças, não restava outra alternativa ao tribunal a não ser fixar a residência junto da mãe e fixar um regime de visitas das crianças ao pai.
Pelo exposto deve negar-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos
4.
Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:
1ª – Manutenção da guarda e residência dos menores com o pai.
2ª - Inexistência de má fé do progenitor.
5.
Foram dados como provados os seguintes factos:
1. CC nasceu em ../../2017.
2. DD nasceu em ../../2019.
3. São filhos de BB e de AA.
4. Por sentença proferida nos autos de regulação do exercício das responsabilidades ficou decidido que:
1- CC e DD, filhos de BB e AA, ficam a residir com o pai, que exercerá as responsabilidades parentais inerentes aos atos de vida corrente daqueles.
2- As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos filhos, tais como saúde, educação, actividades de lazer e formação moral e religiosa dos menores, são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
3- Os menores estarão com a mãe na folga semanal desta que passará a ser à segunda-feira a partir da segunda semana de Março, indo esta buscá-los a casa do pai pelas 10h00 e levá-los a casa do pai pelas 18h30.
4- Os menores não podem sair de Portugal sem autorização escrita de ambos os progenitores, com assinatura reconhecida notarialmente.
5- O pai paga na totalidade a creche dos menores e as despesas de saúde dos mesmos.
6- A título de alimentos a mãe contribuirá com a quantia de 75,00€ (setenta e cinco euros) mensais, para cada menor, a pagar até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária na conta do pai cujo IBAN é ...28.
7- O valor supra referido será atualizado anualmente, de acordo com o índice de inflação do I.N.E. a partir de Março de 2021.
5. Por sentença proferida em 08.10.2020, nos autos de Incumprimento das responsabilidades parentais, ficou decidido que:
1- Os progenitores alteram a cláusula 3ª da regulação do exercício das responsabilidades parentais que passa a ter a seguinte redacção:
“As crianças estarão com a mãe de 15 em 15 dias nas folgas rotativas desta, devendo a mãe comunicar ao pai as datas das suas folgas assim que tiver conhecimento das mesmas, e sendo as deslocações das crianças asseguradas de forma alternada entre os progenitores.”
2- Aditam a seguinte cláusula à regulação do exercício das responsabilidades parentais:
Quando a mãe tiver 4 dias seguidos de folga, as crianças ficarão com a mãe na residência desta durante aquele período.
6. Por sentença proferida a título provisório e cautelar em 04.02.2020, ficou decidido que:
“1. Visitas/contactos"
1.1 - A progenitora poderá visitar as crianças, de 15 em 15 dias, nas suas folgas, devendo a mesma deslocarse a esta cidade da Covilhã, comunicando ao progenitor, com a antecedência mínima de 48 horas.
7. Por sentença proferida em 27.10.2021 ficou decidido que:
“1. Visitas/contactos com a progenitora "
1.1 - A progenitora poderá estar com os filhos, o primeiro e o terceiro fim de semana, de cada mês.
1.2 A progenitora vem buscar os filhos ao local de residência dos mesmos com o pai.
1.3 O pai vai buscar os filhos ao local de residência da progenitora.
1.4 Em horários e moldes a acordar entre mãe e pai.
8. A favor das crianças foi aplicada a medida de promoção e proteção de apoio junto do pai, entretanto, declarada cessada.
9. A 30.11.2022 foi profira a seguinte decisão, transitada:
1 Visitas/estadias com a progenitora não residente.
1.1. As crianças passarão com a mãe a última semana de cada mês.
1.2 A progenitora vem buscar os filhos ao local de residência dos mesmos com o pai.
1.3 O pai vai buscar os filhos ao local de residência da progenitora.
1.4. Os horários das visitas/entregas serão a intermediar pela EMAT/CAFAP
10.Após conversa havida com técnica da EMAT, que acompanha a execução do decidido, o progenitor entendeu que, durante o período de pendência da acção de alteração da Regulação do Regime das Responsabilidades Parentais, não tinha que cumprir o decidido em sede de RRP, nomeadamente, quanto ao regime de visitas/estadas dos filhos com a progenitora.
11. Após essa conversa o progenitor não tem permitido que os filhos estejam com a mãe.
12. CC frequenta estabelecimento de ensino púbico obrigatório, desde o inico do presente ano lectivo de 2023/2024.
13. A 25.01.2023 AA estava cansado face regime de visitas fixado, solicitando alteração do mesmo.
14. A 20.03.2023 AA continuava cansado face ao RRP fixado, pedindo a sua alteração:
justificando:
- acordar 3-4 vezes por noite para cuidar do filho mais novo em caso de desconforto às vezes,
- levar para escola e ir buscar e às vezes também se prejudicando com seu serviço devidos aos horários rotativos.
- cozinhar para os filhos e bem como outras coisas que se seguem.
- passa 3 semanas a cuidar das crianças, escola, creche, etc...da casa.
- mudança dos locais da recolha das crianças em Lisboa 3 vezes, cujo o terceiro e último local CCA situado na rua (Rua ..., ...,... Lisboa), para chegar deve ainda apanhar 2 transportes (metro ou autocarro) depois de sair de autocarro da Covilhã para Lisboa,
15. Em sede de ATE, AA, confirmou que em março de 2023, solicitou a alteração da regulação das responsabilidades parentais e que a sua proposta se mantinha.
16. Tomou esta decisão por se sentir muito cansado: dorme mal porque os filhos acordam várias vezes de noite, tem de trabalhar no dia seguinte, tem refeições para fazer, roupa e casa para limpar, levá-los e ir buscá-los à escola e ainda ter que se deslocar todos os meses a Lisboa para os ir buscar.
17. O progenitor entendia que estava a ser muito complicado e difícil.
18. O progenitor verbalizou não aguentar mais esta situação.
19.AA trabalha para a empresa A..., Unipessoal, LDA., auferindo um vencimento de 748,12€ (varia 2 ou 3€/mês), acrescido de 270€ de subsídio de carácter mensal. Recebe 375€ de prestações familiares dos filhos.
20.Em sede de ATE AA sugeriu que os filhos residissem com a progenitora, mais sugeriu o seu regime de visitas/estadias com os filhos, e ainda sugeriu o valor da prestação de alimentos que pretendia pagar a favor dos filhos.
21.BB ao ter conhecimento da solicitação do tribunal e da proposta de AA, anuiu que queria os filhos junto dela.
22.BB trabalha para a empresa B..., Sa, auferindo 760€ de vencimento acrescido de bónus de cerca de 150/200€, não sendo de carácter mensal.
23.Residia num apartamento com outras colegas, sem despesas com a habitação, porque pagas pela empresa.
24.AA tem vivido com os filhos durante estes últimos cerca de 3/4 anos e tem conseguido cuidar dos filhos de forma assertiva, motivo que levou a cessar o PPP que os mesmos tiveram até 22/5/2023, porque sempre cumpriu com as alíneas do acordo PP.
25.Demonstrava ser um pai cuidadoso e preocupado com o bem-estar físico e emocional dos filhos.
26.BB desde que teve conhecimento da morada dos filhos que os tem vindo visitar à Covilhã.
27.Desde a última alteração de convívios, tem vindo mensalmente buscar as crianças estando com ela durante uma semana, nunca faltando a este compromisso.
28.Desde o início que a mãe refere à EMAT, ser sua pretensão ter os filhos a residir com ela.
29.BB tem sido uma mãe carinhosa e preocupada com o bem-estar dos filhos.
30.AA e BB continuam sem comunicar presencialmente, mas vão comunicando por SMS ou e-mail.
31.BB de forma a implementar o acordo obtido em sede de ATE procurou residência a fim de poder dispor de um espaço não partilhado, onde pudesse facultar às crianças uma melhor qualidade e sensação de pertença a um espaço delas, e para o efeito arrendou um imóvel, sito na Rua ..., ..., ..., ....
32.Pese embora a progenitora esteja em teletrabalho, providenciou junto da sua entidade empregadora a atribuição de um horário especial de forma a poder acompanhar os seus filhos com tempo de qualidade.
33.Procedeu à inscrição das crianças em estabelecimento escolar, a fim de não causar nenhum constrangimento às mesmas nas suas rotinas.
34. A 30 de novembro de 2023 o progenitor mudou de pretensão, querendo agora que se mantenha o decidido em sede de RRP.
35. Verbaliza que nunca teve intenção de que os filhos residissem com a progenitora.
36. E que as missivas que dirigiu ao tribunal são desabafos, mal interpretados pelo tribunal, porque, atenta a sua nacionalidade, não tem o domínio da língua portuguesa.
37.Quando o progenitor se separou da progenitora decidiu mudar o seu centro de vida para a Covilhã.
38. Dificultando o contacto das crianças com a mãe.
39. Profissionalmente a progenitora desempenha funções como assistente na B.... Tem um trabalho estável e desempenha as suas funções em teletrabalho.
40. A progenitora alterou a morada, para um imóvel, onde pudesse residir com os seus filhos, e lhes proporcionar qualidade de vida, com um espaço deles, com sentimento de pertença, e ainda com espaço exterior, para que pudessem brincar e crescer, de forma saudável.
41. De igual forma procurou os equipamentos escolares, situados a poucos metros do móvel supra aludido, tendo procedido à inscrição de ambas as crianças no pré-escolar.
42. O progenitor inscreveu a CC no primeiro ciclo, sem informação prévia à progenitora, assumindo-se como seu encarregado de educação.
43. Apesar de ter conhecimento dessa informação, para poder implementar o peticionado pelo progenitor, a progenitora deslocou-se ao estabelecimento escolar da área da actual residência, para proceder à inscrição da EE, tendo-lhe sido transmitido que seria feita transferência do processo escolar da escola ... para a escola ....
44. O progenitor sempre demonstrou desagrado em se deslocar a Lisboa para as crianças estarem com a progenitora.
45. Colocando sempre em causa a convivência pacífica e harmoniosa das crianças com a progenitora.
46. E obstaculizando todos os contactos com a progenitora, nomeadamente, visitas.
47. O progenitor não domina a língua portuguesa na perfeição.
48. Após a separação dos progenitores, o pai deslocou-se para a Covilhã com os filhos.
6.
Apreciando.
6.1.
Primeira questão.
6.1.1.
Como é consabido, o poder paternal (lato sensu) - presentemente designado, desde a Lei n.º 61/2008 de 3.10., que acolheu o trabalho realizado pela Comissão de Direito da Família Europeu cujo objetivo foi o de harmonizar o Direito da Família na Europa, responsabilidades parentais - é um poder/dever, um poder funcional.
O qual encerra um conjunto de faculdades a exercer não egoísticamente, mas antes com sentido altruísta, e, em certa medida, de forma vinculada, na parte necessária à promoção e proteção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral e harmonioso.
O conteúdo do exercício das responsabilidades parentais e as traves mestras da sua regulação, aparecem-nos esparsamente plasmados em várias disposições.
Assim:
Artº 69º nº1 da Constituição:
« As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.»
Artº 36º nº5 da Constituição:
«Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.»
Artº 1878º nº1 do CC:
«Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens».
Artº 1885º nº1 do CC:
«Cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos».
Artº 40º do RGPTC aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08/09:
1 - Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela.
2 - É estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança, podendo o tribunal, no interesse desta e sempre que se justifique, determinar que tais contactos sejam supervisionados pela equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos que forem ordenados pelo tribunal.
Artº 1906º nº 7 do CC:
«O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores…».
Destarte, verifica-se, como é consabido e aceite, que a pedra de toque, o objetivo primeiro e último da decisão neste processo, é definir um quadro vivencial que para o menor se tenha como o mais adequado e, assim, consecuta a defesa, o mais abrangente possível, dos seus direitos e interesses.
E sendo o «interesse do menor» uma asserção ou conceito vago e indeterminado, urge concretizá-lo/densificá-lo.
Perante os preceitos supra citados têm a doutrina e jurisprudência defendido que os interesses do menor estarão salvaguardados quando se lhe proporcionarem as condições necessárias ao integral desenvolvimento físico, intelectual e moral… ao respeito pelas suas ligações psicológicas profundas e pela continuidade das suas relações afetivas.
Nesta conformidade:
«A escolha do progenitor a quem o menor deve ser confiado deve recair no que esteja em melhores condições de lhe assegurar um desenvolvimento sadio, a nível físico, psíquico, afectivo, moral e social, bem uma correcta estruturação da personalidade» - Ac. da RC de 02.06.2009, p. 810/08.0TBCTB.C1 in dgsi.pt.
Ou, noutra nuance, mas no mesmo sentido:
«No que respeita à guarda, as crianças devem ser confiadas ao progenitor que demonstre ter mais condições para garantir o seu desenvolvimento harmonioso, numa atmosfera de afecto e segurança moral e material» – Ac. da RL 09.06.2009, p. 321/05.6TMFUN-C.L1-7
6.1.2.
Por outro lado, urge atentar que, presentemente, a diretriz instituída no Princípio VI da Declaração Universal dos Direitos da Criança na parte em que rege: «salvo circunstâncias excepcionais, não se deverá separar a criança de tenra idade de sua mãe», bem como as teses jurisprudenciais e doutrinais afins, estão, na nossa ordem jurídica e noutras ordens jurídicas europeias, derrogadas pela nova lei, a qual é emanação das hodiernas circunstâncias ético sociais.
Tal dimana do disposto no artº 1906º, rectius dos seus nºs 1 e 2, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 61/2008 de 31.10, do qual se extrai que «A abstracta igualdade parental afastou definitivamente a regra da primazia da mãe quando se trata de definir a residência do filho» - Ac. da RL 24-10-2013, p. 5358/11.3TBSXL-8.
Ou, por outras palavras:
«O critério da preferência maternal não pode ser hoje, por si só, o critério determinante para fixar a residência do menor, nos casos de tenra idade. Este elemento tem que ser conjugado com todos os outros elementos disponíveis a fim de se apurar da capacidade de cada um dos progenitores para ter o filho a viver consigo.» - Ac. da RP 13.05.2014, p. 5253/12.9TBVFR-A.P1.
Na verdade, este critério da preferência maternal encontra-se hoje, tendencialmente, subsituido por um critério neutro em relação ao sexo do progenitor, qual seja o da presunção a favor do progenitor que desempenhou o papel de referência afetiva para o menor, do designado, em inglês, «Primary Caretaker».
Efetivamente:
«hoje, tanto nos EUA, como na Europa, faz-se apelo ao instinto parental, não em função do sexo, mas do mundo afetivo de cada um, tendo…em conta a evolução dos costumes no sentido de uma partilha de tarefas entre o homem e a mulher, causada pela entrada das mulheres no mundo do trabalho e por uma maior participação dos homens na vida familiar…O fundamento desta presunção consiste na ideia de que a continuidade da primeira relação da criança é um elemento essencial para o seu bem estar.
Contudo, a aplicação deste critério não facilitará a actividade dos juízes nos casos em que ambos os pais participaram na educação da criança» - Maria Clara Sottomayor, in Exercício do Poder Paternal Relativamente à Pessoa do Filho Após o Divórcio ou a Separação…, Ed. da Universidade Católica, Porto, 1995, p.91.
Este entendimento tem vindo a ser sufragado na jurisprudência.
Assim:
«modernamente, tem-se entendido que o factor relevante para determinar esse interesse é constituído pela regra da figura primária de referência, segundo a qual a criança deve ser confiada é pessoa que cuida dela no dia-a-dia.» - Ac. do STJ de 04.02.2010, p. 1110/05.3TBSCD.C2.S1.
Ou, noutra perspetiva:
«O objectivo das normas sobre a regulação do poder paternal não é promover a igualdade entre os pais ou a alteração das funções de género, mas sim garantir à criança a continuidade da relação afectiva com a pessoa de referência» - Ac. da RC de 01.11.2011, p. 90/08.8TBCNT-D.C1.
(sublinhado nosso)
6.1.3.
No caso vertente.
A julgadora, depois de teorizar em termos similares com o supra exposto, no que tange às condições e requisitos que devem estar subjacentes e presidir à concessão do direito de guarda, de estadias e de visitas, argumentou, no que ao caso concreto tange, nos seguintes, sinóticos, termos:
«In casu, o progenitor revelou um comportamento instável, contraditório e ambivalente, quanto a querer que os filhos continuem a residir consigo. No presente, e face a tal comportamento, o pai não fornece a necessária segurança ao tribunal, quanto a reunir condições para ter os filhos consigo, desde logo, para lhes proporcionar a necessária estabilidade, num aspecto tão essencial da vida das crianças, como o é, o seu local de residência, e o progenitor com quem residem, com implicações, desde logo, a nível da frequência escolar. As crianças não podem ficar sujeitas às suas mudanças de vontade, no final, injustificadas, do pai, quanto a querer que se mantenham a residir consigo. O mesmo afirmou, e depois reafirmou, por 2 vezes, cansaço por ter os filhos consigo, justificando com as tarefas que são inerentes ao normal exercício da parentalidade. Acresce que de forma expressa e inequívoca formulou, por escrito, e oralmente, a pretensão de que tal situação não se mantivesse, solicitando que os filhos passassem a residir com a mãe.
…por outro lado, a progenitora sempre tentou manter o contacto com os filhos, intentando as várias acções e incidentes, para que tal fosse sendo possível, face ao comportamento do pai. Desde que o pai revelou cansaço e formulou o pedido de alteração de residência dos filhos, a mãe mudou o seu centro de vida, arranjou uma nova casa, para puder proporcionar melhores condições aos filhos, mais espaço, incluindo exterior, num imóvel não partilhado com mais ninguém e próximo de estabelecimentos de ensino. A mãe reúne outrossim condições profissionais para puder cuidar dos filhos.»
Perscrutemos.
Há que convir que os factos provados não revelam uma emergência clara e inequívoca do fator primordial de atribuição da guarda normal das crianças, qual seja, que qualquer dos progenitores constitua para os menores o seu ente referencial.
Na verdade, este fator/critério apenas pode ser determinante quando ele emirja com força e dignidade suficientes para que possa postergar outros fatores que também relevam.
Ou seja, não é uma qualquer, pontual, esporádica e, quiçá, emotiva, manifestação de preferência do menor para com um dos progenitores, que pode, sem mais, permitir a conclusão de que este se apresenta como a sua figura parental de referência.
Tal qualidade tem de dimanar de uma relação bidimensional/bipessoal, ie. tem de advir de uma patente e expressiva atuação e interação entre a díade menor/mãe, ou pai, respetivo.
E tem de assumir foros de estruturação, consistência e perenidade.
Ora in casu provou-se que ambos os progenitores se mostram cuidadosos, preocupados e carinhosos com os filhos, pelo que é suposto que estes com eles também mantenham um profícuo e afetivo relacionamento.
E não constituindo qualquer deles, desde logo afetiva e emocionalmente, uma figura preponderante, por contraponto a um outro progenitor “apagado” e alheio do convívio e acompanhamento protetor dos filhos.
Inexiste, pois, in casu, uma figura parental de referência, antes nos encontrando perante dois progenitores que, aparentemente, se relacionam bem com os filhos, na mais ampla perspetiva – objetiva e emocional e subjetivamente – de um modo tendencialmente igualitário.
Ou seja, são ambos - ainda que cada um com as especificidades decorrentes da sua própria idiossincrasia -, o que a ciência, a doutrina e jurisprudência apelidam de «progenitores psicológicos».
Assim sendo, urge deitar mão de outros critérios decorrentes dos factos apurados.
Em termos objetivos, de requisitos materiais e habitacionais, os progenitores outrossim se assumem como muito próximos, auferindo salários idênticos e tendo habitações que, aparentemente, podem propiciar aos filhos condições suficientes para uma vivência minimamente condigna.
Há, pois, que atentar noutros critérios mais subjetivos e emocionais.
Como sejam: a real capacidade do progenitor para satisfazer as necessidades dos filhos, o tempo disponível para cuidar destes, a sua saúde física e mental, a continuidade da relação com as crianças, o seu estilo de vida e comportamento moral, a estabilidade do ambiente que pode facultar aos filhos, a vontade que manifesta de manter e de incentivar a relação dos filhos como o outro progenitor.
Ora, neste particular conspeto, a balança pende a favor da mãe.
Efetivamente, indicia-se suficientemente que esta é pessoa emocionalmente mais estável do que o pai.
Que sempre tem procurado conviver com os filhos – o que certamente não tem sido fácil, atenta a distância que tem de percorrer para os ir buscar – e com eles mantém fortes ligações afetivas.
Que, desde que soube da decisão do pai em abdicar da guarda dos menores em seu favor, imediatamente aceitou tal facto, alterando o seu modus vivendi, vg. a nível profissional e habitacional, de sorte a poder ter os menores consigo.
Tudo isto demonstra que a mãe se revela, no presente momento, o progenitor que melhores condições subjetivas – rectius emocionais e afetivas – encerra, de sorte a relacionar-se adequadamente com os menores e deles cuidar de forma organizada, estável, empática, profícua e duradora.
Por conseguinte, a alteração operada na sentença quanto à guarda e residência quotidianas dos menores não merece censura, antes devendo ser corroborada.
Não obstante, urge ter sempre presente que, por via de regra – de que o presente caso não constitui exceção - na regulação do exercício do poder paternal, o progenitor não guardião não fica despojado do poder paternal, do qual continua a ser titular, mas apenas se lhe tolhe o exercício dos poderes deveres atinentes aos aspetos mais comezinhos da sua vida corrente.
E conservando ainda faculdades relevantes e eminentes, que efetivamente pode e deve exercitar, quais sejam o direito de participar nas decisões respeitantes às magnas questões da vida do filho, e o direito de informação, de contacto, de visita e de vigilância.
Tudo conforme o estatuído no artº 1906º do CC.
O menor não fica pertença do progenitor residente, e este não fica seu dono: continua a ter dois progenitores.
Como se aduz na sentença, a este direito do progenitor não residente subjaz uma forte componente humana e de direito natural, pretendendo-se com ele que pais e filhos, unidos entre si por laços familiares, jurídico-formalmente reconhecidos, se possam, outrossim, relacionar pessoal e afetivamente, partilhando os seus sentimentos de amizade, as suas emoções, ideias e valores mais íntimos – Cfr, Maria Clara Sottomayor, in Regulação do Exercício do Poder Paternal em Caso de Divórcio, 2ª ed., Almedina, p.44 e segs.
Assim, salvo circunstâncias excecionais que o impeçam, a regulação do exercício do poder paternal deve assegurar, com a maior certeza e estabilidade possíveis, amplos contactos do menor com o progenitor não guardião, de sorte a que também ele possa continuar a exercer cabal e proficuamente, os seus poderes/deveres relativamente ao filho –cfr. Ac. da RL de 13.03.2007, p.9678/2006-1 in dgsi.pt, de que o presente também foi relator.
Ademais e finalmente, importa interiorizar que em sede de regulação e exercício das responsabilidades parentais, o sentenciado ou anteriormente anuído pode, a todo o tempo, ser alterado, quer por acordo os progenitores, quer jurisdicionalmente – como no caso aconteceu - se circunstâncias supervenientes tal justificarem.
Tal alteração é admissível/aceitável/exigível, porque assenta na presunção de que os pais, porque supostamente presentes e acompanhantes do quotidiano dos filhos, conhecem as suas necessidades e anseios acima de qualquer pessoa ou entidade, querem o melhor para eles, e, assim, sendo de presumir que as alterações operadas são, em função das novas circunstâncias, benéficas para o menor.
À míngua de acordo, naturalmente que os progenitores têm de cumprir conforme se vincularam ou foi jurisdicionalmente decidido.
E, acima de tudo, terem o bom senso de não misturarem os seus problemas pessoais com o relacionamento com os filhos, usando estes como arma de arremesso e instrumento de vingança, o que apenas prejudicará os menores, e a si próprios, pois que estes começam a ter já idade para formularem juízos de valor sobre atitudes menos adequadas e justas dos progenitores.
6.2.
Segunda questão.
6.2.1.
A redação dada ao artº456º do CPC pelo DL 329-A/95 de 12.12. alargou o âmbito da aplicação do instituto da litigância de má fé, pois que nele abarcou não apenas os casos de atuação dolosa como também os de atuação gravemente negligente.
Sendo que, inclusive, e como se plasma no preâmbulo de tal diploma: «Como reflexo do princípio da cooperação e dos deveres que lhe são inerentes, permite-se, sem quaisquer limitações, a condenação como litigante de má fé da própria parte vencedora, desde que o seu comportamento processual preencha alguma das previsões contidas no nº2 do artº 456º…»
Tal alargamento teve, naturalmente, em vista, restringir os casos de litigância maliciosa ou altamente temerária, pretendendo incutir nas partes a necessidade de uma sã atitude processual, pautada e norteada por uma atuação o mais clara e linear possível, sem subterfúgios, truques e mentiras.
E sendo certo que a jurisprudência era amplamente magnânima na condenação a tal título, criou-se uma convicção de impunidade que levava a colocar ou a contestar em juízo casos de total insustentabilidade, ou, pior, distorcidos ou falseados na sua génese factual.
Com os inerente prejuízos para o sistema da justiça e, outrossim, para os próprios sujeitos processuais vítimas de tal atuação.
Importa, pois, na sequência do atual desígnio legislativo, impor uma cultura de rigor nesta matéria, com os inerentes benefícios, a todos os títulos e níveis, dai advenientes.
Não obstante, há que apreciar e decidir com as cautelas e precauções necessárias.
E devendo os tribunais serem prudentes na condenação a este título, porque tal implica não apenas uma censura e afetação económico-financeira a nível processual, como um desmerecimento a nível pessoal marcante e inquinador da honestidade e probidade presumivelmente insertas na esfera jurídica pessoal do normal cidadão - cfr. Ac. do STJ de 15.10.2002, p.02A2185. in dgsi.pt., como os infra cits.
Assim, para a condenação como litigante de má fé não basta a simples impugnação per positionem da versão de uma das partes sempre que a versão oposta à alegada seja provada.
Nem pode confundir-se com a manifesta improcedência da pretensão ou oposição deduzida.
O fundamento ético do instituto exige que se conclua por um desrespeito pelo tribunal, pelo processo e pela justiça, imputável subjetivamente ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata) - Ac. da RP de 20.10.2009, p. 30010-A/1995.P1.
Destarte e dada a relatividade da verdade judicial decorrente, designadamente, das várias interpretações e correlativas soluções jurídicas que podem incidir sobre um determinado complexo factual «a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual…» - Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893.
Nesta conformidade: «Para a condenação como litigante de má fé, exige-se que o procedimento do litigante evidencie indícios suficientes de uma conduta dolosa ou gravemente negligente…ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes se exigindo a negligência grave, grosseira (a faute lourde do direito francês ou a Leichtfertigkeit do direito alemão).» - Ac. do STJ de 28.05.2009, p.09B0681.
6.2.2.
No caso vertente.
A primeira instância entendeu existir má fé do pai pois que:
«é patente no caso em apreciação, que o progenitor violou os mais elementares deveres de cooperação e de boa-fé, que devem pautar a atuação das partes, ao vir alegar que nunca pretendeu que os filhos alterassem de residência para junto da mãe, que se tratou de um desabafo, e ainda que o tribunal interpretou erradamente os mails que remeteu para os autos, porque o mesmo se expressa mal e não entende muito bem o português.
Com efeito:
O pai está há vários anos em Portugal, e neste tribunal decorreram já várias acções e incidentes, em que sempre entendeu o português, e soube-se expressar;
Resulta claramente da letra do que escreve, por duas vezes, que pretende que os filhos passem a residir com a mãe;
Apresenta a sua proposta do regime de visitas aos filhos e de pagamento da prestação de alimentos, apenas justificada, e com algum sentido lógico, precisamente em contexto de alteração do local de residência das crianças para junto da mãe;
Oralmente, em sede de ATE, reafirmou a pretensão de alteração de residência das crianças, bem como proposta do regime de visitas aos filhos e de pagamento da prestação de alimentos»
Entendemos que a decisão se apresenta, neste conspeto, demasiado rigorosa e penalizadora para o recorrente.
Certo é que o pai manifestou uma posição inicial: a de querer conceder a guarda e residência normais dos filhos à mãe, e que, depois, acabou por afirmar que não era essa a sua verdadeira intenção, justificando que a sua atitude inicial tinha apenas constituído um desabafo e que foi motivada ou agravada pelo facto de desconhecer a língua portuguesa.
Há que convir que tais justificações não colhem.
Pois que, independentemente do maior ou menor conhecimento da língua - e até se provou que não a domina bem: facto 47 - , a sua posição inicial, mesmo que com erros de gramática e de sintaxe, foi claramente manifestada por si e compreendida por aqueles a quem se dirigia.
Porém, esta contradição e desconformidade não justifica a sua condenação a título de má fé.
Estamos no domínio das relações familiares em que os sentimentos e as emoções fluem não tanto racional como emotivamente, alicerçando atitudes e tomadas de posição não cabalmente interiorizadas e sedimentadas, e, assim, volúveis e posteriormente modificáveis ou alteradas.
Aqui, assim foi.
O pai, por motivos que ele melhor saberá, acabou por se arrepender do pedido de alteração.
Mas não dimana dos autos que tal mudança de postura tenha assumido contornos dolosos ou de temeridade tal que justifique a conclusão pela sua má fé.
Ademais, bem vistas as coisas, tal justificação – ter siso um desabafo -, de cariz meramente subjetivo, não influiu no exame e decisão da causa.
Esta foi decidia apenas com base nos factos objetivamente apurados.
Acresce que, não tendo a justificação sido atendida e, consequentemente, relevado, a causa foi decidida também, para além do mais, pelo facto de o pai ter manifestado pretender a alteração e depois tê-la negado.
E que com esta atuação inconsequente, concluiu-se pela menor estabilidade emocional do progenitor, facto que o desfavoreceu e favoreceu a mãe.
Ou seja, a atuação incongruente do progenitor já o prejudicou em sede decisória.
Pelo que, convocando-se ainda a mesma para o condenar como litigante de má fé, tal constituiria uma dupla penalização, a qual - e porque, reitera-se, no quadro de uma vivência familiar algumas atitudes, alicerçadas em emotividade, devem ser contextualizadas e, porventura, relativizadas – se revelaria demasiado pesada.
Destarte, aqui o recurso merece provimento.
(…)
7.
Deliberação.
Termos em que se acorda julgar o recurso parcialmente procedente, revogando-se a sentença na parte condenatória do pai como litigante de má fé; no mais se mantendo a mesma.
Custas pelos progenitores em partes iguais.
Coimbra, 2024.11.26.