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DIREITO COMUNITÁRIO
CONCORRÊNCIA
DEFESA DA CONCORRÊNCIA
PRIVATE ENFORCEMENT
CARTEL
PRÁTICAS COLUSÓRIAS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Sumário
I. Na prolação de decisão judicial, cabe ao Tribunal pronunciar-se sobre os problemas a solucionar e não sobre perspectivas, motivos, razões ou argumentos; II. Quando, na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, se refere ausência de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (que não contempla gradações ou referentes quantitativos), pretende-se, necessariamente, apontar a absoluta omissão; III. Não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o Tribunal deve julgar equitativamente em função do que tiver dado como provado; IV. É noção firme e segura da jurisprudência da União Europeia a de que reparar danos produzidos no domínio das violações do direito da concorrência emergentes da associação de empresas ou formação de monopólios anti-concorrenciais é sinónimo de apagar os efeitos nefastos da passagem do tempo para os direitos brandidos; V. No caso dos autos, o princípio da efectividade é avesso à consideração de qualquer mecanismo de prescrição de juros ao abrigo do disposto na al. d) do art. 310.º do Código Civil, já que tal conduziria ao não ressarcimento integral dos efeitos da grave prática colusória; VI. Por a obrigação de indemnização emergir de facto ilícito, há mora do devedor independentemente de interpelação; VII. Não existindo liquidez no que tange à obrigação de indemnização gerada pela participação no usualmente denominado «cartel dos camiões», é possível concluir, à luz do demonstrado nos autos, terem sido os contornos desenhados para o cartel, designadamente temporais e relativos à ocultação e dissimulação, na disponibilidade dos neles envolvidos, que determinaram a iliquidez existindo, pois, mora desde a data dos factos geradores de danos; VIII. A mora constitui o lesante na obrigação de reparar os danos por ela gerados; IX. Os juros moratórios devidos são os legais.
Texto Parcial
Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO
ABB, S.A., FERROVIAL SERVIÇOS, S.A. e TRANSFRUGAL – TRANSPORTES DE FRUTAS DE PORTUGAL, S.A., todos com os sinais identificativos constantes dos autos, instauraram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra MAN SE, Sociedade neles melhor identificada, por intermédio da qual peticionaram, com fundamento nos factos por si descritos nos autos, a condenação da Demandada a pagar-lhes quantias pecuniárias a título de indemnização acrescidas de juros de mora vencidos e dos vincendos desde a citação da Ré, até efetivo e integral pagamento.
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos termos que se reproduzem (excluindo notas de pé de página): A. ABB, S.A. [“ABB”]; B. FERROVIAL SERVIÇOS, S.A. [“FERROVIAL”]; C. TRANSFRUGAL – TRANSPORTES DE FRUTAS DE PORTUGAL, S.A. [“TRANSFRUGAL”]; Todas melhor identificadas nos autos, de forma individualizada, Intentaram AÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO, SOB A FORMA DE PROCESSO COMUM, contra MAN SE [entretanto fundida por incorporação na TRATON SE], também melhor identificada nos autos, formulando, a final, os seguintes pedidos: A. A Autora ABB pediu a condenação da Ré no pagamento da quantia de, pelo menos, € 31.500,004, acrescida dos respetivos juros de mora vencidos, no valor de € 23.621,85, e vincendos desde a citação da Ré e até efetivo e integral pagamento. B. A Autora FERROVIAL pediu a condenação da Ré no pagamento da quantia de, pelo menos, € 31.500,005, acrescida dos respetivos juros de mora vencidos, no valor de € 14.025,69, e vincendos desde a citação da Ré e até efetivo e integral pagamento. C. A Autora TRANSFRUGAL pediu a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 37.355,296, acrescida dos respetivos juros de mora vencidos, no valor de 13.115,40, e vincendos, até efetivo e integral pagamento. - Sustentam a sua pretensão na Decisão da Comissão Europeia datada de 19 de julho de 2016, proferida no processo AT.39824, que condenou solidariamente várias empresas fabricantes de camiões, entre as quais a MAN SE, enquanto empresa-mãe, pela conduta da sua filial MAN Truck & Bus AG (de 17 de janeiro de 1997 a 20 de setembro de 2010) e da sua filial MAN Truck & Bus Deutschland GmbH (de 3 de maio de 2004 a 20 de setembro 2010), pelo cometimento, de forma concertada e no período compreendido entre 17/01/1997 e 18/01/2011, da infração única e continuada às regras da Concorrência previstas no artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e no artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu. Alegando, em síntese estreita, que, no âmbito das respetivas atividades, no referido período temporal, adquiriram veículos pesados, com mais de 6 toneladas, novos, da marca MAN, para ressarcimento dos danos advindos da referida infração, pela qual a Ré foi condenada, e, por conseguinte, da responsabilidade que lhe imputam, pedem a sua condenação no pagamento de uma indemnização no valor correspondente a 15,4% do preço de compra de cada veículo, preço esse ainda atualizado com base no deflator do PIB disponibilizado pelo Banco de Portugal, para além dos juros de mora legais vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento. Juntaram, para suporte da sua alegação, além de elementos documentais, pareceres técnico/económicos e requereram a inquirição de testemunhas, tendo a Autora TRANSFRUGAL ainda requerido a tomada de declarações ao seu legal representante. - A Ré, por seu turno, apresentou contestação, pugnando pela sua absolvição dos pedidos, quer por prescrição do direito de cada uma das Autoras, quer por falta de prova. Para o efeito, em síntese estreita, defendeu-se por exceção, por via do apelo da prescrição do direito de cada uma das Autoras, e por impugnação, por via da alegação da não verificação dos pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual e pela inexistência de qualquer dano. Subsidiariamente, advogou pela repercussão desse sobrecusto por cada uma das Autoras nas suas atividades, pelos serviços prestados, junto dos seus clientes. Juntou, para suporte da sua alegação, além de elementos documentais, pareceres técnico/económicos e arrolou testemunhas. - As Autoras responderam à matéria de exceção invocada pela Ré, defendendo a sua improcedência, nos termos que melhor aduzem no seu requerimento de resposta, convidadas que foram a fazê-lo por escrito. Determinou-se a apensação das ações propostas pelas Autoras FERROVIAL e TRANSFRUGAL aos autos principais intentados por ABB. Dispensada a realização da Audiência Prévia, elaborou-se Despacho Saneador; fixou-se o Objeto do Litígio; elencaram-se os Temas da Prova e apreciaram-se os requerimentos probatórios das partes. No decurso dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes, mais concretamente, dos elementos documentais requeridos pela Ré, alegadamente na posse de cada uma das Autoras, a fim de demonstrar os factos atinentes à matéria da repercussão do alegado dano invocada pela Ré, o Tribunal, com vista à descoberta da verdade material e, assim, à boa decisão da causa, mas também atendendo à tecnicidade e à complexidade da matéria em causa, relativamente à qual o Tribunal considerou não estar habilitado a decidir por si, determinou-se a realização de uma perícia ao acervo contabilístico de cada uma das Autoras13, cujas questões foram definidas com a colaboração das partes14,15. Uma vez junto o relatório pericial, com os esclarecimentos subsequentes prestados pelo Senhor Perito, programou-se a Audiência Final, a qual realizou-se de acordo com o formalismo legal. Continuam a verificar-se todos os pressupostos processuais apreciados no despacho saneador, revestindo o processo de todos os elementos necessários para decidir-se de meritis. No caso em apreço, por ordem de precedência lógica, conforme objeto fixado, cumpre apreciar (i) da prescrição do direito de cada uma das Autoras; (ii) da verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar – facto ilícito, nexo de causalidade, culpa e danos; (iii) da quantificação dos danos, incluindo a alegada repercussão; (iv) dos juros de mora.
Foram realizadas a instrução, discussão e julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que decretou: Nestes termos, julgam-se procedentes as ações intentadas contra MAN SE, melhor identificada nos autos e, por conseguinte, condena-se a Ré: A. A pagar à Autora ABB, S.A. a quantia de € 45.458,32 (quarenta e cinco mil, quatrocentos e cinquenta e oito euros e trinta e dois cêntimos), acrescida dos juros de mora civis vencidos no valor de € 40.182,07 (quarenta mil, cento e oitenta e dois euros e sete cêntimos), e vincendos, desde 31/12/2022, até efetivo e integral pagamento. B. A pagar à Autora FERROVIAL SERVIÇOS, S.A. a quantia de € 34.146,73 (trinta e quatro mil, cento e quarenta e seis euros e setenta e três cêntimos), acrescida dos juros de mora civis vencidos no valor de € 20.243,41 (vinte mil, duzentos e quarenta e três euros e quarenta e um cêntimo) e vincendos, desde 31/12/2022, e até efetivo e integral pagamento. C. A pagar à Autora TRANSFRUGAL – TRANSPORTES DE FRUTAS DE PORTUGAL, S.A. a quantia de € 40.866,66 (quarenta mil, oitocentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida dos juros de mora civis vencidos no valor de € 27.278,79 (vinte e sete mil, duzentos e setenta e oito euros e setenta e nove cêntimos) e vincendos, desde 31/12/2022, até efetivo e integral pagamento.
É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por MAN SE, que alegou e apresentou as seguintes conclusões (transcrição feita com substituição das notas de pé-de-página por notas entre parêntesis lançadas no próprio texto por forma a garantir que todos os conteúdos sejam imediata e claramente apreensíveis): 1. Nulidade Parcial Da Decisão Recorrida Por Omissão De Pronúncia (pp. 16-23 das alegações) § 1. A Recorrente invocou nas contestações e nas alegações finais que não lhe pode ser imputada a prática de um ato ilícito correspondente à conduta sancionada pela Comissão, porque foi destinatária da Decisão da Comissão apenas e só na qualidade de empresa-mãe das empresas MAN Truck &Bus AG, e MAN Truck & Bus Deutschland GmbH, e não pode ter tido participação ou envolvimento na conduta. § 2. Tal é o que resulta textualmente do § 95 da Decisão da Comissão: “The following legal entities are held jointly and severally liable for the infringement committed by MAN: (a) MAN Truck & Bus AG, as a direct participant, for its involvement in the infringement (…). (b) MAN Truck & Bus Deutschland GmbH, as a direct participant, for its involvement in the infringement (…); (c) MAN SE, as parent company, for the conduct of its subsidiary MAN Truck & Bus AG from 17 January 1997 until 20 September 2010 and of its subsidiary MAN Truck & Bus Deutschland GmbH from 3 May 2004 until 20 September 2010 […]” (realce e sublinhado nossos) § 3. O Tribunal a quo não apreciou esta questão, limitando-se, na parte em que aprecia a verificação do facto ilícito a concluir, sem se pronunciar sobre a questão oportunamente suscitada pela Recorrente, que, “(…) de acordo com a Decisão da Comissão Europeia mostra-se verificada a existência da infração, ou seja, a prática pela Ré de um facto ilícito – que corresponde à violação do art. 101.º do TFUE” (cf. pp 84-85 da Decisão Recorrida). § 4. A não apreciação da questão suscitada pela Recorrente tem como consequência a nulidade parcial da Decisão Recorrida, o que resulta da conjugação dos artigos 608.º, 2 e 615.º, n.º 2ª alínea d) do CPC, devendo o Tribunal a quo suprir a invocada nulidade através da emissão da pronúncia que é devida. 1.1 Subsidiariamente, nulidade da Decisão Recorrida por falta de fundamentação (pp. 23-25 das Alegações) § 5. Caso se entenda que a ausência de resposta do Tribunal a quo à questão suscitada pela Recorrente é antes um problema de falta de fundamentação, deverá considerar-se que a Decisão Recorrida é parcialmente nula nos termos do artigo 615.º, n.º, 1 alínea b), já que a fundamentação da Decisão Recorrida, na parte em que imputa à Recorrente, a prática de um facto ilícito – por pura remissão para a Decisão da Comissão – não permite à Recorrente perceber as razões de facto e de direito que estão subjacentes a tal decisão. § 6. Como tal, invoca-se, a título subsidiário, a nulidade parcial da Decisão Recorrida por falta de fundamentação na parte que respeita à verificação da existência de um Facto ilícito, enquanto pressuposto da obrigação de indemnizar. 2. RECURSO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO (cf. pp. 25-255 das alegações) 2.1 O erro fundamental do Tribunal a quo: recurso a presunção de dano e presunção de repercussão de dano (cf. pp. 27-37 das alegações) § 7. O Tribunal a quo recorreu indevida e ilegitimamente a duas presunções, através das quais deu como provada (i) a existência de um dano decorrente da conduta sancionada e (ii) deu como provada a repercussão desse dano ao longo da cadeia de comercialização até às Recorridas. § 8. O recurso a tais presunções levou à inversão do ónus da prova que resulta da aplicação do artigo 483.º e do artigo 342.º do Código Civil, desonerando as Recorridas, enquanto potenciais lesadas, da prova da existência de um dano e do nexo de causalidade, bem como da prova da repercussão desse dano a jusante e onerando erradamente a Recorrente com a prova da inexistência do dano. § 9. Não existe, porém, nenhuma presunção legal de dano aplicável aos presentes autos e a factualidade dada como provada (e aquela que deveria ter sido considerada provada, mas não foi) não permite fazer operar uma presunção judicial de dano por falta de elementos que possam consubstanciar um facto-base do qual se possa inferir a existência de um dano. 2.1.1 Inexistência de uma presunção legal de dano aplicável à presente ação (pp. 37-55 das Alegações) § 10. O regime jurídico aplicável à presente ação é o previsto no artigo 483.º do CC. § 11. São ainda aplicáveis as disposições processuais da Lei n.º 23/2018, mas já não as respetivas disposições substantivas, se e na medida em que a sua aplicação revestir natureza retroativa, conforme estabelece o respetivo artigo 24.º. § 12. Em particular, não é aplicável à presente ação o artigo 17.º, nº 2 da Diretiva (transposto através do artigo 9.º, n.º 1, da LPE) que veio estabelecer, inovadoramente, uma presunção ilidível de que os cartéis causam danos. § 13. O Tribunal a quo seguiu o entendimento do TJUE, plasmado no Acórdão Volvo, DAF Trucks referindo que “a presunção ilidível estabelecida no artigo 17.°, n.° 2 não pode ser aplicável ratione temporis a uma ação de indemnização que (…) tem por objeto uma infração ao direito da concorrência que terminou antes da data do termo do prazo de transposição da mesma” (cf. p. 68 da Decisão Recorrida), mas, contraditória e infundadamente, afirma que pode/deve presumir o dano, invocando o princípio da efetividade do Direito da UE. § 14. O princípio da efetividade não serve como via direta para aplicação de uma presunção de dano cuja aplicação retroativa a própria Diretiva exclui nem para chegar a solução materialmente idêntica (cf. neste sentido, o Acórdão do TRL de 12.09.2023, processo 12/19.0YQSTR-L1) § 15. De acordo com a jurisprudência europeia, o princípio da efetividade só deve operar quando o direito nacional restrinja excessivamente ou impossibilite os cidadãos de exercerem direitos atribuídos pelo Direito da EU e não para afastar todo e “qualquer obstáculo de direito nacional que impeça ou restrinja o integral ressarcimento do lesado” (Cf. p. 100 da Decisão Recorrida). § 16. Não foi questionado e muito menos demonstrado na Decisão Recorrida que o direito nacional aplicável impossibilite ou restrinja excessivamente os direitos dos cidadãos que invoquem um dano em decorrência de violação do artigo 101.º do TFUE. § 17. Perscrutadas as normas aplicáveis (designadamente as normas processuais de divulgação de elementos de prova previstas na Lei n.º 23/2018), conclui-se não existir qualquer limitação que convoque a aplicação do princípio da efetividade. § 18. Como tal, o Tribunal a quo não podia, invocando o princípio da efetividade, ter “derrogado” a regra nacional que impõe ao lesado a prova do dano (cf. artigo 483.º e 342.º do CC) e fazer operar uma presunção de dano. § 19. Não existe qualquer decisão dos tribunais europeus em que seja afirmada a existência de uma presunção legal de dano decorrente do artigo 101.º do TFUE em conjugação com o princípio da efetividade, na hipótese de o artigo 17.º, n.º 2 não ser aplicável ratione temporis, como sucede no presente caso. § 20. A Comunicação e o Guia Prático da Comissão a que se alude na Decisão Recorrida, também não apontam nesse sentido, antes pelo contrário. § 21. A aplicação da presunção de dano contida no artigo 17.º, n.º 2 da Diretiva e no artigo 9.º da Lei 23/2018 ou a aplicação de uma solução materialmente idêntica viola os princípios da segurança jurídica e do respeito pelas legítimas expectativas dos cidadãos. § 22. O princípio da interpretação conforme também não permite a aplicação da presunção legal de dano contida na Diretiva, porque tal princípio cede perante os princípios da seguração jurídica e da não retroatividade, só deve ser convocado depois de expirado o prazo de transposição das diretivas e não pode, em qualquer caso, conduzir a um resultado contra-legem. § 23. Deste modo, ao ter aplicado uma presunção de legal de dano não aplicável ratione temporis aos presentes ou tendo chegando a solução materialmente idêntica invocando (erradamente) o princípio da efetividade, o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento. § 24. As normas dos artigos 483.º e 342.º do Código Civil, interpretadas e aplicadas no sentido de, em homenagem ao princípio da efetividade do direito da União Europeia, admitirem uma presunção de dano prevista numa disposição de uma diretiva não aplicável ratione temporis, violam o princípio da proteção da confiança, da certeza jurídica e da não retroatividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias ínsito nos princípios do Estado de direito previsto nos artigos 2.º, 18.º e 20.º da Constituição, o que desde já se invoca. 2.1.2 Impossibilidade de presumir o dano com recurso a uma presunção judicial de dano (pp. 55-76 das alegações) § 25. São várias as referências que o Tribunal a quo faz a supostas regras de experiências (cf. em particular, pp. 70, 73 e 82 da Decisão Recorrida), do que parece resultar que o Tribunal a «a quo» teria ainda recorrido (cumulativa ou alternativamente) a uma presunção judicial para dar como provado o dano. § 26. A forma como o Tribunal a quo fez operar a presunção judicial de dano padece de três erros fundamentais: O primeiro, respeita à Conduta sancionada (facto-base da presunção), que o Tribunal a «a quo» descreve de uma forma substancialmente diferente daquela que consta efetivamente da Decisão da Comissão; O segundo, diz respeito à invocação, de forma genérica e apartada dos contornos concretos do presente caso, de supostas regras de experiência que legitimariam a conclusão de que em face da Conduta Sancionada teria ocorrido um dano; O terceiro, consiste no facto de o Tribunal a quo ter desconsiderado a contraprova produzida pela Recorrente, que é mais do que suficiente para gerar dúvidas sérias e fundadas de que um dano tenha ocorrido. § 27. Quanto ao primeiro erro relativo ao uso de uma presunção judicial: o Tribunal a quo refere não raras vezes a existência de “acordos colusórios sobre a fixação de preços”, adulterando o conteúdo da Decisão da Comissão e o texto do respetivo Resumo, dos quais resulta que houve essencialmente troca de informações sobre preços brutos e aumentos de preços brutos, e não uma concertação para fixação de preços. § 28. O Tribunal a quo invoca a Decisão e o Acórdão Scania, que, contudo, não transitou em julgado e não é oponível à Recorrente sendo que, em qualquer caso, dela não decorre a existência de acordos de fixação de preços ou de efeitos no mercado decorrentes da conduta ali analisada. § 29. Quanto ao segundo erro: o Tribunal a quo apoia-se no facto de a Conduta Sancionada consubstanciar uma restrição por objeto, daí extraindo que é possível que tenha tido "efeito" na distorção ou restrição da concorrência no mercado (cf. p. 72 da Decisão Recorrida). Essa possibilidade não é negada, mas numa ação de private enforcement tem de ser demonstrada e não foi. § 30. Apoiou-se também nas decisões proferidas noutros ordenamentos jurídicos que, contudo, não são relevantes, pois tais decisões não podem fazer presumir a existência de um dano no mercado português, com as suas próprias especificidades, olvidando-se, além do mais, o Tribunal a quo de referir tantas outras decisões que concluíram em sentido oposto. § 31. Apoiou-se ainda no comunicado de imprensa de 27.09.2017, bem como na Comunicação e no Guia Prático, que não são igualmente alicerces idóneos à presunção do dano, já que contêm considerações totalmente genéricas e abstratas. § 32. Os estudos empíricos a que a Decisão Recorrida alude também não podem sustentar uma presunção de dano no presente caso, por um lado porque analisam cartéis onde foi comprovada a existência de acordos de fixação de preços, que não é o caso da conduta sancionada, e existem outros estudos, omitidos na Decisão Recorrida, que concluem que há cartéis (hard-core) ineficazes. § 33. O terceiro erro em que o Tribunal a quo incorreu ao inferir a existência de um dano com base nos elementos anteriormente descritos consubstancia-se na irrelevância atribuída às características do mercado dos camiões e das circunstâncias concretas inerentes à aquisição dos veículos da marca MAN, todas elas alegadas e provadas pela Recorrente e todas elas determinantes para a impossibilidade de, neste caso em concreto, o Tribunal a quo presumir a existência de um dano. § 34. Ao ter presumido a existência de um dano a partir de um factos-base que constituem uma deturpação da Conduta Sancionada, ao ter desconsiderado factos que foram provados e que obstavam à conclusão da existência de um dano e ainda ao exigir, por força da aplicação de uma presunção, que a Recorrente fizesse prova da inexistência de um sobrecusto (quando a Recorrente só teria de fazer contraprova suficiente para gerar dúvidas quanto à verificação do facto presumido), o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento, violando as regras de repartição do ónus da prova previstas no artigo 483.º, conjugado com o artigo 342.º e 346.º do CC. 2.1.3 Inexistência de uma presunção legal e judicial de repercussão (cf. pp 76-93 das alegações) § 35. Após (erradamente) estabelecer, por via presuntiva, a verificação de um dano traduzido num aumento dos preços pagos pelos clientes diretos, o Tribunal a quo, presumiu, em seguida, que esse aumento de preços se repercutiu ao longo da cadeia de distribuição até aos clientes indiretos, ou seja, até às Recorridas (que não adquiriram os veículos em causa na presente ação à Recorrente nem a nenhuma das destinatárias da Decisão). § 36. O Tribunal a quo estava impedido de presumir a repercussão do custo adicional porque a norma contida no artigo 14.º, n.º 2 da Diretiva e no artigo 8.º, n.º 3 da Lei n.º 23/2018 não é aplicável ratione temporis aos presentes autos, pelas mesmas exatas razões que ditam a inaplicabilidade da presunção de dano contida no artigo 17.º, n.º 2 da Diretiva. Tal norma não é, além do mais, aplicável diretamente porque as normas das diretivas não têm efeitos diretos horizontais e não podem ser invocadas em litígios entre particulares. § 37. Uma presunção legal de repercussão também não resulta diretamente do artigo 101.º do TFUE, em conjugação com o princípio da efetividade, pelas mesmas razões expostas a respeito da presunção de dano. § 38. A presunção de repercussão procura mitigar a assimetria de informação entre as partes mas, in casu, tal assimetria não é relevante, já que a Recorrente também não tem acesso nem visibilidade sobre os preços cobrados pelos concessionários aos seus clientes finais. § 39. O Tribunal a quo não poderia ter aplicado uma presunção (judicial) de repercussão porque o facto-base em que a mesma assenta não está também ele provado (a existência de um custo adicional pelos clientes diretos) e ainda porque a Decisão Recorrida é praticamente omissa quanto às concretas regras de experiência concretamente aplicadas pelo Tribunal a quo para fundamentar a inferência lógica que fez. § 40. Além do mais, a acrescer ao facto de as Recorridas não terem produzido qualquer prova sobre esta matéria, a prova produzida pela Recorrente é suficiente para gerar dúvidas sobre a repercussão, designadamente, o facto de serem concedidos sucessivos e substanciais descontos ao longo da cadeia de comercialização, o facto de os preços cobrados a clientes diretos da MAN se terem mantido estáveis, e ainda o facto de os concessionários estabelecerem, de forma totalmente autónoma, os preços que cobram aos clientes finais e os descontos que lhes concedem (cf. capítulo 3.3.4.3, alínea i. e 3.4.1). § 41. Ao ter presumido a repercussão do dano com base em factualidade que aponta inclusivamente em sentido oposto ou que é, pelo menos, idónea a gerar dúvidas sobre a convicção do Tribunal a quo, este incorreu em manifesto erro de Direito. 2.2 FACTOS ERRADAMENTE DADOS COMO PROVADOS PELO TRIBUNAL A QUO (cf. pp. 93-196 das alegações) § 42. Alguns dos factos que foram erradamente dados como provados pelo Tribunal a quo serviram de base às presunções de que o Tribunal a quo erradamente lançou mão – vd., em particular, os factos incluídos nos pontos 25 a 34 da matéria de facto, onde o Tribunal a quo alude às características da conduta sancionada. § 43. Outros factos foram dados erradamente como provados devido ao uso indevido das presunções de dano e repercussão, pelo que, uma vez afastadas tais presunções, terão necessariamente de ser dados como não provados – vd., os factos 58 a 61 que dizem respeito ao custo adicional e à respetiva repercussão. § 44. Há dois outros factos também erradamente dados como provados – facto n.º 40 e facto n.º 56 – que não estão diretamente relacionados com as referidas presunções e que, para facilidade de exposição, se analisarão em primeiro lugar, invertendo assim a ordem sequencial pela qual surgem na Decisão Recorrida. i. Facto n.º 40 (cf. pp. 95-97 das alegações) § 45. O facto n.º 40 tem a seguinte redação: “A Comissão Europeia adotou, desta forma, a Decisão, declarando a prática, pela Ré e pelas restantes destinatárias da Decisão, de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados e a temporização e transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões de média tonelagem e pesados conforme exigido pelas normas EURO 3 a 6, em violação do Artigo 101.º da TFUE e do Artigo 53.º do Acordo EEE– vide artigo 1.º da Decisão (realce nosso)” § 46. Porém, a Recorrente não foi condenada por ter estado envolvida na prática da infração descrita na Decisão da Comissão, mas sim e apenas na qualidade de empresa-mãe de duas entidades do grupo MAN que estiveram, essas sim, envolvidas na conduta sancionada pela Decisão Comissão. § 47. A parte dispositiva da Decisão da Comissão é clara quanto a este ponto: “(…) the following undertakings infringed Article 101 TFEU and Article 53 of the EEA Agreement during the periods indicated: MAN Truck & Bus AG, as a direct participant, for its involvement in the infringement (…); MAN Truck & Bus Deutschland GmbH as a direct participant, for its involvement in the infringement (…) MAN SE, as parent company, for the conduct of its subsidiary MAN Truck & Bus AG (…) and of its subsidiary MAN Truck & Bus Deutschland GmbH from 3 May 2004 until 20 September 2010MAN Truck & Bus AG, as a direct participant, for its involvement in the infringement” (cf. § 95 da Decisão) § 48. Face ao exposto, e atento o conteúdo da Decisão da Comissão, o facto n.º 40 deverá ser alterado nos seguintes termos: A Comissão Europeia adotou, desta forma, a Decisão, declarando a prática, pela MAN Truck & Bus AG, MAN Truck & Bus Deutschland GmbH e pelas restantes destinatárias da Decisão, de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados e a temporização e transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões de média tonelagem e pesados conforme exigido pelas normas EURO 3 a 6, em violação do Artigo 101.º da TFUE e do Artigo 53.º do Acordo EEE– vide artigo 1.º da Decisão” (as alterações estão sinalizadas a negrito) § 49. A alteração deste facto, nos termos indicados, é relevante para a questão da (não) imputação do facto ilícito à Recorrente, matéria desenvolvida no capítulo 4.1 das alegações. § 50. Para completude, admite-se a hipótese de ser aditado um ponto à matéria de facto provada com redação similar à constante do artigo 165.º da Contestação (a redação do artigo 165.º da Contestação é equivalente, respetivamente, ao artigo 151.º da Contestação apresentada pela Recorrente no processo iniciado pela Recorrida Ferrovial e ao artigo 147.º da Contestação da Recorrente apresentada no processo iniciado pela Recorrida Transfrugal antes do despacho que determinou a respetiva apensação) apresentada pela Ré no processo iniciado pela ABB: “No que se refere especificamente às empresas do Grupo MAN, a MAN SE, ora Ré, é destinatária da Decisão da Comissão [apenas e só] na qualidade de empresa-mãe da MTB SE da MTB DE, sendo estas as duas entidades que, no que respeita ao Grupo MAN, foram consideradas como tendo estado diretamente envolvidas na conduta sancionada” ii. Facto n.º 56 (cf. pp 97-109 das alegações) § 51. O Tribunal a quo deu como provado que a Recorrida Transfrugal pagou o preço de 80.000 € pela aquisição do veículo com a matrícula ..-BN-.. (por lapso, na redação do facto n.º 40, o Tribunal a quo indica a matrícula ..-BN-.1, quando a matrícula correta é ..-BN-....7, como aliás resulta da p. 34 da Decisão Recorrida, na qual o Tribunal a quo indica corretamente a matrícula). § 52. O ónus da prova do pagamento do preço e da correspetiva aquisição do referido veículo era da Recorrida Transfrugal. § 53. Para dar como provado o referido facto, o Tribunal a quo baseou-se no depoimento das testemunhas AA e BB e nos seguintes documentos “[Veículo ..-BN-..] – fatura de compra e venda; documento único automóvel” (cf. p. 33 e 34 da decisão recorrida). § 54. Porém, a Autora Transfrugal não juntou aos autos o documento único automóvel do veículo com matrícula ..-BN-.., pelo que a referência feita na Decisão Recorrida ao “documento único automóvel” corresponderá certamente a um lapso. § 55. A Recorrida Transfrugal não juntou aos autos qualquer documento do qual resulte o pagamento do preço relativo ao veículo ..-BN-.., designadamente, o recibo de pagamento nem qualquer outro documento que evidencie que adquiriu o direito de propriedade sobre o referido veículo. § 56. Em particular, a fatura junta aos autos como Doc. 4 da Petição inicial da Transfrugal não prova, por si só, o pagamento do preço, como, aliás, também parece ser o entendimento do Tribunal a quo vertido na Decisão Recorrida no sentido de que, para efeitos de prova da aquisição dos veículos, deveria ter sido carreada para os autos “documentação administrativa posterior dos veículos em nome das Autoras” (cf. pp. 35 e 36 da Decisão Recorrida). § 57. Como tal, terá de concluir-se que o pagamento do preço de 80.000 € não ficou provado porque nenhum documento idóneo para a prova desse pagamento ou, pelo menos, para a prova da transferência do direito de propriedade sobre o veículo para a Recorrida, designadamente a certidão do registo automóvel e/ou o certificado de matrícula desta viatura, foi junto aos autos pela ora Recorrida Transfrugal. § 58. O depoimento das testemunhas que foram inquiridas sobre esta matéria - AA e BB – também não é molde a dar como provado o pagamento do preço de aquisição. § 59. Com efeito, a credibilidade e isenção da testemunha AA ficaram, desde logo, abaladas pelo facto de ter deliberadamente ocultado que foi administrador e que é, ou pelo menos foi, sócio da Recorrida Transfrugal, só depois confirmando esse facto quando expressamente confrontado com ele [cf. sessão 08.02.2023, minutos 01:03:09 a 01:04:06 do ficheiro áudio ...23.wma e certidão permanente da Transfrugal (com o código de acesso ...23, válido até 07.02.2024), inscrições 6 e 4)]. § 60. Mais: ambas as testemunhas confirmaram não ter tido intervenção direta no processo de aquisição da viatura com a matrícula ..-BN-.., sendo que BB só começou a trabalhar na Transfrugal em 2007/2008, dois anos depois da alegada aquisição da viatura (cf. sessão de 08.02.2023, minutos 01:57:56 a 01:00:50 do ficheiro áudio ...23.wma, no que respeita a AA, e sessão de 08.02.2023, minutos 00:00:00 a 00:00:28 do ficheiro áudio ...23.wma, no que respeita à testemunha BB). § 61. Existindo fundadas dúvidas sobre se a Autora Transfrugal pagou o preço do veículo com matrícula ..-BN-.., essa dúvida deve ser decidida em desfavor da mesma, por ser a parte a quem o facto aproveita, em conformidade com o disposto no artigo 414.º do CPC. § 62. Por conseguinte, os factos contidos no ponto 56 da matéria de facto devem ser dados como não provados e, em consequência, deve o mesmo ser eliminado da lista de factos provados. Factos n.º 25 a 34 (cf. pp. 109-117) § 63. Os factos n.º 25 a 34 correspondem a transcrições de vários parágrafos da Decisão da Comissão. § 64. À luz da interpretação que tem sido feita do artigo 16.º, n.º 1 do Regulamento 1/2003, apenas a parte dispositiva da Decisão da Comissão e as considerações que sejam indispensáveis para a sua fundamentação são vinculativas, que é essencialmente o que consta dos artigos 1.º a 4.º, reproduzidos nos pontos da matéria de facto n.ºs 24, 35, 39 e 40 (com a ressalva, quanto a este último ponto, de que a imputação do facto ilícito à MAN SE, que não resulta da Decisão, conforme já referido). § 65. Por essa razão, todo o restante conteúdo da Decisão da Comissão não podia, sem mais, ser convolado em factos. § 66. Como tal, os factos 25 a 34 devem ser eliminados da lista de factos provados. § 67. Caso assim não se entenda, pelo menos, os factos 25, 27, 28, 30 e 31 não podem ser dados como provados nos exatos termos que constam da Decisão Recorrida pois não correspondem fielmente ao texto original em inglês, o único texto autêntico e que faz fé. FACTO N.º 25 § 68. A redação do ponto 25 da matéria de facto, na parte que respeita à tradução do § 29 da Decisão da Comissão, deve ser alterada nos seguintes termos (os segmentos alterados estão sublinhados): (…) 1.3.5. Transparência no mercado dos camiões (29) O setor dos camiões é caracterizado por um elevado grau de transparência. Os Destinatários tiveram acesso a dados concorrencialmente relevantes, como os registos dos camiões através dos registos públicos. Além disso, os produtores de camiões e as respetivas empresas distribuidoras trocavam regularmente impressões com diversas associações do setor. Nalgumas destas associações, verificou-se uma troca de dados sobre a receção de encomendas e os períodos de entrega ou níveis de stock. § 69. O Tribunal a quo traduziu a expressão “had regular exchanges” por “mantiveram uma troca regular de dados” quando a expressão “trocavam regularmente impressões” é a mais adequada. § 70. Não é inócuo, para a caracterização da conduta, manter uma troca regular de dados ou trocar regularmente impressões, pelo que o ponto 25 da matéria de facto deve ser alterado nos termos acima indicados Facto n.º 27 § 71. No facto n.º 27 da matéria de facto, o Tribunal a quo cita, de forma incorreta, o §47 da Decisão, pelo que deve o mesmo ser alterado nos seguintes termos (os termos a alterar estão sublinhados): “Com a troca da informação sobre os preços brutos e as tabelas de preços brutos atuais, juntamente com o recurso a outras informações sobre o mercado, os Destinatários ficaram em melhor posição para calcular os preços líquidos atuais aproximados dos seus concorrentes – dependendo da qualidade das informações sobre o mercado que tinham à sua disposição”. § 72. É completamente diferente afirmar que os destinatários da Decisão calcularam efetivamente os preços líquidos, como se deu por provado no ponto n.º 27 da Decisão Recorrida, ou afirmar, como se lê efetivamente no texto da Decisão da Comissão que os destinatários da Decisão estavam em melhor posição para calcular os preços líquidos aproximados dos seus clientes, dependendo da qualidade das informações sobre o mercado que cada um tinha à sua disposição. Facto n.º 28 § 73. O facto n.º 28, na parte que respeita à tradução do § 49 da Decisão da Comissão, deve ser alterado nos seguintes termos (os termos a alterar estão sublinhados): “(49) Os contactos colusórios nos quais participaram os Destinatários no período de 1997 a 2010 ocorreram na forma de reuniões regulares nas instalações das associações industriais, em feiras comerciais, demonstrações de produtos pelos fabricantes ou reuniões entre concorrentes organizadas para o efeito da infração. Também incluíram trocas regulares por correio eletrónico e chamadas telefónicas. As sedes dos Destinatários (doravante: o Nível das Sedes) estiveram diretamente envolvidas na discussão dos preços, dos aumentos dos preços e da introdução de novas normas de emissões até 2004. A partir, pelo menos, de agosto de 2002, ocorreram discussões através de Filiais alemãs (doravante: o Nível Alemão) que, em graus variáveis, reportaram para as suas respetivas Sedes. § 74. O parágrafo 49 da Decisão (“The collusive contacts engaged in by the Addressees in the period 1997 to 2010 took place in the form of regular meetings at venues of industry associations, at trade fairs, product demonstrations by manufacturers or competitor meetings organised for the purpose of the infringement. They also included regular exchanges via emails and phone calls. The Addressees' headquarters (hereinafter: Headquarter-Level) were directly involved in the discussion of prices, price increases and the introduction of new emission standards until 2004. From at least August 2002 onwards, discussions took place via German Subsidiaries (hereinafter: German-Level), which, to varying degrees, reported to their Headquarters.”), citado no facto n.º 28, emprega o termo “discussions”, pelo que o termo correto em Português seria discussões, mas foi erroneamente traduzido para “negociações”, o que altera o sentido do texto. § 75. No mesmo parágrafo 49 da Decisão, a expressão “reported to their Headquarters” foi traduzida pelo para “seguiam instruções das respetivas Sedes”, deturpando inequivocamente o seu sentido original, de acordo com o qual “[as filiais alemãs] reportaram para as suas sedes”. § 76. A redação do facto provado n.º 28, na parte que respeita ao parágrafo 50 da Decisão, deve ser alterada pelo Tribunal ad quem nos seguintes termos. “(50) Entre os mecanismos colusórios, incluíram-se acordos e/ou práticas concertadas relativas à atribuição de preços e aos aumentos dos preços brutos para alinhar os preços brutos no EEE, e a temporização e a transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões exigidas pelas normas EURO 3 a 6” § 77. O Tribunal a quo traduziu o termo “collusive arrangements”, constante da versão inglesa, para “acordos colusórios”, quando a tradução correta do termo corresponderia a “mecanismos colusórios”. A alteração é relevante porque muda o sentido do texto original, já que mecanismos não equivalem a acordos. Facto n.º 30 § 78. A redação do facto n.º 30 deve ser alterada, no que respeita à transcrição do § 72 da Decisão, nos seguintes termos: (72) São vários os fatores, como as características comuns do conteúdo dos contactos, a identidade e, no caso de alguns dos Destinatários, as sobreposições dos indivíduos que participaram nos contactos, a temporização dos contactos ou a proximidade temporal, que confirmam que os contactos colusórios estavam interligados e tinham uma natureza complementar, uma vez que todos se destinavam a enfrentar uma ou mais das consequências do padrão normal da concorrência no quadro de um plano ao nível do EEE com um único objetivo. § 79. No texto da Decisão Recorrida, o Tribunal a quo utiliza o termo “anular” quando a expressão em inglês é a seguinte “(…) deal with one or more of the consequences of the normal pattern of competition”. § 80. Lidar ou enfrentar as consequências do padrão normal da concorrência, que é o que consta do texto da Decisão da Comissão, não é o mesmo que anular as consequências do padrão normal da concorrência, pelo que o facto n.º 30 deve ser alterado em conformidade com o texto supra indicado. Facto n.º 31 § 81. A redação do facto provado n.º 31, na parte que se refere à transcrição do parágrafo 81 da Decisão, deve ser alterada nos seguintes termos (a alteração encontra-se sublinhada): “(81) O comportamento anticoncorrencial descrito nos anteriores pontos (49) a (60) tem o objetivo de limitar a concorrência no mercado ao nível do EEE. A conduta é caracterizada pela coordenação dos preços brutos entre os Destinatários que eram concorrentes, diretamente e através da troca de informações sobre os aumentos planeados dos preços brutos, da limitação e temporização da introdução da tecnologia que cumpria as novas normas de emissões e da partilha de outras informações sensíveis do ponto de vista comercial, como a receção de encomendas e os tempos de entrega. Uma vez que os preços são um dos principais instrumentos da concorrência, os vários mecanismos adotados pelos Destinatários tinham o objetivo principal de limitar a concorrência em termos de preços na aceção do significado do n.º 1 do Artigo 101.º e do n.º 1 do Artigo 53.º do Acordo EEE” § 82. Com efeito, sendo a expressão em inglês, utilizada pela Comissão Europeia, “arrangements and mechanisms”, não pode a mesma ser adequadamente traduzida para “acordos e mecanismos”, porque “arrangements” não é um sinónimo de acordos, sendo mais adequado o termo “mecanismos”. FACTOS N.º 58 a 61 (pp. 117-196 das alegações) § 83. Os factos n.º 58, 59, 60 e 61, através dos quais o Tribunal estabeleceu a existência do dano e a respetiva quantificação deverão ser todos eles eliminados da matéria de facto dada como provada. § 84. Com efeito, os factos n.º 58 e 59 resultaram essencialmente provados por força da presunção de dano e da presunção de repercussão de dano a que o Tribunal erradamente recorreu. § 85. Afastadas tais presunções, pelas razões expostas nas presentes alegações, cai a base principal em que o Tribunal a quo se alicerçou para dar tais factos por provados. § 86. Por outro lado, também ficou demonstrado supra que não é possível extrair a existência de um dano, muito menos da repercussão a jusante do mesmo até às Recorridas, da Decisão da Comissão, contrariamente ao que parece ser o entendimento da Decisão Recorrida (“(…) partimos do princípio de que a existência de dano resulta da Decisão” p. 82 da Decisão Recorrida). § 87. Tal convicção advém, como já se viu, de uma leitura e interpretação profundamente erradas (e enviesadas) da Decisão da Comissão e do respetivo Resumo publicado no JOUE. § 88. As citações feitas do Resumo da Decisão são particularmente impressivas a este respeito porque se trata de um texto que se encontra redigido em português e, ainda assim, o Tribunal a «a quo» acrescenta à transcrição expressões que dele não constam como o termo “fixação de preços”, o que é decisivo para a caracterização da conduta. § 89. Ademais, o Tribunal a quo reconhece, na p. 73 da Decisão Recorrida, que a Comissão não avaliou os efeitos no mercado nem calculou (quaisquer) sobrecustos que possam ter sido causados pela infração, mas contraditoriamente afirma, logo a seguir, que a existência de um custo adicional e a respetiva repercussão a jusante decorrem, afinal, dos §§ 47, 49, 50, 51, 52, 53, 58, 71 e 75, o que não é verdade. § 90. Daqueles parágrafos da Decisão não resulta, porém, a existência de um custo adicional ou sequer da respetiva repercussão até aos clientes indiretos, apenas deles resultando hipóteses não confirmadas ou referências genéricas a discussões sobre preços líquidos (cobrados a revendedores independentes e não a clientes finais) limitadas no tempo, não havendo qualquer evidência de que tenham abrangido o mercado português ou sequer que esses entendimentos tenham resultado num efetivo aumento dos preços. § 91. As referências à Decisão e ao Acórdão Scania na tentativa de conformar a Conduta Sancionada também não são admissíveis nem idóneas para a prova da existência de um dano, pois trata-se de decisões não transitadas em julgado e, além do mais, não oponíveis à Recorrente. § 92. O que acaba de se expor é, por si só, bastante para que os factos n.º 58 e 59, no qual o Tribunal a quo deu como provado o aumento de preços brutos e a sua repercussão integral nos preços líquidos, não pudesse ter sido dado como provado, devendo, por isso, ser eliminado da lista dos factos provados, bem assim como os factos 59 a 61 que dele logicamente dependem ou com que eles estão relacionados. § 93. Adicionalmente, também a prova produzida nos presentes autos, não permite concluir pela existência de um dano e da respetiva repercussão integral, já que os pareceres técnicos juntos pelas Recorridas, a quem, recorde-se, ao abrigo das normas legais aplicáveis, competia demonstrar a ocorrência do dano que reclamam, não permitem de todo concluir pela verificação de um custo adicional e da respetiva repercussão a jusante em decorrência da conduta sancionada. § 94. Será justo dizer que o Tribunal a quo não atribuiu aos pareceres técnicos das Recorridas, e em particular ao parecer técnico de João Cerejeira, que foi aquele que mereceu o seu acolhimento, particular relevância no que toca à demonstração do dano, antes nele se apoiando para quantificar o dano que, num primeiro momento, presumiu ou extraiu da Decisão da Comissão. § 95. Ora, as razões pelas quais o parecer técnico do Professor Cerejeira não é apto a estimar o valor do presumido dano são essencialmente as mesmas que impedem que tal parecer pudesse ser utilizado como meio de prova da existência de um custo adicional. § 96. Como tal, devem os pontos n.º 58 e 59 ser dados como não provados pelo Tribunal ad quem, e consequentemente, os pontos n.º 60 e 61 que deles dependem. Sem prescindir Facto n.º 60 § 97. Quanto à quantificação do dano, são múltiplas, variadas e inultrapassáveis as fragilidades do Estudo de João Cerejeira, apontadas pela Recorrente, designadamente, através do Parecer Técnico da CL de 17.12.2021 de Resposta aos Pareceres Técnicos da BDO e de João Cerejeira (relativamente à Transfrugal), no Relatório Complementar da CL de 15.02.2022 (relativamente à Transfrugal) e no Parecer Técnico da CL de 02.02.2023 de Resposta aos Pareceres Técnicos de Carlos Dias (relativamente à ABB e à Ferrovial) e do depoimento de Hélder Vasconcelos, um dos autores desse Relatório (cf. excertos do depoimento prestado na sessão de 15.02.2023, ficheiro áudio ...23.wma indicados nas alegações; cf. capítulo 3.3.4.2) § 98. Tais limitações impedem que o facto n.º 60, que contém o valor do sobrecusto determinado pelo Tribunal a quo, possa considerar-se provado, devendo ser eliminado da lista de factos assentes. § 99. Em primeiro lugar, o parecer técnico de João Cerejeira assenta numa base de dados – fornecida pela empresa EMP01...– que tem graves deficiências e limitações que comprometem inevitavelmente a validade e robustez do resultado alcançado. § 100. Perante a indisponibilidade das Recorridas, da P2P, e do Professor Cerejeira para facultar à Recorrente uma cópia integral dos dados por este utilizados, a Recorrente, através da Compass Lexecon, adquiriu uma licença para acesso à mesma base de dados, sob pena de não poder exercer cabalmente o direito ao contraditório. § 101. O Tribunal a quo procurou descredibilizar as duras críticas apontadas pela Recorrente à base de dados levantando suspeitas (não fundadas) sobre se a Compass Lexecon teria analisado os mesmos dados. § 102. Tais suspeitas são descabidas, desde logo porque a testemunha Hélder Vasconcelos afirmou convictamente no seu depoimento que “pedimos exatamente os mesmos dados” e que “(…) nós conseguimos reproduzir a análise dele com pequeníssimas diferenças, o que tem a ver com o facto de alguns camiões aparecerem, entretanto, na amostra que não estavam na amostra dele, mas sim, temos a mesma base de dados”, declaração que, incompreensivelmente, foi ignorada pelo Tribunal a quo (sessão de 15.02.2023, minutos 01:13:36 a 01:14:32 do ficheiro áudio ...23). § 103. Da análise e replicação do cálculo feita pela Compass Lexecon, concluiu-se que a base de dados utilizada por João Cerejeira não é representativa do mercado dos camiões, porque não tem preços de transação e, em particular, não é representativa dos camiões MAN comercializados em Portugal no período temporal abrangido. § 104. A base de dados contém preços brutos de lista dos camiões, que não são preços pagos por nenhuma entidade. § 105. Uma base de dados idónea ao apuramento de um eventual custo adicional teria, pelo menos, de incluir os preços de transação efetivamente cobrados aos clientes diretos da MAN, bem assim como os preços cobrados pelos clientes diretos aos clientes indiretos. § 106. Esta limitação inultrapassável foi reconhecida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão de 12.09.2023, onde refere que João Cerejeira “Não fez a ligação dos preços brutos, aos preços líquidos de venda ao importador (EMP02...), nem destes aos preços de venda às AA. Isto é, o relatório considerou apenas o preço de mercado pelo qual a EMP02... terá vendido às AA (não ponderou quaisquer outras possíveis variáveis de mercado que pudessem ter interferido no preço ao longo da cadeia de distribuição)”. § 107. Por outro lado, a base de dados não é representativa dos modelos comercializados da marca MAN, pois contém vários modelos descontinuados (exemplificativamente, “A base de dados da EMP01... inclui informação sobre os camiões MAN com as séries F2000, L2000 e M2000 até 2013, embora a MAN tenha descontinuado e substituído os camiões F2000 por camiões TGA em 2000, L2000 por TGL em 2005 e M2000 por camiões TGM em 2006” (cf. ponto 3.20, alínea a), p. 16 do Parecer Técnico da CL de 17.12.2021 de Resposta aos Pareceres Técnicos da BDO e de João Cerejeira (relativamente à Transfrugal) e ponto 3.20, alínea a), pp.15 e 16 do Parecer Técnico da CL de 02.02.2023 de Resposta aos Pareceres Técnicos de Carlos Dias (relativamente à ABB e à Ferrovial)). § 108. Nas palavras de Hélder Vasconcelos “(…) a estimação está a utilizar uma mistura de camiões novos com camiões que não são novos. Com valores comerciais, digamos assim, dos camiões” (cf. sessão de 15.02.2023, minutos 01:17:49–01:17:56 do ficheiro áudio ...23.wma). § 109. Ademais, a base de dados da EMP01... não contém quaisquer informações sobre camiões do modelo TGX entre 2007 e 2010, apesar de ser a série MAN mais vendida neste período, ou seja, os modelos de camiões mais vendidos têm o mesmo peso que os modelos com vendas zero. § 110. Os modelos dos camiões adquiridos pelas Recorridas não constam sequer da base de dados da EMP01..., algo que João Cerejeira, no seu depoimento, confirmou não ter sequer verificado. § 111. A base de dados fornecida pela EMP01... não é representativa do mercado dos camiões como um todo porque há marcas sobrerepresentadas e outros subrepresentadas, dando-se o caso de um fabricante com a quota de mercado relativamente baixa ser o que tem maior número de registos na base de dados da EMP01... (cf. figuras 4 e 5 da p. 15 do Parecer Técnico da CL de 17.12.2021 de Resposta aos Pareceres Técnicos da BDO e de João Cerejeira (relativamente à Transfrugal) e as figuras 5 e 6 da p. 15 Parecer Técnico da CL de 02.02.2023 de Resposta aos Pareceres Técnicos de Carlos Dias (relativamente à ABB e à Ferrovial)). § 112. A representatividade dos diferentes fabricantes na base de dados EMP01... e a realidade das vendas das diferentes marcas em Portugal é muito díspar, o que torna a base de dados utilizada inidónea para a estimação de um eventual custo adicional, porque, ao invés do que recomenda o Guia Pratico, não utiliza dados reais, usa dados fictícios ou, pelo menos, desatualizados e incompletos. § 113. O Tribunal a quo não se debruçou devida e seriamente sobre as evidentes limitações da base de dados utilizada pelo Professor Cerejeira e procurou relativizá-las de forma algo leviana, invocando, desacertadamente, aquilo a que o Professor Cerejeira designou de R quadrado. § 114. O Tribunal a quo considera que todas as limitações da base de dados, por mais que sejam, devem ser enquadradas nos “residuais 10% do preço que o método utilizado não justificou” (cf. p. 38 da Decisão Recorrida), pelo que o R quadrado escamotearia todas as deficiências que pudessem ser apontadas. § 115. Tal entendimento decorre de um evidente equívoco sobre o que é o R quadrado: a medida do coeficiente de determinação, R quadrado, nada diz sobre a qualidade da amostra ou sobre a qualidade dos dados, mas antes sobre a escolha das variáveis que compõem o preço, sendo possível obter um R quadrado elevado usando dados insuficientes ou incompletos, que não representam o mercado afetado. § 116. O Estudo de João Cerejeira padece ainda de outro problema insofismável: a escolha de um mercado comparador que não é comparável ao mercado afetado. § 117. João Cerejeira utilizou como mercado comparador o mercado dos veículos comerciais ligeiros de mercadorias, combinado com o mercado dos camiões de marcas não afetadas pela Decisão, embora este tenha uma expressão absolutamente marginal de 2,52% (cf. a este respeito, o depoimento de Helder Vasconcelos, minutos 01:25:44-01:27:09 do ficheiro áudio ...23.wma). § 118. Acresce que o mercado dos veículos comerciais ligeiros de mercadorias não tem as mesmas características que o mercado dos veículos pesados abrangidos pela Decisão, desde logo porque nele estão incluídos veículos que nada têm que ver com veículos pesados, designadamente, furgões, e pick-ups (cf. depoimento de CC, que referiu que a ABB tem atualmente um furgão da marca MAN, mas que “não tem nada a ver com este tipo de equipamento”, referindo-se aos camiões (cf. depoimento prestado na audiência de julgamento de 08.02.2023, minutos 00:32:10 a 00:32:15 do ficheiro áudio ...23.wma) e depoimento de João Cerejeira que afirmou que comparar um furgão com um camião pesado seriam o equivalente a comparar um T1 localizado em Gondomar com um T4 localizado na Foz do Porto; cf. capítulo 3.3.1.2, alínea ii.) § 119. Em segundo lugar, João Cerejeira não cuidou de avaliar se o mercado afetado e o mercado comparador têm as mesmas características, como prescreve o Guia Prático nos §§ 55 e 58. § 120. O pressuposto fundamental para aplicar o modelo das duplas diferenças é o de que a evolução dos preços do mercado comparador e do mercado analisado tem que ser paralela após o período da conduta, ou seja, fora da janela temporal da conduta sancionada, os dois mercados têm que ter uma evolução semelhante. § 121. Este pressuposto não foi verificado por João Cerejeira, que assumiu implicitamente, e sem qualquer base que (i) a tendência dos preços brutos de lista de camiões pesados relativos a fabricantes sancionados pela infração e (ii) a tendência dos preços brutos de lista de veículos ligeiros e camiões pesados de fabricantes que não participaram na conduta sancionada se movem em paralelo após a infração (cf. depoimento de Hélder Vasconcelos, na sessão de 15.02.2023, citado no capítulo 3.3.4.2, alínea ii) § 122. A hipótese das tendências paralelas não se verifica e as Recorridas não demonstraram o contrário. § 123. Existem diferenças na estrutura da procura dos dois mercados que o Prof. Cerejeira ignorou, e que estão enunciadas nos pontos 4.20 e ss., p. 24, do Parecer Técnico da CL de 17.12.2021 de Resposta aos Pareceres Técnicos da BDO e de João Cerejeira (relativamente à Transfrugal) e pontos 4.20 e ss., p. 22, do Parecer Técnico da CL de 02.02.2023 de Resposta aos Pareceres Técnicos de Carlos Dias (relativamente à ABB e à Ferrovial). § 124. Com efeito, as vendas dos dois mercados evoluírem de forma diferente, designadamente, porque o aumento da procura dos veículos ligeiros evolui a um ritmo muito inferior ao aumento da procura dos veículos pesados (cf. pontos 4.20 e ss., p. 24-25, do Parecer Técnico da CL de 17.12.2021 de Resposta aos Pareceres Técnicos da BDO e de João Cerejeira (relativamente à Transfrugal) e nos pontos 4.20 e ss., p. 22-23, do Parecer Técnico da CL de 02.02.2023 de Resposta aos Pareceres Técnicos de Carlos Dias (relativamente à ABB e à Ferrovial). § 125. Por outro lado, porque também ao nível da oferta registam-se diferenças entre os dois mercados: o mercado de camiões pesados é mais concentrado do que o mercado de veículos ligeiros. Concretamente, existem 11 fabricantes de camiões pesados, 7 dos quais correspondem a empresas visadas pela Decisão da Comissão, ao passo que existem 36 fornecedores de veículos ligeiros” (cf. ponto 4.22 do Parecer Técnico da CL de 17.12.2021 de Resposta aos Pareceres Técnicos da BDO e de João Cerejeira, p. 25 (relativamente à Transfrugal) e ponto 4.22 do Parecer Técnico da CL de 02.02.2023 de Resposta aos Pareceres Técnicos de Carlos Dias, p. 23-24 (relativamente à ABB e à Ferrovial) § 126. Consequentemente, o exercício realizado por João Cerejeira é espúrio porque vai imputar à conduta efeitos que não são da conduta. § 127. O Tribunal a quo não se deteve adequadamente sobre a prova produzida pela Recorrente que logrou demonstrar a má escolha do mercado comparador, lendo-se na Decisão Recorrida que a escolha do mercado de camiões "ligeiros" de mercadorias como mercado comparador, “por também fazerem parte do mercado de veículos utilizados na indústria” mostra-se “(…) aceitável diante a inexistência de outro mercado comparativo mais fidedigno e robusto e, por conseguinte, acessível às Autoras” (cf. p. 92 da Decisão Recorrida). § 128. À revelia do prescreve o próprio Guia Prático quanto às condições que têm de estar verificadas para que se possa aplicar o método das duplas diferenças (cf., designadamente, os §§ 57 e 58 do Guia Prático), o Tribunal a quo bastou-se com o facto de os veículos comerciais ligeiros serem utilizados “na indústria” e com o facto de não haver um mercado “mais fidedigno”. § 129. Na ausência de um bom mercado comparador, não é necessário forçar a existência de um, pois existem outros métodos que poderiam ter sido utilizados por João Cerejeira. § 130. Acresce que o apuramento do dano não pode ser feito com recurso a um valor médio, como se verificou no presente caso, tendo antes de ser quantificado relativamente aos concretos veículos da marca MAN, pois são esses os veículos em causa na presente ação. § 131. As razões pelas quais o Tribunal a quo considerou ser admissível calcular o sobrecusto por referência a um valor médio – a dificuldade na quantificação do dano com precisão e o facto de os destinatários da Decisão da Comissão serem solidariamente responsáveis – não são atendíveis. § 132. O Tribunal a quo confundiu duas questões que se situam em planos distintos: a quantificação do sobrecusto, por um lado, e a natureza da obrigação de indemnizar, por outro. § 133. A circunstância de a lei prever que quando há vários infratores a sua responsabilidade é solidária não implica nem pressupõe que o dano seja apurado com base numa média dos preços praticados pelos vários infratores. § 134. O recurso a um valor médio para quantificação do dano pode ter como efeito a sobrepenalização de um ou mais destinatários da infração e o consequente enriquecimento sem causa do lesado ou a subpenalização de um ou mais destinatários da infração e o consequente empobrecimento do lesado. § 135. O dano tem de ser apurado por referência aos preços praticados pelo concreto infrator contra o qual foi proposta a ação, só assim se assegurando que o infrator é punido na justa medida da sua atuação e o lesado recebe efetivamente o valor em que foi lesado. § 136. Não foi demonstrada a impossibilidade de se apurar o dano sem ser com recurso a um valor médio, podendo as Recorridas, designadamente, ter solicitado dados à Recorrente, o que, aliás, esta se disponibilizou para fazer mediante a assinatura de um acordo de confidencialidade. § 137. Assim, não fora as demais limitações do valor de sobrecusto estimado por João Cerejeira, também o facto de ter recorrido a um valor médio torna o resultado apurado não passível de ser considerado pelo Tribunal a quo. Breve Referência ao relatório ADD VALORA apresentado pela Recorrida Transfrugal (cf. pp. 160-163) § 138. Apesar de o Tribunal a quo aparentemente reconhecer que o parecer apresentado pela AddValora tem como limitação o facto de se basear em dados do mercado espanhol (por essa razão, o Tribunal optou pelo mark-up estimado pelo Professor Cerejeira “por se apresentar mais próximo com o caso concreto”), não deixou de lhe atribuir alguma relevância. § 139. Porém, o parecer da AddValora é destituído de toda e qualquer força probatória padece de graves erros que inquinam as conclusões ali alcançadas, designadamente (i) o facto de se basear em preços observados no mercado espanhol, alguns dos quais duplicados e outros invulgares, tal como confirmado pela testemunha Vicente Hurtado Fernandez, autor do referido relatório (sessão de 15.02.2023, ficheiro ...23.wma minutos 00:16:36-0:22:26) (ii) o facto de utilizar o índice de preços de veículo a motor vigente em Espanha e (iii) ainda o facto de incluir no mercado comparador veículos que nada têm que ver com camiões, tais como autocarros e automóveis. § 140. Deste modo, o Relatório AddValora não deve ser considerado para a demonstração da existência de um custo adicional ou sequer para a sua quantificação, e o próprio Tribunal a quo parece ter o mesmo entendimento, apesar de a ele ter feito referência. § 141. As comprovadas limitações e fragilidades da prova produzida pelas Recorridas para a demonstração e quantificação do dano, por um lado, e a contraprova feita pela Recorrente, por outro lado, levam à necessária conclusão de que o facto n.º 60 deve ser eliminado da lista de factos provados, o que implica a eliminação dos factos 59 e 61, que com ele estão diretamente relacionados. Facto n.º 59 (cf. pp. 163-185 das alegações) § 142. Em particular, no ponto 59 da matéria de facto, o Tribunal a quo considerou provado que “Tal aumento nos preços brutos foi projetado, na mesma proporção, nos preços líquidos de venda dos veículos, tendo a Ré fixado um preço superior àquele que seria devido, caso não tivesse ocorrido a referida conduta ilícita.” § 143. Porém, o primeiro pressuposto em que assenta o facto dado como provado pelo Tribunal a quo, i.e. o aumento dos preços brutos, não ficou demonstrado, como se viu a respeito os factos 58 e 60. § 144. Por outro lado, não foi de todo demonstrada a existência de uma relação direta entre um hipotético aumento dos preços brutos e o aumento dos preços líquidos, sendo certo que era às Recorridas que cabia fazer esta prova, face à impossibilidade de aplicação da presunção legal de repercussão prevista no artigo 14.º, n.º 2 da Diretiva e no artigo 8.º, n.º 3 da Lei n.º 23/2018. § 145. Para a formação da convicção do Tribunal a quo, este bastou-se com a circunstância de os preços brutos de lista serem os inicialmente fixados pela sede, para daí intuir que os preços líquidos seriam necessariamente por eles impactados, conjugada com a afirmação de João Cerejeira no sentido de que, para que assim não fosse, ou seja, para que os preços líquidos pudessem não ser influenciados diretamente por um aumento (não demonstrado) dos preços brutos, “os descontos praticados no período do cartel teriam que ser muito expressivos” (cf. p. 37-38 da Decisão Recorrida). § 146. O Tribunal a quo também atribuiu importância ao depoimento de Paulo Moura e Castro que especulou sobre a implausibilidade de os preços líquidos estarem desligados dos preços brutos. § 147. Porém, ambas as testemunhas confessamente desconhecem se os descontos concedidos ao longo da cadeia de distribuição foram ou não “muito expressivos”, porque a base de dados que serve de suporte à sua análise – a base de dados da EMP01... - tem apenas informação sobre os preços de lista brutos e não tem qualquer informação sobre descontos ou sobre preços líquidos (cf. designadamente, depoimento de Paulo Moura e Castro, sessão de 15.02.2023, minutos 00:32:24 a 00:32:36 do ficheiro áudio ...23 e de João Cerejeira na sessão de 09.02.2023, minutos 01:18:26 a 01:18:58 do ficheiro áudio ...23) § 148. O Tribunal a quo desconsiderou o facto de, no seu depoimento, confrontado com um exemplo que lhe foi apresentado em que o preço bruto aumentava e, não obstante, o preço líquido baixava por força do aumento (mais do que proporcional) do desconto, João Cerejeira reconheceu que esta situação é, em abstrato, possível, não tendo, porém, sido contemplada nas conclusões da sua análise, admitindo ainda que a ligação entre os preços brutos e os preços líquidos é, afinal, uma “tendência” e não uma “ligação mecânica ou perfeita” (cf. sessão de 09.02.2023, minutos 01:20:34 a 01:21:04 do ficheiro de áudio ...23) § 149. Tal como desconsiderou o facto de a testemunha Paulo Moura e Castro ter reconhecido só poderia ter a certeza de que os preços brutos condicionam necessariamente os preços líquidos “se existisse uma base de dados que o comprovasse. (…)” (cf. depoimento prestado na audiência de julgamento de 15.02.2023, minutos 00:52:20 – 00:52:37 do ficheiro áudio ...23.wma) e “(…) não podendo haver certezas porque … não existe, não é possível responder de forma … taxativa passou os 15,4 se passou rigorosamente para o preço líquido (…)” (cf. depoimento prestado na audiência de julgamento de 15.02.2023, minutos 00:32:24 a 00:32:36 do ficheiro áudio ...23) § 150. Por seu turno, o Relatório da CL de 20.01.2023 permite concluir, de forma cristalina, que existe um desligamento entre preços de lista e preços líquidos de viaturas da marca MAN, pelo menos, entre 2007 e 2020, por força do aumento crescente dos descontos ao longo do tempo. § 151. Concretamente, a Compass Lexecon fez uma análise aos dois modelos de camiões da MAN mais vendidos, tendo concluído, conforme resulta das figuras 9 e 10 da p. 41 do Relatório de Plausibilidade, que a barra azul (que representa a variação do preço final) e a barra cinzenta (que representa a variação do preço bruto de lista) variam em sentidos contrários e, mesmo quando evoluem na mesma direção, a magnitude da mudança é muitas vezes diferente. § 152. Conforme explicado por Hélder Vasconcelos “(…) o nível de desconto médio, digamos assim, em cada um desses momentos de tempo é elevado o suficiente para colocar os preços a variar em situações opostas ou com magnitudes de variação do crescimento” ( Cf. depoimento prestado na audiência de julgamento de 15.02.2023, minutos 00:52:20 – 00:52:37 do ficheiro áudio ...23.wma). § 153. As limitações apontadas pelo Tribunal a quo à prova produzida pela Recorrente a este respeito, que se traduzem na limitação temporal dos dados utilizados pela Compass Lexecon no que respeita a preços finais (2007-2020), não justificam que o Tribunal a quo, em alternativa, se tenha apoiado nas “crenças” das testemunhas das Recorridas que não têm dados nenhuns sobre descontos e preços de transação. § 154. Sobre este ponto, a testemunha Hélder Vasconcelos referiu não tem razões para crer que os resultados tivessem sido diferentes para os anos anteriores (cf. sessão de 23.05.2023, minutos 00:40:51 a 00:41:06 do ficheiro áudio ...23). § 155. A crítica dirigida pelo Tribunal a quo aos dados utilizados pela Compass Lexecon por serem exclusivamente dados de camiões MAN, não contemplando dados de outros fabricantes, não tem razão de ser, já que nos presentes autos estão causa veículos da marca MAN e não de outros fabricantes, pelo que o que importa é avaliar se houve ou não aumentos preços de camiões MAN. § 156. As suspeitas lançadas pelo Tribunal a quo quanto à “parcialidade” dos dados, por terem sido fornecidos pela Recorrente, são infundadas, desde logo porque não foi feita qualquer prova pelas Recorridas no sentido de descredibilizar os dados utilizados pela CL, cujo acesso foi inclusivamente oferecido, mediante a assinatura de um acordo de confidencialidade, o que foi recusado pelas Recorridas. § 157. De todo o modo, sempre se diga que tais dados são auditados e merecem, nessa medida, credibilidade. § 158. Face ao exposto, o facto n.º 59 não podia ter sido dado como provado, devendo ser eliminado da lista de factos dados como provados. FACTO N.º 61 § 159. O facto n.º 61 decorre necessária e logicamente dos factos 58, 59 e 60, na medida em que diz respeito à quantificação do dano que o Tribunal a quo entendeu que cada uma das Recorridas sofreu, tendo em conta o valor de aquisição das respetivas viaturas. § 160. Não tendo sido demonstrada a existência de um dano, não pode logicamente o facto n.º 61 subsistir como facto provado. § 161. Refira-se, contudo, a título subsidiário, que a quantificação do dano feita pelo Tribunal a «a quo» enferma de dois vícios: vai além do pedido deduzido pelas Recorridas ABB e Ferrovial e contém um erro nos pressupostos de cálculo, no que respeita ao montante indemnizatório fixado a respeito da Recorrida Transfrugal. Nulidade parcial da Decisão Recorrida por condenação ultra petitum § 162. Por referência à Recorrida ABB, a Decisão Recorrida é nula na parte em que excede o valor de condenação de 31.500 €, o que se traduz num valor de 10.500 € por cada um dos três veículos por si adquiridos, acrescido de juros de mora, que foi o pedido especificamente deduzido na respetiva petição inicial. § 163. Outrossim, por referência à Recorrida Ferrovial, a Decisão Recorrida é nula na parte em que excede o valor de condenação de 31.500 €, o que se traduz num valor de 10.500 € por cada um dos três veículos por si adquiridos, acrescido de juros de mora, que foi o pedido especificamente deduzido na respetiva petição inicial. § 164. No decurso do processo e até ao encerramento da discussão em primeira instância, as Recorridas ABB e Ferrovial não ampliaram ou atualizaram o pedido por si deduzido, nos termos do artigo nos termos do artigo 569.º, 2ª parte, do CC. § 165. As Recorridas ABB e Ferrovial juntaram aos autos um parecer técnico que estima um sobrecusto de 15,4% sobre o valor de aquisição dos veículos, mas não ampliaram o pedido simultânea ou posteriormente à junção do parecer. § 166. Os pareceres técnicos são meios de prova e a sua mera junção não equivale à ampliação do valor do pedido nem pode ter esse efeito automático, sob pena de violação do princípio do dispositivo. (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.02.2020; processo n.º 286/17.1T8GVA.C1). § 167. Consequentemente, no que respeita à Recorrida ABB, caso o Tribunal ad quem confirmasse a Decisão Recorrida (o que apenas hipoteticamente se concebe por dever de patrocínio), o valor da indemnização fixado na Decisão Recorrida (45.458,32 €) deveria ser reduzido para a quantia de 31.500 €, devendo consequentemente os juros de mora ser recalculados, por força do disposto nos artigos 609.º, n.º 1 do CPC e 615.º, n.º 1, alínea e) do CPC. § 168. Por referência à Recorrida Ferrovial, caso o Tribunal ad quem confirmasse a Decisão Recorrida (o que apenas se equaciona por dever de patrocínio), o valor da indemnização fixado na Decisão Recorrida (34.134,73 €) deveria ser reduzido para 31.500 €, devendo consequentemente os juros ser recalculados, por força do disposto nos artigos 609.º, n.º 1 do CPC e 615.º, n.º 1, alínea e) do CPC. Erro nos pressupostos de cálculo do valor de indemnização relativo à Transfrugal § 169. O Tribunal a quo não indica expressamente como é que atualizou o valor do suposto sobrecusto relativo à Recorrida Transfrugal, constante das alíneas 61.7, 61.8 e 61.9 do ponto 61 dos factos provados. § 170. Reconstituindo os cálculos da atualização realizados pelo Tribunal a quo, a Recorrente concluiu que este terá aplicado uma taxa de 9,4% ao valor da indemnização a preços de 2018. § 171. Porém, da escassa prova produzida pela Autora Transfrugal a este respeito resultou que tal atualização, quando muito, deveria ser feita a uma taxa de 9,2% e não de 9,4% (cf. depoimento de Paulo Moura e Castro) § 172. Foi também esta a taxa de atualização referida pela Recorrida Transfrugal nas alegações finais. § 173. Assim, o Tribunal a quo deveria, quando muito, ter aplicado uma taxa de 9,2% e não de 9,4% ao valor da indemnização a preços de 2018, o que conduziria a um valor do sobrecusto atualizado a 2022 de 13.597,32 € por cada veículo, inferior ao valor de 13.622,22 € apurado pelo Tribunal a quo. § 174. Por conseguinte, caso, por absurdo, o Tribunal ad quem confirmasse a Decisão Recorrida, designadamente quanto à existência de um sobrecusto e considerasse que é possível apurar o dano com base num valor médio (quod non), então, as alíneas 61.7, 61.8 e 61.9 do ponto 61 da matéria de facto provada deveriam ser alteradas nos seguintes termos: “61.7. Relativamente ao veículo ..-BN-.0 - 13.597,32 €; 61.8. Relativamente ao veículo ..-BN-.. - 13.597,32 €; 61.9. Relativamente ao veículo ..-BN-.2 - 13.597,32 €.” § 175. Diante do exposto, o conjunto de factos incluídos nos pontos 58 a 61 da matéria de facto deveriam ter sido dados como não provados, devendo o Tribunal ad quem, no uso dos seus poderes de substituição, eliminá-los da lista dos factos provados. § 176. Caso o Tribunal entenda manter a decisão recorrida, no que evidentemente não se concede, sempre teria de alterar o facto n.º 61 nos termos supra expostos. FACTOS QUE DEVERIAM TER SIDO DADOS COMO PROVADOS Factos que o Tribunal a quo considerou irrelevantes e que deveriam ter sido dados como provados § 177. O tema da prova B “Factos relativos à conduta ilícita e ao nexo de causalidade” compreende as seguintes alíneas: f. Das características técnicas dos camiões; g. Do processo de negociação e fixação de preços dos camiões; h. Da cadeia de comercialização dos camiões, em Portugal, durante o período da infração; i. Das características do mercado dos camiões e a efetiva concorrência entre fabricantes durante o período da infração; j. Do contexto e diferença entre preços de lista e preços de venda. § 178. Tais alíneas dizem respeito a factualidade alegada pela Recorrente para contraprova da existência de um dano e do nexo de causalidade e sobre a qual foi produzida extensa prova, quer através de pareceres técnicos quer através de prova testemunhal (em particular, depoimentos de Helder Vasconcelos, DD e EE) § 179. Na Decisão Recorrida, o Tribunal a quo não deu uma resposta de provada ou não provada à factualidade contida nas várias alíneas do Tema da Prova B. por considerar que a mesma ficou prejudicada “em face da prova produzida que “culminou na prova dos factos alegados pelas Autoras consubstanciadores dos requisitos da responsabilidade civil (cf. p. 27 da Decisão Recorrida), mas estava vinculado a fazê-lo por força do efeito vinculativo do despacho saneador. § 180. Assim, a Decisão Recorrida é nula na parte em que não se pronuncia sobre a matéria de facto que se reporta ao tema da prova B, pois o Tribunal a quo não podia demitir-se de emitir um juízo de provada ou não provado, mesmo que tivesse considerado que tal factualidade, ainda que provada, não abalava a sua (errada) convicção sobre a existência de um dano. § 181. Aliás, tal é o que parece resultar da Decisão Recorrida, pois ao longo da mesma o Tribunal a «a quo» refere-se abundantemente às características do mercado dos camiões e à forma como os preços são fixados pelos vários intervenientes em termos globalmente coincidentes com o que foi alegado pela Recorrente, o que faz presumir que o Tribunal efetivamente deu como provada a factualidade relativa ao Tema da B., apenas não a tendo considerado suficiente para abalar a sua errada convicção (leia-se presunção) sobre a existência de um dano. § 182. Face ao exposto e à prova concretamente produzida sobre esta matéria, o Tribunal ad quem deverá, ao abrigo do artigo 662.º, n.º1 do CPC e dos poderes de substituição ao Tribunal da primeira instância ali estatuídos, dar como provados os seguintes factos: § 183. Factos relativos à alínea a) do Tema da Prova B), que respeita às “características técnicas do mercado dos camiões” que devem ser dados como provados: a) Os camiões são bens específicos e direcionados às necessidades de cada cliente [cf. artigo 205.º da Contestação (equivalente aos artigos 196.º e 181.º das Contestações apresentadas no processo da Ferrovial e da Transfrugal), provado por depoimento de HÉLDER VASCONCELOS, dia 15.02.2023, minutos 00:05:06 a 00:05:14 do ficheiro áudio ...23, de DD, 23.05.2023, minutos 00:10:02 a 00:12:55 do ficheiro áudio ...23 e de EE, dia 23.05.2023 minutos 00:05:49 a 00:06:45 do ficheiro áudio ...23]; b) Os camiões são produtos intrinsecamente complexos e cada fabricante de camiões, designadamente a MAN, oferece uma ampla gama com centenas de diferentes opções e variantes [cf. artigo 206.º da Contestação (equivalente aos artigos 197.º e 182.º das Contestações apresentadas no processo da Ferrovial e da Transfrugal), provado por depoimento de HÉLDER VASCONCELOS, Hélder Vasconcelos, dia 15.02.2023, minutos 00:05:06 a 00:05:14 do ficheiro áudio ...23, de DD, DIA 23.05.2023, minutos 00:10:02 a 00:12:55 do ficheiro áudio ...23, e de EE, dia 23.05.2023, minutos 00:05:49 a 00:06:45 do ficheiro áudio ...23]; c) O portefólio de camiões comercializados pelo grupo MAN consiste num sistema modular, em que os clientes podem configurar o modelo de camião que mais lhes convém de entre uma variedade imensa de opções, partindo de um veículo-base ao qual podem acrescentar variadíssimos extras [cf. artigo 207.º da Contestação (equivalente aos artigos 198.º e 183.º das Contestações apresentadas no processo da Ferrovial e da Transfrugal), provado por depoimento de HÉLDER VASCONCELOS, dia 15.02.2023, minutos 00:05:48 a 00:06:09 do ficheiro áudio ...23, de EE, dia 23.05.2023, minutos 00:06:45 a 00:07:39 do ficheiro áudio ...23, e de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:13:02 a 00:14:06 do ficheiro áudio ...23); d) Existem, pelo menos, 20.000 modelos-base de camiões MAN, aos quais podem ser acrescentadas diversas variantes (cf. artigos 206.º – equivalente aos artigos 197.º e 182.º das Contestações apresentadas no processo da Ferrovial e da Transfrugal) – e 207.º – equivalente aos artigos 198.º e 183.º das Contestações apresentadas no processo da Ferrovial e da Transfrugal – da Contestação, provado por depoimento de HÉLDER VASCONCELOS, dia 15.02.2023, minutos 00:05:48 a 00:06:09 do ficheiro áudio ...23, de EE, dia 23.05.2023, minutos 00:06:45 a 00:07:39 do ficheiro áudio ...23, e de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:13:02 a 00:14:06 do ficheiro áudio ...23). e) A MAN não fabrica um produto homogéneo simples, mas sim milhares de modelos distintos com preços distintos (cf. artigo 208.º da Contestação – Equivalente aos artigos 199.º e 184.º das Contestações apresentadas no processo da Ferrovial e da Transfrugal –, provado por depoimento de HÉLDER VASCONCELOS, dia 15.02.2023, minutos 00:05:48 a 00:06:09 do ficheiro áudio ...23, de EE, dia 23.05.2023, minutos 00:06:45 a 00:07:39 do ficheiro áudio ...23, e de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:13:02 a 00:14:06 do ficheiro áudio ...23). § 184. Factos relativos ao Tema da Prova B) - alíneas b), c) e e): “Do Processo de Negociação e fixação de preços dos camiões”, “Da Cadeia de Comercialização dos Camiões, em Portugal, durante o período da infração” e “Do contexto e diferença entre preços de lista e preços de venda” a. O departamento central de vendas da Man Truck & Bus SE (subsidiária da Recorrente MAN SE) obtém veículos da fábrica e vende-os a empresas de vendas nacionais do grupo e a importadores independentes. (cf. artigo 244.º da Contestação apresentada no processo da ABB, provado por depoimento de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:04:30 a 00:04:43 do ficheiro áudio ...23.wma); b. A empresa nacional do grupo MAN em Portugal é a MAN Truck & Bus Portugal, Sociedade Unipessoal Lda. (provado por depoimento de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:23:53 a 00:24:05 do ficheiro áudio ...23.wma, e de HÉLDER VASCONCELOS, dia 15.02.2023, minutos 00:38:30 a 00:38:57 do ficheiro áudio ...23.wma). c. O departamento central de vendas da Man Truck & Bus SE fixa os preços brutos de lista dos camiões; (provado por depoimento de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:37:20 a 00:39:06 do ficheiro áudio ...23 e minutos 00:36:08 a 00:36:38 do ficheiro áudio ...23.wma); d. Os clientes finais não têm acesso aos preços brutos de lista, desconhecendo-os. (provado por depoimento de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:37:20 a 00:39:06 do ficheiro áudio ...23 e minutos 00:36:08 a 00:36:38 do ficheiro áudio ...23.wma); e. A MAN Truck & Bus Portugal, Sociedade Unipessoal Lda. adquire os camiões à Man Truck & Bus SE a preços de transferência (cf. artigo 245.º da Contestação, provado por depoimento de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:37:20 a 00:39:06 e minutos 00:39:10 a 00:40:57 do ficheiro áudio ...23 e minutos 00:36:08 a 00:36:38 do ficheiro áudio ...23.wma); f. Os preços de transferência são definidos pela sede (cf. artigo 246.º da Contestação, provado por depoimento de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:37:20 a 00:39:06 e minutos 00:39:10 a 00:40:57 do ficheiro áudio ...23 e minutos 00:36:08 a 00:36:38 do ficheiro áudio ...23.wma); g. Os preços de transferência são os preços de venda grossistas para as empresas de vendas nacionais do grupo MAN, incluindo a MAN Truck & Bus Portugal, Sociedade Unipessoal Lda. (cf. artigo 248.º da Contestação, provado por depoimento de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:37:20 a 00:39:06 e minutos 00:39:10 a 00:40:57 do ficheiro áudio ...23 e minutos 00:36:08 a 00:36:38 do ficheiro áudio ...23.wma); h. Sobre os preços brutos de lista incidem descontos determinados pela sede (provado por depoimento de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:37:20 a 00:39:06 e minutos 00:39:10 a 00:40:57 do ficheiro áudio ...23 e minutos 00:36:08 a 00:36:38 do ficheiro áudio ...23.wma); i. No período da infração, a MAN Truck & Bus Portugal fazia mais vendas a concessionários independentes do que a clientes finais (provado por depoimento de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:22:22 a 00:22:57 do ficheiro áudio ...23); j. O preço pago pelo cliente final (tanto nas vendas feitas pelas empresas nacionais do grupo MAN como nas vendas feitas pelos concessionários) é negociado individualmente e determinado em função de circunstâncias concretas do camião, das características do cliente (designadamente, se encomenda um maior número de camiões, terá maior capacidade negocial) (cf. artigo 227.º da Contestação, provado por depoimento de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:24:16 a 00:30:08, 00:25:25 a 00:26:41 e 00:34:01 a 00:36:39 do ficheiro áudio ...23, de EE, dia 23.05.2023, minutos 00:07:39 a 00:09:37 do ficheiro áudio ...23, e de HÉLDER VASCONCELOS, dia 15.02.2023, minutos 00:08:11 a 00:09:58 do ficheiro áudio ...23); k. Os preços pagos pelos clientes finais não são transparentes (provado por depoimento de HÉLDER VASCONCELOS, dia 15.02.2023, minutos 00:08:11 a 00:09:58 do ficheiro áudio ...23); l. Os concessionários fixam livremente os preços de venda aos clientes finais, decidindo autonomamente os descontos que aplicam (provado por depoimento de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:22:57 a 00:24:16 do ficheiro áudio ...23 e minutos 00:05:39 a 00:08:50 do ficheiro áudio ...23.wma, de EE, dia 23.05.2023, minutos 00:31:50 a 00:32:38 do ficheiro áudio ...23.wma, e de HÉLDER VASCONCELOS, dia 15.02.2023, minutos 00:17:00 a 00:18:20 do ficheiro áudio ...23); m. As empresas do grupo MAN desconhecem o desconto concedidos pelos concessionários e o preço final pago pelos clientes dos concessionários (provado por depoimento prestado de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:22:57 a 00:24:16 do ficheiro áudio ...23 e minutos 00:05:39 a 00:08:50 do ficheiro áudio ...23.wma, de EE, dia 23.05.2023, minutos 00:31:50 a 00:32:38 do ficheiro áudio ...23.wma, e de HÉLDER VASCONCELOS, dia 15.02.2023, minutos 00:17:00 a 00:18:20 do ficheiro áudio ...23); n. Para além do preço, há outros fatores que influem a decisão de compra dos camiões (provado por depoimento prestado por DD, dia 23.05.2023, minutos 00:24:38 a 00:25:25 do ficheiro áudio ...23). § 185. Factos relativos ao Tema da Prova B) – alínea d): “Das características do mercado dos camiões e a efetiva concorrência entre fabricantes durante o período da infração” a) A procura de camiões é altamente cíclica (cf. artigo 220.º da Contestação, provado por depoimento de HELDER VASCONCELOS, dia 15.02.2023, minutos 00:08:40 a 00:09:58 do ficheiro áudio ...23, de EE, dia 23.05.2023, minutos 00:05:25 a 00:05:49 do ficheiro áudio ...23, e de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:04:41 a 00:07:16 do ficheiro áudio ...23, e pelo Parecer Técnico de Plausibilidade e Análise Empírica da CL de 20.01.2023 (cf. pontos 3.24 a 3.26 e Figura 2)); b) Os camiões são adquiridos exclusivamente por clientes empresariais (cf. artigo 221.º da Contestação, provado por depoimento de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:15:11 a 00:15:34 e 00:33:00 a 00:34:01 do ficheiro áudio ...23); c) O aspeto decisivo a considerar na aquisição de um bem de investimento e, em particular de um camião, é o seu custo efetivo ao longo da sua vida útil. Os compradores de camiões levam em linha de conta vários outros fatores além do preço, tais como o custo do combustível, os custos de manutenção, os custos de assistência no pós-venda, entre outros (cf. artigo 215.º da Contestação, provado por depoimento de DD, dia 23.05.2023, minutos 00:15:48 a 00:16:54 e 00:24:38 a 00:25:25 do ficheiro áudio ...23); d) A estrutura de mercado é assimétrica (cf. depoimento de HELDER VASCONCELOS, dia 15.02.2023, minutos 00:10:06 A 00:14:04 do ficheiro áudio ...23 e pontos 3.27 e 3.28 e Figuras 3 e 4 do Parecer Técnico de Plausibilidade e Análise Empírica da CL de 20.01.2023). Tema da prova relativo à repercussão § 186. O Tribunal a quo errou ao julgar não provado “[q]ue as Autoras repercutiram o sobrecusto invocado nos preços praticados junto dos seus clientes” – cf. facto não provado b). § 187. Em primeiro lugar, porque as conclusões do relatório pericial sobre esta matéria, no sentido da inexistência de repercussão a jusante, foram formuladas sem que o Senhor Perito tivesse tido acesso à documentação relevante para a realização da perícia. § 188. Por um lado, a conclusão relativa às Recorridas ABB e Ferrovial é feita sem qualquer tipo de suporte documental – “não validada e não suportada”, como o próprio admitiu (sessão de 08.02.2023, cf. ficheiro áudio ...23, minutos 00:58:32 a 00:58:56) – e baseia-se apenas na afirmação destas Recorridas de que “[o] custo das viaturas não entrou na composição dos preços praticados [aos respetivos clientes]” (cf. pp. 11 e 13 do relatório pericial datado de 15.02.2022); § 189. Por outro lado, a conclusão relativamente à Recorrida Transfrugal é feita (i) sem que tenham sido disponibilizadas por esta faturas anteriores ao ano de aquisição das viaturas que permitissem comparar a efetiva evolução dos preços praticados e (ii) sem qualquer tipo de fundamentação da fixação dos preços (sessão de 08.02.2023, cf. ficheiro áudio ...23, minutos 00:11:04 a 00:12:17 e minutos 00:13:29 a 00:14:34). § 190. No que particularmente respeita à Recorrida Transfrugal, o Senhor Perito desvalorizou oscilações nos preços por reputá-las de “residuais” (cf. p. 5 dos seus esclarecimentos escritos datados de 29.04.2022), apesar de admitir que o impacto do alegado sobrecusto nos preços praticados por esta Recorrida aos seus clientes teria sido meramente residual e que preços estáveis não excluem a ocorrência de uma repercussão (sessão de 08.02.2023, cf. ficheiro áudio ...23, minutos 00:43:10 a 00:45:40). § 191. Em segundo lugar, Tribunal a quo decidiu contra a teoria económica, suportada pelas próprias Orientações da Comissão, pelo Parecer da CL de 03.09.2020 e pelo depoimento da testemunha Helder Vasconcelos, cuja competência técnica foi reconhecida e assinalada pelo Tribunal a «a quo» na Decisão Recorrida (sessão de 15.02.2023, cf. ficheiro áudio ...23, minutos 02:00:40 a 02:03:39; cf. p. 41 da Decisão Recorrida). § 192. Segundo a teoria económica (i) sendo o mercado em causa concorrencial e (ii) tendo todos os adquirentes de camiões sido afetados pelo suposto sobrecusto, uma vez que os fabricantes de camiões sancionados detinham a esmagadora maioria da quota de mercado – pressupostos estes que, aliás, a testemunha da Recorrida Transfrugal AA referiu serem presumíveis e/ou prováveis (sessão da audiência de julgamento de 08.02.2023, cf. ficheiro áudio ...23, minutos 01:29:30 a 01:30:16) –, é forçoso concluir que os adquirentes teriam com toda a probabilidade repercutido qualquer sobrecusto a jusante, se o tivessem suportado. § 193. Em terceiro lugar, o Tribunal a quo suportou a sua decisão no depoimento da testemunha da Recorrida Transfrugal AA, que não deveria ter sido valorado e que é absolutamente inverosímil, por (i) entrar em contradição interna quanto ao período temporal dos dados em que, pretensamente, se sustenta (sessão da audiência de julgamento de 08.02.2023, cf. ficheiro áudio ...23, minutos 00:32:18 a 00:33:09); (ii) por ser contrário à teoria económica elementar e (iii) por não ser coerente com os lucros que disse terem sido apresentados pela Recorrida Transfrugal num período de aumento de custos, o que indicia a sua repercussão nos preços e não a sua absorção. § 194. Face ao exposto, tendo o Tribunal a quo concluído (mal) pela existência de um custo adicional, deveria ter dado como provado o seguinte facto: “[q]ue as Autoras repercutiram o sobrecusto invocado nos preços praticados junto dos seus clientes”. § 195. Caso o Tribunal ad quem conclua pela inexistência de um sobrecusto, como se impõe, a análise deste ponto fica prejudicado, pois não haverá dano passível de repercussão. Recurso da decisão sobre matéria de Direito Inexistência de um facto ilícito imputável à Recorrente MAN SE § 196. A MAN SE não praticou nem esteve envolvida na conduta descrita na Decisão da Comissão, que é causa de pedir da presente ação, e é destinatária da mesma apenas e só na qualidade de empresamãe da MTB SE e da MTB DE, sendo estas as duas entidades do grupo MAN que estiveram diretamente envolvidas na conduta sancionada (cf. ponto n.º 95 da Decisão da Comissão). § 197. O regime legal aplicável não permite responsabilizar a Recorrente MAN SE, no âmbito de um ação de responsabilidade civil extracontratual, pela infração jus-concorrencial praticada pelas MTB SE e MTB DE. § 198. Em primeiro lugar porque o artigo 3.º, n.º 2, da Lei 23/2018, que é uma disposição inovadora na medida em que configura uma responsabilidade objetiva, reveste natureza substantiva e, portanto, não é aplicável ratione temporis à presente ação, sob pena de aplicação retroativa proibida no artigo 24.º da referida lei. § 199. A imputação de responsabilidade a empresas-mãe por ilícito cometido por subsidiária representa uma exceção ao princípio da responsabilidade individual e culposa, e traduz, por conseguinte, uma limitação dos direitos fundamentais das pessoas coletivas, pelo que esta solução só pode ser aplicada quando expressamente prevista na lei. § 200. Sendo aplicável à presente ação o disposto no artigo 483.º do CC, competia às Recorridas a acto ilícito (e culposo), o que, in casu, não podia bastar-se com a mera invocação da Decisão da Comissão, pois a mesma é, por si só, insuficiente para a imputação de um ato ilícito e culposo. § 201. À data da conduta sancionada e até prolação do Acórdão Skanska, uma boa parte da doutrina entendia não ser possível a aplicação do conceito de empresa / unidade-económica no âmbito de ações de private enforcement, outra parte da doutrina interpretava o silêncio do legislador na Diretiva como intencional e demonstrativo da vontade de manter a autonomia dos tribunais nacionais quanto a esta questão e o TJUE nunca se tinha pronunciado sobre a questão. § 202. Os Acórdãos Skanska e Sumal são ambos posteriores ao termo da conduta sancionada e a solução neles adotada não é aplicável à situação em causa nos presentes autos dada a especificidade das situações ali analisadas. § 203. Face ao exposto, não se encontram verificados os requisitos do ilícito e da culpa, pelo que tal bastaria para a absolvição da Recorrente do pedido. Sem prescindir Não verificação do requisito do dano e do nexo de causalidade § 204. Afastada a possibilidade de recurso a uma presunção legal e afastada a ausência de factualidade para se poder operar uma presunção judicial, era às Recorridas que incumbia alegar e provar a existência de um sobrecusto, por um lado, e a demonstração de que esse sobrecusto era causa adequada da conduta sancionada. § 205. Também incumbia às Recorridas a prova de que o alegado sobrecusto tinha sido repercutido em toda a cadeia de comercialização. § 206. Não foi feita prova a este respeito, já que os pareceres técnicos por si apresentados têm várias fragilidades e limitações, como se viu em sede de impugnação da matéria de facto dada como provada. § 207. A ponderação entre a frágil e limitada prova produzida pelas Recorridas e a contraprova apresentada pela Recorrente, designadamente através de pareceres técnicos e da testemunha Hélder Vasconcelos, leva necessariamente à conclusão de que, se alguma dúvida ainda houvesse quanto à verificação do dano, esta teria de ser resolvida contra a parte que tinha o ónus da prova do dano, como decorre do artigo 414.º do CPC. Subsidiariamente, repercussão do hipotético sobrecusto § 208. Como se viu no recurso quanto à matéria de facto (cf. capítulo 3.4.2.1.), o Tribunal a quo, considerando (erradamente) provado a existência de um sobrecusto, deveria ter dado como provado “[q]ue as Autoras repercutiram o sobrecusto invocado nos preços praticados junto dos seus clientes” – facto não provado b) (cf. p. 27 da Decisão Recorrida). § 209. Tendo o Tribunal a quo concluído que “os critérios da lógica e da experiência comum” ou “o princípio da normalidade do acontecer” ditam que, quando os fabricantes de camiões aumentam os preços de lista isso se repercute na mesma proporção e necessariamente nos preços de venda e, águas abaixo, na cadeia de distribuição – cf. pp. 32 e 81 da Decisão Recorrida – , então esse mesmo raciocínio deveria ter sido aplicado à repercussão do alegado sobrecusto pelas Recorridas nos preços que cobram aos seus clientes. § 210. Assim, para a hipótese de improcedência da primeira parte do presente recurso, com a confirmação no todo ou em parte da decisão condenatória proferida em 1.ª instância, deve nesta parte conceder-se provimento ao recurso, operando-se uma redução equitativa do montante do sobrecusto por via da repercussão pelas Recorridas nos preços dos serviços por elas cobrados, absolvendo-se a ora Recorrente total ou parcialmente do pedido. Subsidiariamente: errada quantificação dos juros de mora § 211. A título subsidiário, e apenas para o caso de o Tribunal ad quem confirmar a Decisão Recorrida na parte em que esta condenou a Recorrente ao pagamento de uma indemnização às Recorridas, sempre se dirá que o valor dos juros terá de ser substancialmente reduzido, já que o Tribunal incorreu em quatro principais erros no cálculo dos juros: § 212. Em primeiro lugar, o Tribunal a quo desaplicou incorretamente o artigo 805.º, n.º 3, 2.ª parte do CC, que estabelece a regra de que na “responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação” e estipulou, invocando o princípio da efetividade, que os juros são devidos desde a data de aquisição dos veículos por cada uma das Recorridas, sob pena de estas não serem ressarcidas pela perda de oportunidade de disporem do capital. § 213. Porém, a Diretiva não impõe a cobrança de juros desde o tempo da produção do dano, não prescreve que os lesados têm genericamente o direito a lucros cessantes (a menos, claro, que deles façam prova) e a ressarcibilidade da desvalorização monetária motivada pelo decurso do tempo, que se encontra referida na Diretiva (Considerando 12), encontra-se salvaguardada no direito interno, tanto pelo mecanismo da correção monetária previsto no artigo 566.º, n.º 2, do CC (utilizado pelo Tribunal a quo), como pela obrigação de pagamento de juros de mora (a contar da data da citação ou, se aplicada a referida correção monetária, desde a respetiva decisão atualizadora). § 214. Ao interpretar e aplicar as normas do artigo 805.º, n.º 2, alínea b), e n.º 3, segunda parte, do Código Civil, em articulação com o princípio da efetividade e o disposto no artigo 101.º do TFUE, no sentido de, num caso em que o crédito é ilíquido e emerge de responsabilidade civil por facto ilícito, serem cobrados juros de mora a partir da data da verificação do dano e não desde a data da citação, a decisão recorrida viola o princípio da proteção da confiança e da certeza jurídica ínsitos no artigo 2.º, 18.º e 20.º da Constituição, o que desde já se invoca. § 215. Adicionalmente, deve ainda entender-se que as normas do artigo 805.º, n.º 2, alínea b), e n.º 3, segunda parte, do Código Civil, interpretadas e aplicadas no sentido de, em homenagem ao princípio da efetividade do direito da União Europeia, e mesmo na ausência de norma expressa deste direito em tal sentido, admitir que o início da contagem dos juros coincida com o momento da verificação do dano, viola o princípio da proteção da confiança e da certeza jurídica ínsitos no princípio do Estado de direito previsto no artigo 2.º, 18.º e 20.º da Constituição, o que desde já se invoca. § 216. Em segundo lugar, o Tribunal a quo cumulou, por referência ao mesmo período temporal, a atualização monetária e juros de mora, o que não podia ter feito porque o mecanismo da correção monetária, previsto no artigo 566.º, n.º 2, do CC e o pagamento de juros de mora desempenham idêntica finalidade: evitar que a depreciação monetária no decurso do tempo entre a produção do dano e a fixação da indemnização prejudique o lesado. § 217. O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, em tudo aplicável aos presentes autos mesmo tendo a atualização monetária sido feita por referência a uma data anterior à da sentença, fixou jurisprudência no sentido de que apenas se contam juros desde a decisão atualizadora de primeira instância. Como tal, apenas na falta de atualização, os juros de mora podem ser contados a partir da citação. § 218. Tendo o Tribunal a quo atualizado os valores de indemnização até 31.12.2022, só a partir dessa data poderiam vencer-se juros de mora. § 219. Em terceiro lugar, o Tribunal desaplicou a regra prevista no artigo 310.º alínea d), segundo a qual os juros prescrevem em 5 anos, invocando novamente, sem fundamento atendível, o princípio da efetividade. § 220. Da Diretiva concluir-se com segurança que não há qualquer incompatibilidade entre o regime da prescrição da obrigação de juros constante do artigo 310.º, alínea d), do CC e o regime dela resultante. § 221. O direito singular a cada prestação de juros pode ser afetado pelo decurso do tempo de modo distinto do direito unitário às diversas prestações, sem que tal se traduza numa restrição grave aos direitos conferidos pelo Direito da UE, sendo que a própria Diretiva procura obstar a atribuição de indemnizações excessivas, de índole punitiva (art. 3.º n.º 3) § 222. Ao interpretar e aplicar a norma do artigo 310.º, alínea d) do CC, em articulação com o princípio da efetividade e o disposto no artigo 101.º do TFUE, no sentido de considerar não prescritos juros vencidos há mais de cinco anos, a decisão recorrida viola o princípio da proteção da confiança e da certeza jurídica ínsitos no artigo 2.º, 18.º e 20.º da Constituição, o que desde já se invoca. § 223. Adicionalmente, deve ainda entender-se que a norma do a norma do artigo 310.º, alínea d) do CC, interpretada e aplicada no sentido de, em homenagem ao princípio da efetividade do direito da União Europeia, e mesmo na ausência de disposição deste direito que imponha tal solução, admitir a condenação de uma parte no pagamento de juros de mora vencidos há mais de cinco anos, viola o princípio da proteção da confiança e da certeza jurídica ínsitos no princípio do Estado de direito previsto no artigo 2.º, 18.º e 20.º da Constituição, o que desde já se invoca § 224. Em quarto lugar, o Tribunal a quo calculou o valor dos juros relativamente às viaturas ..-..-RM, ..-DT-.., ..-DT-.6 tomando por referência datas erradas, anteriores à efetiva aquisição dos veículos, o que se traduz num valor de juros (se algum fosse devido, que não é) superior (cf. tabela do § 1059 das alegações e §§ 1064 e 1069 onde se indicam os valores corretos dos juros). § 225. Ademais, por referência aos veículos ..-BN-.0, ..-BN-.. e ..-BN-.2, o valor dos juros está incorretamente calculado porque o valor do capital resulta de uma atualização incorreta do valor de sobrecusto apurado, pelo que, caso, por absurdo, a Decisão Recorrida fosse confirmada, sempre teriam de ser feitas as correções indicadas na tabela constante do § 1071 das presentes alegações. Inexistência de um facto ilícito imputável à Recorrente MAN SE (As conclusões n.ºs 226 a 237 foram suprimidas mediante pedido de rectificação homologado por despacho de 17.10.2023) Nestes termos e nos mais de Direito: a) Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, com isso revogando-se a Decisão Recorrida, a qual deverá ser substituída por acórdão que julgue a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré/Recorrente dos pedidos; b) Subsidiariamente, deve o presente recurso ser julgado parcialmente procedente, revogando-se a Decisão Recorrida, revendo-se a taxa de sobrecusto fixada pelo Tribunal recorrido à luz dos factos e da prova produzida nos presentes autos, tendo-se presente os limites máximos de condenação das Recorridas ABB e Ferrovial quanto ao valores peticionados e tendo em conta que eventuais juros de mora só são devidos a contar da data da atualização do valor da indemnização, ou na falta de atualização, desde a citação; c) Em qualquer caso, reduzir-se qualquer hipotético sobrecusto, por via da repercussão total ou parcial do sobrecusto por parte das Recorridas no valor cobrado pelos serviços prestados com recurso às viaturas em causa nos presentes autos.
ABB, S.A., e FERROVIAL SERVIÇOS, S.A., responderam às alegações de recurso sem apresentar conclusões, tendo sustentado a manutenção do julgado.
Também a Sociedade TRANSFRUGAL – TRANSPORTES DE FRUTAS DE PORTUGAL, S.A., respondeu ao recurso sem apresentar conclusões e sustentando a improcedência total do recurso.
Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. arts. 635.°, n.° 4, e 639.°, n.° 1, ambos do Código de Processo Civil) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.°, n.° 2, por remissão do art. 663.º, n.° 2, do mesmo Código) – são as seguintes as questões a avaliar:
(1) É parcialmente nula a decisão recorrida, por omissão de pronúncia?
(2) A decisão recorrida é nula por falta de fundamentação?
(3) Com fundamento nas razões invocadas no recurso, deve ser alterada a fixação da matéria de facto nos termos aí propostos?
(4) Não existe um facto ilícito imputável à Recorrente MAN SE?
(5) Não se preenchem, no caso em apreço, os requisitos dano e nexo de causalidade?
(6) Deve realizar-se uma redução equitativa do montante do sobrecusto por via da repercussão pelas Recorridas nos preços dos serviços por elas cobrados, absolvendo-se a ora Recorrente total ou parcialmente do pedido? (7) Foi errada a quantificação dos juros de mora feita na decisão impugnada?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto (3) Com fundamento nas razões invocadas no recurso, deve ser alterada a fixação da matéria de facto nos termos aí propostos?
Na referência lançada pela própria Recorrente e constante do índice que fez anteceder as suas alegações, a Impugnante declarou dedicar as páginas 25 a 254 desse encadeado de afirmações à impugnação da matéria facto.
Fê-lo através de um misto de referentes de Direito e de facto sendo que o que lhe cumpria analisar era o material fáctico cristalizado, ou seja, exclusivamente, a prova produzida, lançando mão do estabelecido no art. 640.º do Código de Processo Civil.
Concentra-se neste preceito o contexto técnico de avaliação desta e de qualquer outra impugnação judicial, sendo tudo o que daí extravase é espúrio e não compreendido na faculdade de reacção apreciada.
Será a esse quadro normativo – que esteia a actividade de reanálise nos concretos pontos de facto alegadamente julgados de forma incorrecta e nos também concretos meios probatórios constantes do processo ou de gravação – que se reconduzirá toda ponderação imposta pela impugnação, necessariamente feita ao abrigo daquele artigo – vd., particularmente, o estabelecido nas als. a), b) e c) do n.º 1 do preceito referenciado.
Segundo a Recorrente, foram erradamente dados como provados os factos n.ºs 40, 56, 25 a 34, 58, 59, 60 e 61.
O ponto de facto n.º 40 recebeu o seguinte conteúdo: 40. A Comissão Europeia adotou, desta forma, a Decisão, declarando a prática, pela Ré e pelas restantes destinatárias da Decisão, de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados e a temporização e transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões de média tonelagem e pesados conforme exigido pelas normas EURO 3 a 6, em violação do Artigo 101.º da TFUE e do Artigo 53.º do Acordo EEE – vide artigo 1.º da Decisão.
Conforme lançado no próprio ponto, o mesmo brotou do art. 1.º da Decisão referenciada nos autos – a Decisão da Comissão de 19 de julho de 2016 Relativa a um processo nos termos do artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do artigo 53.º do Acordo EEE (Processo AT.39824 – Camiões).
Neste domínio, a Recorrente propôs uma leitura parcial, abrogante e convenientemente desresponsabilizadora, da decisão proferida. Não era essa a postura exigida a um Tribunal. Essa seria a posição por vezes tolerada, quando protagonizada por uma parte que revela querer furtar-se, seja de que forma for, às suas responsabilidades (mas não defensável em termos de adequação à ética que deverá subjazer a toda a litigação). Seguramente, o Tribunal «a quo» não podia ir por aí, sob pena de gerar um juízo injusto.
É manifesta, na decisão da Comissão, a atribuição de responsabilidade pela colusão, também à Recorrente. E tal resulta, desde logo, do próprio excerto lançado pela Impugnante no parágrafo 47 das suas alegações de recurso.
A decisão atribuiu, de forma insofismável e sem sombra de dúvidas, à Recorrente a grave actuação apreciada.
Aliás, dizer como proposto no § 48 das conclusões de recurso sempre seria idêntico no que tange ao núcleo fáctico que a reacção recursiva tenta afastar, já que a Recorrente sempre se encontraria entre as restantes destinatárias aí referidas.
Desconhece-se o que seja (e não consta da decisão) ser condenada apenas por ser empresa-mãe. Ninguém foi condenado por ser empresa-mãe. As censuras antes se centraram na atribuição de responsabilidade concorrente na qualidade referida.
A Recorrente foi tão censurada na Decisão como qualquer outra Sociedade envolvida na colusão. O seu envolvimento foi tão relevante como qualquer outro.
Aliás, não foi alegado nem demonstrado, como cumpriria fazer, que estejamos perante actividade ilícita alheia à Impugnante. Por isso a Comissão foi muito clara a atribuir à Recorrente responsabilidade pela séria violação de regras axilares de Direito de Concorrência da União Europeia, particularmente do art. 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
É rigorosa e totalmente adequada à prova produzida (leia-se, ao conteúdo da própria Decisão da Comissão Europeia que não foi validamente posto em crise e que constitui elemento não afastável, em toda a sua plenitude, em termos instrutórios) a referência lançada no ponto fáctico que se quis, com grande parcialidade e inadequação gritante, pôr em crise.
Alegadamente por razões de «completude», a Recorrente disse admitir a hipótese de ser aditado um facto (no parágrafo 45 das suas alegações).
É consabido que não se requer num processo admitindo coisas. O que se faz é peticionar expressa e directamente algo. É ainda mais flagrante a necessidade de postura afirmativa e segura quando se impugna a fixação da matéria de facto já que aí domina a imposição de especificar e requerer com precisão e concretude conforme vertido lapidarmente no n.º 1 do art. 640.º do C.P.C.
Tudo agravando, temos que, perante o cristalizado no ponto 40 da matéria de facto – que tem sentido e adequação e plena justificabilidade nos termos enunciados – seria ocioso, logo inútil, logo proscrito pelo princípio da economia processual a alteração admitida e não pedida expressamente.
E também não seria vantajoso para a própria parte fazê-lo já que a conclusão que à Recorrente pareceu favorável nem sequer o seria porquanto nunca se poderia afirmar que em algum momento a decisão da Comissão a teria considerado menos responsável pela grave ilicitude por si cometida e pelas indicadas empresas que usam o seu nome. Quer isto dizer que, ainda que convencesse o Tribunal a cometer o enorme erro técnico e de julgamento por si proposto, nem assim a Impugnante atingiria as suas finalidades. Designadamente por não ter sido validamente impugnado e se manter o vertido no ponto de facto n.º 24 com o seguinte teor: 24. A Ré MAN SE é uma das destinatárias dessa Decisão, a par das seguintes sociedades: MAN Truck & Bus AG e MAN Truck & Bus Deutschland GmbH; AB Volvo (publ), Volvo Lastvagnar AB and Renault Trucks SAS; Grupo Volvo Trucks Central Europe GmbH; Daimler AG; Iveco S.p.A.; Fiat Chrysler Automobiles N.V. e a Iveco Magirus AG; CNH Industrial N.V; PACCAR Inc. e a DAF Trucks N.V.; DAF Trucks Deutschland GmbH.
Sobretudo, não tem adequação ao decidido pela Comissão a separação de responsabilidades nela não verbalizada. O que se fez na decisão foi, antes, descrever as particularidade das condutas sem desresponsabilizar quem quer que seja e, no final, afirmar expressamente (no art. 4.º) ser a mesma expressamente dirigida à Recorrente, entre outras sociedade.
Aliás, não teria sentido o narrado no ponto de facto 21 (e nos pontos posteriores ao n.º 18, inclusive) se fosse outra a conclusão a extrair. De que forma sairia imaculada a Recorrente, conforme pretendido – como se nenhuma relação tivesse com o assunto – se a mesma não brandiu com sucesso essa condição perante a Comissão, antes procurou transigir e daí extrair benefícios? Não se transige quando se está imaculado e nenhuma relação se tem com um tema «incriminador». Isto resulta flagrante dos pontos fácticos que receberam o conteúdo que se transcreve e não admite cosméticas serôdias: 18. No dia 20/11/2014, a Comissão deu início a um processo, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 6 do Regulamento (CE) n.º 1/2003, contra a DAF, a DAIMLER, a IVECO, a MAN, a VOLVO e a RENAULT, e adotou uma comunicação de objeções, a qual foi notificada a estas entidades. 19. Após a adoção da comunicação de objeções, as referidas destinatárias contactaram informalmente a Comissão e solicitaram que o processo prosseguisse no âmbito do procedimento de transação. 20. A Comissão decidiu iniciar procedimentos de transação para o processo em apreço depois de as destinatárias terem confirmado a sua disponibilidade para participarem em conversações de transação. 21. Depois, a MAN, a DAF, a DAIMLER, a VOLVO, a RENAULT e a IVECO apresentaram à Comissão pedido formal de transação, nos termos do disposto no artigo 10.º-A, n.º 2 do Regulamento (CE) n.º 773/2004 da Comissão. 22. O Comité Consultivo em matéria de acordos, decisões, práticas concertadas e de posições dominantes emitiu um parecer favorável a 18/07/2016. 23. E a Comissão Europeia adotou a Decisão datada de 19/07/2016 – Processo AT.39824 – Camiões.
Acresce que o pretendido é que se adicione uma conclusão a um rol de factos olvidando que, à parte lógica da fundamentação fáctica se levam factos (sendo até tautológico afirmá-lo) e não conclusões, sejam elas fácticas ou de Direito – cf., designadamente, o disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 607.º do Código de Processo Civil.
Flui do exposto ser manifestamente improcedente esta vertente da Impugnação que, consequentemente, só pode ir rejeitada, o que ora se concretiza.
A Recorrente quis também criticar a fixação do ponto de facto n.º 56 que recebeu, na sentença recorrida, o conteúdo que ora se enuncia: 56. No que respeita ao veículo ..-BN-.1: a. A Autora, no dia 28.04.2006, adquiriu-o à “EMP03..., S.A.”; b. O preço de venda foi de € 80.000,00 (acrescido de IVA), através da Fatura n.º .... c. A Autora pagou o referido preço.
O Tribunal «a quo» justificou a fixação probatória através da seguinte fundamentação: A factualidade provada descrita nos pontos 43. a 57. resultou do confronto feito dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas na audiência final, os quais foram prestados de forma conhecedora, séria e colaborante e, por conseguinte, credível, a saber: CC; FF; AA e BB, com o acervo documental junto pelas Autoras, precedentemente elencado a respeito de cada uma das viaturas em causa, a saber: [Veículo ..-..-TR] – fatura de compra e venda; certidão de registo automóvel; [Veículo ..-..-SH] – fatura da compra e venda; certidão de registo automóvel; [Veículo ..-..-RM] – contrato de locação financeira mobiliária; título de registo de propriedade; fatura/recibo do valor residual constante do contrato de locação financeira; certidão de registo automóvel; [Veículo ..-IM-..] – fatura de compra e venda; documento único automóvel; certidão de registo automóvel; [Veículo ..-DT-..] – fatura contrato de compra e venda; documento único automóvel; certidão de registo automóvel; [Veículo ..-DT-.6] – fatura de compra e venda; documento único automóvel; certidão de registo automóvel; [Veículo ..-BN-.0] – fatura de compra e venda; documento único automóvel; [Veículo ..-BN-..] – fatura de compra e venda; documento único automóvel; [Veículo ..-BN-.2] – fatura de compra e venda; documento único automóvel. Com efeito, CC, assessor do diretor financeiro da Autora ABB desde o ano de 2000 e, atualmente, desde 2004, diretor financeiro da referida Autora, questionado a respeito e no confrontos com os respetivos documentos, juntos com o requerimento datado de 18/01/2023, atestou a aquisição pela Autora dos veículos da marca MAN, com as matrículas “TR”, “SH” e “RN”, todos novos e com mais de 6 toneladas, nos anos de 2001 e 2002, uma delas através de leasing e as outras por contrato de compra e venda, tendo as viaturas “TR” e “RN”, entretanto, isto é, em 2019 e 2020, sido vendidas. Confirmou o pagamento integral dos respetivos preços e o cumprimento integral do contrato de locação financeira mobiliário. Pese embora tenha afirmado não ter tido intervenção direta na compra das viaturas, lembrou que, à data, a Autora tinha outras viaturas pesadas de outras marcas, VOLVO e MERCEDES, sendo que o critério de escolha das viaturas assentava em diversos fatores, como o preço, os consumos, a capacidade do motor, a potência de cada uma das viaturas, bem assim às relações comerciais existentes com os concessionários das respetivas marcas, tendo a ideia de que não havia grande diferença entre os preços das diversas marcas e que a negociação existente não tinha grande expressão no resultado final. FF, responsável pela frota da Autora FERROVIAL desde 2007 e seu responsável de vendas na zona norte no período de 2001 a 2007, confrontado com os respetivos documentos, atestou a aquisição, através de contratos de compra e venda diretas, celebrados pela Autora com a concessionária MAN PORTO, no ano de 2007, das três viaturas em causa, todos tratores, novos, com mais de 6 toneladas e com as matrículas “IM”, “DT” e “DT-26”, bem assim o pagamento integral dos respetivos preços. Referindo que teve intervenção direta na compra destas três viaturas, explicou o respetivo processo de escolha, entre as diversas marcas existentes no mercado, face à função pretendida dar à viatura, bem assim ao serviço pós-venda, garantia ou condições de pagamento que cada marca oferecia, uma vez que a margem de negociação do preço era muito curta. AA, gestor de empresas e responsável pela área comercial da Autora TRANSFRUGAL desde o ano de 2018, não obstante ser filho do sócio maioritário da Autora e ter sido administrador da Autora durante um ano, não deixou de merecer a atenção do Tribunal, tendo deposto com isenção e de forma colaborante. Dada a relação de proximidade com o sócio da Autora, seu pai, disse ter estado sempre inteirado dos seus negócios, recordando-se que as três viaturas em causa, novas e com 40 toneladas, foram adquiridas pela Autora em simultâneo. Confrontado com a respetiva documentação, recordou terem sido adquiridas a pronto pagamento, sem recurso a financiamento e registadas em nome da Autora. Referiu ainda, pese embora não tenha tido intervenção direta na respetiva compra, que foram as primeiras viaturas da marca MAN adquiridas pela Autora, para experimentar, uma vez que o seu preço não se distanciava muito das demais marcas existentes no mercado. Recordou ainda sobre o momento em que teve conhecimento do “cartel” em causa e da possibilidade de intentar a presente ação, isto é, numa reunião com os advogados da Autora, no ano de 2019, tendo ficado surpreso com a referida situação. BB, administrador da Autora TRANSFRUGAL desde o ano de 2007/2008, no confronto com a documentação das viaturas em causa, recordou a sua aquisição, em parte através da retoma de cinco viaturas usadas, tendo o preço sido totalmente pago. Cumpre aqui dizer, face à ausência de alguma documentação das viatura em causa, que não podermos olvidar a inexistência de um dever de conservação da documentação de suporte das operações, sequer da própria contabilidade, que cubra o período do cartel, conforme, desde logo, resulta das disposições legais contidas nos artigos 130.º, n.º 1 do CIRC, 52.º do CIVA e 40.º do Código Comercial, o que gera uma situação de dificuldade probatória para as Autoras, que não pode ser argumentada com precisão por quem, através da sua conduta, deu origem à mesma, mantendo o cartel em funcionamento desde janeiro de 1997 a janeiro de 2011, sem que o mesmo tivesse sido revelado aos lesados até abril de 2017, através da publicação da Decisão. E, relativamente ao pagamento do preço do veículo ..-..-RM, através de contrato de locação financeira celebrado pela Autora ABB, e, portanto, "com fundos não próprios", basta referir que a lesada, enquanto adquirente do veículo, é quem celebra o contrato e adquire o bem, sendo irrelevante para este efeito a proveniência dos fundos, questão essa que afetará e as relações obrigacionais da lesada com a locadora financeira e não com a aqui Ré. Consideramos, assim, bastante para efeitos de prova da aquisição pelas Autoras dos veículos em causa, a apresentação de documentação que, de acordo com os critérios da normalidade, comprove a aquisição dos veículos, tal como, por exemplo, as faturas de compra e venda e o contrato de locação financeira mobiliário, acompanhados da documentação administrativa posterior dos veículos em nome das Autoras (como por exemplo o registo automóvel e/ou o certificado de matrícula), cuja veracidade não foi posta em causa pela Ré, quando, ademais, não adveio aos autos qualquer facto que evidenciasse uma qualquer reclamação por parte da vendedora e/ou da locadora financeira quanto ao cumprimento do contrato, conforme as testemunhas arroladas pelas Autoras confirmaram.
Deste conjunto de argumentos extrai-se um elemento que confere razão à Recorrente no que tange ao seu pedido de rectificação. Efectivamente, parece seguro que o Tribunal «a quo» quis referir, no facto n.º 56, a matrícula «..-BN-..» e não a aí indicada.
Por assim ser, admite-se esse pedido de correcção de lapso lançando-se, infra, a menção adequada, aquando da transcrição do facto apontado.
Quanto ao mais, analisemos o fundo da impugnação.
O acolhimento do facto colocado em crise nesta parte do recurso resultou da combinação do conteúdo de um documento (a factura n.º ..., cuja adequação à realidade não foi posta em causa pela Demandada/Recorrente) com uma dupla de prestações orais em audiência – de AA e BB (nos termos acima trasncritos e que não contêm descolagem do efectivamente ocorrido) – em associação com uma noção essencial, a saber: a existência do cartel esteve oculta dos lesados desde Janeiro de 1997 (18) até abril de 2017, associada à «inexistência de um dever de conservação da documentação de suporte das operações, sequer da própria contabilidade, que cubra o período do cartel, conforme, desde logo, resulta das disposições legais contidas nos artigos 130.º, n.º 1 do CIRC, 52.º do CIVA e 40.º do Código Comercial».
Não se notam vícios neste raciocínio de articulação e na formulação deste critério associado e complementar.
Mal seria se a lesante fosse a beneficiada da passagem do tempo que esteve na sua disponibilidade. Menos se divisa descolagem dos concorrentes resultados complementares assumindo relevo, quanto aos depoimentos, os transcritos por escrito nos art.s 172, 175, 179, 180 e 181 da resposta às alegações de recurso apresentada pela Sociedade TRANSFRUGAL – TRANSPORTES DE FRUTAS DE PORTUGAL, S.A.
Neste ponto, devemos ter presente que estamos diante de um pedido que deve ser lido como pretensão de análise da eventual existência de erros na consideração do valor dos meios probatórios colocados à disposição do Tribunal, ou seja, de apreciação da adequação técnica e sensatez da formação da convicção do órgão jurisdicional recorrido, designadamente considerando a eventual indiferença a determinados meios ou a sustentação da cristalização fáctica em elementos inidóneos para o efeito.
A conclusão no sentido da existência de tais erros só se poderá atingir quando esses meios se revelarem inequívocos no sentido pretendido pelos Recorrente ou quando não sejam contrariados por outros de igual ou superior valor demonstrativo ou fidedignidade.
Não se deverá olvidar, em tal intervenção, o que ensinavam, a propósito da imediação, o Prof. Antunes Varela e Outros in «Manual de Processo Civil», 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 657: «Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar».
Há, assim, lugar à avaliação do respeito das normas adjectivas vigentes em sede de instrução, da ponderação de todos os meios probatórios colhidos e da concessão, a estes, da devida força demonstrativa. O mais situa-se no âmbito do exercício da prerrogativa de avaliar livremente a prova.
Não se divisam erros lógicos, técnicos ou de ponderação.
Não consta dos autos admissão de factos negativos pela parte contrária, relativamente a tal matéria, nem qualquer documento faz prova inafastável, de sentido oposto.
Não se vislumbra qualquer meio instrutório preterido na atenção do Tribunal «a quo».
A Recorrente, pondo em crise a avaliação feita pelo Órgão Jurisdicional, não logrou indicar meio instrutório que impusesse necessariamente decisão distinta da proferida em sede de ponderação fáctica.
Afinal, a tese da Recorrente assentou num inaceitável desprezo pelo factor tempo excessivo e pelas dificuldades demonstrativas associadas, a si marcadamente atribuíveis, designadamente pelo arrastamento do cartel com vista a dilatar proveitos.
Baseou-se, também, no mero lançamento de suspeita de ausência de conhecimento e isenção dos depoentes (não patentes nos autos) e na exigência de ciência directa e coeva como única forma de aceder aos elementos narrados (o que não tem sentido intrínseco e tornaria muito afunilada e geralmente impossibilitada a prova numa miríade de casos – sobretudo nos assinalados pela longa duração temporal, falecimento, despedimento, demissão ou incapacitação dos directamente envolvidos – apesar da manutenção de afloramentos fácticos percepcionados por pessoas envolvidas de forma indirecta e ulterior).
Não se vislumbra sentido e adequação na abordagem, parcial e menos justa e equidistante, da Recorrente (por assentar, ao contrário do patenteado pelo Tribunal, numa visão unilateral e interessada bem distinta da assumida pelo Órgão Jurisdicional).
É flagrantemente negativa a resposta à problemática analisada nesta vertente do recurso.
Segundo a Recorrente, os pontos de facto n.ºs 25 a 34 correspondem a transcrições de vários parágrafos da Decisão da Comissão sendo que «apenas a parte dispositiva da Decisão da Comissão e as considerações que sejam indispensáveis para a sua fundamentação são vinculativas».
Há aqui, ressalvado o sempre presente e pressuposto respeito devido, um muito elementar e flagrante lapso de raciocínio: o carácter vinculativo referido pela Recorrente reporta-se à força jurídica intrínseca do aí vertido e não ao seu relevo instrutório.
O indicado pela Recorrente não tem relação com o acto de julgar e com o poder dos Tribunais de livremente avaliarem a prova, fixarem os factos e a tudo atenderem com vista ao apuramento da verdade.
A Justiça proposta, se não atendesse a todos os elementos constantes dos autos e, sobretudo, aos resultados de longa investigação conduzida por entidade isenta e e desinteressada seria uma Justiça cega, protagonizada por actores tíbios e parciais.
No quadro sugerido e bem contrário ao que resulta da lei, ou seja, do Direito adjectivo constituído, um juiz, tendo nos autos um documento com determinado conteúdo, não colocado em crise quanto à sua existência, contexto de emissão, esteio das percepções narradas, referências internas, conclusões e dispositivo nunca poderia afirmar descrever dar como provado o conteúdo de um documento e, a jusante, daí extrair conclusões em função da metodologia da recolha das constatações e sua fidedignidade.
É até difícil entender a afirmação de recurso apreciada atenta a qualidade técnica que se presume em quem assim alega e às expectativas a ela associadas.
É muito claro que o Tribunal tinha a obrigação de ver. E ver era ler os conteúdos escritos, não impugnados e tidos por fidedignos, constantes dos autos, e deles extrair os de relevo (e, mais tarde, concluir de acordo com o seu livre poder de avaliar a prova e conferir-lhe sentido).
Não estamos a falar da imposição aos Tribunais de sentidos e orientações. Falamos de instrução, avaliação do seu sentido e acto de julgar.
Encontramo-nos muito longe da fattispecie do n.º 1 do art. 16.º Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° e 82.° do Tratado [ou do n.º 5 do art. 39.º do Regulamento DMA – Regulamento (UE) 2022/1925 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de setembro de 2022 relativo à disputabilidade e equidade dos mercados no setor digital e que altera as Diretivas (UE) 2019/1937 e (UE) 2020/1828 (Regulamento dos Mercados Digitais)], que se reporta à obrigação de os Tribunais nacionais evitarem tomar decisões contrárias às decisões da Comissão Europeia com vista a garantir a «aplicação uniforme do direito comunitário da concorrência» e a operacionalidade do sistema de Direito da União Europeia de protecção da concorrência (sendo também manifesto que a valoração e ponderação da prova não se confundem com o dispositivo final – leia-se «decisão» – esteado na subsunção de facto e de Direito.
Bem andou o Tribunal «a quo» ao seleccionar e transcrever os excertos de documento não posto em crise e válido na sua força demonstrativa (aliás publicado pela Comissão Europeia), que reputou relevante para a decisão dessa Comiossão (escolha não sindicada no recurso).
Nada há a reparar nessa intervenção do Órgão Jurisdicional, devendo manter-se os referenciados pontos de facto.
Em âmbito conexo, a Recorrente entendeu dever também questionar as traduções vertidas nos factos dados como provados.
A este propósito, importa referir como linha de advertência inicial que foi assinalado na publicação da decisão europeia em apreço nos autos, apenas era dotada de fé a sua versão em língua inglesa, o que significa que, em caso de surgimento de dúvidas interpretativas, sempre seria o texto de língua inglesa a ser usado como elemento definidor deconteúdos. A este nível, pois, o regime da União Europeia pretendeu sobrepor-se às regras adjectivas nacionais que impõem o uso da(s) língua(s) própria(s) nos respectivos processos internos, como ocorre no caso português.
Feita esta advertência, há que tornar bem claro e verbalizado que um Tribunal (ainda que superior) não assume, em sede de recurso, a função de órgão supremo de um qualquer conselho de tradutores.
As questões de tradução não se inserem, manifestamente, no n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, que refere incorrecção de julgamentos e não de traduções, sendo que, como se deverá saber, o acto de avaliar prova e definir factos como correspondendo à realidade é radicalmente distinto do de conversão linguística.
Acresce que não foi suscitado o processado incidental previsto no n.º 2 do art. 134.º do Código de Processo Civil nem foi cumprido o disposto no n.º 1 do art. 134.º, por referência ao comando geral lançado no n.º 1 do art. 133.º que impõe o uso da língua portuguesa nos actos judiciais internos.
Estamos, no presente contexto, situados à margem do estabelecido no referido art. 640.º, no que se refere às questões relativas à tradução afeiçoada aos interesses de parte. Não há traduções superiores quando se comparam conversões linguísticas não profissionais e situadas à margem do apontado regime.
Nada há, pois, também, a alterar nos pontos de facto n.ºs 25 a 34, com fundamento nas razões invocadas.
Pretende, ainda, a Recorrente a eliminação dos pontos n.ºs 58, 59, 60 e 61 da fundamentação de facto. Tais pontos têm o seguinte conteúdo: 58. A Ré, em conluio com outros fabricantes de camiões, aumentou, de forma ilícita, intencional, coordenada e continuada, com os seus concorrentes, os preços brutos dos camiões de peso superior a 6 toneladas, que fabricou e comercializou, diretamente ou através da sua rede de distribuição, no período de 17 de janeiro de 1997 a 20 de setembro de 2010. 59. Tal aumento nos preços brutos foi projetado, na mesma proporção, nos preços líquidos de venda dos veículos, tendo a Ré fixado um preço superior àquele que seria devido, caso não tivesse ocorrido a referida conduta ilícita. 60. O aumento do preço fixou-se num mark-up (diferença entre o valor cobrado por um determinado produto num contexto de cartel e o valor que deveria ser cobrado caso esse produto fosse vendido num contexto competitivo) de preço de, pelo menos, 15,4% por veículo. 61. A Autoras, ao pagarem os preços mencionados para a aquisição dos veículos, suportaram o referido sobrecusto, nos seguintes valores, correspondentes a 15,4% do preço de compra de cada veículo, atualizado a preços constantes do ano de 2022, com base no deflator do PIB disponibilizado pelo Banco de Portugal [disponibilizado pelo Pordata | Banco de Portugal referente ao período de 2018 (1,0971), ao qual acresce o impacto da taxa de inflação apurada/projetada pelo INE | Pordata para os anos de 2019 (0,3%), 2020 (0%), 2021 (1,3%) e 2022 (7,8%)]:
O Tribunal «a quo» verbalizou da seguinte forma a fundamentação da cristalização fáctica de tais números: O Tribunal assentou a sua convicção nos termos expostos, atendendo: (i) À posição assumida pelas partes nos respetivos articulados e nos seus requerimentos subsequentes, às regras de distribuição do ónus da prova, bem assim aos seguintes elementos de prova: (ii) Documentos juntos pelas partes, carreados para os autos e de consulta pública, a saber: Decisão da Comissão Europeia datada de 19/07/2016 – Proc. AT.39824 - Camiões (cujo único texto autêntico é o inglês); Resumo da Decisão da Comissão Europeia publicada no Jornal Oficial da União Europeia; Comunicado de imprensa emitido pela Comissão Europeia datado de 20/11/2014; Comunicado de imprensa da Comissão Europeia sobre a sua Decisão, datado de 19/07/2016; Artigo publicado na SIC Notícias em 19.01.2011: “Fabricantes de camiões como Daimler, Volvo, Scania ou Man sob investigação”; artigo publicado no Financial Times em 18.01.2011: “Brussels swoops on truckmakers”; artigo publicado no Financial Times em 03.03.2011: “Truckmakers in Brussels antitrust probe”; artigo publicado na Transportes & Negócios em 26.11.2014: “Volvo provisiona 400 milhões 19 Relatado pelo Senhor Conselheiro Nuno Pinto Oliveira, no proc. n.º 4821/16.4T8LSB.L1.S2, consultável in www.dgsi.pt por suspeitas de cartel” e artigo publicado no Financial Times em 23.12.2014: “Top truckmakers operated cartel for 14 years, says EU”; Certidão permanente da Autora TRANSFRUGAL, consultável on-line; [Veículo ..-..-TR]: Fatura de compra e venda; Certidão de Registo Automóvel; [Veículo ..-..-SH]: Fatura da compra e venda; Certidão de Registo Automóvel; [Veículo ..-..-RM]: Contrato de locação financeira mobiliária; Título de Registo de Propriedade Fatura/recibo do valor residual constante do contrato de locação financeira; Certidão de registo automóvel; [Veículo ..-IM-..]: Fatura de compra e venda; DUA; Certidão de registo automóvel; [Veículo ..-DT-..]: Fatura contrato de compra e venda; DUA; Certidão de registo automóvel; [Veículo ..-DT-.6]: Fatura de compra e venda; DUA; Certidão de registo automóvel; [Veículo ..-BN-.0]: Fatura de compra e venda; DUA; [Veículo ..-BN-..]: Fatura de compra e venda; DUA; [Veículo ..-BN-.2]: Fatura de compra e venda; DUA; Impressões do website da Autora FERROVIAL e fotografias dos veículos com as matrículas ..-DT-.., ..-DT-.6 e ..-IM-..; (iii) Pareceres técnico-económicos juntos pelas partes, a saber: Relatório “Reclamação de Danos”, datado de 16.01.2023, apresentado pelas Autoras ABB e FERROVIAL20; Relatório “Reclamação de Danos”, datado de 16.09.2019, da autoria do Professor João Cerejeira, apresentado pela Autora TRANSFRUGAL21; Relatório datado de 01.10.2019, “Sobre os prejuízos económicos suportados pela Transfrugal Transportes de Frutas de Portugal S.A., ao adquirir os camiões de matrículas: ..-BN-.0, ..-BN-.. e ..-BN-.2, devido ao cartel em que participou a fabricante MAN”, da autoria da ADDVALORA GLOBAL, apresentado pela Autora TRANSFRUGAL22; Relatório datado de 22.06.2020, “Cartel dos Camiões Estimação do mark-up praticado durante o período em que vigorou o cartel”, da autoria do Professor João Cerejeira, apresentado pela Autora TRANSFRUGAL23; Relatório datado de 22.06.2022 “METODOLOGIAS APLICÁVEIS À QUANTIFICAÇÃO DE DANOS ECONÓMICOS EM CARTÉIS: O caso concreto do 20 Refcia Citius ... e ... Refcia Citius ... do apenso D) 22 Refcia Citius ... do apenso D) 23 Refcia Citius ..., do apenso D) Cartel dos Camiões”, da autoria da BDO II Advisory, S.A., apresentado pela Autora TRANSFRUGAL24; Relatório “Contributos para respostas ao Estudo: “Sobre a Plausibilidade dos Efeitos nos Preços da Conduta Sancionada no Caso dos Camiões” – COMPASS LEXECON, datado de 30.09.2020, apresentado pela Autora TRANSFRUGAL25; Relatório “Resposta às conclusões do Estudo: “Avaliação económica dos relatórios periciais elaborados pela BDO II Advisory, S.A. e pelo Senhor Professor Doutor João Cerejeira” – COMPASS LEXECON”, datado de 21.01.2022, da autoria do Professor João Cerejeira, apresentado pela Autora TRANSFRUGAL26 Estudo OXERA, intitulado “Como avaliar os efeitos da infração no Caso de Camiões”, apresentado pela Ré27; Pareceres técnicos da autoria da COMPASS LEXECON, intitulados “Sobre a Plausibilidade dos efeitos nos Preços da Conduta Sancionada no Caso dos Camiões” datados de 03.09.2020 e de 20.01.2021, apresentados pela Ré28; Parecer técnico da autoria da COMPASS LEXECON intitulado “Sobre a Plausibilidade dos Efeitos nos Preços da Conduta Sancionada no Caso dos Camiões (com uma análise empírica complementar sobre camiões de 18 toneladas)”, apresentado pela Ré29; Parecer Técnico da autoria da COMPASS LEXECON, datado de 03.09.2020, intitulado “Avaliação económica do relatório de peritos elaborado pela Addvalora”, referente ao processo da Transfrugal, apresentado pela Ré30; Parecer Técnico elaborado pela COMPASS LEXECON, datado de 16.10.2020, intitulado “Avaliação Crítica da Resposta do Professor Cerejeira ao Relatório CL”, referente ao processo da Transfrugal, apresentado pela Ré31; 24 Refcia Citius ..., do apenso D) 25 Refcia Citius ..., do apenso D) 26 Refcia Citius ... 27 Refcia Citius ... 28 Refcias Citius ... e ... 29 Refcia Citius ... 30 Refcia Citius ... Parecer Técnico da autoria da COMPASS LEXECON, datado de 17.12.2021, intitulado “Avaliação económica dos relatórios periciais elaborados pela BDO II Advisory, S.A. e pelo Senhor Professor Doutor João Cerejeira”, referente ao processo da Transfrugal, apresentado pela Ré32; Parecer Técnico da autoria da COMPASS LEXECON, datado de 02.02.2023, intitulado “Avaliação económica [do] dos relatórios de perito elaborados pelo Carlos Manuel Barroso Dias, intitulados ‘Reclamação de Danos’, datados de 16 Janeiro 2023, e dos respetivos anexos”, referente ao processo da ABB e da Ferrovial, apresentado pela Ré33; Relatório Complementar da autoria da COMPASS LEXECON, datado de 15.02.2022, intitulado “Relatório Complementar”, referente ao processo da Transfrugal, apresentado pela Ré; (iv) Depoimentos das testemunhas inquiridas na Audiência Final, a saber: CC, FF, AA, BB, João Carlos Cerejeira da Silva, Carlos Manuel Barroso Dias, Vicente Hurtado Fernandez, Paulo Alexandre Moura e Castro, Hélder Ferreira Vasconcelos, DD e EE, sem prejuízo das declarações de parte prestadas pelo legal representante da Autora TRANSFRUGAL, GG. E (v) ao relatório pericial elaborado em resultado da perícia oficiosamente ordenada, com os esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito em sede de Audiência Final, HH. Tudo analisado em si, entre si, de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova e com os critérios da lógica e da experiência comum. (...) A factualidade provada descrita nos pontos 58. a 61., resultou da análise feita ao teor da Decisão da Comissão Europeia em crise e aos factos dela resultantes, de acordo com o Direito e a Jurisprudência a atender, nos termos que de seguida se deixarão expostos, na subsunção dos factos ao Direito aplicável, em conjugação com os pareceres técnico económicos juntos pelas partes, analisados em si e com os esclarecimentos prestados na Audiência Final pelos seus subscritores, a saber: João Carlos Cerejeira da Silva, Carlos Manuel Barroso Dias, Paulo Alexandre Moura Castro, Vicente Hurtado Fernandez e Hélder Ferreira Vasconcelos, bem assim com os depoimentos das testemunhas arroladas pela Ré, DD e EE. Com efeito, João Carlos Cerejeira da Silva, professor universitário de Economia na Universidade do Minho, há 27 anos, autor do estudo que sustenta o sobrecusto reclamado pelas Autoras, associado à situação de cartel descrita na Decisão da Comissão Europeia, para além de ter expendido sobre a sua formação académica e experiência profissional, de forma bastante conhecedora, sustentada, tranquila e convincente, no confronto com os relatórios técnicos que elaborou e que foram juntos aos autos por cada uma das Autoras, aludiu ao seu contributo, assente que foi numa análise empírica, de dados e da causalidade entre a infração e os preços praticados, de acordo com a metodologia adotada, sugerida pelo Guia Prático da Comissão (de 2013) para a quantificação de danos nas ações como as presentes, isto é, do método das duplas diferenças conjugado com o modelo de regressão linear de preços hedónicos, explicando a razão de ser da sua escolha e as características de cada um desses modelos. Referiu, quanto ao método das duplas diferenças, que o mesmo assenta numa comparação conjugada, ao longo do tempo, dos preços praticados pelas marcas cartelizadas no período do cartel e no período pós cartel, com os preços praticados por um grupo comparador não afetado pela infração no período do cartel e no período pós cartel. A este respeito, ainda explicou que, na ausência de outros dados disponíveis, o grupo comparador escolhido e que melhor se adequava à análise pretendida foi o mercado dos veículos ligeiros de mercadorias e dos veículos pesados das marcas não cartelizadas. Reconhecendo, contudo, que as características dos veículos ligeiros de mercadorias e a heterogeneidade dos próprios veículos pesados poderiam condicionar o resultado pretendido, justificou o recurso ao método de regressão linear de preços hedónicos, explicando as variáveis que teve em conta para o efeito e o exercício realizado. A este respeito, esclareceu ainda os dados utilizados, fornecidos pela EMP01..., dada a extensão alargada dos dados existentes nessa base de dados para o período pretendido, isto é, de 1997 a 2011 e de 2001 em diante, relativos ao mercado português, contendo informação pormenorizada quanto ao ano e modelo dos veículos aí elencados, bem assim quanto aos preços, sendo estes preços de tabela, brutos, indicados pelos importadores das diferentes marcas. Referiu ainda o mark-up apurado, estimado em, pelo menos, 15,4%, isto é, a conclusão por si extraída que durante o período o cartel as empresas fabricantes de camiões destinatárias da Decisão da Comissão Europeia praticaram preços superiores aos devidos se não fosse a infração constatada, numa média, entre elas e no período em que vigorou o cartel, de 15,4%. Confrontado com o facto de o referido mark-up assentar em preços brutos e não no preço final pago pelos clientes finais, onde se situa o dano reclamado por cada uma das Autoras, afirmou que tal não interfere no resultado pretendido, uma vez que para que o referido mark-up não se espelhasse na mesma medida no preço final, liquido, pago pelos clientes finais, os descontos praticados no período do cartel teriam que ser muito expressivos, o que a Ré, no relatório técnico apresentado, não evidencia, sendo que, de todo o modo, os dados aí contidos, para além de não abrangerem todo o período relevante, referem-se unicamente à sua marca, apresentando-se, por conseguinte, curtos e parciais, para além do facto de os preços de lista serem preços de referência, o que significa que os preços de transação partem desses preços de lista e, por conseguinte, são por eles determinados e afetados. E ainda defendeu o modelo por si adotado e os dados utilizados para o efeito, dizendo que o mesmo explica preços e não quantidades, e, mesmo que a base de dados utilizada tenha alguma informação incorreta, eventualmente a inclusão de preços de veículos descontinuados conforme apontado pela Ré, tal não inquina o resultado obtido, dada a vastidão de dados que a referida base de dados oferece, podendo tal incorreção estar incluída nos residuais 10% do preço que o método utilizado não justificou. Desta forma, à data da prestação do seu depoimento, volvidos cerca de 5 anos desde a elaboração do seu relatório técnico e confrontado com as críticas apontadas pela Ré, através dos pareceres técnicos por ela juntos, afastou-as e manteve as conclusões aí extraídas nos seus exatos termos, conforme, aliás, já o tinha feito no relatório técnico datado de 16.01.2023, apresentado pelas Autoras ABB e FERROVIAL, e nos relatórios técnicos juntos em resposta àqueles: Relatório “Contributos para respostas ao Estudo: “Sobre a Plausibilidade dos Efeitos nos Preços da Conduta Sancionada no Caso dos Camiões” – COMPASS LEXECON, datado de 30.09.2020, apresentado pela Autora TRANSFRUGAL e Relatório “Resposta às conclusões do Estudo: “Avaliação económica dos relatórios periciais elaborados pela BDO II Advisory, S.A. e pelo Senhor Professor Doutor João Cerejeira” – COMPASS LEXECON”, datado de 21.01.2022, da autoria do Professor João Cerejeira, apresentado pela Autora TRANSFRUGAL. Carlos Manuel Barroso Dias, consultor financeiro na consultora financeira “BDO II Advisory, S.A.” há cerca de 8 anos, explicou a sua intervenção na elaboração dos relatórios técnicos apresentados por cada uma das Autoras, nos quais foram contabilizados os danos concretos suportados por cada uma das Autoras, atendendo ao mark-up apurado pelo Professor João Carlos Cerejeira da Silva. Explicou, assim, que recolheu, junto das Autoras, a informação relativa à aquisição da cada uma das viaturas em causa, por forma a obter o preço pago por cada uma delas, tarefa que disse não ter sido fácil face à antiguidade dos dados. Referiu que, no calculo realizado, teve em conta o preço pago sem IVA, tal como consta das faturas e do contrato de locação financeira, sem juros e sem encargos, bem como explicou o porquê de ter procedido à atualização dos preços ao ano de 2011 (termo da infração), ao ano de 2018 (data da elaboração dos relatórios) e ao ano de 2022 (data mais recente), isto é, para que o valor apurado espelhasse a atualização dos preços ao longo do tempo. Desconhecendo um indicador mais aproximado da realidade para atualização dos preços dos camiões, para além daquele que resulta da correção de preços mediante o deflator do PIB, o critério adotado para a atualização do valor dos camiões mostra-se adequado, em razão do que se deram por provados os factos articulados a respeito, sem prejuízo de, tratando-se o processo inflacionário de um facto notório e do conhecimento geral, tal facto sequer careceria de ser alegado e provado. Vicente Hurtado Fernandez, economista de formação e presidente da consultora ADDVALORA, após expender sobre a sua experiência profissional, designadamente sobre cálculo de danos de empresas lesadas por situações de cartéis, em mais de mil casos de camiões e em mais de três mil casos de veículos ligeiros, e em cerca de quarenta processos judiciais, confrontado com o relatório técnico da ADDVALORA datado de 01/10/2019, junto pela Autora TRANSFRUGAL, por si subscrito, confirmou o seu teor e reiterou as conclusões aí extraídas. Explicou o método adotado, sugerido pelo Guia da Comissão Europeia para quantificação de danos causados infrações em direito da concorrência, isto é, o método das diferenças nas diferenças implementado num modelo de regressão, em cuja implementação utilizou dados reais. Confrontado com o facto de os dados utilizados não contemplarem dados do mercado português, afirmou que a análise feita não sai beliscada, na medida que assenta no alinhamento dos preços brutos praticados pelas empresas infratoras e, por conseguinte, dessa análise concluiu-se a existência de dano causado pela infração. Este depoimento e o relatório técnico em que assuntou permitiu, assim, corroborar o relatório técnico subscrito pelo Professor Carlos Cerejeira da Silva, ao ter concluído também pela existência de um sobrecusto nos preços brutos de lista, que, por seu turno, se refletiu nos preços suportados pelas Autoras, tendo o Tribunal optado pelo mark-up estimado pelo Professor João Carlos Cerejeira da Silva, porquanto assente em preços praticados no mercado português e, assim, por se apresentar mais próximo com o caso concreto, com a realidade das Autoras. Paulo Moura e Castro, licenciado em gestão e consultor na “BDO II Advisory, S.A.”, desde 2019, de forma muito segura, clarividente e conhecedora, explicou o contacto encetado com o Professor Cerejeira da Silva, por se tratar de uma pessoa altamente reputada nestas matérias, na área da econometria e da concorrência, a fim de dar resposta ao pedido solicitado pelas Autoras para estimação do dano eventualmente causado pela conduta anticoncorrencial imputada à Ré, de acordo com a Decisão da Comissão Europeia. Explicou que, para a elaboração do estudo, o Professor Cerejeira deu conta da necessidade de uma base exaustiva de dados, em resultado do que, na ausência de outros dados reais, a BDO II Advisory, S.A., então “P2P”, adquiriu à EMP01... a base de dados que veio a ser disponibilizada ao Professor João Carlos Cerejeira da Silva, com o acordo dele e em funções dos dados que ele entendeu por necessários e relevantes à elaboração do estudo. A respeito, referiu que a base de dados em causa dispõe de cerca de 60.000 dados, préexistentes, respeita ao mercado português, recolhidos da mesma forma e para a mesma entidade, incide sobre veículos novos, ligeiros de mercadorias (65%) e pesados (35%), sobre preços de lista fornecidos pelos importadores de diferentes marcas e abrange o período do cartel e pós cartel, apresentando-se, por isso, isenta e independente e, por conseguinte, a escolha lógica diante a ausência de outra alternativa mais fiável. E que, em resultado do estudo técnico elaborado pelo Professor João Carlos Cerejeira da Silva e da conclusão por ele extraída acerca da existência de um dano causado pelo cartel, estimado em 15,4%, a “BDO II” prestou o serviço às Autoras, por elas solicitado, para o cálculo do concreto dano por elas suportado na aquisição de viaturas na marca MAN em causa nos autos, para o qual contribuiu o colaborador da consultora, Carlos Barroso Dias. Expendeu ainda, corroborando o depoimento prestado pelo Professor João Carlos Cerejeira da Silva, sobre os métodos por ele utilizados no estudo, dizendo que os mesmos permitiram explicar em 90% a correlação dos preços praticados nos dois mercados analisados, o que evidencia a sua robustez, sendo que o aumento observado nos preços brutos de lista refletiu-se na exata medida nos preços pagos pelos clientes finais. Referiu a este respeito, tal como foi afirmado pelo Professor João Carlos Cerejeira da Silva no depoimento que prestou, que, para que assim não sucedesse, seria necessário que os eventuais descontos existentes ao longo da cadeia de comercialização das viaturas, designadamente do concessionário para o cliente final, tivessem sido muito expressivos, na ordem dos 40% (isto é, mais que duplicado), o que não se mostra plausível tendo em conta o objetivo último das empresas fabricantes dos camiões ao adotarem a infração em causa, quando, ademais, inexiste informação pública acerca dos preços fixados pela Ré e, por conseguinte, sobre os descontos ocorridos. Por último, confrontado com o relatório técnico da COMPASS LEXECON apresentado pela Ré, afirmou, de acordo com a sua formação académica e experiência profissional, que o relatório técnico elaborado pelo Professor João Carlos Cerejeira da Silva, assentou em métodos sugeridos pelo Guia da Comissão Europeia, apresentando-se os mesmos um instrumento valioso para o cálculo do dano em causa, mais completo, robusto e isento do que aquele vertido no relatório técnico elaborado pela COMPASS LEXECON. Hélder Ferreira Vasconcelos, professor na Faculdade de Economia do Porto desde 2011 e CEO da consultora COMPASS LEXECON desde 2020, de jeito conhecedor e que nos mereceu a nossa maior atenção, fruto da sua formação académica e experiência profissional, enquanto seu co-autor, atestou o teor dos relatórios técnicos juntos pela Ré, por ela solicitados, onde incluiu o último deles, datado do presente ano de 2023, explicando que o mesmo consistiu numa análise empírica, complementar aos relatórios anteriores. Sustentado nos referidos pareceres procurou explicar que, no seu entender, atendendo às características do mercado dos camiões, à procura cíclica que o caracteriza, às quotas de mercado de cada uma das empresas fabricantes dos camiões, ao facto de os camiões serem produtos heterógenos e outros aspetos a que fez referência, a troca de informações observada entre as várias empresas fabricantes dos camiões não teve qualquer impacto nos preços por elas cobrados e, muito menos, nos preços pagos pelos clientes finais, apresentando-se estes últimos como preços opacos, fruto dos descontos e das negociações que ocorrem aquando a aquisição dos veículos, sem qualquer intervenção e influência daquelas, quando, ademais, tendo em conta as caraterísticas do mercados dos camiões, o mesmo sequer é propenso à colusão . Explicou ainda as conclusões extraídas da análise empírica realizada por último, referindo os dados que teve em conta para o efeito, reportados apenas a partir do ano de 2007, fornecidos pela própria Ré e apenas aqueles que a ela dizem respeito, afirmando, neste conspecto, não fazer sentido calcular-se um valor médio de dano, causado pelas várias empresas infratoras, conforme feito pelo Professor João Carlos Cerejeira da Silva. Em jeito de crítica ao relatório técnico elaborado pelo Professor João Carlos Cerejeira, pese embora concorde com os métodos por ele adotados, discordou do grupo comparador utilizado pelas diferentes características que o mesmo assume relativamente ao mercado dos camiões objeto da infração e apontou desconformidades aos dados constantes da base de dados da EMP01..., referindo, contudo, que acedeu à mesma numa altura em que parte dos dados disponibilizados ao referido Professor já não estavam disponíveis. Neste conspecto, cumpre aqui dizer que, para além da referida constatação, também se desconhece se os dados disponibilizados à COMPASS LEXECON, referentes a essa base da EMP01..., são aqueles que foram solicitados pelo Professor João Carlos Cerejeira da Silva, através da consultora BDO II, e, por conseguinte, se as críticas são dirigidas aos dados concretamente utilizados por este no estudo por ele elaborado. Concluiu, em síntese, de acordo com a natureza do estudo que foi solicitada à COMPASS LEXECON pela Ré, que, no seu entender, a conduta descrita na Decisão da Comissão Europeia, assente, no seu entender, essencialmente em troca de informações sobre preços brutos, de acordo com a interpretação que fez da Decisão, não teve efeitos no mercado. Não obstante o exposto por esta testemunha, vertidos nos relatórios técnicos juntos pela Ré, o Tribunal considerou que o relatório técnico elaborado pelo Professor João Carlos Cerejeira da Silva é aquele que melhor se aproxima com o cartel identificado pela Comissão Europeia, e, por conseguinte, nos termos que melhor se aduzirão no Direito a atender, a respeito dano e do seu cálculo, é aquele que acolheu a adesão da restante prova produzida, tendo, por isso, sido dado por provada a existência de dano causado pelo cartel e a sua quantificação, isto é, num mark up estimado de 15,4%. DD, gerente e diretor geral da MAN TRUCKS & BUS, em Portugal, desde 2018, mostrando-se conhecedor do mercado dos camiões em Portugal desde 2005, fruto das funções que exerceu noutras empresas de outras marca de camiões, com relevo, mas nada trazendo de novo aos autos face à demais prova produzida, explicou que a procura neste mercado é cíclica, que os camiões são bens heterogéneos, adquiridos de acordo com as necessidades específicas dos compradores, que o elemento diferenciador das marcas, no seu entender, é a sua fiabilidade/qualidade; que as Autoras adquiriram os veículos em causa a concessionários da marca MAN, existentes em Portugal, à data. Disse que o preço de lista, fixado pela empresa fabricante dos camiões para os importadores não é negociado, e os descontos existentes também por ela definidos; que os importadores vendem os veículos aos concessionários e estes, por seu turno, de forma independente, negoceiam com os clientes finais. A respeito da base de dados da EMP01... referiu que, de acordo com o seu conhecimento, relativamente ao mercado dos camiões, a mesma sempre se apresentou limitada, dados os inúmeros modelos e especificidades destes veículos. EE, diretor comercial da MAN PORTUGAL desde 2018, mostrando-se conhecedor do mercado dos camiões em Portugal desde 1997, fruto das funções que exerceu noutras empresas de outras marcas de camiões, tal como a precedente testemunha, expôs também acerca do mercado dos camiões em Portugal. Aludiu à heterogeneidade dos camiões; à negociação existente entre os concessionários e os clientes finais na venda de camiões, na qual a fabricante dos camiões não tem intervenção. Contudo, não tendo presenciado as transações dos veículos em causa, não foi capaz de atestar se ocorreu qualquer negociação entre as Autoras e as concessionárias, qual o poder de negociação daquelas e bem assim se ocorreram descontos e em que montante.
Segundo a Recorrente, o vertido nos pontos n.ºs 58 e 59 da fundamentação resultaria indevidamente fixado em virtude das utilização pelo Tribunal de presunções de dano e de repercussão de dano sendo que, na sua tese, afastadas tais presunções, desapareceria o esteio principal do acolhido.
Cumpre apreciar e decidir.
Em primeiro lugar, cumpre ter presente que os dois primeiros números referidos se reportam à prova do dano ou prejuízo, sem incidência ainda na sua quantificação.
Quanto ao dito prejuízo, tem que se concluir que só quem não leia com um mínimo de atenção a justificação dada pelo tribunal relativamente à aquisição demonstrativa, acima transcrita, poderá dizer que o mesmo deu tais factos como provados com assento em presunção. Antes daí resulta o recurso a prova testemunhal, por arbitramento e documental.
Daqui brota que a matéria de Direito introduzida a propósito do resultado instrutório, a saber, as referências ao alegado recurso indevido a presunções de dano, à aplicabilidade da Lei n.º 23/2018, de 5 de Junho, à «não aplicabilidade ratione temporis da presunção da produção de dano e da sua repercussão em cliente indireto» ou ao princípio da efectividade, surge desfocadada e deslocada à luz da fundamentação que o Tribunal enunciou com vista a convencer e explicar as razões da fixação fáctica.
Perguntar-se-á, «ex abundante»: será que o Tribunal não recorreu às presunções criticadas (de Direito da União Europeia, situadas no âmbito do regime transposto do «private enforcement» europeu – ou seja, da acima referida Lei de transposição da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados-Membros e da União Europeia) mas teria que o fazer já que não poderia chegar aos factos referidos de outra forma?
A este respeito, justificam-se as considerações que se passa a tecer.
Em primeiro lugar, não tendo sentido e sendo ocioso e inútil reconstruir para reafirmar o já dito por este Tribunal na Apelação n.º 71/19.6YQSTR.L1, reproduz-se o que aí este Tribunal afirmou sobre o enquadramento deste problema: Por seu turno, resulta igualmente claro da aplicação da jurisprudência estabelecida pelo citado acórdão do TJUE C-267/21, que as presunções legais previstas no artigo 17.º, n.º 2, da Diretiva, em concreto, a presunção legal (ilidível) do dano resultante da infração e do respetivo nexo causal, não são aqui aplicáveis. (...) Por seu turno, seguindo a jurisprudência do TJUE aqui em análise (em especial, o caso C-312/21), a estimativa judicial pressupõe que a existência do dano se mostre suficientemente provada pela parte respetiva, reduzindo-se assim o campo de aplicação dos poderes judiciais especiais apenas e tão só ao quantum do dano (estimativa judicial). Neste contexto, conforme já resulta do supra exposto, afastada a aplicabilidade das presunções previstas no artigo 17.º, n.º 2 da diretiva (presunções legais do dano e nexo causal), caberá ao autor a prova da existência do dano. Como é sabido, na falta de norma de direito da União, as ações de indemnização são regidas pelas regras e pelos processos nacionais dos Estados-Membros (considerando 11 da Diretiva). No nosso caso em termos de causa de pedir da ação, rege, portanto, o artigo 483.º, do CC, no que aos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual diz respeito (interpretado em conformidade com o Direito da UE, nomeadamente, nos pontos ora analisados). Por seu turno, obviamente que não deixa de aqui ser aplicável, quando admissível à luz do direito nacional, o regime das presunções judiciais (artigos 349.º e 351.º, 392.º, do CC; artigo 607.º, n.º 4 e 5, do CPC). Com efeito, de acordo com o princípio da equivalência, as regras nacionais que regem o exercício do direito à reparação por danos causados por infração aos artigos 101.º ou 102.º do TFUE, não deverão ser aplicadas de forma menos favorável do que as regras aplicáveis às ações nacionais análogas. Nesta esteira, também o standard da prova deve ser pelo menos equivalente à exigida em processos nacionais. Ora em sede de standard da prova, dir-se-á que a quem cabe provar determinado facto de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, nomeadamente, os factos atinentes ao dano, terá que demonstrar que a hipótese fáctica visada encontra confirmação positiva nos meios de prova que apresentou e é mais provável do que não (teoria da probabilidade prevalecente). Como constatou o STJ no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2022, em matéria relativa a danos hipotéticos no âmbito da chamada “perda de chance”, “para estarmos perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável ação comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência”. Por último, porque no caso concreto se colocam também questões difíceis de nexo causal, haverá que recordar aqui, novamente com aquele AUJ: “a teoria da causalidade adequada cujo objetivo é excluir a imputação de danos que tenham ocorrido devido a um encadeamento de circunstâncias completamente invulgar e que, dum ponto de vista hipotético, não eram de esperar, a ponto de, como é sabido, no domínio da responsabilidade por factos ilícitos e culposos (como é o caso), ser considerada “preferível” a sua formulação negativa, o que significa que para a imputação objetiva dum dano à conduta do lesante será suficiente, em princípio, que a respetiva concretização não se encontre fora de toda a probabilidade”.
Resulta do exposto que:
a) Não sendo aplicável, por razões temporais, regime substantivo posteriormente entrado em vigor (por referência aos factos relevantes emergentes dos autos), ou seja, o constante do n.º 2 do art. 17.º da Directiva acima referenciada, cumpria a quem devia provar o dano fazer a demonstração de que o desenho da realidade por si invocado surgia revelado pelos meios instrutórios apresentados e se configurava como o mais provável;
b) Essa demonstração podia ser feita por apelo a todos os meios instrutórios admitidos pelo Direito nacional, aqui se incluindo «o regime das presunções judiciais (artigos 349.º e 351.º, 392.º, do CC; artigo 607.º, n.º 4 e 5, do CPC)»;
c) à luz do Direito interno constituído, para a formação da convicção de que um dano pode ser imputado à conduta do lesante basta que a sua materialização não se encontre fora de toda a probabilidade.
Releva, também, para a avaliação do que ora se aprecia o que lançámos no mesmo acórdão, com o seguinte conteúdo: Contudo e como apreciamos já, decisão da Comissão pode ser interpretada e nessa apreciação é necessário considerar quer o dispositivo quer os fundamentos, quer de facto quer de Direito, da decisão. Sendo que, em todo o caso, a Decisão está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos gerais do art. 366.º do CC. E nenhuma razão há para duvidar do seu teor, tanto mais que, como consta do ponto 43 da decisão da Comissão, a “proposta de transação de cada Destinatário [incluindo a ora Recorrente DAF] continha: – um reconhecimento, em termos claros e inequívocos, da responsabilidade do Destinatário pela infração descrita resumidamente quanto ao objeto, aos principais factos e à qualificação jurídica, incluindo a sua função e a duração da sua participação na infração de acordo com os resultados das negociações conducentes à transação”. Não só formal mas também materialmente, como esclareceu o TGUE no caso British Airways v. Comissão Europeia, referindo que o efeito vinculativo inclui a qualificação jurídica da conduta e os âmbitos temporais, geográfico e subjectivo. Com efeito, a existência de uma infracção abrangida pelo efeito vinculativo reporta-se a uma infracção concreta e o que a torna concreta é a sua natureza ou qualificação jurídica e os seus âmbitos temporal, geográfico, subjectivo e também o âmbito material, ou seja, os concretos actos em que a conduta se consubstanciou.
Foi isto o que fez o Tribunal «a quo», tendo recorrido, também, a todas as demais prestações instrutórias tidas por relevantes, que descreveu nos termos supra-lançados.
E fê-lo em termos que não suscitam dúvidas quanto à demonstração de que prejuízos podem ser imputados à conduta da Recorrente já que a sua materialização não se encontra fora de toda a a probabilidade – antes, in casu, se apresenta como muito verosímil, designadamente se ponderarmos a duração da prática colusória, a sua extensão geográfica e a dimensão e poder económico notoriamente reconhecido às intervenientes no cartel, que patenteiam interesse e pertinácia na manutenção da ilicitude, logo proveito, por não ser reconhecida nem ter sido demonstrada outra motivação das sociedades envolvidas, não sendo de admitir que entidades com a experiência e presença no mercado da dimensão das implicadas no acordo colusório o fizessem sem proveito, apenas pelo gosto e prazer de violar gravemente a lei e destruir inconsequentemente os equilíbrios do mercado que partilhavam.
Os factos provados são muito claros a apontar para a produção de danos atribuíveis à conduta da Recorrente, particularmente os vertidos nos n.ºs 17 a 42 da matéria de facto demonstrada na sentença.
Convencem da inelutável materialização de prejuízos:
a) A profundidade e extensão temporal das averiguações que tornam muito seguro o percepcionado;
b) O facto de a qualificação das infracções apenas pelo objecto não excluír a percepção e constatação dos seus efeitos;
c) A forte intencionalidade e pertinácia das condutas censuradas;
d) O recurso a mecanismos de coordenação de preços, invariavelmente orientados para a produção de relevantes efeitos ao nível das restrições à concorrência, protagonizado por actores esclarecidos e experientes do mercado que sempre os utilizam com vista à obtenção de benefícios necessariamente de relevo e aferição pecuniária;
e) A muito extensa duração temporal da infração;
f) A elevada quota dos destinatários da decisão no mercado europeu de camiões médios e pesados;
g) O facto de a grave ilicitude ter abrangido todo o território do Espaço Económico Europeu.
Só por bloqueio da razão ou puerilidade se poderia admitir que empresas muito experientes, dominantes, focadas na sua actividade e na maximização de custos (como se deve presumir de fabricantes de veículos pesados profunda e preponderantemente instalados no mercado) tivessem, de forma inconsequente, diletante e por puro prazer dos seus agentes e departamentos, trocado «tabelas de preço brutos e informações sobre preços brutos», participado «na troca de configuradores de camiões informatizados», (…) e elementos que «constituíam informações sensíveis do ponto de vista comercial» e «ao longo do tempo, os configuradores de camiões», que incluíam os «preços brutos detalhados de todos os modelos e opções, substituíram as tabelas de preços brutos tradicionais» sem extrair sérias vantagens da facilitação do cálculo «do preço bruto de cada uma das possíveis configurações de camiões» e da sua actividade ilícita de troca de dados a nível multilateral e bilateral.
Só com vera imobilização do acto de pensar se poderia admitir que a ocultação pública de informação detalhada e precisa trocada entre os prevaricadores e entre outras entidades sobre os preços brutos dos componentes de camiões fosse feita inocentemente e sem focagem nos efeitos.
Não nos podemos nem devemos iludir a este nível: se ao «public enforcement» pode bastar o objecto para concluir pela ilicitude, aos prevaricadores não é o objecto que interessa mas os efeitos. É por estes que se movem os cartéis.
Se com «a troca da informação sobre os preços brutos e as tabelas de preços brutos atuais, juntamente com o recurso a outras informações sobre o mercado, os Destinatários conseguiram calcular melhor os preços líquidos atuais aproximados dos seus concorrentes – em função da qualidade das informações sobre o mercado que tinham à sua disposição», como pode um qualquer intérprete, ainda que movido por alguma puerilidade e vontade de em tudo crer, acreditar que o colossal esforço organizativo de articulação, reunião e ocultação, toda a prática colusória, apurada com segurança e admitida de forma insofismável pela Recorrente, ocorreu por razões externas à obtenção de quantias indevidas (aliás, razões nunca alinhadas, bastando-se a Recorrente com a confortável e serôdia colocação em causa do óbvio, sem invocar e explicar o tendencialmente incrível e não cogitável).
Estes elementos, associados aos emergentes das demais prestações instrutórias (aliás meramente complementares e confirmativas), são de molde a plenamente fundar a convicção da inexistência de razões para crer na probabilidade de o dano não ter ocorrido.
Inculcam os mesmos, com a necessária solidez e carácter plenamente convincente, a convicção muito firme de que as condutas censuradas na decisão produziram danos, prejuízos estes repercutidos em toda a cadeia de comercialização situada a jusante, já que não se patentearam quaisquer elementos susceptíveis de apontar a probabilidade de assim não ter ocorrido.
Brota do exposto não assistir razão à Recorrente ao peticionar a supressão dos pontos de facto n.ºs 58 e 59.
Bem andou o Tribunal ao dar como provado o deles constante devendo, pois, manter-se o inscrito na decisão.
Nos pontos de facto n.ºs 60 e 61 foi cristalizada a percentagem do acréscimo de cartel, ou seja, do «mark-up» corporizador do quantum do dano.
O Tribunal «a quo» fixou-o em, «pelo menos, 15,4% por veículo».
A justificação para o acolhimento de tal percentagem corresponde à acima transcrita.
A este propósito se pronunciou já este colectivo, em caso análogo, no âmbito do recurso interposto na apelação n.º 71/19.6YQSTR.L1, referindo: O Guia Práctico (relativo à quantificação dos danos nas ações de indemnização com base nas infracções aos artigos 101.º e 102.º do TFUE) sublinha a dificuldades próprias da quantificação de danos em matéria de concorrência nos seus parágrafos 17 e 123 (“a quantificação dos danos nos processos de concorrência está sujeita, pela sua própria natureza, a limitações significativas quanto ao grau de certeza e de exatidão que será de esperar”; “Importa sublinhar que é apenas possível estimar, e não avaliar com rigor e precisão, as condições que prevaleceriam provavelmente num hipotético cenário sem infração.”) No Relatório/parecer Cerejeira concluiu-se pela existência do sobrecusto de 15,4%, representando este valor a dupla diferença entre o período em que vigorou o cartel (1997-2010) e o período pós-cartel (2011-2017). Foi feita a comparação, durante os mesmos períodos de tempo, com os preços de camiões não englobados pelo cartel (camiões médios e pesados, essencialmente de origem asiática, como reconhecido no depoimento prestado na audiência pelo seu autor) conjuntamente com produtos alegadamente semelhantes (veículos comerciais ligeiros), grupo este que serve, portanto, de controlo. A metodologia empregue no relatório é denominada de Duplas Diferenças ou, numa tradução literal do inglês de Diferença nas Diferenças (Difference-in-Differences approach). O relatório é parco na exposição do tratamento de dados. Para além das explicações metodológicas e enunciação das variáveis escolhidas, conhecemos pouco mais do que o ponto de partida (os dados: 59.653 observações, das quais mais de 65% dizem respeito a veículos comerciais ligeiros; preços de modelos novos convertidos para preços constantes a 2011, cuja média ascende a €44.207; e os métodos utilizados: combinação do método das duplas diferenças com um modelo de preços hedónicos) e o ponto de chegada do tratamento dos dados: Não analisando, designadamente, eventuais especificidades do mercado português de camiões pesados (antes do início e durante o período em que existiu o cartel), cujos clientes são maioritariamente empresas de transporte de mercadorias que prestam serviços a terceiros, ao passo que os veículos comerciais ligeiros tenderão a ser maioritariamente usados pelos próprios adquirentes. Quanto ao mercado dos veículos comerciais ligeiros, não se afigura suficientemente semelhante para servir de referência ou de comparação válida. Sendo diferentes as características dos veículos, não são tidos em conta factores como a evolução e factores da procura, bem como o poder de compra no mercado português e as características deste mercado. Nada se referindo, por exemplo, sobre as variações no tempo dos preços de um grupo e do outro, ou quaisquer eventuais flutuações extraordinárias verificadas em cada período. Na análise comparativa efectuada, onde o factor tempo é essencial, desconhece-se por completo o comportamento dos preços em cada ano durante o período observado. Ora, de acordo com o artigo P. Maier-Rigaud & Slobodan Sudaric13, citado pelo Professor Cerejeira no seu parecer de resposta datado de 17.09.2021 (Refª 53452), o método das duplas diferenças depende de um pressuposto fundamental, o da assunção de que na ausência do facto ilícito (i.e., cartel), quer o preço comparador quer o preço do grupo infractor teriam evoluído de acordo com uma tendência comum (obra cit., p. 4). Tendo em conta a longa duração do cartel (14 anos) e a elevada quota de mercado detida pelas empresas infractoras, próxima de 90%, é de admitir que se apresentava como muito difícil, senão impossível, encontrar um mercado que pudesse servir efectivamente de comparação. Por seu turno, o mercado concreto em causa é em si mesmo muito complexo, desde logo pela diversidade nas possíveis características dos veículos. Como se constata na própria Decisão da Comissão (considerando 26) “All of the Addressees offer a range of trucks and hundreds of different options and variants”. Ou seja, existiam gamas de camiões com variantes e opções na casa das centenas. Note-se que, variando apenas uma das centenas de características, naturalmente que variaria o preço final do camião, sendo certo que as possíveis configurações dos veículos seriam, assim, em número muitíssimo elevado. Por outro lado ainda, é público que, pelo menos a partir de inícios de 2008, ocorreu uma crise financeira que muito provavelmente terá tido implicações no mercado ora em causa e respectivos preços, durante um período relevante da infracção. Relativamente aos relatórios Compass Lexecon, eles próprios não inteiramente convincentes – partindo desde logo de um pressuposto incorrecto quanto à análise da infracção punida na Decisão da Comissão, referindo-se a um período temporal menos abrangente e limitado ao “universo DAF”, e atingindo uma conclusão que contraria a análise que fizemos da Decisão - afigura-se, ao contrário da apreciação geral feita na sentença, que tiveram pelo menos a virtualidade de por em causa permissas e conclusões do relatório Cerejeira. Conclui-se, portanto, que a prova subjacente aos factos relativos à quantificação do sobrecusto em 15,4%, não é suficientemente convincente, sendo certo que tal prova se apresentava como excessivamente difícil, senão praticamente impossível. O relatório da perícia ordenada pelo Tribunal a quo, datado de 18.02.2022 (Refª ...78) também não foi conclusivo, referindo-se as questões colocadas essencialmente à variação de preços e repercussão do custo pela Recorrida. Assim, a impugnação dos factos 41 e, consequentemente, do ponto 42 da matéria de facto provada procede, no que respeita ao valor do mark-up, apesar de termos já concluído pela existência de um preço de aquisição inflacionado devido à infracção. Quanto à concreta impugnação feita pela Recorrente em termos subsidiários, dos factos provados 40 a 42 (propondo a Recorrente a alteração do facto 40 e a eliminação dos restantes), da análise que vimos fazendo tem que improceder, por ausência de prova convincente de que “o aumento dos preços de lista não foi projectado de forma previsível e sistemática nos preços líquidos de venda da DAF”, como de que “não houve repercussão ao nível dos preços de venda”.
Não há, neste processo, factos novos ou circunstancialismo distinto que inculquem a necessidade de rever este encadeado de afirmações.
Com efeito, não é possível concluir, também no presente processo, mediante esforço instrutório e, designadamente, com assento nas linhas justificativas apontadas pelo Tribunal que proferiu a decisão questionada, por um concreto valor ou percentagem de acréscimo de custo em virtude da actuação do cartel detectado nos autos – apesar de insofismavelmente existente e produtor de danos – e que teve a Recorrente como co-protagonista.
São bastos os erros metodológicos, os espaços vazios de cobertura explicativa, os saltos lógicos, as colisões insupríveis de perspectivas e dados.
Às incertezas e dificuldades acentuadas da quantificação de danos em matéria de concorrência acrescem, no caso em apreço, a longa extensão temporal da «vida» da ilicitude, o cruzamento de factos excepcionais da nossa história recente, com particular acento no surgimento e acção de uma singular crise de dívidas soberanas e necessidades de intervenção externa por ela gerada, em alguns espaços da União, ou seja, no mercado visado, com criação de artificialidades e contracções económicas inusitadas.
Tudo agravando, não é possível comparar o mercado atingido com outros mais ou menos remotos, atentas as suas idiossincrasias, sobretudo assinaladas pela distinta dimensão económica dos Estados Europeus quando comparados com outros estranhos à sua geografia, proximidade das fontes dos produtos, nível e oscilações da actividade económica e escalas dos espaços de trocas.
Também não pode ser reputada de válida a comparação de um período temporal (última década do século XX e primeira do XXI) com a conturbada e plena de contrações e vicissitudes atípicas, segunda década do século corrente.
Não são comparáveis os mercados dos veículos ligeiros de fim comercial e o dos veículos pesados, desde logo em virtude dos níveis distintos dos preços de venda, natureza das actividades geradoras da procura, diversidade dos potenciais compradores, assimetria dos ritmos de aquisição e das finalidades das aquisições, não sendo emuláveis os padrões de configuração e descontos. Por assim ser, escasso relevo e tíbio rigor e credibilidade resultariam desta comparação.
Não é possível reconhecer a necessária exactidão ao critério das duplas diferenças ou diferença na diferença e menos ao relevo de observações essencialmente centradas em objectos distintos dos que se impunha avaliar.
Existe, nas análises disponíveis, uma gritante falta de descida ao terreno, ou seja, ao mercado luso em que o facto ilícito gerou os danos, sendo flagrante a não ponderação da concreta capacidade aquisitiva e das flutuações das necessidades de compra e configuração.
Não há, ainda, garantias, deixadas pela instrução realizada, no sentido de que os elementos sob comparação sofreriam evolução síncrona, paralela e homogénea.
Não se encontraram mercados realmente suscetíveis de ser comparados sendo que sempre o atingido pela actividade gravemente ilícita beneficiaria em ser cotejado com outro, realmente idêntico, em que não tivesse existido cartel.
Aliás, estamos perante vera impossibilidade de aferição comparativa já que não existe esse mercado paralelo nem é por ora possível desenhar um mercado virtual, laboratorial (eventualmente assente em inteligência artificial), que possa ser usado para efeitos analíticos, atenta a exorbitância das variáveis, designadamente ao nível das características do produto cujos preços se quis ilicitamente empolar. Não é possível imaginar cenários hipotéticos e laboratoriais, atenta a miríade de variáveis e possibilidades.
Face ao exposto procede, nos termos sobreditos, esta vertente da alegação de recurso apreciada.
Por assim ser, os n.ºs 60 e 61 da fundamentação de facto passam a ter a seguinte redacção: 60. O aumento do preço fixou-se num «mark-up» (diferença entre o valor cobrado por um determinado produto num contexto de cartel e o valor que deveria ser cobrado caso esse produto fosse vendido num contexto competitivo) de valor não concretamente apurado; 61. A Autoras, ao pagarem os preços mencionados para a aquisição dos veículos, suportaram o referido sobrecusto, de valor não concretamente apurado.
Segundo a Recorrente, deveriam ter sido dados como provadas as seguintes afirmações que considerou factos provados: a) Os camiões são bens específicos e direcionados às necessidades de cada cliente.
Esta pretensão representa a materialização de equívoco técnico da Recorrente. Com efeito, como não se deverá ignorar, apenas factos se levam à fundamentação de facto das sentenças – cf., designadamente, os n.ºs 3 e 4 do art. 607.º do Código de Processo Civil.
Trata-se de regra que tem todo o sentido. Desde logo porque chamar facto ao que não o é sempre envolveria uma gritante falta de rigor e precisão. Por outro lado, porque permitir que sejam as testemunhas, os depoentes, os peritos, os demais elementos instrutórios a fornecer conclusões, sejam elas de facto ou de Direito, é autorizar a introdução de grave desvio à prerrogativa que é também dever imposto aos Juízes de serem eles a julgar e não terceiros que lhes forneçam juízos pré-preparados.
A caracterização de determinados produtos como bens específicos e direccionados a satisfazer necessidades definidas à medida de cada cliente é conclusão a extrair dos factos que a possam inculcar.
O pretendido nunca poderia, pois, ser considerado facto.
A proposta de prática de flagrante erro técnico não é aceitável, não tem sustentação e só pode ser indeferida, o que ora se faz.
O mesmo ocorre relativamente à sugestão de inadequada inclusão entre os factos do que não tem essa natureza, no que tange à seguinte conclusão: b) Os camiões são produtos intrinsecamente complexos e cada fabricante de camiões, designadamente a MAN, oferece uma ampla gama com centenas de diferentes opções e variantes
Foi também pedida a consideração e tratamento como factos provados das afirmações: c) O portefólio de camiões comercializados pelo grupo MAN consiste num sistema modular, em que os clientes podem configurar o modelo de camião que mais lhes convém de entre uma variedade imensa de opções, partindo de um veículo-base ao qual podem acrescentar variadíssimos extras d) Existem, pelo menos, 20.000 modelos-base de camiões MAN, aos quais podem ser acrescentadas diversas variantes. e) A MAN não fabrica um produto homogéneo simples, mas sim milhares de modelos distintos com preços distintos.
A este propósito relevam as noções expendidas – «não fabrica um modelo homogéneo simples» é uma conclusão de facto sendo que não tinha qualquer relevo para a decisão o número de modelos e que o que importava neste âmbito ficou a constar do n.º 25, por reporte à avaliação do mercado feita pela Comissão em termos que não foram abalados pelo esforço instrutório.
Nada há alterar neste âmbito.
A Recorrente pretende, também, a inclusão das seguintes afirmações como factos provados: a. O departamento central de vendas da Man Truck & Bus SE (subsidiária da Recorrente MAN SE) obtém veículos da fábrica e vende-os a empresas de vendas nacionais do grupo e a importadores independentes. b. A empresa nacional do grupo MAN em Portugal é a MAN Truck & Bus Portugal, Sociedade Unipessoal Lda. c. O departamento central de vendas da Man Truck & Bus SE fixa os preços brutos de lista dos camiões. d. Os clientes finais não têm acesso aos preços brutos de lista, desconhecendo-os. f. Os preços de transferência são definidos pela sede. g. Os preços de transferência são os preços de venda grossistas para as empresas de vendas nacionais do grupo MAN, incluindo a MAN Truck & Bus Portugal, Sociedade Unipessoal Lda. h. Sobre os preços brutos de lista incidem descontos determinados pela sede. i. No período da infração, a MAN Truck & Bus Portugal fazia mais vendas a concessionários independentes do que a clientes finais. j. O preço pago pelo cliente final (tanto nas vendas feitas pelas empresas nacionais do grupo MAN como nas vendas feitas pelos concessionários) é negociado individualmente e determinado em função de circunstâncias concretas do camião, das características do cliente (designadamente, se encomenda um maior número de camiões, terá maior capacidade negocial). k. Os preços pagos pelos clientes finais não são transparentes. l. Os concessionários fixam livremente os preços de venda aos clientes finais, decidindo autonomamente os descontos que aplicam. m. As empresas do grupo MAN desconhecem o desconto concedidos pelos concessionários e o preço final pago pelos clientes dos concessionários. n. Para além do preço, há outros fatores que influem a decisão de compra dos camiões. a) A procura de camiões é altamente cíclica. b) Os camiões são adquiridos exclusivamente por clientes empresariais. c) O aspeto decisivo a considerar na aquisição de um bem de investimento e, em particular de um camião, é o seu custo efetivo ao longo da sua vida útil. Os compradores de camiões levam em linha de conta vários outros fatores além do preço, tais como o custo do combustível, os custos de manutenção, os custos de assistência no pós-venda, entre outros. d) A estrutura de mercado é assimétrica.
Atenta a sua validade e adequação, quer ao processo civil luso quer às circunstâncias dos autos, são sufragáveis as referências lançadas pelo Tribunal «a quo» (louvando-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4821/16.4T8LSB.L1.S2), nos seguintes termos: Foi o que sucedeu, designadamente, com a matéria articulada pela Ré nas Contestações oferecidas, a respeito das características do mercado e do mecanismo de definição dos preços no seio do grupo MAN. Tais matérias ficaram totalmente prejudicadas em face da prova produzida que culminou na prova dos factos alegados pelas Autoras consubstanciadores dos requisitos da responsabilidade civil, como melhor se abordará na fundamentação de Direito, cumprindo, por essa via, o ónus de prova que lhes incumbia, nos termos do artigo 342.º do Código Civil. Ou seja, os factos alegados pela Ré limitavam-se a tentar demonstrar uma tese contrária à tese alegada por cada uma das Autoras. E, provada a tese da Autora, a tese contrária não deve ser levada ao manancial fáctico, porque se mostra prejudicada.
Tendo adquirido noção da materialização dos vários pressupostos da responsabilidade civil, o Tribunal podia e devia bastar-se com os elementos adquiridos com suficiência, sem reporte a outros irrelevantes para a decisão e, sobretudo, a afirmações genéricas, vazias, irrelevantes ou orientadas para pôr em causa o já provado e o apuramento relevante feito ao nível do detalhado e prolongado estudo da Comissão, subjacente à sua Decisão
Acresce que continuam a aparecer nas propostas de aditamento fáctico várias afirmações que não correspondem a factos mas a conclusões. Tal ocorre, com clareza, nas referências: Os preços pagos pelos clientes finais não são transparentes; Para além do preço, há outros fatores que influem a decisão de compra dos camiões (aliás, esta referência nem conclusão relevante é, antes correspondendo a um conteúdo vazio, tautológico, que nada aponta) ou A estrutura de mercado é assimétrica.
O aditamento pretendido não pretende ajudar a definir o quantum do dano de verificação já apurada (e seria a esse nível que a Recorrente poderia ser útil e ajudar-se a si própria ao auxiliar o Tribunal na focagem e aferição fina da dimensão da sua inquestionável responsabilidade e da também insofismável produção de dano por intermédio da sua actuação ilegal e desleal no mercado), antes pretendeu voltar ao início, auto-desresponsabilizando-se em termos claramente contrários à realidade colhida mediante produção de prova e à sua inculpação pela Comissão por grave prática colusória.
Neste âmbito, nada nos dizem de relevante para o apuramento da dimensão do dano e, seguramente, menos para o seu afastamento, as afirmações constantes das alíneas a) a j), pretendendo a al. l) funcionar como tentativa serôdia e inadequada (até incongruente face à sua própria intervenção contrita no processo de transacção) de apresentar o ilícito como impossível, logo inexistente, porque o cartel teria correspondido a um mero exercício ocioso, talvez caro e seguramente longo, de inconsequentes incursões no ilícito (por mero prazer diletante de versare in re illicita) já que os concessionários é que fixariam os preços a seu bel-prazer.
Quanto aos mecanismos, fossem eles do mercado ou do funcionamento do cartel, são muito claras, seguras e credíveis as alusões cristalizadas na fundamentação fáctica por reporte à Decisão sempre apreciada nos autos, particularmente no ponto de facto n.º 25.
Isto vale também no que tange à inócua e genérica menção desenquadrada e não pormenorizada feita na segunda al. b), sendo que quem proponha a inclusão da al. c) certamente não terá lido o vertido de forma coincidente no aludido ponto 25 e sendo ainda também que entre os factos não se incluem afirmações genéricas e sem qualquer conteúdo fáctico tais com «vários outros factores».
Nenhum sentido tem esta vertente do recurso que vai, assim, também rejeitada.
Finalmente, sustenta a Impugnante, ainda em sede de matéria de facto, que o «Tribunal a quo errou ao julgar não provado “[q]ue as Autoras repercutiram o sobrecusto invocado nos preços praticados junto dos seus clientes”».
O Tribunal «a quo» justificou a consideração desta afirmação como não correspondendo a facto demonstrado, em virtude das razões que assim enunciou: E da prova produzida, incluindo a prova pericial, determinada pelo Tribunal, com vista a aferir a alegada repercussão do sobrecusto na atividade de cada uma das Autoras, esta não se evidenciou, quando as testemunhas inquiridas também a contrariaram. Pelo que, se dúvidas houvesse, como a Ré pretendeu fazer crer, sobre a (in)disponibilidade dos dados solicitado às Autoras pelo Senhor Perito, de resto, justificada pela antiguidade dos elementos documentais em causa e da não obrigatoriedade das Autoras de as armazenar por um período superior a 10 anos – com efeito, como resulta do disposto no art. 130.º, n.º 1 do CIRC, “Os sujeitos passivos de IRC, com exceção dos isentos nos termos do artigo 9.º, são obrigados a manter em boa ordem, durante o prazo de 10 anos, um processo de documentação fiscal relativo a cada período de tributação”. E igual obrigação, limitada a 10 anos, resulta do disposto nos artigos 52.º do CIVA e 40.º do Código Comercial. –, as testemunhas inquiridas foram perentórias a afirmar que, dada a elevada concorrência no mercado em que atuam, o sobrecusto suportado foi por elas absorvido, não lhes tendo sido possível aumentar os seus preços face ao mesmo. Neste conspecto, veja-se o relatado pela testemunha AA, quando confrontado com a defesa da Ré no sentido de que o alegado sobrecusto sofrido ter-se-ia repercutido na atividade da Autora, junto dos seus clientes. Disse esta testemunha que, da análise que fez à faturação da Autora, disponível apenas desde 2007, não constatou um qualquer aumento dos preços, apresentando-se estes imutáveis há muitos anos, desde pelo menos o referido ano de 2007, sem prejuízo de recordar-se que nos anos anteriores a situação não era diferente, uma vez que o setor onde a Autora desenvolve a sua atividade é altamente concorrencial, não permitindo aumentar os preços; ou mantém ou desce. Elucidou ainda que, pese embora não exista um registo acerca da formação do preço cobrado, os custos principais que o influenciam são o combustível (em cerca de 30%), as portagens, a mão de obra e, numa percentagem residual, a amortização do equipamento. Concluiu, assim, que o sobrecusto suportado com o pagamento de um preço superior ao que seria devido se não fosse o “cartel” foi absorvido na atividade da Autora, não tendo sido repercutido no preço cobrado aos seus clientes. E, na perícia realizada, com a participação dos assessores técnicos indicados pelas partes e, assim, com o assessor técnico da Ré, vertida no relatório pericial junto aos autos, o Senhor Perito concluiu pela inexistência de qualquer repercussão do alegado sobrecusto nos preços praticados por cada uma das Autoras juntos dos seus clientes, conclusão que reiterou nos esclarecimentos prestados em sede de Audiência Final. Nesta sede, no confronto com o referido relatório pericial e com os esclarecimentos posteriormente prestados por escrito, respondeu às questões colocadas com saber e segurança, dizendo que alguma da documentação solicitada a cada uma das Autoras não foi fornecida, porque as Autoras declararam não as possuir, resposta que deu como boa, diante o facto de alguma documentação ser muito antiga e as empresas não terem a obrigação de as guardar por um período superior a dez anos, e porque, da experiência que tem com outras empresas, a quem presta serviços como revisor oficial de contas, não é habitual as possuir, como sucede com as tabelas de preços, sendo que o assessor técnico da Ré, presente na última reunião realizada, nada disse, não fez qualquer reparo ou sugestão. Disse ainda não ter estranhado o resultado obtido, uma vez que, de acordo com a sua experiência, o alegado aumento de preços na aquisição das viaturas, isto é, o alegado dano provocado pela infração não tem qualquer impacto nas contas das empresas, uma vez que o mesmo se apresenta residual. A respeito da Autora TRANSFRUGAL, informou conhecer bem o mercado dos transportes, descrevendo-o como sendo altamente concorrencial, apresentando-se os preços praticados pelas transportadas como os preços que o mercado permite que sejam cobrados aos clientes, não tendo as empresas capacidade de impor os seus preços aos clientes, trabalhando com margens muito baixas. E no que contende com as Autoras ABB e FERROVIAL, reiterou tudo o que disse, isto é, que da análise que fez, não concluiu que tenham repercutido o alegado sobrecusto nos seus preços, sendo que, da experiência prática que detém, tal surge como natural e lógico que assim tenha sucedido. Pelo que, não obstante o esforço realizado, com vista à descoberta da verdade material quanto à invocada repercussão do alegado sobrecusto, uma vez que, em teoria, a mesma não é de descartar, não tendo sido possível aferir da invocada repercussão do sobrecusto apurado, nos termos pretendidos pela Ré, prova que lhe incumbia realizar, e porque tal facto não é imputável às Autoras, o Tribunal deu como não provado o referido facto. De todo o modo, se dúvidas existissem, as mesmas teriam sempre de ser resolvidas a favor das Autoras (cfr. artigo 414.º do CPC).
Emerge do transcrito que o órgão jurisdicional que proferiu a decisão posta em crise exerceu o dever de apreciar livremente a prova, explicou de forma convincente as suas opções e juízos e fê-lo sem patentes erros lógicos, desatenções, olvidos ou parcialidades. Tem sentido o afirmado, e o descrito tem assento no que se pode retirar do esforço instrutório.
Já não revela adequação a referência ao relatório pericial constante do parágrafo 187 das alegações de recurso porquanto, ao contrário do aí apontado, o Tribunal não afirmou a inexistência de repercussão, antes apenas tendo apontado que não se provou a repercussão, o que é algo substancialmente distinto.
No fundo, quis a Recorrente que não se atendesse a Relatório Pericial ao qual, justamente, não se pôde atender neste caso.
Depois, importa referir que os tribunais não decidem contra teorias, em matéria de facto. Os tribunais decidem em prol da Verdade e da Justiça. Os factos ou se provam ou não se provam, o que se afere em função do conteúdo do esforço instrutório e da omissão demonstrativa que tem sempre que ser lida à luz do disposto no art. 342.º do Código Civil que determina as regras do ónus de patentear.
Também a este nível, o da consideração do ónus probatório, não se divisam erros do Tribunal nem a Recorrente logrou revelá-los, antes se tendo perdido entre teorias, generalidades, leituras parciais que nunca poderiam ser as de um Tribunal, tentativa de desvalorização de um relatório pericial e de um depoimento nos quais o Tribunal (aí em sintonia com o sustentado) não viu condições para suportar uma resposta afirmativa.
Flui do exposto o total desajuste desta pretensão parcial e de toda a impugnação da matéria de facto com excepção do acima definido quanto ao quantitativo do dano.
Vem provado que: 1. No dia 18/01/2011, a Comissão Europeia tornou pública a realização de várias buscas e apreensões a vários fabricantes de camiões. 2. Na mesma data, a Comissão Europeia emitiu um comunicado sobre esta matéria: “Antitrust: Commission confirms unannounced inspections in the truck sector”. 3. A imprensa nacional e internacional também noticiou e identificou as empresas MAN como denunciantes, bem como noticiou sobre a suspeita de condutas anticoncorrenciais: notícia publicada pela SIC Notícias em 19.01.2011, “Fabricantes de camiões como Daimler, Volvo, Scania ou Man sob investigação”; artigo publicado pelo Financial Times datado de 18.01.2011, com o título "Brussels swoops on truckmakers" e artigo publicado no Financial Times em 03.03.2011, com o título "Truckmakers in Brussels antitrust probe". 4. No dia 20/11/2014, foi divulgado um comunicado de imprensa emitido pela Comissão Europeia que tornou pública a prolação da Comunicação de Objeções e divulgou informação sobre: i) quem foram os destinatários da Comunicação de Objeções (i.e., diversos fabricantes de camiões médios e pesados, sem indicação das suas designações comerciais); ii) as práticas concertadas que envolveriam uma coordenação ao nível dos preços; iii) a área geográfica em questão (Espaço Económico Europeu); e iv) que as práticas em apreço poderiam constituir uma violação do artigo 101.º do TFUE e do artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu. 5. A imprensa também noticiou o assunto e identificou a MAN como uma das empresas envolvidas e sujeito da investigação e da comunicação de objeções: notícia publicada na “Transportes e Negócios” de 26.11.2014, com o título “Volvo provisiona 400 milhões por suspeitas de cartel”; artigo publicado no Financial Times de 23.12.2014, “Top truckmakers operated cartel for 14 years, says EU”. 6. No dia 19/07/2016, a Comissão Europeia emitiu um comunicado de imprensa sobre a sua Decisão, incluindo a seguinte informação: (i) a identidade dos alegados infratores, incluindo a Ré; (ii) a descrição da conduta em análise; (iii) o período durante o qual ocorreu a alegada violação às normas da concorrência; (iv) o montante das multas aplicadas. 7. No dia 06/04/2017, o Jornal Oficial da União Europeia publicou o Resumo da Decisão da Comissão de 19/07/2016 relativa a um processo nos termos do art. 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do art. 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu – Processo AT.39824 — Camiões. 8. No dia 27/06/2019, a Autora AAB deu entrada em Juízo da presente ação. 9. Nessa data, a Autora requereu a citação urgente da Ré. 10. No dia 04/11/2019 a Ré foi citada. 11. No dia 08/07/2019, a Autora FERROVIAL deu entrada em Juízo da presente ação. 12. Nessa data, a Autora requereu a citação urgente da Ré. 13. No dia 28/10/2019, a Ré foi citada. 14. No dia 22/08/2019, a Autora TRANSFRUGAL deu entrada em Juízo da presente ação. 15. Nessa data, a Autora requereu a citação urgente da Ré. 16. No dia 04/11/2019, a Ré foi citada. 17. A Comissão Europeia, entre 18/01/2011 e 21/01/2011, procedeu a inspeções nas instalações de diversos produtores de camiões, na sequência de um pedido de imunidade apresentado pela MAN a 20/09/2010. 18. No dia 20/11/2014, a Comissão deu início a um processo, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 6 do Regulamento (CE) n.º 1/2003, contra a DAF, a DAIMLER, a IVECO, a MAN, a VOLVO e a RENAULT, e adotou uma comunicação de objeções, a qual foi notificada a estas entidades. 19. Após a adoção da comunicação de objeções, as referidas destinatárias contactaram informalmente a Comissão e solicitaram que o processo prosseguisse no âmbito do procedimento de transação. 20. A Comissão decidiu iniciar procedimentos de transação para o processo em apreço depois de as destinatárias terem confirmado a sua disponibilidade para participarem em conversações de transação. 21. Depois, a MAN, a DAF, a DAIMLER, a VOLVO, a RENAULT e a IVECO apresentaram à Comissão pedido formal de transação, nos termos do disposto no artigo 10.º-A, n.º 2 do Regulamento (CE) n.º 773/2004 da Comissão. 22. O Comité Consultivo em matéria de acordos, decisões, práticas concertadas e de posições dominantes emitiu um parecer favorável a 18/07/2016. 23. E a Comissão Europeia adotou a Decisão datada de 19/07/2016 – Processo AT.39824 – Camiões. 24. A Ré MAN SE é uma das destinatárias dessa Decisão, a par das seguintes sociedades: MAN Truck & Bus AG e MAN Truck & Bus Deutschland GmbH; AB Volvo (publ), Volvo Lastvagnar AB and Renault Trucks SAS; Grupo Volvo Trucks Central Europe GmbH; Daimler AG; Iveco S.p.A.; Fiat Chrysler Automobiles N.V. e a Iveco Magirus AG; CNH Industrial N.V; PACCAR Inc. e a DAF Trucks N.V.; DAF Trucks Deutschland GmbH. 25. Do texto da Decisão, com relevo, consta o seguinte: « 1.3. Descrição do mercado dos camiões: (…) 1.3.2. Estrutura da força de vendas (25) Todos os Destinatários têm filiais de comercialização nacionais nos principais países do mercado que normalmente importam os camiões. Todos os Destinatários vendem os seus produtos através de distribuidores e das respetivas redes de revendedores autorizados ou, em certos casos/regiões específicas, diretamente aos principais clientes. Alguns dos distribuidores e revendedores são propriedade dos fabricantes de camiões como parte da respetiva organização de vendas, outros são independentes. 1.3.3. Características do mercado dos camiões (26) A procura de camiões é altamente cíclica. Enquanto os automóveis de passageiros são adquiridos por clientes particulares e comerciais, os camiões são adquiridos exclusivamente pelos clientes comerciais. Uma vez que os camiões são bens duradouros para utilização profissional, em muitos casos os clientes adiam o investimento na renovação da frota durante os períodos de crise económica, compensando essa falta de investimento quando se verifica uma maior prosperidade nos negócios. Os camiões não são produtos de base, mas são especificados de acordo com os requisitos individuais do cliente e são inerentemente complexos. Todos os Destinatários disponibilizam uma gama de camiões e centenas de opções e variantes diferentes. Além disso, a fiabilidade percetível, o desempenho técnico, o consumo de combustível, os custos de manutenção e a imagem de marca desempenham um papel importante nas decisões de compra dos clientes. Outros aspetos importantes são a dimensão da rede de estações de serviço, os custos do serviço pós-venda, os custos operacionais, etc. 1.3.4. Mecanismos de fixação de preços e listas de preços brutos (27) De um modo geral, o mecanismo de atribuição de preços do setor dos camiões segue o mesmo processo para todos os Destinatários. Como acontece em muitos outros setores, a atribuição de preços parte normalmente do preço de tabela bruto inicial estipulado pela Sede. Em seguida, são estipulados preços de transferência para a importação de camiões para os diferentes mercados através de empresas distribuidoras detidas a 100 % ou independentes. Além disso, existem também os preços que serão pagos pelos revendedores que operam nos mercados nacionais e os preços líquidos finais cobrados aos clientes. Estes preços líquidos finais cobrados aos clientes são negociados pelos revendedores ou pelos fabricantes nos casos em que estes vendem diretamente aos revendedores ou aos clientes de frota. Os preços líquidos finais cobrados aos clientes refletem descontos substanciais sobre o preço de tabela bruto inicial. Nem todos os procedimentos são sempre seguidos, uma vez que os fabricantes também vendem diretamente aos revendedores ou aos clientes de frota. (…) 1.3.5. Transparência no mercado dos camiões (29) O setor dos camiões é caracterizado por um elevado grau de transparência. Os Destinatários tiveram acesso a dados concorrencialmente relevantes, como os registos dos camiões através dos registos públicos. Além disso, os produtores de camiões e as respetivas empresas distribuidoras mantiveram uma troca regular de dados com diversas associações do setor. Nalgumas destas associações, verificou-se uma troca de dados sobre a receção de encomendas e os períodos de entrega ou níveis de stock. Além disso, os Destinatários tiveram acesso a mais dados, em graus variáveis, através da apresentação espontânea, pelos clientes, das ofertas dos concorrentes com o objetivo de negociar os preços, e também através da metodologia do cliente mistério. (30) Por conseguinte, uma das incertezas que os Destinatários ainda tinham relativamente ao mercado dos camiões era o comportamento futuro dos produtores de camiões e, mais concretamente, as suas intenções no que diz respeito às alterações aos respetivos preços brutos e às tabelas de preços brutos.». 26. Bem como resulta o seguinte: «2.1. A investigação da Comissão: (31) A 20 de setembro de 2010, a MAN SE e todas as filiais que controlava direta ou indiretamente solicitaram a imunidade em matéria de coimas ao abrigo do ponto 14 da Comunicação da Comissão relativa à imunidade e redução de coimas em processos de cartéis de 2006 (doravante, "a Comunicação sobre a não aplicação") e, em alternativa, uma redução das coimas ao abrigo do ponto 27 da Comunicação sobre a não aplicação relativamente a um alegado cartel na indústria dos camiões. Ao pedido de imunidade seguiram-se observações subsequentes. A 17 de dezembro de 2010, a Comissão concedeu imunidade condicional em matéria de coimas à MAN. (…) (43) Entre […] e […], a MAN, DAF, Daimler, Volvo/Renault e Iveco (ou seja, os Destinatários) apresentaram à Comissão pedidos formais de transação ao abrigo do n.º 2 da alínea a) do Artigo 10.º do Regulamento (CE) n.º 773/2004 (as "propostas de transação"). A proposta de transação de cada Destinatário continha: - um reconhecimento, em termos claros e inequívocos, da responsabilidade do Destinatário pela infração descrita resumidamente quanto ao objeto, aos principais factos e à qualificação jurídica, incluindo a sua função e a duração da sua participação na infração de acordo com os resultados das negociações conducentes à transação; (...)». 27. Bem assim, a respeito da “DESCRIÇÃO DA CONDUTA”: «3.1. Outros aspetos de transparência entre os Destinatários (46)Todos os Destinatários trocaram tabelas de preço brutos e informações sobre preços brutos, e a maioria dos Destinatários (ver (48)) participou na troca de configuradores de camiões informatizados. Todos estes elementos constituíam informações sensíveis do ponto de vista comercial. Ao longo do tempo, os configuradores de camiões, que incluem os preços brutos detalhados de todos os modelos e opções, substituíram as tabelas de preços brutos tradicionais. Este processo facilitou o cálculo do preço bruto de cada uma das possíveis configurações de camiões. A troca foi realizada ao nível multilateral e ao nível bilateral. (47)Na maioria dos casos, a informação sobre os preços brutos dos componentes de camiões não estava disponível publicamente e a informação que estava disponível publicamente não era tão detalhada e precisa como a informação que foi trocada entre os Destinatários e entre outras entidades. Com a troca da informação sobre os preços brutos e as tabelas de preços brutos atuais, juntamente com o recurso a outras informações sobre o mercado, os Destinatários conseguiram calcular melhor os preços líquidos atuais aproximados dos seus concorrentes – em função da qualidade das informações sobre o mercado que tinham à sua disposição. (48)Da mesma forma, a troca dos configuradores contribuiu para a comparação das próprias ofertas com as dos concorrentes, o que aumentou ainda mais a transparência do mercado. Concretamente, tornou-se possível compreender, com base nos configuradores dos camiões, quais eram os extras compatíveis com cada modelo de camião, e quais eram as opções que fariam parte do equipamento de série ou que seriam um extra. À exceção da DAF, todos os Destinatários tiveram acesso ao configurador de pelo menos um outro Destinatário. Alguns configuradores apenas concediam acesso a informações técnicas, como os portais dos fabricantes de carroçarias, e não incluíam quaisquer informações sobre preços.». 28. E a respeito da “Natureza e âmbito da infração”, com relevo, consta o seguinte: «(49) Os contactos colusórios nos quais participaram os Destinatários no período de 1997 a 2010 ocorreram na forma de reuniões regulares nas instalações das associações industriais, em feiras comerciais, demonstrações de produtos pelos fabricantes ou reuniões entre concorrentes organizadas para o efeito da infração. Também incluíram trocas regulares por correio eletrónico e chamadas telefónicas. As sedes dos Destinatários (doravante: o Nível das Sedes) estiveram diretamente envolvidas na negociação dos preços, dos aumentos dos preços e da introdução de novas normas de emissões até 2004. A partir, pelo menos, de agosto de 2002, ocorreram negociações através de Filiais alemãs (doravante: o Nível Alemão) que, em graus variáveis, seguiam instruções das respetivas Sedes. (50)Entre os acordos colusórios, incluíram-se acordos e/ou práticas concertadas relativas à atribuição de preços e aos aumentos dos preços brutos para alinhar os preços brutos no EEE, e a temporização e a transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões exigidas pelas normas EURO 3 a 6. (51)Entre 1997 e até ao final de 2004, os Destinatários participaram em reuniões realizadas entre membros da direção superior de todas as Sedes (ver, por exemplo, (52)). Nestas reuniões, que ocorreram várias vezes por ano, os participantes discutiram e, em alguns casos, chegaram a acordo em relação aos aumentos dos respetivos preços brutos. Antes da introdução das tabelas de preços aplicáveis ao nível pan-europeu (EEE) (ver acima em (28)), os participantes discutiram os aumentos dos preços brutos, com a especificação da aplicação em todo o EEE dividido pelos principais mercados. Durante as reuniões bilaterais complementares em 1997 e 1998, além das habituais discussões pormenorizadas sobre os futuros aumentos dos preços brutos, os Destinatários relevantes trocaram informações sobre a harmonização das tabelas de preços brutos para o EEE. Em determinadas ocasiões, os participantes, incluindo representantes das Sedes de todos os Destinatários, discutiram também os preços líquidos para alguns países. Concordaram também relativamente ao momento da introdução e aos encargos adicionais a aplicar às tecnologias de emissões, em cumprimento das normas de emissões EURO. Além dos acordos relativos aos níveis dos aumentos dos preços, os participantes informaram-se regularmente uns aos outros sobre os aumentos planeados para os preços brutos. Além disso, trocaram informações sobre os respetivos prazos de entrega e as previsões gerais de mercado específicas de cada país, subdivididas por países e categorias de camiões. Além das reuniões, houve trocas regulares de informações sensíveis do ponto de vista concorrencial por telefone e correio eletrónico. (52)Os seguintes exemplos de reuniões ilustram a natureza das discussões, nomeadamente entre os Destinatários ao Nível das Sedes durante o período inicial da infração. A 17 de janeiro de 1997, foi organizada uma reunião em Bruxelas. Participaram nesta reunião representantes das Sedes de todos os Destinatários. Os elementos de prova demonstram que foram discutidas as futuras alterações aos preços brutos de tabela. Durante uma reunião realizada a 6 de abril de 1998 no contexto de uma reunião de uma associação industrial, na qual participaram representantes das Sedes de todos os Destinatários, os participantes coordenaram a introdução no mercado dos camiões que cumpriam a norma EURO 3. Concordaram não comercializar camiões em conformidade com a norma EURO 3 antes de ser obrigatório fazê-lo, e chegaram a acordo em relação a um intervalo de preço adicional para os camiões em conformidade com a norma EURO 3. (53)Nas próximas alterações às tabelas de preços em euros, os elementos de prova demonstram também que todos os Destinatários estavam envolvidos em discussões relativas à utilização da introdução da moeda Euro para reduzir os descontos. As partes envolvidas constataram que a França tinha os preços mais baixos e concordaram que os preços praticados nesse país tinham de ser aumentados. (54)Após a introdução da moeda Euro e com a introdução de tabelas de preços paneuropeias (EEE) para quase todos os fabricantes (ver (28)), os Destinatários começaram sistematicamente a trocar os respetivos aumentos planeados para os preços brutos através das filiais alemãs (ver, por exemplo, (59)), enquanto os contactos colusórios ao nível dos membros da direção superior das Sedes continuaram paralelamente entre 2002 e 2004. Por exemplo, durante uma reunião nos dias 10 e 11 de abril de 2003, no contexto de uma reunião de uma associação industrial na qual participaram, entre outros, representantes das Sedes de todos os Destinatários, ocorreram discussões relativas, entre outros aspetos, aos preços e às modalidades de introdução no mercado dos camiões que cumpriam a norma Euro 4, semelhantes às discussões que tinham ocorrido previamente em relação à norma Euro 3 (ver (52)). Além disso, os representantes não-executivos das Sedes e das Filiais Alemãs organizaram ocasionalmente reuniões que incluíram pontos de ordem de trabalhos e discussões tanto comuns como individuais (ver, por exemplo, (59)). (55)As trocas de informações que envolveram o Nível Alemão foram realizadas através de reuniões normais entre os concorrentes, e os contactos foram organizados entre os funcionários das Filiais Alemãs. Além destas reuniões, ocorreram trocas regulares de informações por telefone e correio eletrónico. Entre os tópicos discutidos, incluíram-se tópicos técnicos e prazos de entrega, mas também os preços (normalmente preços brutos). Em muitos casos, os participantes nestas trocas de informações, incluindo os Destinatários, trocaram também informações sensíveis do ponto de vista comercial, como a receção de encomendas, o stock e outras informações técnicas por correio eletrónico e telefone. (56)Nos anos posteriores, as reuniões realizadas ao Nível Alemão tornaram-se mais formalizadas e as informações sobre os aumentos dos preços brutos que não estavam disponíveis no domínio público passaram a ser registadas numa folha de cálculo dividida por modelo padrão de camião para cada produtor. Estas trocas de informações ocorreram várias vezes por ano. As futuras informações trocadas sobre os aumentos dos preços brutos foram referentes apenas aos modelos básicos de camiões ou aos camiões e às opções disponíveis (em muitos casos, estas informações foram indicadas separadamente nas tabelas trocadas) e normalmente não foram trocados preços líquidos nem aumentos de preços líquidos. As informações relativas aos futuros aumentos planeados para os preços brutos trocadas ao nível das Filiais Alemãs foram, em graus variáveis, encaminhadas para as respetivas Sedes. (57)A troca de informações sobre os futuros aumentos planeados para os preços brutos e a nova tecnologia das normas de emissões continuou a verificar-se ao longo dos anos e, a partir de 2007, passou a incluir também os períodos de entrega dos produtores de camiões. A partir de 2008, as trocas de informações tornaram-se mais formalizadas através do recurso a um modelo unificado concebido para a troca de informações relativas aos aumentos planeados dos preços brutos. (58)No mínimo, estas trocas de informações colocaram os Destinatários na posição de poder considerar as informações trocadas no âmbito do seu processo de planeamento e para o planeamento de futuros aumentos dos preços brutos no ano civil seguinte. Além disso, as informações podem ter influenciado o posicionamento de preço de alguns dos novos produtos dos Destinatários. (59)Os seguintes exemplos ilustram a natureza das discussões nas quais participaram os representantes do Nível Alemão. No final de 2004, um funcionário da DAF Trucks Deutschland GmbH enviou uma mensagem de correio eletrónico a vários destinatários, entre os quais se encontram os representantes das Filiais Alemãs, pedindo-lhes que comunicassem os seus aumentos de preços brutos planeados para 2005. As informações resumidas e compiladas sobre os preços foram enviadas, alguns dias depois, a todos os participantes, incluindo todos os Destinatários, e continham informações sobre os aumentos de preços brutos planeados. Os Destinatários participaram numa reunião que ocorreu entre 4 e 5 de julho de 2005 em Munique, na qual compareceram representantes não-executivos do Nível das Sedes e funcionários das Filiais Alemãs. Com base nos elementos de prova, parece que foram agendadas atividades comuns e reuniões. Além disso, foram também previstas sessões especiais com a participação de representantes não-executivos das Sedes e reuniões individuais com a participação dos representantes das Filiais Alemãs. Durante uma destas sessões individuais, os participantes, entre os quais se incluíam todos os Destinatários, trocaram informações sobre os futuros aumentos dos respetivos preços brutos em 2005 e 2006, e também sobre os custos adicionais do cumprimento das normas de emissões EURO 4. Noutras reuniões, nas quais participaram representantes das Filiais Alemãs, foi dada continuidade às discussões sobre aumentos dos preços e os aumentos dos preços para as normas Euro 4 e Euro 5, nomeadamente as reuniões realizadas 12 de abril de 2006 e também nos dias 12 e 13 de março de 2008. (60)Os elementos de prova demonstram que tinham sido obtidas, dos participantes nas trocas de informações e a partir de novembro de 2010 e janeiro de 2011, informações sobre os aumentos dos preços brutos de, entre outros, todos os Destinatários. O conteúdo desta lista foi reproduzido numa nota manuscrita por um funcionário da MAN que também recebeu as informações sobre os aumentos dos preços brutos relativas aos outros participantes diretamente da Daimler. Estas informações foram fornecidas quando a Daimler contactou a MAN para ficar a conhecer os detalhes do próximo aumento dos preços brutos da MAN.». 29. Na “Apreciação Jurídica” da Decisão, Tendo em conta o conjunto das provas, os factos descritos e a confirmação clara e inequívoca dos Destinatários nas respetivas propostas de transação, escreveu-se o seguinte, com relevo: «(68) A conduta descrita na anterior Secção 4 pode caracterizar-se como uma infração complexa do Artigo 101.º do TFUE e do Artigo 53.º do Acordo EEE, uma vez que é composta por várias ações que podem ser classificadas como acordos ou práticas concertadas, no âmbito das quais os Destinatários substituíram conscientemente os riscos da concorrência pela colaboração prática. (69) Por conseguinte, esta conduta apresenta todas as características de um acordo e/ou prática concertada na aceção do n.º 1 do Artigo 101.º do TFUE e do n.º 1 do Artigo 53.º do Acordo EEE, uma vez que tinha por objeto a prevenção, restrição e/ou distorção da concorrência no que diz respeito a Camiões no EEE. Concretamente, os Destinatários estavam envolvidos nas atividades anticoncorrenciais descritas acima em relação à venda de Camiões através de várias camadas de reuniões entre concorrentes e outros contactos, que ocorreram ao Nível das Sedes e ao Nível Alemão.». 30. Bem assim: «(71) No presente processo, a conduta descrita na Secção 4 constitui uma infração única e continuada do n.º 1 do Artigo 101.º do TFUE e do n.º 1 do Artigo 53.º do Acordo EEE no período de 17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011. Simultaneamente, com base nos factos descritos anteriormente, qualquer um dos aspetos da conduta, incluindo no que diz respeito a qualquer um dos produtos e em relação a qualquer um dos Estados Membros (ou regiões mais vastas), tem por objetivo a restrição da concorrência e, por conseguinte, constitui, só por si, uma infração do Artigo 101.º do TFUE e/ou do Artigo 53.º do Acordo EEE. O único objetivo económico anticoncorrencial da colusão entre os Destinatários foi coordenar o comportamento mútuo ao nível da atribuição de preços brutos e a introdução de determinadas normas de emissões para eliminar a incerteza quanto ao comportamento dos respetivos Destinatários e, em última análise, a reação dos clientes no mercado. As práticas de colusão tinham um único objetivo económico, nomeadamente a distorção da fixação independente dos preços e do movimento normal dos preços dos camiões no EEE. (72)São vários os fatores, como as características comuns do conteúdo dos contactos, a identidade e, no caso de alguns dos Destinatários, as sobreposições dos indivíduos que participaram nos contactos, a temporização dos contactos ou a proximidade temporal, que confirmam que os contactos colusórios estavam interligados e tinham uma natureza complementar, uma vez que todos se destinavam a anular uma ou mais das consequências do padrão normal da concorrência no quadro de um plano ao nível do EEE com um único objetivo. (73)Os elementos de prova disponíveis demonstram que a conduta anteriormente descrita constituiu um processo contínuo e não ocorrências isoladas ou esporádicas. Os contactos que ocorreram entre os Destinatários tiveram uma natureza contínua, com numerosos contactos regulares (reuniões presenciais, telefonemas e troca de mensagens de correio eletrónico). Os diversos elementos da infração tinham um objetivo anticoncorrencial comum, conforme descrito acima, que permaneceu o mesmo ao longo de todo o período da infração. A existência de uma infração única e continuada também é confirmada pelo facto de a conduta anticoncorrencial ter seguido um padrão semelhante ao longo de todo o período da infração. (74)Embora os contactos colusórios tenham ocorrido, a partir de 2004, entre as Filiais Alemãs e não entre Sedes, tais contactos tinham, ainda assim, o mesmo objetivo das reuniões anteriores realizadas entre os representantes do Nível das Sedes, nomeadamente a distorção da fixação independente de preços e do movimento normal dos preços dos Camiões no EEE. Esta situação é comprovada pelo facto de as discussões realizadas entre os representantes das Filiais Alemãs terem continuado a abordar os mesmos tópicos, e da mesma forma, que as reuniões anteriores realizadas entre os representantes das Sedes. (75)Com a troca das tabelas de preços brutos aplicáveis em todo o EEE53, os Destinatários encontravam-se em melhor posição para compreender, com base as informações sobre os aumentos dos preços que foram trocadas pelas Filiais Alemãs, a estratégia de cada um para os preços na Europa, do que se apenas pudessem contar com as informações do mercado que tinham à disposição. (76)Além disso, um número restrito de indivíduos de cada Destinatário teve vários contactos que seguiram um padrão semelhante ao longo de todo o período da infração, embora existissem vários círculos e níveis de trocas. Os Destinatários pretendiam contribuir para os objetivos comuns da conduta anticoncorrencial continuada conforme descrito nos considerandos (49) a (60), e conheciam ou poderiam ter razoavelmente previsto o âmbito geral e as características essenciais da infração como um todo. (77)O esquema geral foi implementado ao longo de um período de vários anos, com recurso aos mesmos mecanismos e com o mesmo objetivo comum de eliminar a concorrência. (78)Com base nestes factos e tendo em conta a conceção comum dos contactos e o objetivo comum da infração, o conjunto de contactos colusórios que ocorreram entre os Destinatários constitui uma infração única e continuada do n.º 1 do Artigo 101.º do TFUE e do n.º 1 do Artigo 53 do Acordo EEE.». 31. E ainda: «(81) O comportamento anticoncorrencial descrito nos anteriores pontos (49) a (60) tem o objetivo de limitar a concorrência no mercado ao nível do EEE. A conduta é caracterizada pela coordenação dos preços brutos entre os Destinatários que eram concorrentes, diretamente e através da troca de informações sobre os aumentos planeados dos preços brutos, da limitação e temporização da introdução da tecnologia que cumpria as novas normas de emissões e da partilha de outras informações sensíveis do ponto de vista comercial, como a receção de encomendas e os tempos de entrega. Uma vez que os preços são um dos principais instrumentos da concorrência, os vários acordos e mecanismos adotados pelos Destinatários tinha o objetivo principal de limitar a concorrência em termos de preços na aceção do significado do n.º 1 do Artigo 101.º e do n.º 1 do Artigo 53.º do Acordo EEE. (82) É jurisprudência assente que, para os efeitos previstos no Artigo 101.º do TFUE e no Artigo 53.º do Acordo EEE, não é necessário considerar os efeitos reais de um acordo quando este tem por objetivo o impedimento, a limitação ou a distorção da concorrência no mercado interno e/ou no EEE, conforme aplicável. Por conseguinte, no presente processo, não é necessário demonstrar os efeitos anticoncorrenciais reais, uma vez que o objetivo anticoncorrencial da conduta em questão ficou comprovado.». 32. Quanto aos “Efeitos no comércio”, com relevo, consta o seguinte: «(84) O setor dos camiões é caracterizado por um volume substancial de comércio entre os Estados-Membros e também entre a União e os países da AECL do EEE, e afeta a estrutura concorrencial do mercado em pelo menos dois Estados-Membros. (85) Neste processo, tendo em conta a quota de mercado e o volume de negócios dos Destinatários no EEE, pode assumir-se que os efeitos no comércio são consideráveis. Além disso, o âmbito geográfico da infração, que abrangeu vários Estados-Membros, e a natureza transfronteiriça dos produtos afetados também demonstram que os efeitos no comércio são consideráveis.». 33. Quanto à Responsabilidade, com relevo, consta o seguinte: «(91) O Artigo 101.º do TFUE e o Artigo 53.º do Acordo EEE aplicam-se às empresas e associações de empresas. O conceito "empresa" abrange todas as entidades que exerçam uma atividade económica, independentemente do estatuto jurídico e da forma do financiamento. (92) O termo "empresa" deve ser interpretado como uma designação de uma unidade económica, mesmo quando, em termos legais, tal unidade económica seja composta por várias pessoas físicas ou coletivas. Para determinar se as entidades jurídicas individuais constituem a mesma empresa, é necessário prestar especial atenção aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que existem entre tais entidades. (93) De acordo com a jurisprudência assente, sempre que uma empresa-mãe detém uma participação de 100% numa filial que tenha infringido as regras da concorrência da União, há um pressuposto refutável de que empresa-mãe pode exercer e exerce efetivamente uma influência decisiva sobre a conduta da sua filial. (…) (95) As seguintes entidades jurídicas são consideradas conjunta e solidariamente responsáveis pela infração cometida pela MAN: (…) (c) a MAN SE, enquanto empresa-mãe, pela conduta da sua filial MAN Truck & Bus AG de 17 de janeiro de 1997 a 20 de setembro de 2010 e da sua filial MAN Truck & Bus Deutschland GmbH de 3 de maio de 2004 a 20 de setembro 2010. A MAN SE confirmou que exerceu, enquanto empresa-mãe, uma influência decisiva sobre a sua filial detida a 100% MAN Truck & Bus AG de 17 de janeiro de 1997 a 20 de setembro de 2010 e, enquanto empresa-mãe (indireta), sobre a sua filial MAN Truck & Bus Deutschland GmbH de 3 de maio de 2004 a 20 de setembro de 2010. (...).» 34. E quanto às MEDIDAS CORRETIVAS, com relevo: «(128) A 20 de setembro de 2010, a MAN SE e todas as filiais que controlava direta ou indiretamente solicitaram a imunidade em matéria de coimas ao abrigo do ponto 14 da Comunicação sobre a não aplicação de 2006 da Comissão relativamente a uma alegada infração na indústria dos camiões. A 17 de dezembro de 2010, a Comissão concedeu imunidade condicional em matéria de coimas à MAN. (129) A colaboração da MAN cumpriu os requisitos da Comunicação sobre a não aplicação. Por conseguinte, é concedida imunidade das coimas à MAN neste processo. (...)» 35. A infração abrangeu a totalidade do EEE e prolongou-se de 17 de janeiro de 1997 a 20 de setembro de 2010, no que à Ré respeita. 36. Os produtos abrangidos pela infração são camiões com um peso entre 6 e 16 toneladas («camiões médios») e camiões de peso superior a 16 toneladas (a seguir «camiões pesados»), que tanto podem ser camiões rígidos como camiões tratores (os camiões médios e pesados designados que se referem conjuntamente como «camiões»), não abrangendo os serviços pós-venda, outros serviços e garantias para camiões, a venda de camiões usados ou quaisquer outros bens ou serviços. 37. Na fixação das coimas, a Comissão teve em conta, entre outros aspetos, para além do modo intencional com que a infração foi cometida, o facto de os mecanismos de coordenação de preços, de entre as restrições à concorrência, assumirem os efeitos mais prejudiciais; a duração da infração; a elevada quota de mercado dos destinatários no mercado europeu de camiões médios e pesados e o facto de a infração ter abrangido todo o território do EEE – vide ponto “7. MEDIDAS CORRETIVAS” da Decisão. 38. A Comissão concedeu imunidade total da coima à MAN, a VOLVO e a RENAULT beneficiaram de uma redução de 40% do montante da sua coima, a DAIMLER de uma redução de 30% e a IVECO de uma redução de 10%. 39. Assim, foram aplicadas as seguintes coimas 40. A Comissão Europeia adotou, desta forma, a Decisão, declarando a prática, pela Ré e pelas restantes destinatárias da Decisão, de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados e a temporização e transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões de média tonelagem e pesados conforme exigido pelas normas EURO 3 a 6, em violação do Artigo 101.º da TFUE e do Artigo 53.º do Acordo EEE – vide artigo 1.º da Decisão. 41. A Ré figura como empresa-mãe das firmas/filiais MAN Truck & Bus AG, MAN Truck & Bus Deutschland GmbH, e tem sede na Alemanha. 42. A Ré MAN (MAN SE e as sua filiais designadas coletivamente por “MAN”), entre o mais, fabrica e distribui camiões, autocarros, motores a diesel, turbomáquinas e também equipamentos especiais. DA AUTORA ABB 43. A Autora tem por objeto comercial a construção de obras de engenharia civil. 44. No âmbito e para o exercício da sua atividade comercial, a Autora adquiriu os seguintes veículos marca MAN, com peso superior a 6 toneladas, nas datas, com as caraterísticas e pelos seguintes preços: 45. No que respeita ao veículo ..-..-TR: a. A Autora, no dia 10.07.2002, adquiriu-o à “EMP04..., Lda.”; b. O preço de venda foi de € 77.064,00 (acrescido de IVA); c. A Autora pagou o referido preço; d. A propriedade do veículo foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º ...62, em 02.08.2002. 46. No que respeita ao veículo ..-..-SH: a. A Autora, no dia 28-12.2001, adquiriu-o à “EMP04... Lda.”; b. O preço de venda foi de €77.812 (acrescido de IVA); c. A Autora pagou o referido preço; d. A propriedade do veículo foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º ...85, em 20.11.2001. 47. No que respeita ao veículo ..-..-RM: a. A Autora escolheu-o junto do fornecedor “EMP04... Lda.”; b. A Autora, no dia 14.05.2001, na qualidade de locatária e “EMP05... – Sociedade de Locação Financeira, S.A.”, na qualidade de locadora, celebraram o contrato de locação financeira n.º ...67, cujo objeto locado foi o referido veículo; c. O preço de venda foi de € 74.820 (acrescido de IVA); d. Esse preço coincidiu com o valor do capital constante do referido contrato de locação; e. As rendas e o valor residual incorporaram o valor integral do preço do veículo; f. O contrato foi integralmente cumprido, tendo a Autora pago todas as rendas, exercido o direito de opção de compra e pago o valor residual no dia 02.05.2004; g. A propriedade do veículo foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º ...34, em 07.04.2005. DA AUTORA FERROVIAL 48. A Autora tem por objeto comercial, entre outros, a gestão de resíduos. 49. No âmbito e para o exercício da sua atividade comercial, a Autora adquiriu os seguintes veículos marca MAN, com peso superior a 6 toneladas, nas datas, com as caraterísticas e pelos seguintes preços: 50. No que respeita ao veículo ..-IM-..: a. A Autora, no dia 30.11.2009, adquiriu-o à “MAN Veículos Industriais”; b. O preço de venda do veículo foi € 62.500 (acrescido de IVA); c. A Autora pagou o referido preço; d. A propriedade do veículo foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º ...80, em 17.12.2009. 51. No que respeita ao veículo ..-DT-..: a. A Autora, no dia 29.06.2007, adquiriu-o à “EMP06..., S.A.”; b. O preço de venda foi de € 72.750 (acrescido de IVA); c. A Autora pagou o referido preço. d. A propriedade do veículo foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º ...30, em 06.07.2007. 52. No que respeita ao veículo ..-DT-.6: a. A Autora, em dia 29.06.2007, adquiriu-o à “EMP06..., S.A.”; b. O preço de venda foi de € 72.750 (acrescido de IVA); c. A Autora pagou o referido preço. d. A propriedade do veículo foi inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º ...17, em 06.07.2007. DA AUTORA TRANSFRUGRAL 53. A Autora tem por objeto comercial o transporte rodoviário de mercadorias. 54. No âmbito e para o exercício da sua atividade comercial, a Autora adquiriu os seguintes veículos, todos novos, com 40 toneladas e ainda com as seguintes características: 55. No que respeita ao veículo ..-BN-.0: a. A Autora, no dia 28.04.2006, adquiriu-o à “EMP03..., S.A.”; b. O preço de venda foi de € 80.000,00 (acrescido de IVA); c. A Autora pagou o referido preço; d. A propriedade do veículo foi inscrita a favor da Autora, estando o respetivo certificado de matrícula registado a seu favor com data de 01.06.2006. 56. No que respeita ao veículo ..-BN-..: a. A Autora, no dia 28.04.2006, adquiriu-o à “EMP03..., S.A.”; b. O preço de venda foi de € 80.000,00 (acrescido de IVA), através da Fatura n.º .... c. A Autora pagou o referido preço. 57. No que respeita ao veículo ..-BN-..: a. A Autora, no dia 28.04.2006, comprou-o à sociedade EMP03..., S.A.”; b. O preço de venda foi de € 80.000,00 (acrescido de IVA); c. A Autora pagou o referido preço; d. A propriedade do veículo foi inscrita a favor da Autora, estando o respetivo certificado de matrícula registado a seu favor com data de 31.05.2006. 58. A Ré, em conluio com outros fabricantes de camiões, aumentou, de forma ilícita, intencional, coordenada e continuada, com os seus concorrentes, os preços brutos dos camiões de peso superior a 6 toneladas, que fabricou e comercializou, diretamente ou através da sua rede de distribuição, no período de 17 de janeiro de 1997 a 20 de setembro de 2010. 59. Tal aumento nos preços brutos foi projetado, na mesma proporção, nos preços líquidos de venda dos veículos, tendo a Ré fixado um preço superior àquele que seria devido, caso não tivesse ocorrido a referida conduta ilícita. 60. O aumento do preço fixou-se num «mark-up» (diferença entre o valor cobrado por um determinado produto num contexto de cartel e o valor que deveria ser cobrado caso esse produto fosse vendido num contexto competitivo) de valor não concretamente apurado; 61. A Autoras, ao pagarem os preços mencionados para a aquisição dos veículos, suportaram o referido sobrecusto, de valor não concretamente apurado.
Foi julgado não provado: a. Que as Autoras tiveram conhecimento da infração imputada à Ré e dos seus alegados infratores em qualquer um dos momentos referidos nos factos provados elencados sob os pontos 1. a 6., e, assim, antes do momento referido no facto 7.; b. Que as Autoras repercutiram o sobre-custo invocado, nos preços praticados junto dos seus clientes.
Fundamentação de Direito (1) É parcialmente nula a decisão recorrida, por omissão de pronúncia?
A Recorrente veio referir ter invocado nas contestações e nas alegações finais não lhe poder ser imputada a prática de um ato ilícito correspondente à conduta sancionada pela Comissão porque foi destinatária da Decisão desta apenas e só na qualidade de empresa-mãe das empresas MAN Truck &Bus AG, e MAN Truck & Bus Deutschland GmbH, não podendo ter tido participação ou envolvimento na conduta sendo que, na sua tese, o Tribunal «a quo» não teria apreciado esta questão, «limitando-se, na parte em que aprecia a verificação do facto ilícito a concluir, sem se pronunciar sobre a questão oportunamente suscitada pela Recorrente, que, “(…) de acordo com a Decisão da Comissão Europeia mostra-se verificada a existência da infração, ou seja, a prática pela Ré de um facto ilícito – que corresponde à violação do art. 101.º do TFUE” (cf. pp 84-85 da Decisão Recorrida)».
Segundo o órgão jurisdicional ao qual foi atribuída a omissão, o que ocorreu foi:
Quanto à alegada falta de fundamentação de direito, a mesma mostra-se exposta nas páginas 46 (último §) a 102 da sentença, na qual se mostra explicado o raciocínio seguido pelo Tribunal que conduziu à conclusão, extraída da subsunção dos factos ao direito a atender, pela existência de um facto ilícito, imputado à Ré e, por conseguinte, da sua responsabilidade civil pelo ressarcimento dos danos causados a cada uma das Autoras – vide fls. 48, 65, 84 e 85 da sentença.
E tem razão.
Com efeito, foi analisada pelo Tribunal que proferiu a decisão impugnada a existência de facto ilícito imputável à Ré Recorrente. Tratava-se, aliás, de questão fundamental para a avaliação do pedido nos autos.
Como bem foi referido em sede de resposta ao recurso, a pronúncia exigida era a que incidia sobre problemas a solucionar e não sobre perspectivas, motivos, razões ou argumentos. Trata-se de exigência e exclusão a extrair de forma muito directa e patente da al. d) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil.
Materializa-se nulidade da pronúncia, logo nulidade da sentença, quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões, nunca argumentos, opiniões, convicções ou entendimentos de quem quer que seja.
O Tribunal seguiu o seu caminho analítico com vista à resolução da problemática que tinha que avaliar, não lhe sendo imposto pela apontada norma que se perdesse na argumentação unilateral e interessada de qualquer das partes. Apenas os problemas compreendidos no exercício do seu múnus de dizer o Direito não podia deixar de apreciar.
À luz do conteúdo da sentença, é muito manifesto que o Órgão Jurisdicional de Primeira Instância cumpriu a sua obrigação, pelo que se impõe responder negativamente a esta questão sob avaliação.
O mais cabe, exclusivamente, entre as questões relativas à procedência da acção. (2) A decisão recorrida é nula por falta de fundamentação?
Segundo a Recorrente, a decisão impugnada sofre de nulidade nos termos do disposto a al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil porquanto a fundamentação aí contida, «na parte em que imputa à Recorrente a prática de um facto ilícito – por pura remissão para a Decisão da Comissão» não lhe permite «perceber as razões de facto e de direito que estão subjacentes a tal decisão».
Contém-se, no preceito invocado nesta questão, o enunciado de um fundamento de emergência da nulidade da sentença correspondente à ausência de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A este nível, quando se refere ausência, na norma (que não contempla gradações ou referentes quantitativos), pretende-se, necessariamente, apontar a absoluta omissão.
Em concreto, só relevaria a completa falta de indicação dos factos e do Direito conducentes à conclusão pela prática pela Recorrente de um facto ilícito, ou seja, pelo preenchimento dos pressupostos ilicitude e imputação do facto ao agente.
Analisados os autos, tem que se concluir que a arguição que gerou esta pergunta revela, antes, desacordo, sobre o que foi dito.
Aliás, não faria sentido que a Recorrente não lograsse divisar na sentença o que lá está tão patente.
As referências em que assenta a arguição que gerou a pergunta avaliada antes parecem emergir de uma análise truncada da decisão posta em crise.
Ignoram as mesmas a importação clara, em sede fáctica, do conteúdo da decisão da Comissão Europeia datada de 19.07.2016, tornada presente e adquirida nos autos, logo verbalizada e depois considerada na fundamentação de Direito e subsunção, designadamente nos factos provados n.ºs 23 a 33.
Perante o aí cristalizado, a Recorrente optou, aparentemente, por entrar em negação, dando como inexistente o flagrante, como não indicado aquilo com que não concordava.
A Impugnante sustenta, também, a inexistência do que é muito visível no que se refere à subsunção e fundamentação de Direito. Porém, a sua dificuldade analítica soluciona-se não através de invocação de nulidade processual mas mediante leitura atenta do decidido.
A pretensão analisada não é compatível com a arguição de nulidade por não inclusão na sentença do que se gostaria de ter visto nela ser consignado. Para sublimar este inconformismo servem os recursos quanto ao mérito e não as arguições de nulidade.
Remete-se a Recorrente, designadamente, quanto à re-leitura que parece impor-se que faça, para o constante das folhas 65 a 85 da sentença.
Claro que a Recorrente tudo percebeu e claro que lhe foi explicado circunstanciadamente o entendimento do Tribunal. Coisa bem distinta de não entender é não concordar. Porém, não é para este quadro que existe a faculdade de arguir nulidade.
A norma apreciada antes visa proteger as partes de eventuais decisões judiciais magestáticas, de todo não justificadas, sempre sintéticas e nunca analíticas, telegráficas em todas ou alguma das suas vertentes e não contendo as 103 páginas em que se analisou em primeira instância o preenchimento dos diversos pressupostos da responsabilidade civil delitual.
Tal preceito não existe para facultar o lançamento de escolho injusto dirigido a uma sentença, ou seja, o uso de mais um meio orientado para a parte tentar furtar-se ao cumprimento de decisão que bem tenha entendido mas não aceite. Não serve para permitir a essa parte que – não se inibindo de invocar o que bem saiba não corresponder à realidade – não se refreie de pôr em causa o rigor e competência do Tribunal para lhe apontar não ter o mesmo feito o que seja patente nos autos ter realizado.
Esta questão, de génese tão desfocada e desajustada ao que consta do processo não merece considerações alongadas. É manifesta a improcedência do pretendido na arguição a ela subjacente.
Em consequência, responde-se negativamente à pergunta avaliada. (4) Não existe um facto ilícito imputável à Recorrente MAN SE?
Brotam dos factos provados, com a necessária clareza e nitidez, factos plenamente caracterizadores da ilicitude (grave) praticada pela Recorrente em violação do Direito constituído da União Europeia e nacional.
A contrariedade à lei por parte da Impugnante, directamente visada (vd. facto n.º 24) na decisão da Comissão Europeia bastas vezes referida nos autos, resulta muitíssimo flagrante e indiscutível dos factos provados, particularmente dos que ostentam os n.ºs 23 a 33 e 35 a 37.
Nenhuma dúvida subsiste.
A nitidez e coerência unívoca do material fáctico fixado dispensam mais dilatadas considerações.
É negativa a resposta que se impõe dar e ora dá à questão apreciada. (5) Não se preenchem, no caso em apreço, os requisitos dano e nexo de causalidade?
Emerge dos factos provados, com muita clareza, que se preenchem os requisitos dano e nexo de causalidade entre os factos ilícitos e o danos.
Tal resulta com muita nitidez e de forma directa dos factos fixados na decisão criticada sob os n.ºs 58 a 61 por referência à grave ilicitude apurada nos autos imputável à Recorrente e às aquisições neles demonstradas – factos n.ºs 44 a 57 e 17 a 36.
O único elemento que não é logo patente nesses números é o relativo ao «quantum» indemnizatório. É assim face à alteração dos factos provados acima determinada que resultou na fixação dos seguintes: 60. O aumento do preço fixou-se num «mark-up» (diferença entre o valor cobrado por um determinado produto num contexto de cartel e o valor que deveria ser cobrado caso esse produto fosse vendido num contexto competitivo) de valor não concretamente apurado; 61. A Autoras, ao pagarem os preços mencionados para a aquisição dos veículos, suportaram o referido sobrecusto, de valor não concretamente apurado.
Não foi possível, efectivamente, apurar um valor concreto de sobrecusto. Mas tal não significa que não existiu. Apenas que não se logrou concretizá-lo mediante produção de prova.
E tal falência ocorreu de forma justificada e não por particulares fragilidades do esforço instrutório das Demandantes. Trata-se, aliás, de conclusão extraída na miríade de casos que, sobre esta mesma matéria, vêm pululando nos vários tribunais dos Estados-Membros da União Europeia, com idênticas características e desenvolvimentos processuais.
Têm relevo, a este propósito, pelo acerto que permitiria importá-las para este processo, por exemplo, as afirmações plasmadas na Decisão da Sala Civil do Tribunal Supremo de Espanha de 14.06.2023 (n.º 943/2023), nos seguintes termos (sendo idêntico o quadro normativo pressuponente): Así, la extensa duración del cártel, que se inició en el año 1997 y se prolongó durante al menos 14 años, dificulta seriamente realizar un análisis diacrónico. El ámbito geográfico del cártel, que afectó a todo el EEE, y la singularidad de los productos afectados, hacen en la práctica muy difícil realizar un análisis sincrónico de comparación con otros mercados geográficos (pues las circunstancias concurrentes en otros ámbitos geográficos son muy diferentes) o con otros productos, que no son aptos para realizar la comparación. Y esas mismas características del cártel también dificultan mucho aplicar con éxito otros métodos de cuantificación de daños, como los basados en costes y análisis financieros. [Tradução: Assim, a longa duração do cartel, que teve início em 1997 e durou pelo menos 14 anos, torna muito difícil uma análise diacrónica.O âmbito geográfico do cartel, que afectou todo o EEE, e a singularidade dos produtos em causa, tornam muito difícil, na prática, a realização de uma análise sincrónica de comparação com outros mercados geográficos (uma vez que as circunstâncias prevalecentes noutras áreas geográficas são muito diferentes) ou com outros produtos, que não são adequados para comparação.E as mesmas caraterísticas do cartel também tornam muito difícil aplicar com êxito outros métodos de quantificação dos danos, como os baseados na análise financeira e de custos.]
Em sentido coincidente afirmámos supra.
Sobre estas dificuldades se pronunciaram, com constância, outras jurisdições e geografias. Por exemplo, o muito traquejado Tribunal de Concorrência do Reino Unido (The United Kingdom Competition Appeal Tribunal) foi-se vendo confrontado, ao longo do tempo, no âmbito do tratamento da recorrente temática do usualmente denominado «cartel dos camiões» com idêntica clareza na conclusão pela existência de danos associada à nebulosidade da impossibilidade de definição directa de um quantitativo – vd., por todos, o processo n.º 1290/5/7/18 (T) BT Group PLC and Others v DAF Trucks Limited and Others.
Em ambos os Países e jurisdições, foi tida por boa a conclusão no sentido de que a colusão teria causado um aumento de 5% dos preços do produto delas objecto.
Foi também em sentido coincidente o que este colectivo afirmou no recurso desta Secção de processos do Tribunal da Relação de Lisboa a que já se fez referência.
Não havendo razões emergentes da prova produzida nos autos para construir discurso alternativo, antes sendo ocioso fazê-lo, transcreve-se agora, aqui, o aí já afirmado sobre esta matéria: Apesar de todo o intenso debate contraditório encetado pelas partes sobre a quantificação do dano, quer em primeira instância quer na presente instância (recorde-se que foram juntos aos autos 10 pareceres técnico-económicos, incluindo alguns de “complemento” e de “resposta”), concluiu-se que estávamos perante a quase impossibilidade ou uma excessiva dificuldade na quantificação exacta do dano. Pelo que, não se tendo apurado o montante exacto do sobrecusto apesar do esforço das partes, há que recorrer à estimativa judicial para a determinação do quantum do dano (que, neste caso, coincide com o sobrecusto). Ou seja, devemos recorrer ao poder conferido aos tribunais pelo artigo 17.º, n.º 1, da Directiva e artigo 9.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2018. A possibilidade de recurso à estimativa judicial não é afastada pelo facto de a Autora, aqui Recorrida, não ter recorrido ao mecanismo de apresentação de provas previsto no artigo 5.º da Directiva e artigo 9.º da Lei de Transposição, de forma a ultrapassar dificuldades inerentes a uma assimetria de informações entre si e a Ré, aqui Recorrente. Mesmo que a Autora tivesse recorrido à previsão do artigo 5.º da Directiva (artigo 12.º da Lei n.º 23/2018) e solicitasse o acesso aos dados titulados pela Ré, ao que tudo indica não teria obtido dados suficientes para apurar, de forma exacta, o valor do sobrecusto em causa. Resulta do Ac. TJUE C-312/21 (Tráficos Ferrer) que, embora a assimetria de informação esteja na origem da adopção do artigo 17.º, n.º 1 da Directiva, não intervêm na aplicação deste (parágrafo 54), sendo antes pressuposto da sua aplicação que seja praticamente impossível ou excessivamente difícil quantificar o dano de forma exacta. Ou seja, se bem que o tribunal não deva colmatar falhas das partes, maxime do Autor, não é requisito essencial da aplicação da estimativa judicial ter-se recorrido anteriormente àquele mecanismo. Nesta conformidade e tendo sido pedida a revogação da sentença pela Recorrente, haverá efectivamente que revogar a sentença recorrida nesta parte e exercer os poderes de substituição inerentes a este Tribunal da Relação, recorrendo-se à estimativa judicial para a quantificação do dano. À mesma conclusão se chegou no acórdão desta Secção de 6.11.2023, proc. 54/19.6YQSTR.L1, (…) (...) Resulta, portanto, no seguimento destas passagens, que perante as características concretas da infração, que é a mesma destes autos, na vizinha Espanha, em aplicação de Direito da União que nos é comum, concluiu-se que, apesar dos esforços das partes, era praticamente impossível ou excessivamente difícil calcular o dano de forma exata, devendo-se recorrer à estimativa judicial.
De notar que na vizinha Espanha, ao que tudo indica, pendem milhares de processos de private enforcement ligados com o mesmo cartel e já foram decididos inúmeros casos, inclusive, pelo respetivo Tribunal Supremo. As decisões do Tribunal Supremo em Espanha, que já envolviam 15 casos no passado mês de junho, confirmaram indemnizações fixadas, com recurso a estimativas judiciais, em 5% do preço de venda de camiões efetivamente pago pelos demandantes (a título de sobrecusto), em casos onde inexiste prova suficiente a sustentar um sobrecusto menor ou maior àquele valor. O estudo Oxera 2019 junto a estes autos com a contestação, já revelava conhecimento sobre diversos processos na Europa, quando mencionou que “em alguns processos que correm termos nos tribunais nacionais, os demandantes basearam os custos adicionais alegados nos níveis típicos ou médios dos custos adicionais identificados nos estudos empíricos sobre cartéis anteriores. O estudo da Oxera de 2009 continha uma visão global desses estudos anteriores e sabemos que alguns demandantes se referiram a esse nosso estudo de 2009” (ponto 1.7 do estudo). Obviamente que tais meta-estudos (estudos incidentes sobre outros estudos) sobre os efeitos de cartéis, nos quais se inclui o estudo Oxera 2009, jamais poderiam servir para fixar uma quantia precisa do dano verificado num caso concreto, leia-se, em sede de facto (neste sentido, Oxera 2019, ponto 1.8). Contudo, em sede de estimativa judicial, ou seja, em sede de direito, tais estudos foram considerados como elementos úteis e válidos pelos respetivos tribunais espanhóis, inclusive pelo Tribunal Supremo, para determinarem o quantum do dano. A este respeito, a decisão de segunda instância proferida em 20-12-2019, pela Audiencia Provincial de Valencia (SAP V 5941/2019 - ECLI:ES:APV:2019:5941),33 subjacente ao citado Ac. STS 2479/2023, refere “La sentencia apelada, ante la falta de pruebapericial apta para cuantificar el daño, estima en el 5% del precio de adquisición de los camiones, el daño sufrido por la demandante y asume los argumentos que resultan de la Sentencia del Juzgado Mercantil 3 de Valencia de 27 de febrero de 2019, que se sustenta en el informe Oxera, y en la que, con elección de la estimación más conservadora del muestreo estadístico, estima razonable un porcentaje de sobreprecio del 5% como media de compromiso entre los umbrales mínimos y máximos que intervienen como común denominador del 93% de los cárteles que aplican sobreprecios” (p. 19-20, com sublinhados nossos).
Tal acórdão de segunda instância acabaria também ele por fixar a indemnização em 5% do preço de venda de cada camião efetivamente pago pela respetiva demandante, tendo sido este acórdão confirmado pelo Ac. TS 14-06-2023. No entanto, o acórdão de segunda instância, ou seja, da Audiencia Provincial de Valencia, não deixa de sublinhar a necessidade de acorrer, para além de dados estatísticos, a outras circunstâncias como os elementos presentes na Decisão da Comissão, tal como a natureza do cartel, a critérios jurisprudenciais e à prova produzida nos autos. Por sua vez, pode ler-se no Ac. STS 2479/2023 “… 5% del precio del camión, que es el porcentaje que el tribunal de segunda instancia considera como importe mínimo del daño, atendidas las referidas circunstancias del cártel y los datos estadísticos sobre los porcentajes de sobreprecio que suelen causar los cárteles, en aplicación de las facultades estimativas que el ordenamiento jurídico le atribuía antes incluso de la trasposición de la Directiva, como consecuencia directa del principio de indemnidad derivado de los arts. 1902 CC y 101 TFUE.” (p. 19).
Dada a importância que tem assumido aqui o estudo da Oxera 2009, será de recordar as principais conclusões do Oxera 2009 aqui relevantes (inclusive citadas no Guia Prático e no Oxera 2019) e que são representadas na seguinte representação visual (p. 91 do estudo Oxera 2009, p. 51 do Guia Prático):
Mais se acrescenta no Guia Prático “[d]e acordo com o referido estudo, verifica-se portanto um diferencial significativo a nível dos preços adicionais registados (mais de 50% no caso de alguns cartéis). Cerca de 70% dos cartéis examinados neste estudo resultaram num preço adicional compreendido entre 10% e 40%, situando-se a média em torno dos 20%” (Guia Prático, loc. cit.).
De acordo com o citado gráfico temos, portanto, enormes oscilações entre os sobrecustos verificados nos cartéis estudados (amostra de 114 casos). Os tribunais na vizinha Espanha, através de médias entre os limites mínimos e máximos dos sobrecustos, chegam a um limite mínimo de 5%. Tal montante equivale ao ponto médio entre 0% e 10%, dos efeitos dos cartéis com sobrecustos mais conservadores. Por sua vez, curiosamente o Ac. STS 2479/2023 não deixou de fazer, a respeito do valor mínimo de 5%, a seguinte observação “No deja de ser significativo que incluso en el caso Royal Mail/British Telecom, enjuiciado por el Competition Appeal Tribunal británico [CAT, Case nº : 1290/5/7/18 (T)], en el que sí hubo un amplio acceso a los documentos de la demandada y a la información reservada del expediente de la Comisión y se aportaron detallados informes periciales elaborados por prestigiosos peritos, no ha sido posible la cuantificación exacta del daño con base en esas pruebas documentales y periciales y el tribunal ha debido recurrir a la estimación del daño, que ha fijado en un 5% del precio de los camiones” (p. 19). Efetivamente, o Acórdão proferido pelo Tribunal de Concorrência Britânico (doravante, CAT),18 chegou ao mesmo valor de 5%, mas por uma via diferente do que na vizinha Espanha. Cremos que é de algum interesse analisar o acórdão emitido nas terras de Sua Majestade. Efetivamente, apesar das diferenças entre o sistema de Common Law e os sistemas, como o nosso, de Civil Law, o certo é que em matérias de Concorrência existem ainda muitas semelhanças entre o nosso sistema e o britânico. É de reparar, neste âmbito, que mesmo após o conhecido Brexit, as decisões sancionatórias da Comissão anteriores a 20 de dezembro de 2020 (o chamado “IP completion day”) vinculam as autoridades do Reino Unido,20 sendo certo que os direitos subjacentes a ações de follow-up, no âmbito do private enforcement, foram mantidos. Obviamente que nem os acórdãos proferidos por Tribunais do Reino de Espanha nem o citado acórdão proferido por tribunal do Reino Unido, possuem força jurídica para além-fronteiras. Assumem aqui, portanto, um valor sempre relativo. Servirão, além do mais, para revelar que perante o mesmo cartel dos camiões, no quadro do mesmo Direito da União, têm sido avançadas, no seio dos sistemas nacionais em referência, argumentações diversas, mas com resultados coincidentes. Com estas reservas, vejamos, pois, mais de perto o acórdão britânico em referência. No extenso acórdão com 301 páginas (processo acessível ao público por via do link supra), é desde logo notório o esforço probatório feito pelas partes, nomeadamente com vista à quantificação do sobrecusto ou “overcharge”. Efetivamente, foram apresentados 48 relatórios periciais com milhares de páginas, visando, entre outros, a quantificação exata do sobrecusto derivado do cartel dos camiões. Os relatórios principais eram naturalmente do domínio da economia (p. 100). Grande parte do acórdão é dedicado a analisar os relatórios principais, de forma muito detalhada, quer no que concerne à existência do dano, quer, no que nos interessa aqui, no seu quantum (capítulo denominado “Overcharge” ou Sobrecusto).
Denota-se que foram essencialmente utilizados, pelos respetivos demandantes (Royal Mail Group Limited e British Telecommunications PLC), vários modelos de regressão para avaliar o sobrecusto, chegando a diferentes resultados, em concreto, um sobrecusto entre11,3% e 11,6% usando o modelo B-D (antes e durante o período cartel) e modelo D-A (durante e pós-cartel), onde se estimou um sobrecusto entre 6,7% e 14,7% (p. 147-148). Da parte das demandadas (entre outros a DAF/ PACCAR Inc.), foram usados modelos durante e pós-cartel (D-A) e também antes-durante-pós(cartel), nas iniciais inglesas B-D-A (before, during, after). De acordo com estes estudos as conclusões apontavam, à semelhança dos estudos aqui apresentados pelo Professor Gonçalves, para a inexistência de sobrecusto, ou seja, 0% (p. 150). Para além de problemas relativos aos dados usados, foram apontados pelo tribunal Britânico 3 problemas adicionais para a quantificação em causa, uma delas específica do Reino Unido (taxas de câmbio entre Libra e Euro), uma de ordem geral, a crise económica mundial de 2008-2010 (denominado de GFC), e uma terceira relativa às especificidades do cartel em causa, os aumentos de preços (emissions premia) ligados a novas tecnologias relativas a emissões (p. 147 a 152). Após uma análise minuciosa destes aspetos (e outros conexos), e “apesar da enorme quantidade de trabalho investido no processo pericial deste caso”,22 o tribunal do Reino Unido concluiu que não era possível traduzir o sobrecusto numa quantidade exata, adiantando, aliás, a sua convicção que nenhum modelo de análise de regressão seria adequado para tal efeito. Mais concluiu, aplicando o princípio do direito britânico denominado de “Broad Axe Approach” que, no nosso sistema pode ser comparado à figura da equidade prevista no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil ou à estimativa judicial agora prevista no artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva, fixando a indemnização nos já referidos 5% do preço de aquisição efetivamente pago para cada camião (p. 187-189). Tal valor corresponde a aproximadamente metade do que era pedido por cada demandante.
Curiosamente, o juízo final baseou-se, pelo menos em parte, nos relatórios periciais apresentados pelas partes em oposição, pois, apesar das perícias não convencerem na quantificação exata do sobrecusto, revelaram-se úteis e ajudaram na compreensão das razões por detrás dos diferentes resultados (veja-se, p. 186, parágrafo 476 e p. 187, parágrafo 479). Conforme se infere do exposto, são diversas as abordagens do tribunal britânico e dos tribunais espanhóis. Em Espanha a estimativa judicial baseia-se, em importante medida, em estatísticas retiradas de meta-estudos sobre cartéis, conjugadas com circunstâncias factuais retiradas da Decisão da Comissão, critérios jurisprudenciais e provas produzidas em cada caso. As decisões do Reino de Espanha não deixam também de realçar e expressar prudência quando o tribunal se substitui às partes no exercício da estimativa judicial. No Reino Unido a solução apresenta-se como de cariz casuística, como é apanágio dos sistemas de Common Law. Não se recorreu a dados estatísticos alheios ao processo. A solução encontrada, mais do que conservadora, apresenta-se como equitativa perante o trabalho e esforços de ambas partes, em particular dos respetivos peritos, para o esclarecimento das dificuldades do processo.
Outras soluções legais existem para casos como o presente, onde o apuramento exato do dano se apresenta como praticamente impossível ou excessivamente difícil.
Por exemplo, como nos dá conta o estudo Oxera 2009, na Hungria estabelecia-se uma presunção ilidível de um sobrecusto de 10% em casos que envolviam violações ao artigo 101.º TFUE (Oxera 2009, p. 94). O valor de 10% aplicável por defeito na Hungria, é porventura compreensível se olharmos aos dados científicos presentes no aludido estudo Oxera 2009, citado no Guia Prático. Efetivamente, conduzindo-nos pelo gráfico supra ilustrado, se excluirmos os 7% de cartéis estudados que não implicaram um sobrecusto, e os cerca de 16% que implicaram um sobrecusto até 10%, restam aproximadamente 77% que implicaram um sobrecusto de pelo menos 10%. De acordo com tal estudo, portanto, em termos de probabilidades, um cartel tem uma elevada probabilidade de implicar um sobrecusto de pelo menos 10%.
Tendo em conta tal elevada probabilidade poderíamos ser aqui tentados a seguir tal via, estabelecendo no nosso caso, por via de estimativa judicial, o valor do dano em 10%. Se olharmos, aliás, às características do cartel em causa e respetiva gravidade, do qual se salienta a sua longa duração, enorme extensão territorial, elevada quota de mercado e intensas trocas de informações sensíveis e coordenação para aumentos de preços, tal valor não se afigura, pelo menos prima facie, exagerado. Dentro do nosso sistema, contudo, cremos que a solução final também deverá fixar o montante do sobrecusto em 5% do preço de aquisição de cada camião, efetivamente pago pela Recorrida.
(…) Neste contexto, onde cada parte se defrontou com dificuldades próprias, o referido valor de 5% apresenta-se como prudente e razoável.
É certo que a quantia assim fixada poderá não responder ao objetivo da reparação integral do dano. Contudo, não nos parece que seja irrelevante prevenir uma indemnização excessiva e o enriquecimento sem causa inerente. Aliás, o artigo 3.º, n.º 2 e 3 da Diretiva, que reflete jurisprudência anteriormente emitida pelo TJUE, salienta os dois interesses. De qualquer forma, na realidade desconhece-se qual o efetivo quantum do dano. Por último, justifica-se que seja adotada esta posição conservadora, porquanto, em última análise, o ónus de prova da prova da quantificação do dano pertencia à Autora, ora Recorrida.
(…) Refira-se que já em 2024, por acórdãos de 14 de Março, o Tribunal Supremo Espanhol25 , fixou o sobrecusto em questão, também por estimativa judicial, em 5% de cada camião adquirido. O n.º 3 do art. 566.º do Código Civil determina que, não podendo «ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados».
Neste quadro e na decorrência das considerações supra-lançadas relativas à decisão deste Tribunal Superior acima invocada, cuja validade se materializa também nestes autos – por serem extrapoláveis, atentos os factos apurados – há que concluir, aqui como aí, que se impõe «revogar a sentença recorrida (…) fixando-se o dano em 5% do preço de venda de cada camião adquirido pela Recorrida.»
Apesar de não se concretizar uma situação de substituição subsumível ao disposto no art. 665.º do Código de Processo Civil e não estarmos perante quadro adjectivo que justifique a aplicação do disposto no n.º 3 desse artigo, já que nada de novo há apreciar, impõe-se realizar uma reavaliação do peticionado nos autos à luz do fixado em termos probatórios.
No seu recurso, a Apelante sustentou: § 162. Por referência à Recorrida ABB, a Decisão Recorrida é nula na parte em que excede o valor de condenação de 31.500 €, o que se traduz num valor de 10.500 € por cada um dos três veículos por si adquiridos, acrescido de juros de mora, que foi o pedido especificamente deduzido na respetiva petição inicial. § 163. Outrossim, por referência à Recorrida Ferrovial, a Decisão Recorrida é nula na parte em que excede o valor de condenação de 31.500 €, o que se traduz num valor de 10.500 € por cada um dos três veículos por si adquiridos, acrescido de juros de mora, que foi o pedido especificamente deduzido na respetiva petição inicial.
Estas referências ficam absorvidas pela reconstrução da definição do quantum do dano, que se impõe, não se justificando tratamento autónomo da problemática associada. (6) Deve realizar-se uma redução equitativa do montante do sobrecusto por via da repercussão pelas Recorridas nos preços dos serviços por elas cobrados, absolvendo-se a ora Recorrente total ou parcialmente do pedido?
Nada se provou no domínio do perguntado no âmbito desta questão que se aprecia.
Desprovida de sustentação fáctica, a problemática proposta só pode receber resposta negativa e rejeição, o que ora se concretiza. (7) Foi errada a quantificação dos juros de mora feita na decisão impugnada?
Conforme referido na sentença: «Peticionam ainda as Autoras a condenação da Ré no pagamento dos juros de mora, contabilizados à taxa legal em vigor, vencidos, sobre o capital em dívida, desde o momento em que ocorreu o dano, e dos juros de mora vincendos desde a citação da Ré e até efetivo e integral pagamento».
A este propósito, confrontaram-se nos autos duas perspectivas. Uma, a das Autoras, foi formulada no sentido de que a Ré devia ser condenada no pagamento dos juros de mora contabilizados à taxa legal em vigor, vencidos, contados sobre o capital em dívida desde o momento em que ocorreu o dano e dos juros de mora vincendos desde a citação da Demandada e até efetivo e integral pagamento. Já a Ré revelou entender serem os juros moratórios apenas devidos desde a sua citação.
Apreciando, cumpre referir que:
a) É noção firme e segura da jurisprudência da União Europeia a de que reparar danos produzidos no domínio das violações do direito da concorrência emergentes da associação de empresas ou formação de monopólios anti-concorrenciais é sinónimo de apagar os efeitos nefastos da passagem do tempo para os direitos brandidos – «resulta do princípio da efectividade e do direito dos particulares a pedirem a reparação do dano causado por um contrato ou um comportamento susceptível de restringir ou de falsear o jogo da concorrência que as pessoas que tenham sofrido um dano devem poder pedir a reparação não só do dano real (damnum emergens) mas também dos lucros cessantes (lucrum cessans), bem como o pagamento de juros» (Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 13.07.2006, Vincenzo Manfredi e Outros contra Lloyd Adriatico Assicurazioni SpA e Outros – Processos Apensos C-295/04 A C-298/04);
b) «Na falta de regulamentação comunitária na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro fixar o prazo de prescrição para pedir a reparação do dano causado por um acordo ou uma prática proibida pelo artigo 81.º CE, desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efectividade. A este propósito, cabe ao órgão jurisdicional nacional averiguar se uma
disposição nacional por força da qual o prazo de prescrição para pedir a reparação do dano causado por um acordo ou uma prática proibida pelo artigo 81.º CE corre a partir do dia em que este acordo ou esta prática proibida foi posta em prática, em especial se essa disposição nacional previr também um prazo de prescrição curto e que não possa ser suspenso, torna praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à reparação do dano sofrido. 5) Na falta de disposições comunitárias nesta matéria, cabe ao ordenamento jurídico de cada Estado-Membro fixar os critérios que permitem determinar o alcance da reparação do dano causado por um acordo ou uma prática proibida pelo artigo 81.º CE, desde que sejam respeitados os
princípios da equivalência e da efectividade» (Decisão do TJUE indicada na alínea anterior);
c) No caso em apreço, o princípio da efectividade é avesso à consideração de qualquer mecanismo de prescrição de juros ao abrigo do disposto na al. d) do art. 310.º do Código Civil, já que tal conduziria ao não ressarcimento integral dos efeitos da grave prática colusória;
d) Por a obrigação de indemnização emergir de facto ilícito, há mora do devedor independentemente de interpelação – cf. a al. b) do art. 805.º do Código Civil (CC);
e) Na situação apreciada, não existe liquidez no que tange à obrigação de indemnização cujo cumprimento foi peticionado sendo, porém, de concluir, à luz do que se demonstrou nos autos, que foram os contornos desenhados para o cartel, designadamente temporais e relativos à ocultação e dissimulação, na disponibilidade da Recorrente, que determinaram a iliquidez sendo, pois, aplicável nos termos propostos pelo Tribunal «a quo» o estabelecido no n.º 3 do art. 805.º do encadeado normativo sob referência;
f) A mora existe desde a data dos factos geradores de danos (na adequada terminologia e orientação subjacentes ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça invocado pelo Tribunal subscritor da decisão criticada – Acórdão de 20.01.2010, proferido no processo n.º 380/1999.P2.S1), ou seja, desde a data de cada uma das aquisições;
g) A mora constituiu a Ré na obrigação de reparar os danos por ela causados – cf. o n.º 1 do art. 804.º do CC;
h) Os juros moratórios devidos são os legais, face ao estabelecido no n.º 2 do art. 806.º do CC;
i) O encadeado fáctico apreciado desenvolve-se à margem do objecto da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2002, de 27 de Junho, conforme sustentado pelo Tribunal «a quo», face à não fixação da indemnização no quadro de um cálculo judicial actualizado na sentença, antes se impondo juros à taxa legal desde a prática dos factos danosos e até integral liquidação.
Flui do referido, sem que subsistam dúvidas, ser negativa a resposta que se impõe dar à questão ora analisada.
II. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos parcialmente procedente o recurso, nos termos sobreditos e, em consequência, concedendo-lhe provimento parcial, revogamos a sentença impugnada e condenamos a Ré a pagar a cada uma das Autoras indemnização correspondente a 5% do preço por elas pago por cada veículo, acrescida de juros de mora a contar à taxa legal desde a respectiva data de aquisição até efectivo e integral pagamento.
Custas da acção e do recurso pela Apelante e pelas Apeladas na proporção de 2/3 por aquela e 1/3 por estas.
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Lisboa, 27.11.2024
Carlos M. G. de Melo Marinho
Eleonora M. P. de Almeida Viegas
Armando M. da Luz Cordeiro