REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
AUTORIZAÇÃO PARA VIAJAR
Sumário

Não há impedimento que, na decisão sobre regulação das responsabilidades parentais, se determine que um dos progenitores pode viajar para o Brasil com o filho, em períodos não superiores a 15 dias, sem necessitar de autorização do outro progenitor.

(Da responsabilidade do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 703/20.3T8RTR-B.P1.

João Venade.

Isabel Silva.

Álvaro Monteiro,


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1). Relatório.

AA, residente na Avenida ..., ..., propôs contra

BB, residente na Rua ...., ...,

Ação de regulação das responsabilidades parentais, relativamente a

CC, nascido a ../../2013.

Os autos prosseguiram os seus termos, com celebração de acordo parcial, seguindo para julgamento para apreciação do modo de fixação dos convívios nas festividades de Natal e Ano Novo, bem como autorizações para os progenitores se deslocarem com a criança ao estrangeiro.


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Realizou-se julgamento, tendo sido proferida decisão onde se determinou que:

«adita-se ao regime de exercício das responsabilidades parentais da criança CC fixado por acordo, homologado por sentença de 23 de maio de 2022, as seguintes cláusulas 4 e 5:

4) Quanto a Natal e Fim de Ano, estas festividades serão passadas em dois blocos com cada um dos progenitores, sendo que, no corrente ano de 2024, o CC passa os dias 24/12 e 25/12 com a mãe e os dias 31/12 e 01/01 com o pai. A interrupção escolar de tais festividades será repartida, pelo que caberá à mãe passar com o filho o período que antecede a festividade, o que, no corrente ano, significa que gozará com este o período que antecede o Natal, cabendo ao progenitor levar o filho a casa da mãe no último dia de aulas, pelas 20.00 h, e à progenitora entregá-lo, em casa do pai, no dia 27/12, pelas 10.00 h (a fim de possibilitar a viagem do Brasil para Portugal), ficando o CC com o pai até ao dia 2/01.

5) As deslocações ao estrangeiro que não excedam 15 (quinze) dias não carecem de autorização do outro progenitor, devendo, no entanto, o progenitor viajante comunicar ao outro, com uma antecedência mínima de 30 (trinta) dias, o destino, indicando uma morada e um contacto telefónico no estrangeiro, obrigando-se a, em caso de tentativa de contacto frustrada, devolver a chamada no período máximo de 6 (seis) horas.».


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Inconformado, recorre o progenitor, formulando as seguintes conclusões:

«1. De forma a salvaguardar o interesse do menor deverá atribuir-se efeito suspensivo ao presente recurso, evitando-se, assim, a imediata exequibilidade da decisão recorrida.

2. O ponto 6º dos factos provados refere a douta decisão recorrida que “Desde sempre, a progenitora passou – ano sim, ano não – o Natal e Ano Novo com a sua família no Brasil”.

3. Apenas ficou provado que a progenitora desde a data em que foi decretada a dissolução do casamento e fixada a data da separação de facto para efeitos patrimoniais em 1 de setembro de 2020;

4. Tendo família no Brasil, passou as férias de Natal nesse país na companhia do seu filho apenas no ano de 2022.

5. O despacho com ref.ª 119340084 de 16-12-2021 – apenso A- prova não existir qualquer alternância “ano sim, ano não” no que respeita à ida da recorrida para o Brasil com o menor durante o período de férias de Natal.

6. Nesse apenso A foi referido pelo menor “que já não vai ao Brasil há três anos”.

7. Foi assumido pela progenitora no articulado 5º do seu requerimento inicial com ref.ª 12305558 de 06-12-2021, que “O último Natal que passamos no Brasil foi no ano de 2017”.

8. A alternância relativamente gozo das férias de Natal pela recorrida e o menor no Brasil nunca se verificou.

9. Ponto 7º dos factos dados como provados “Já depois da separação dos pais, o CC passou o Natal e Ano Novo de 2021 com a mãe e família materna no Brasil;

10. Tal fundamentação não poderá passar pela análise do apenso A, pois foi aí requerida “Autorização Judicial para viajar com o filho CC para o Brasil no período de 22 de Dezembro de 2021 até 09 de Janeiro de 2022”.

11. Daí, não se poderá depreender que o menor de facto “passou o Natal e Ano Novo de 2021 com a mãe e família materna no Brasil”.

12. O ponto 8º, estribou-se o douto tribunal “a quo” no seu conhecimento comum de que “As deslocações ao Brasil impõe à progenitora uma longa viagem de mais de 24 horas.”

13. Após consulta online de tais voos se afere que uma viagem com destino Brasil terá uma duração de cerca de 8:30horas.

14. O regime de alternância em que as festividades do Natal e Fim de Ano, sejam passadas em dois blocos com cada um dos progenitores é um benefício exclusivo para recorrida, em prejuízo do menor.

15. As razões que justificam o regime de alternância anual entre progenitores no gozo do tempo de convívio com o seu filho durante a época do Natal e Ano Novo, não poderá deixar de subsistir só pelo facto da mãe querer viajar, nessa mesma altura, para o Brasil.

16. Existem alturas mais convenientes para que a progenitora possa viajar com o menor para o Brasil, podendo assim e de igual forma, o menor conviver com a família materna.

17. O menor não poderá vivenciar a quadra natalícia com ambos os progenitores, sabendo-se toda a carga emocional, educacional, religiosa e social que tal decisão acarreta.

18. O período de Natal é vivido pelo recorrente de forma tradicional, sendo a Consoada o momento alto do Natal, com a abertura dos presentes e a expetativa e entusiasmo que a precede e que só uma criança pode vivenciar na sua plenitude.

19. Sendo a alternância em matéria de fixação de convívios nas épocas festivas de Natal e ano Novo, provisoriamente decidido em 16-12-2023 com Ref.ª 130577083 – Apenso B - o que melhor acautela o superior interesse do menor.

20. As deslocações ao estrangeiro que não excedam 15 (quinze) dias o tribunal decidiu que “não carecem de autorização do outro progenitor”.

21. Para viajar do Brasil para o exterior, o menor de 18 anos com nacionalidade brasileira que não estiver acompanhado de ambos os progenitores deve, segundo a legislação brasileira, estar munido de Autorização de Viagem de Menor para o Exterior;

22. Formulário pelo qual seus pais permitem-lhe viajar em companhia de apenas um deles, ou em companhia de uma outra pessoa, ou sob os cuidados de companhia aérea/marítima.

23. Quando não estiverem acompanhados de ambos os progenitores, os menores com dupla cidadania, sendo um deles o Brasil, não estão isentos da exigência de autorização de viagem de menor para o exterior.

24. A Polícia Federal é a instituição responsável pelo controle de imigração na saída do Brasil, quem impede, por força da resolução CNJ 131/2011, a saída do Brasil dos menores brasileiros que não estejam devidamente autorizados.

25. Limita também o direito de oposição do outro progenitor relativamente à saída do menor do território nacional, mediante manifestação comunicada junto das entidades competentes, na salvaguarda da integridade e os interesses do mesmo e de o proteger de possíveis riscos.

26. Face à atual guarda partilhada e durante o período de férias de 15 dias tal decisão, dificilmente terá qualquer efeito prático.

27. Norma violada: n.º 7 do artigo 1906º do C. Civil.

Pede assim a revogação da decisão recorrida, sendo substituída por outra que considere os motivos que expõe.


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A progenitora contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

O M.º P.º. também apresentou contra-alegações, concluindo igualmente pela improcedência do recurso.


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O recurso foi admitido com efeito devolutivo, indeferindo-se o requerido efeito suspensivo do mesmo.

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As questões a decidir são:

. alteração da matéria de facto no que respeita à frequência das viagens da progenitora ao Brasil e duração da mesma viagem;

. repartição do convívio da criança com os pais nas épocas de Natal e Ano Novo;

. alcance da dispensa de autorização do progenitor que não viaja para o estrangeiro com a criança, em viagens com a duração até quinze dias.


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2). Fundamentação.

2.1). De facto.

Foram julgados provados os seguintes factos:

1.º Requerente e Requerido contraíram casamento a 2 de outubro de 2010, sem convenção antenupcial.

2.º Desse casamento, em ../../2013, nasceu CC.

3.º Por sentença de 9 de fevereiro de 2024, ainda não transitada em julgado, foi decretada a dissolução do casamento aludido em 2.º e fixada a data da separação de facto para efeitos patrimoniais em 1 de setembro de 2020.

4.º Nos presentes autos, foi agendada a conferência a que alude o artigo 35.º do RGPTC, que se realizou em 23 de maio de 2022, tendo sido obtido o seguinte acordo parcial quanto ao exercício das responsabilidades parentais, homologado por sentença:

“1) A criança CC fixa residência, de forma alternada e sucessiva, com cada um dos progenitores, com periodicidade semanal, efetuando-se a troca à segunda-feira, por referência ao final das atividades letivas, sendo que em caso de pausa escolar quem vai iniciar a semana com a criança vai buscá-la a casa do outro progenitor pelas19.00 horas.

“O exercício das responsabilidades relativas às questões de vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem o menor se encontre em cada momento.

“Relativamente às questões de particular importância para a vida do filho, são exercidas em comum por ambos os progenitores.

“2) Cada um dos progenitores proverá pelo sustento da criança nos períodos em que esteja consigo.

“Cada um dos progenitores suportará ainda metade das despesas médico-medicamentosas, de natureza extraordinária, e das despesas escolares, também extraordinárias, entendendo-se por estas últimas as tidas com livros, material escolar e didático, no início de cada ano letivo, sempre na parte em que não haja comparticipação, mediante a apresentação de fatura ou recibo, em nome da criança e com o seu respetivo NIF, por parte do progenitor que efetuar o pagamento, devendo as despesas serem apresentadas num prazo de 30 dias, a contar da data em que sejam realizadas, bem como o seu pagamento deverá ser efetuado em igual prazo.

“As despesas tidas com a frequência de atividades extracurriculares e alimentação da criança na escola serão igualmente a repartir entre ambos os progenitores.

“3) Em matéria de convívios:

“No aniversário da criança, esta almoçará sempre com o progenitor a quem não caiba a semana, no horário entre as 10.00 e as 14.30 horas, sem prejuízo do horário escolar, caso seja dia de escola, jantando sempre com o progenitor a quem compita a semana com a criança.

“No dia do pai, dia da mãe e aniversário de cada um dos progenitores, a criança estará com o progenitor a que respeitar a data. “Nas férias escolares de verão, cada um dos progenitores passará dois blocos de 15 dias de férias com o filho, a combinar até 25 de março de cada ano, sendo que, em caso de desacordo, nos anos ímpares escolhe a mãe e nos pares escolhe o pai.

“No Domingo de Páscoa, almoça sempre com o progenitor com quem não esteja, com o qual permanecerá entre as 10.00 e as 14.30 horas, jantando sempre com o progenitor a que respeita a semana.

“O progenitor que não esteja com o menor poderá ligar-lhe todos os dias, preferencialmente entre as 20.00 e as 21.00 horas.”

5.º A progenitora é brasileira e toda a sua família reside no Brasil.

6.º Desde sempre, a progenitora passou – ano sim, ano não – o Natal e Ano Novo com a sua família no Brasil.

7.º Já depois da separação dos pais, o CC passou o Natal e Ano Novo de 2021 com a mãe e família materna no Brasil.

8.º As deslocações ao Brasil impõem à progenitora uma longa viagem de mais de 24 horas.».


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A este facto, acrescenta-se um outro:

9.º). Em 17/12/2021 no apenso A), o menor (então com sete anos de idade) declarou que gostaria de passar as épocas festivas com a mãe no Brasil, mesmo que tal significasse a impossibilidade de passar o Ano Novo com o pai no Algarve, referindo que gostava muito de estar com os familiares no Brasil e de ter a possibilidade de fazer a viagem, referindo que já não ia ao Brasil há três anos. Tendo sido colocada a possibilidade de passar o Natal com o pai e a viagem ser realizada após tal festividade, disse que preferia passar já o Natal no Brasil.


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Este facto resulta do teor do referido apenso A), da diligência efetuada naquele dia é advém do conhecimento dos autos, podendo ser dado como provado nos termos do artigo 514.º, n.º 1, do C. P. C..

Por outro lado,

Não há factos não provados.


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2.2). Do mérito do recurso.

A). Impugnação da matéria de facto.

Facto provado 6, com a seguinte redação:

Desde sempre, a progenitora passou – ano sim, ano não – o Natal e Ano Novo com a sua família no Brasil.

O recorrente pretende que apenas fique provado que a progenitora passou o Natal e Ano Novo com a sua família no Brasil em 2022.

O tribunal recorrido sustenta a prova do facto, referindo que DD e EE, respetivamente tio paterno e amigo dos progenitores, confirmaram que a Requerida (…) tem família no Brasil, país onde costuma passar férias no Natal, como fez, na companhia do filho, no ano de 2022.

Ora, pelo teor aqui resumido dos depoimentos de tais testemunhas, desde logo não se consegue retirar que aquela ida para o Brasil ocorresse alternadamente, todos os anos pois refere-se que costuma ir, o que fez em 2022.

Depois, ouvidos os depoimentos, temos que efetivamente DD mencionou que a mãe teria ido com o menor para o Brasil em 2017 e ela, mãe, teria ido em 2024.

Do teor do outro depoimento (EE) também não conseguimos retirar que as deslocações da mãe fossem em anos alternados (não é suficiente para tal referir que é hábito a progenitora ir ao Brasil).

É certo que, conforme decisão de 16/12/2021 proferida no apenso A) – pedido de autorização para o menor viajar com a mãe para o Brasil -, se decidiu que o podia fazer no Natal/Ano Novo de 2021/2022 mas daqui não se retira que ocorra aquela alternância.

Deste modo, não há elementos suficientes para se dar como provada as viagens em anos alternados, pelo que se altera o facto para a seguinte redação:

. A progenitora já passou épocas de Natal e Ano Novo com a sua família no Brasil.


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Facto provado 8.

«As deslocações ao Brasil impõem à progenitora uma longa viagem de mais de 24 horas.».

O tribunal fundamenta a prova deste facto no conhecimento comum do julgador. Com o devido respeito, não pode dar-se como provada a duração de uma viagem com base no dito conhecimento, supondo-se que se está a mencionar que se trata de um facto que é de conhecimento geral (facto notório, conforme artigo 514.º, n.º 1, do C. P. C., já que não se trata de um conhecimento que o tribunal tenha por causa do exercício das suas funções que obviamente não implicam aquela deslocação).

No entanto, não é do conhecimento geral a duração da viagem que a progenitora teria de fazer para chegar ao pé dos familiares; o que é um facto notório é que o Brasil fica num outro continente, sendo necessária uma viagem de avião ou de barco e que é assim um país distante territorialmente, a que acresce a eventual viagem para o concreto local, já no interior do Brasil.

Mas esta factualidade notória nem sequer precisa de ser alegada nem de ser sujeita a prova, pelo que não tem de constar do elenco dos factos provados; é uma factualidade que se ponderará, se disso for caso, em sede de motivação jurídica.

O teor do facto não reveste a qualidade de facto notório, pelo que deve ser eliminado.


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B). Do direito.

B1). Divisão do período de Natal.

O recorrente discorda que se tenha estipulado que, quanto ao Natal e Fim de Ano, tais festividades sejam passadas em dois blocos com cada um dos progenitores, sendo que, no corrente ano de 2024, o menos passa os dias 24/12 e 25/12 com a mãe e os dias 31/12 e 01/01 com o pai.

Pensamos que visa, com o recurso, que se altere tal repartição no sentido de passar a véspera do dia de Natal com um progenitor e o dia de Natal com o outro.

Em primeiro lugar, o que terá sido fixado pelo tribunal recorrido terá sido aquela divisão em bloco, no sentido de véspera e dia de Natal serem passados com um progenitor, sendo que neste ano tais dias seriam passados com a mãe e depois alternadamente, em cada ano, com o outro progenitor. Na verdade, não se menciona na decisão que a divisão seja por anos alternados mas ao mencionar que no corrente ano de 2024 passa com a mãe, manifesta-se a ideia de que será uma divisão alternada anualmente.

Em segundo lugar, sendo uma divisão alternada, não se deteta que exista prejuízo para os progenitores pois se num ano têm o filho consigo naqueles dois dias, sabem que no próximo ano será o outro progenitor a ter o filho consigo.

Mas, como se menciona na decisão recorrida, o que releva é saber se o interesse da criança está a ser protegido com a divisão encontrada. Ora, estando já devidamente caracterizado em que consiste tal interesse na decisão, o que apenas entendemos que deve ser referido é que não vemos que aquele interesse não esteja acautelado com a mencionada repartição de dias. Tendo a progenitora família no Brasil, já tendo havido deslocações na época de Natal para esse local (o que mostra que ainda existe essa ligação familiar), será do interesse da criança que possa passar essa época com a família da mãe. O convívio salutar entre familiares de ambos os progenitores tem a potencialidade de permitir um desenvolvimento mais feliz e completo à criança, potencialidade que não sai beliscada face à ausência de qualquer sinal de problemas de relacionamento com a família materna e a criança ou mesmo entre a família materna e a mãe.

Se se fixasse a repartição daqueles dias como pretende o recorrente – véspera de natal com um progenitor e o dia de natal com o outro – estaria a inviabilizar-se totalmente qualquer possibilidade de a criança poder, em condições minimamente tranquilas, passar a véspera ou o dia de Natal com a sua família materna no Brasil pois é notoriamente impossível viajar para tal país em tão apertado tempo.

E tal impossibilidade não é desejável para o menor, no caso, não só em termos teóricos como na situação concreta; na verdade, como resulta do facto 9.º, o menor exprimiu a vontade de passar o Natal no Brasil.

Tais declarações, prestadas em sede de processo para se definir uma questão que foi entendida como de particular importância (saída do território da criança para ir passar o Natal ao Brasil com a mãe), com a presença de partes e respetivos mandatários, podem aqui ser valoradas por terem sido prestadas em processo dependente dos principais e até atento o disposto no artigo 5.º, n.º 7, e), do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (R. G. P. T. C.) que dispõe que quando em processo de natureza cível a criança tenha prestado declarações perante o juiz ou Ministério Público, com observância do princípio do contraditório, podem estas ser consideradas como meio probatório no processo tutelar cível. Se a audição da criança pode ser valorada e se foi efetivada em processo cível não tutelar, por maioria de razão pode ocorrer essa valoração se foi ouvida num outro processo tutelar cível, apenso à ação de regulação de responsabilidades parentais, com total observação do contraditório.

Nada consta nos autos que demonstre que essa vontade da criança se alterou pelo que, por estar salvaguardado o interesse da criança, até por si manifestado com bastante clareza, não há qualquer óbice a que se mantenha aquele regime.

Qualquer questão de receio de o relacionamento da criança com o progenitor poder sair prejudicado não está demonstrado nos autos.

Assim, entende-se manter a referida divisão, improcedendo esta argumentação.


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B2). Autorização de viagem para o Brasil.

Na decisão recorrida determinou-se que As deslocações ao estrangeiro que não excedam 15 (quinze) dias não carecem de autorização do outro progenitor, devendo, no entanto, o progenitor viajante comunicar ao outro, com uma antecedência mínima de 30 (trinta) dias, o destino, indicando uma morada e um contacto telefónico no estrangeiro, obrigando-se a, em caso de tentativa de contacto frustrada, devolver a chamada no período máximo de 6 (seis) horas.».

Vejamos o concreto alcance da discórdia do recorrente em que faz menção a que:

a). o menor de 18 anos com nacionalidade brasileira que não estiver acompanhado de ambos os progenitores deve, segundo a legislação brasileira, estar munido de Autorização de Viagem de Menor para o Exterior, formulário pelo qual seus pais permitem-lhe viajar em companhia de apenas um deles, ou em companhia de uma outra pessoa, ou sob os cuidados de companhia aérea/marítima.

Vejamos então.

Iniciaremos a análise pela saída do menor de Portugal para o estrangeiro e depois faremos a análise inversa já que importa aferir se não há qualquer vício na decisão quanto à saída que, a existir, poderia implicar qualquer alteração e/ou nova abordagem ao modo de fixação do regresso.

Nos termos do artigo 31.º, n.º 4, da Lei n.º 23/2007, de 04/07 (Entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional), é recusada a saída do território português a menores nacionais ou estrangeiros residentes que viajem desacompanhados de quem exerça as responsabilidades parentais e não se encontrem munidos de autorização concedida pelo mesmo, legalmente certificada.

O artigo 23.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 83/2000, de 11/05, (Regime legal concessão emissão passaportes), determina que «os menores, quando não forem acompanhados por quem exerça o poder paternal, só podem sair do território nacional exibindo autorização para o efeito.».

Temos então que o menor não pode sair de Portugal, onde reside, desacompanhado de quem exerça as responsabilidades parentais e não esteja munido da autorização de quem exerça tais responsabilidades; estando acompanhado pelo progenitor que exerce as responsabilidades parentais, pode colocar-se a situação de ser necessária ou não autorização do outro progenitor.

Tratando-se de uma viagem de pouca duração e/ou numa época em que ocorra alguma festividade (Natal, aniversário), pode considerar-se que a viagem se trata de ato da vida corrente e, daí, poder ser exclusivamente decidida pelo progenitor que, nesse momento, tem o filho a seu cargo.

Como se referem Helena Gomes e outros, em Poder Paternal e responsabilidades parentais, 2009, página 145, «Ir de férias com o filho, por exemplo à Europa, à Disney nos EUA, ou ao Canadá ou a Cabo Verde, onde residem familiares, não constitui uma questão de particular importância e cabe ao progenitor que na altura tem o menor consigo decidir se vai ou não de férias com ele para o estrangeiro. Pretende-se que o período de férias que o menor passa com o progenitor seja uma altura privilegiada de contactos e interação, não só com o progenitor com quem não reside como, muitas vezes, também com a restante família.

Limitar essa possibilidade com imposição da concordância dos dois progenitores quanto ao local de férias escolhido não faz qualquer sentido e pode gerar restrições desnecessárias ao estabelecimento das relações entre o menor, o progenitor com quem não vive habitualmente e a família deste.».

Mas, podendo vir a suceder que alguma autoridade de controlo possa exigir a autorização do outro progenitor, pensamos que não há impedimento em que o tribunal, antecipadamente, dispense essa autorização. Do que resulta dos autos, não se vislumbra que a decisão de viajar para o estrangeiro, com qualquer dos progenitores, por exemplo de férias, por um período até quinze dias, possa estar a criar algum tipo de risco para a criança, nomeadamente na sua segurança ou na manutenção do convívio com ambos os progenitores.

Se, eventualmente, o outro progenitor entender que a concreta saída do menor, por extravasar o que se possa considerar um ato da vida corrente ou por qualquer outro motivo, não pode ocorrer sem a sua autorização, poderá sempre suscitar a questão ao tribunal para que este avalie se, nesse caso, deve ou não haver autorização da outra parte e se, eventualmente, se terá de decidir se o menor pode viajar, mesmo com a oposição do progenitor não viajante.[1]

No que respeita ao regresso do Brasil para Portugal (que acaba por ser a única questão que o recorrente suscita neste ponto), é preciso atender ao que estipula a resolução CNJ 131/2011 do Conselho Nacional de Justiça que estabelece as normas para o menor brasileiro possa sair desse país, nos seguintes termos:

Das Autorizações de Viagem Internacional para Crianças ou Adolescentes Brasileiros Residentes no Exterior

Art. 2º É dispensável autorização judicial para que crianças ou adolescentes brasileiros residentes fora do Brasil, detentores ou não de outra nacionalidade, viajem de volta ao país de residência, nas seguintes situações:

I) em companhia de um dos genitores, independentemente de qualquer autorização escrita;

II) desacompanhado ou acompanhado de terceiro maior e capaz designado pelos genitores, desde que haja autorização escrita dos pais, com firma reconhecida.

§ 1º A comprovação da residência da criança ou adolescente no exterior far-se-á mediante Atestado de Residência emitido por repartição consular brasileira há menos de dois anos.

§ 2º Na ausência de comprovação da residência no exterior, aplica-se o disposto no art. 1º.» - nosso sublinhado (https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/116).

Ou seja, dispensa-se a autorização judicial para o menor viajar do Brasil para o país onde reside se viajar com um dos progenitores, pelo que não resulta deste diploma que, viajando com o pai ou a mãe, se necessite de autorização escrita do outro.

Por outro lado, estando judicialmente fixado que não é necessária essa autorização, existe a apontada autorização judicial de a criança viajar com um dos progenitores, por um período até 15 dias.

Não se vislumbra assim qualquer impedimento a se ter fixado aquela dispensa de autorização, pelo que improcede assim argumentação.

. há guarda partilhada e, mesmo durante o período de férias de 15 dias a que corresponde a cada um dos progenitores, a decisão terá pouco efeito prático.

Não percebemos bem o alcance desta alegação, não só porque o eventual pouco efeito prático não significa que não possa ser regulado mas também porque se a viagem coincide com o período em que o menor reside com o progenitor com quem viaja, sempre poderá colocar-se a questão de necessidade de autorização do outro progenitor, conforme acima referimos.

Improcede igualmente esta argumentação.

Conclui-se, deste modo, pela total improcedência do recurso, confirmando-se a decisão recorrida.


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3). Decisão.

Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas do recurso a cargo do recorrente.

Registe e notifique.

Porto, 2024/11/21.

João Venade.

Isabel Silva.

Álvaro Monteiro.

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[1]Veja-se Ac. R. P. de 27/01/2020, processo n.º 4775/15.4T8PRT-C.P1, www.dgsi.pt, onde se menciona que: III - As saídas do menor para o estrangeiro, em período de férias e acompanhado por qualquer dos seus progenitores são, em regra, consideradas questões da vida corrente e, portanto, dependentes apenas da decisão do progenitor que naquele momento está de férias com o mesmo.
IV - Todavia e porque não raras vezes, não obstante seja ilegal (cfr. artigo 23.º, nº 1 do 23.º do D.Lei n.º 83/2000, de 11 de Maio), quer as Companhias Aéreas quer o SEF exigem autorização de ambos os progenitores para que a criança saia do país, ainda que viaje com um deles, não se divisa qualquer impedimento legal para que, de comum acordo os pais, ou não existindo este, o tribunal, regule as referidas saídas do menor para o estrangeiro em período de férias com um dos progenitores sem autorização do outro, ressalvando os casos em que tais saída possam configurar questão de particular importância (países em conflito em que se levantem questões de segurança, ou noutros em que a estada neles exija a ponderação de quaisquer fatores de risco).