RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
COLISÃO DE VEÍCULOS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
PROPOSTA RAZOÁVEL
SEGURADORA
JUROS DE MORA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ATUALIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DANOS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
Sumário


I. Num acidente de viação, consistente na colisão entre um motociclo conduzido pelo autor e um automóvel que seguia imediatamente atrás do automóvel segurado na ré, provocado pelos condutores do motociclo (que seguia, numa recta com pavimento regular e seco, com boa visibilidade e iluminação pública, situada numa localidade, ladeada de edificações com saída para a estrada, com tráfego de animais, peões e automóveis, a uma velocidade de 80 a 89 km/h, com sinal de trânsito vertical B9), sinalizando a aproximação de um entroncamento com via sem prioridade) e do veículo segurado na ré (que, com as mesmas condições de visibilidade e vindo dessa via sem prioridade, fez uma manobra de mudança de direcção, cortando a hemifaixa de rodagem em que seguia o autor), deve entender-se que ambos deram culposamente causa ao acidente.
II. As circunstâncias concretas em que ocorreu o acidente revelam que era exigível a ambos os condutores que tivessem agido em conformidade com as regras de trânsito que violaram, evitando o resultado danoso ocorrido – ou seja, que ambos agiram com culpa.
III. Considera-se ajustada a essas circunstâncias a uma repartição de culpas de 20% (para o autor) e de 80% (para o condutor do veículo segurado na ré).
IV. A prova não revela que tenha contribuído para o acidente a circunstância de o condutor do motociclo apenas dispor de habilitação legal para conduzir motociclos de cilindrada inferior à daquele em que seguia.
V. Como o Supremo Tribunal de Justiça tem repetidamente observado, o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem ao que o Código Civil determina.
VI. Em qualquer das vertentes, patrimonial ou não patrimonial, a indemnização pelo dano biológico deve ser calculada segundo a equidade, cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça controlar os limites e os pressupostos do cálculo efectuado pelas instâncias.
VII. Consideram-se particularmente significativos a idade do lesado ao tempo do acidente (aqui, 32 anos), o grau do défice funcional provocado pelo acidente (no caso, 13 pontos), a repercussão na capacidade genérica de ganho, se não vier provado que o acidente tenha causado incapacidade para o exercício da profissão exercida à data do acidente, mas sim maiores dificuldades), a data da consolidação das lesões, a esperança média de vida e a comparação com as indemnizações arbitradas em situações semelhantes.
VIII. É, assim, adequado, no caso concreto, o montante de € 50.000,00; da redução resultante da repartição de culpas, resulta o valor de € 40.000,00 pelo défice funcional de que o autor ficou a sofrer.
IX. Resulta do disposto no n.º 5 do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 291/2007 que é razoável uma proposta de indemnização “que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado”.
X. No caso presente, a diferença entre a proposta total de indemnização – € 16.500,00 – e os montantes que foram determinadas nas instâncias é manifestamente significativa, em prejuízo do lesado.
XI. Não vindo provado que, na proposta de indemnização que apresentou ao lesado, a seguradora respeitou “os termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil” (n.º 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007), a seguradora deve ser condenada no pagamento de juros calculados no dobro da taxa legalmente aplicável.
XII. Não se encontram provados factos que permitam concluir no sentido da desconsideração dos interesses da seguradora, no que respeita ao tempo que o lesado demorou a propor a acção de indemnização.
XIII. No caso presente, está em causa um regime especificamente definido para os efeitos da apresentação, pela seguradora, de uma proposta manifestamente insuficiente de indemnização por danos corporais; o regime definido para o cálculo dos juros prevalece sobre o disposto no regime que o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2002 veio interpretar.

Texto Integral


Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

I. AA instaurou contra Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., uma acção na qual pediu a condenação da ré no pagamento:

A– de uma indemnização de € 231.078,17, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais;

B– de uma indemnização, a liquidar, por danos patrimoniais e não patrimoniais futuros decorrentes:

a) – da necessidade de acompanhamento periódico regular nas especialidades médicas de neurocirurgia, ortopedia, fisiatria, psicologia, psiquiatria e consulta da dor;

b) – da necessidade de realizar tratamento regular e continuado de medicina física de reabilitação, com frequência e programa a definir pelo médico fisiatra;

c) da necessidade de ajuda medicamentosa regular (antidepressivos, anti-inflamatórios e analgésicos);

d) – da necessidade de tratamentos médicos e clínicos, intervenções cirúrgicas e plásticas, internamentos hospitalares com os inerentes períodos de défice funcional temporário (total e parcial) e períodos de repercussão temporária na actividade profissional (total e parcial) com a consequente perda de retribuição quer no período de clausura hospitalar, quer no período de repercussão temporária na atividade profissional (total e parcial);

e) – da necessidade actual e futura de efectuar deslocações a hospitais e clínicas;

f) – do futuro agravamento do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica;

g) – de uma quantia diária a título de paralisação/privação de uso e fruição do motociclo de matrícula ..-RN-.., de que é proprietário, indemnização a calcular à razão da quantia diária de € 10,00 desde o dia da ocorrência do acidente (19.04.2018) e até à data da efectiva e integral reparação ou até à data em que a Ré colocar à disposição do Autor a quantia correspondente à indemnização devida a titulo de custo de reparação, quantia diária essa que à data de entrada em juízo da presente ação orça em € 10.840,00 (relativa ao período de tempo compreendido entre 19.04.2011 a 06.04.2021);

C) – no pagamento dos juros de mora vencidos e vincendos, calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre a quantia oferecida pela Ré ao Autor em 21.01.2020 (€ 16.500,00) e os montantes que vierem a ser fixados na decisão judicial a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, contados a partir do dia seguinte a 21.01.2020 (data da apresentação pela Ré ao Autor da proposta de indemnização) ou desde 06.01.2020 (data da formulação do pedido de indemnização final por parte do Autor à Ré) ou contados desde a data da citação, ou desde a data que vier a ser estabelecida na decisão judicial e sempre até efectivo e integral pagamento, ou, caso assim não se entenda, dos juros vencidos e vincendos a incidir sobre as referidas indemnizações calculados à taxa legal anual, a contar da data da citação e sempre até efectivo e integral pagamento.

Para o efeito, e em síntese, alegou ter ocorrido em 19 de Abril de 2018 um acidente de viação, no qual intervieram o motociclo que conduzia, de sua propriedade e de matrícula ..-RN-.., e dois veículos ligeiros de passageiros, de matrículas ..-..-RT e ..-..-ZP, conduzidos pelos seus proprietários, respectivamente, BB e CC, provocado por CC, cujo veículo se encontrava segurado pela ré, do qual resultaram e resultarão, no futuro, os danos que descreve.

A ré contestou, invocando, nomeadamente, a falta de habilitação legal do autor para conduzir o motociclo ..-RN-.., tendo em conta a sua cilindrada, e a sua condução em excesso de velocidade, o que devia conduzir à exclusão da indemnização pretendida, nos temos do disposto no n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil (culpa do lesado); defendeu-se ainda por impugnação. Concluiu que devia ser absolvida do pedido ou, se assim se não entendesse, que “a acção deve ser julgada de acordo com a prova a produzir em julgamento”.

O autor respondeu à excepção, pediu a condenação da ré como litigante de má fé e ampliou o requerimento probatório; a ré respondeu.

O Instituto de Segurança Social, I.P., veio pedir o “reembolso de subsídios pagos” ao autor, no montante de € 7.079,90, “a título de concessão provisória de subsídio de doença”.

A acção veio a ser julgada parcialmente procedente, pela sentença de fls. 388, que considerou “que ambas as condutas dos condutores foram censuráveis, à luz das regras de direito estradal a que estavam vinculados, tendo sido igual o grau de contribuição de culpa de cada um, pelo que a medida da respetiva responsabilidade deve ser dividida em partes iguais (50%)”, nestes termos:

1.º- Julga-se o pedido formulado pelo Autor parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Ré no pagamento das seguintes prestações indemnizatórias:

a. Da quantia de € 31.250,00 (trinta e um mil duzentos e cinquenta euros), para compensação do dano biológico, à qual acrescem juros de mora à taxa legal aplicável aos juros civis de 4%, (sem prejuízo de ulterior alteração legislativa quanto à taxa de juros):

- Sobre o montante de € 26.062,77 (vinte e seis mil e sessenta e dois euros e setenta e sete cêntimos), desde 21.02.2021 até à presente decisão; e

- Sobre o montante de € 31.250,00 (trinta e um mil duzentos e cinquenta euros), desde a presente data até integral pagamento;

b. Da quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), para compensação dos danos não patrimoniais, sobre a qual incidem juros de mora devidos desde a presente data, à taxa legal aplicável aos juros civis de 4%, até integral pagamento (sem prejuízo de ulterior alteração legislativa quanto à taxa de juros);

c. Da quantia de € 3.382,33 (três mil trezentos e oitenta e dois euros e trinta e três cêntimos), para indemnização das perdas salariais, sobre a qual incidem juros de mora devidos desde a citação, à taxa legal aplicável aos juros civis de 4%, até integral pagamento (sem prejuízo de ulterior alteração legislativa quanto à taxa de juros);

d. Da quantia de € 2.622,00 (dois mil seiscentos e vinte e dois euros), a título de indemnização pela perda do RN, sobre a qual incidem juros de mora devidos desde a citação, à taxa legal aplicável aos juros civis de 4%, até integral pagamento (sem prejuízo de ulterior alteração legislativa quanto à taxa de juros);

e. Da quantia de € 257,00 (duzentos e cinquenta e sete euros), a título de indemnização pela perda do vestuário e do capacete, sobre a qual incidem juros de mora devidos desde a citação, desde a citação, à taxa legal aplicável aos juros civis de 4%, até integral pagamento (sem prejuízo de ulterior alteração legislativa quanto á taxa de juros);

f. Da quantia de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros), a título de indemnização pela necessidade de toma de medicação analgésica e anti-inflamatória, sobre a qual incidem juros de mora devidos desde a citação, desde a citação, à taxa legal aplicável aos juros civis de 4%, até integral pagamento (sem prejuízo de ulterior alteração legislativa quanto á taxa de juros);

g. De uma quantia indemnizatória cuja fixação se relega, nos termos do artigo 609º/2, do CPCiv, para ulterior incidente de liquidação, correspondente aos gastos com despesas de deslocação e de assistência médica e medicamentosa relacionados com o tratamento do aludido em 50., dos factos provados, na proporção da responsabilidade fixada à Ré na presente sentença;

h. De uma quantia indemnizatória cuja fixação se relega, nos termos do artigo 609º/2, do CPCiv, para ulterior incidente de liquidação, correspondente à compensação pelo dano biológico respeitante ao agravamento do défice funcional por via de vir a padecer do aludido em 50., dos factos provados, e pelas perdas salariais em que venha a incorrer, na proporção da responsabilidade fixada à Ré na presente sentença;

i. De uma quantia indemnizatória cuja fixação se relega, nos termos do artigo 609º/2, do CPCiv, para ulterior incidente de liquidação, correspondente à indemnização pelos tratamentos de medicina física e reabilitação referidos em 56., dos factos provados;

j. Absolve-se a Ré do restante peticionado;

2.º- Julga-se o pedido formulado pelo ISS, IP, parcialmente procedente e, em consequência:

k. Condena-se a Ré no pagamento do montante de € 3.539,95 (três mil quinhentos e trinta e nove euros e noventa e cinco cêntimos);

l. Absolve-se a Ré do restante peticionado.

3.º- Julga-se improcedente o pedido de condenação da Ré como litigante de má-fé.”.

Ambas as partes recorreram, o autor a título principal, a ré, subordinadamente.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que considerou que, das condições em que se desenrolara o acidente, resultava que “a condução desrespeitosa dos preceitos estradais imputada ao ZP é a que consubstancia em quase plena percentagem a causalidade” do acidente, e, portanto, fixou “em 90% e 10%, para o condutor do ZP e para o autor, respectivamente, a culpa na produção do acidente”, foi negado provimento ao recurso da ré e concedido provimento parcial ao recurso do autor:

“Revoga-se parcialmente a sentença recorrida, alterando-se para o montante de €66.600,00 (sessenta e seis mil e seiscentos euros) a indemnização pelo dano biológico e para €36.000,00 (trinta e seis mil euros) a indemnização por danos morais.

Condena-se a ré no pagamento ao autor de tais quantias, acrescidas de juros, à taxa de 8%, contados desde 21.01.2020 até à data do presente acórdão, sendo de 4% a partir desta.

Mantém-se em tudo o mais a sentença recorrida.”

2. Novamente recorreram ambas as partes, agora para o Supremo Tribunal de Justiça.

A ré recorreu a título principal, o autor recorreu subordinadamente, sustentando que o seu recurso “deverá ser recebido como REVISTA EXCECIONAL (artigo 672, n.º1, alíneas, a), b) e c) do C.P.Civil) ou caso V.Exas entendam que os segmentos decisórios do acórdão recorrido respeitantes às três questões suscitadas com o presente recurso subordinado, globalmente considerados pela Relação de Guimarães, escapam ao âmbito relevante da dupla conforme definido no n.° 3 do artigo 671.° do CPC, deverá então o presente recurso ser recebido e admitido como de REVISTA NOS TERMOS GERAIS (671, n.º 1 do C. P.Civil), a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeitos meramente devolutivos (artigo 675, n.º 1 e 676 n.º 1 do C.P.Civil)” .

Nas alegações que apresentou, a ré formulou as seguintes conclusões:

«I. Pese embora refira na respetiva fundamentação serem devidos juros em dobro sobre a quantia de € 93.460,40, o tribunal recorrido acaba por se condenar a recorrente no pagamento dos juros à taxa de 8% sobre € 102.600,00, correspondente à totalidade da quantia condenatória devida pelo dano biológico e pelos danos morais.

II. Tal constitui manifesto lapso de escrita, que se requer seja aqui corrigido, alterando-se a redação da decisão recorrida por forma a que da mesma passe a constar a condenação da ré nos juros à taxa de 8% apenas sobre a quantia de € 93.460,40.

III. Caso não se entenda como supra, desde já se alega a nulidade da decisão recorrida por inegável oposição entre os fundamentos e a decisão nos termos da alínea c) do artigo 615º do CPC que se impõe seja sanada, alterando-se a decisão proferida por forma a que da mesma passe a constar a condenação da ré nos juros à taxa de 8% apenas sobre a quantia de € 93.460,40.

IV. Revogando a sentença proferida nos presentes autos, o tribunal recorrido atribuiu ao condutor do veículo seguro na recorrente uma percentagem de responsabilidade de 90%. Não pode a recorrente conformar se com tal decisão por a mesma se revelar manifestamente injusta e beneficiadora de uma série de comportamentos transgressores e altamente reprováveis levados a cabo pelo Autor.

V. De facto, pese embora se possa imputar ao condutor do veículo seguro algum descuido na realização da manobra de mudança de direcção, é inequívoco que ao Autor são imputáveis várias violações estradais.

VI. O Autor circulava à noite, a uma velocidade entre os 80 e os 89 kms/hora numa localidade, marginada por habitações e outras edificações com saída directa para a mesma, com tráfego de animais, pessoas e veículos automóveis e onde havia um entroncamento devidamente sinalizado.

VII. Ao Autor, para além de se encontrar obrigado a cumprir os limites de velocidade impostos no local – no caso os 50 km/hora –, impunha-se também que regulasse a velocidade a que seguia às concretas circunstâncias da via por onde circulava sendo que, todas as características da mesma acima referidas, obrigam um qualquer condutor a antecipar a probabilidade de existirem ou surgirem obstáculos à sua condução.

VIII. Ao circular à velocidade a que circulava o aqui Autor demonstrou um total desrespeito pelos deveres inerentes à condução estradal e pelos demais utilizadores da via. Impunha-se-lhe, pois, que circulasse a uma velocidade muito inferior. Tanto mais o uso de motociclos, por comparação com outros veículos, comporta, pelas suas características, não apenas um maior risco de acidentes, em especial quando a velocidade máxima permitida não é cumprida, mas também tem, para o seu condutor e/ou ocupantes, consequências bem mais graves.

IX. Se o Autor seguisse à velocidade estipulada e recomendada, ao mesmo teria sido possível, senão parar, pelo menos travar e reduzir a velocidade a que seguia por forma a que o ZP terminasse a manobra pretendida ou, pelo menos, e a ter embatido, tal teria acontecido a velocidade manifestamente inferior e com consequências menos gravosas para o próprio Autor.

X. O Autor não se encontrava habilitado para conduzir o motociclo que efetivamente conduzia, mas apenas motociclos com cilindrada inferior. O que não será despiciendo para a reacção e controlo do mesmo em caso de perigo iminente.

XI. De recordar que dos factos provados resulta que o veículo seguro na recorrente cortou, “pelo menos parcialmente” a linha de trânsito do motociclo do Autor. Não podendo daqui retirar-se que o tenha feito integralmente. Tanto que o Autor ainda se desviou quase não embatendo no veículo ligeiro.

XII. No que ao condutor do veículo seguro na recorrente se refere, resultou provado que o mesmo, ao aproximar-se do entroncamento, reduziu a velocidade e accionou o sinal luminoso de mudança de direcção para a esquerda, bem como que aquele era avistável para o Autor atenta a não circulação de qualquer veículo à frente dos intervenientes. Não resultando da prova, e ao contrário do alegado pelo Autor, que o condutor do ligeiro tenha iniciado a manobra em causa de forma repentina ou que não circulasse com os médios ligados.

XIII. Ao Autor são de imputar o desrespeito de diversas normas estradais – artigos 24º, nº 1, 27º, nº 1, 25º, nº 1 alínea c) e 123º, nº 3, todos do Código da Estrada e artigo 3º, nº 2 do regulamento da Habilitação Legal para Conduzir.

XIV. Estas infracções configuram, face às circunstâncias concretas do acidente aqui em análise, causa concomitante do mesmo, tendo contribuído não só para a sua ocorrência, mas também e para a gravidade dos danos do Autor, em percentagem que não se aceita inferior a 50%.

XV. Veja-se, a título de exemplo, decisões deste tribunal em que, em situações semelhantes, se optou, pelo menos, por esta divisão de responsabilidades: acórdão de 14.03.2019, processo n.º 394/14.0TBFLG.P2.S1 (relatora Rosa Tching); acórdão de 19.01.2017, processo n.º 139/12.0TBNLS.C1.S1 (relator Távora Victor) e acórdão de 11.04.2019, processo n.º 2494/16.3T8AVR.P1.S1 (relator Abrantes Geraldes).

XVI. Atento o exposto, e por errada aplicação dos factos dados como provados e não provados ao direito, em especial às regras de repartição de responsabilidade nos acidentes de viação, a decisão proferida pelo tribunal recorrido deverá ser revogada e substituída por numa outra que, repristinando a sentença proferida em primeira instância, considere que ambos os condutores contribuíram em partes iguais para a produção do acidente, atribuindo a cada um deles uma percentagem de responsabilidade de 50%, com a consequente redução dos valores indemnizatórios na mesma proporção.

XVII. Não pode a recorrente concordar com o montante fixado pelo tribunal recorrido a título de indemnização pelo défice funcional permanente por o mesmo se revelar manifestamente excessivo e desproporcionado.

XVIII. Do ponto 86. dos factos dados como provados resulta que o Autor auferia a retribuição média mensal líquida de € 609,05. Na decisão recorrido é feita referência a um vencimento anual de € 9.772,64 sem que se compreenda como chegou o tribunal recorrido a este valor. É ponto assente na nossa jurisprudência que, para efeitos de determinação da indemnização a arbitrar deverá ser tido em consideração o rendimento líquido recebido pelo lesado, sendo este o que corresponde à remuneração efectiva e real do mesmo. Assim o exigindo também a teoria da diferença consagrada no nº 2 do art. 566º do Código Civil.

XIX. Pelo que, o montante a considerar para efeitos de cálculo do montante indemnizatório devido ao Autor a título de défice funcional permanente, sempre terá de ser o de € 8.526,70 (€ 609,05 x 14).

XX. Por outro lado, foi considerado pelo tribunal recorrido para base de cálculo a idade do Autor à data do acidente – 32 anos. Quando deveria ter sido considerada a idade à data da consolidação médico legal das lesões – 34 anos.

XXI. Tendo em conta estes fatores, e recorrendo, por um lado, às necessárias fórmulas matemáticas – aos quais não são despiciendas e são necessárias para se tentar atingir um equilíbrio entre situações – e, por outro, a juízos de equidade – necessários, mas não se uso exclusivo, sob pena de evidentes injustiças –, o montante arbitrado revela-se desfasado dos arbitrados em casos semelhantes, de maior ou menor gravidade, pelos nossos Tribunais.

XXII. Pelos simples cálculos matemáticos, atingiríamos um valor próximo – mas inferior – dos € 49.000,00 (€ 8.526,70 x 44 anos x 13%). Sendo que, corrigindo-se o mesmo de acordo com juízos de equidade face às circunstâncias concretas – sinistrado com 32 anos de idade à data do acidente, e 34 à data da consolidação das lesões, a quem foi fixado um défice funcional permanente de 13 pontos, sendo este compatível com o exercício da profissão habitual – atingiríamos um valor na ordem dos € 45.000,00 a € 50.000,00.

XXIII. Impondo-se a revogação da decisão recorrida, e a sua substituição por uma outra que considere como justo e adequado o montante de € 50.000,00 para ressarcir o Autor pelo défice funcional permanente sofrido pelo mesmo e que, tendo em conta a repartição de responsabilidade pelo acidente pugnada pela ré, condene a mesma no pagamento de 50% desse montante. O que se requer.

XXIV. A condenação da ré no pagamento de juros em dobro carece de qualquer fundamento, sendo mesmo contrária quer à letra da lei quer ao espírito do legislador ao elaborar a mesma. Sendo que, além disso, não teve em conta a divisão de responsabilidade preconizada pela recorrente na proposta apresentada ao Autor.

XXV. Nos termos do artigo 39º do DL 291/2007, de 21 de agosto, por remissão para o artigo 38º do mesmo diploma legal, pela seguradora são devidos juros no dobro da taxa legal sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal no caso de a mesma incumprir o seu dever de apresentação de proposta razoável, mas apenas nos casos em que a responsabilidade não é contestada – o que claramente não se enquadra no caso dos autos em que a responsabilidade pelo acidente está em discussão, como o presente recurso bem o ilustra.

XXVI. Por outro lado, o que é exigido à entidade seguradora é que apresente ao lesado uma proposta “nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.” – nº 3 do artigo 39º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto.

XXVII. Nos termos do nº 5 do mesmo artigo “5 - Para os efeitos previstos no n.º 3, na ausência, na Tabela nele mencionada, dos critérios e valores de determinação do montante da indemnização correspectiva a cada lesão nela prevista, são aplicáveis os critérios e valores orientadores constantes de portaria aprovada pelos Ministros das Finanças e da Justiça, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal.”. A portaria em causa é a Portaria 377/2008, de 26 de maio, alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de junho e as tabela anexa à mesma, com as respectivas actualizações, sendo o objectivo da mesma o de fixar “os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo iii do título ii do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.” – artigo 1º, nº 1 da referida Portaria.

XXVIII. O que se impõe à seguradora é que apresente ao lesado uma proposta de acordo com a incapacidade determinada e os valores definidos pela portaria. Limitando-se a aplicação da sanção prevista no nº 3 do artigo 39º, apenas às situações em que a proposta não é apresentada de acordo com os valores orientadores da mesma. Ou seja, o que terá de servir de base à apreciação da razoabilidade da proposta apresentada, são os parâmetros e valores fixados em sede de portaria, e não o valor indemnizatório fixado pelo tribunal.

XXIX. A proposta apresentada pela recorrente ao recorrido foi feita com base nos valores constantes da tabela anexa à referida portaria em vigor à data de 2020, ano da apresentação da proposta, e do défice funcional permanente que foi aferida, na altura, para o Autor (ligeiramente inferior – 10 pontos – do que foi depois fixado em sede de perícia médico legal).

XXX. Não tendo o Autor logrado provar – nem, em bom rigor, alegar, pois que o fez genericamente e não por referência aos parâmetros constantes da portaria em causa e das tabelas anexas á mesma – o contrário, como lhe competia nos termos das regras gerais do ónus da prova e como, de resto, o vem entendendo a jurisprudência.

XXXI. Não é de olvidar que a recorrente apresentou ao Autor a proposta indemnizatória referida no ponto 72. dos factos provados tendo por base uma repartição de responsabilidades igualitária entre o veículo nela seguro e o Autor. Pelo que, os valores apresentados não poderão ser analisados, sem mais, por comparação singela com os agora fixados pelo tribunal recorrido, os quais tiveram em conta uma repartição de responsabilidades bem mas gravosa para a recorrente (90%).

XXXII. Devendo ser observados e comparados tendo por base essa divergência, perfeitamente legítima por parte da recorrente, na atribuição de responsabilidades. Quer isto dizer que, eventuais juros no dobro da taxa legal, tal apenas poderão ser fixados sobre a diferença entre os montantes constantes da proposta da recorrente e os correspondentes aos valores agora arbitrados tendo em conta uma responsabilidade igualmente de 50%, ou seja, € 57.000,00, correspondente a metade da soma dos valores arbitrados a título de indemnização pelo défice funcional permanente e pelos danos morais (ou quanto a outros valores que venham a ser fixados por este tribunal).

XXXIII.O Autor viu as suas lesões consolidadas em 11.12.2019, a ré apresentou ao mesmo uma proposta indemnizatória em 21.01.2020 e a presente acção apenas deu entrada em juízo em 09.04.2021 – pelo que mais de um ano após a data da consolidação das lesões e da proposta apresentada pela ré ao Autor.

XXXIV. Durante este período de 444 dias (contados desde a data da proposta apresentada, até à data da entrada da presente acção em juízo) o Autor, pese embora estivesse na sua esfera jurídica fazê-lo, accionando judicialmente – ou por qualquer outra forma – a recorrente, nada fez para ser ressarcido dos danos decorrentes do acidente que sofreu. Pelo contrário, optou o mesmo por não o fazer, esperando mais de um ano para tomar tal iniciativa.

XXXV. Peticionar agora juros em dobro, procurando beneficiar de um crédito calculado sobre um período de tempo que estava na sua esfera de disponibilidade aumentar ou reduzir constitui uma ofensa clamorosa da boa fé e uma utilização da lei e do direito para fins que claramente não foram os pretendidos, passível de integração de abuso de direito e não se podendo admitir que tal conduta e inércia sejam “premiados”.

XXXVI. Mal esteve, pois, o tribunal recorrido ao decidir da forma que o fez, fazendo-se tábua rasa da portaria em causa e dos valores ali referidos, o que tudo deverá ser aqui corrigido, revogando-se a decisão proferida e substituindo- a por uma outra que absolva a recorrente dessa parte do pedido.

XXXVII. Na sentença proferida pela primeira instância o tribunal atribuiu os montantes indemnizatórios que considerou justos e adequados à situação concreta do Autor, procedendo à atualização dos mesmos à data da prolação da sentença, conforme dali resulta expressamente – a condenação em juros é apenas a partir da data de decisão.

XXXVIII. O Tribunal recorrido limitou-se a considerar mínguo o valor ali fixado, aumentando-o para € 40.000,00, não fazendo qualquer referência quanto à não atualização do valor. Do que tudo apenas se pode retirar que o mesmo foi determinado, também ali, de forma atualizada à data da sentença.

XXXIX. Tendo a indemnização em causa sido alvo de atualização à data da prolação da decisão, os juros sobre a mesma apenas se poderão vencer a partir dessa data – sendo, de resto, nesse sentido que estabelece o nº 3 do artigo 39º do DL 291/2007 –, o que tudo deverá aqui ser considerado, alterando-se a decisão proferida em conformidade.

TERMOS EM QUE o presente recurso deverá ser julgado procedente nos exactos termos supra concluídos, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por outra que condene a ré conforme aqui defendido, com o que se fará JUSTIÇA

No recurso subordinado que interpôs, o autor definiu como seu objecto as seguintes questões: a repartição de culpas decidida pela Relação, o montante da indemnização atribuída “a título de “dano biológico” e a definição do “momento até ao qual são devidos pela Ré ao Autor, os juros de mora calculados no dobro da taxa legal” e a incidir sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré a título de proposta razoável ao Autor (€16.500,00) e os montantes indemnizatórios que vierem a ser concedidos ao Autor na decisão judicial final a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais.”.

Juntou vários acórdãos e apresentou as seguintes conclusões:

«1) O Autor não concorda com a repartição de culpas na proporção de 10% para o Autor e de 90% para o condutor do veículo segurado na Ré matrícula ..-..-ZP (CC), entendendo pelo contrário, que o condutor do veículo segurado na Ré, matrícula ..-..-ZP (CC), deve ser considerado como único e exclusivo culpado pela produção do acidente de viação descrito nos presentes autos;

2) O Autor não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de “dano biológico” quer enquanto dano patrimonial (perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 13 pontos que lhe foi fixado, acrescido de 3 pontos a título de dano futuro), quer enquanto dano moral (para sua vida em geral e a própria saúde);

3) O Autor não concorda com o momento até ao qual são devidos pela Ré ao Autor, os juros de mora calculados no dobro da taxa legal e a incidir sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré a título de proposta razoável ao Autor em sede extrajudicial (€16.500,00) e os montantes indemnizatórios que vierem a ser concedidos ao Autor na decisão judicial final a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais.

4) A manobra causal do acidente de viação foi descrita nos presentes autos, foi a manobra imprudente e inadvertida levada a efeito pelo condutor do veículo segurado na Ré matrcula ..-..-ZP (CC), em clara e manifesta violação do preceituado nos artigos: 3º, n.º 111º, n.º 2, , 12º, n.º 1; , 13º, n,.º 1 e 2, 29º, n.º 1, 30º, n.º 1, 35º, n.º 1, 44º, n.º 1 do Código da Estrada:

(transcrição dos preceitos indicados)

5) O condutor do veículo segurado na Ré matrícula ..-..-ZP pretendia penetrar na rua ... e chegado a esse entroncamento e ainda que, sendo avistável o motociclo conduzido pelo Autor matrícula RN, efetuou a manobra de mudança de direção à sua esquerda.

6) Quanto ao comportamento do condutor do veículo segurado na Ré matrícula ..-..-ZP, entende-se que a iniciativa de empreender a manobra de mudança de direção à esquerda, numa altura em que já era avistável o motociclo RN conduzido pelo Autor, contribuiu, EM EXCLUSIVO, para a produção do embate.

7) A ponderação a efetuar pelo condutor do ZP (sobre a possibilidade de realização da manobra sem embaraço para o demais trânsito) devia ter em conta não o comportamento abstrato que o condutor do motociclo deveria observar, mas o modo como, em concreto, essa circulação estava a ser empreendida.

8) Sendo visível ao condutor do veículo segurado na Ré matrícula ..-..-ZP que a aproximação do motociclo RN conduzido pelo Autor estava a acontecer de forma mais acelerada, devê-lo-ia ter ponderado antes de iniciar a manobra de mudança de direção, perante o risco de ela não se concretizar – como não se concretizou – sem perigo para quem circulava no sentido oposto (como o Autor).

9) As cautelas que o condutor que vai mudar de direção deve tomar dirigem-se tanto ao tráfego em sentido oposto como aos condutores que vêm na sua esteira.

10)A manobra de mudança de direção só pode ser feita se da sua realização “não resultar perigo ou embaraço para o trânsito”.

11)A manobra causal do acidente de viação foi a irregular mudança de direcção à esquerda realizada pelo condutor do veículo segurado na Ré matrícula ..-..-ZP.

12)Ponderando a factualidade apurada, designadamente a descrita nos itens n.ºs 8, 9, 10, 11, 12, 13, 18, 19, 26, 76 e 87 da fundamentação de facto do Douto Acórdão, que evidencia o essencial do enquadramento estático e dinâmico do acidente de viação em apreço, entendemos que ao condutor do veículo segurado na Ré matrícula ..-..-ZP (CC), deve ser atribuída, em exclusivo, a responsabilidade na produção do acidente.

13)A imprudente e inadvertida mudança de direcção para a esquerda, por parte do condutor do veículo segurado na Ré matrícula ..-..-ZP, atravessando, perpendicularmente, a metade esquerda da EN nº ..., atento o sentido de trânsito do motociclo matrícula ..-RN-.. conduzido pelo Autor, que transitava, regularmente, na respectiva hemifaixa, presuntivamente próximo do local do embate, provocou o inevitável acidente de viação descrito nos autos.

14)O Autor circulava na via dotada de prioridade.

15)Configura manobra de salvamento ou de último recurso a conduta empreendida pelo Autor que em plena condução do seu motociclo RN, vendo cortada a sua linha de trânsito perante o inesperado surgimento na sua hemifaixa de rodagem de um veículo em contramão, tenta de forma instintiva mudar de direção para o único local que lhe era possível.

16)Apesar de não ter conseguido evitar o embate, verifica-se uma adequação causal entre a conduta levada a cabo e o resultado pretendido

17)Atenta a matéria de facto dada como provada e constante dos itens n.ºs 36, 37, 38, 48, 49, 50, 52, 58 e 58 dos factos julgados como provados e com interesse para a determinação do montante indemnizatório a atribuir ao Autor de indemnização pelo dano biológico” quer enquanto dano patrimonial (perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 13 pontos que lhe foi fixado, acrescido de 3 pontos a título de dano futuro), quer enquanto dano moral (para sua vida em geral e a própria saúde), deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a €150.000,00 (Cento e Cinquenta Mil Euros), quantia essa cujo pagamento o Autor desde já peticiona da Ré.

18)Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes fatores:

(transcrição dos factos provados nos pontos indicados pelo recorrente)

19)No cálculo do valor indemnizatório a atribuir ao Autor a título de danos patrimoniais na vertente do dano biológico decorrente da perda ou diminuição de capacidades funcionais em consequência do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 13 pontos que lhe foi fixado, acrescido de 3 pontos a título de dano futuro, deve ter-se em conta, não exatamente a esperança média de vida ativa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida das mulheres já ultrapassa os 80 anos, e tem tendência para aumentar).

20)Quanto ao rendimento anual do Autor é de considerar integrado na retribuição do trabalho o subsídio de alimentação, pois que no conceito legal (e laboral) de retribuição abrange-se não só a retribuição base (salário propriamente dito), mas todas as demais prestações pecuniárias ou não, satisfeitas com carácter de regularidade e de continuidade.

21)O Douto Acórdão esteve muito bem em condenar a Ré a pagar ao Autor os juros de mora calculados no dobro da taxa legal e a incidir sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré ao Autor na fase extrajudicial a título de proposta razoável (€16.500,00) e os montantes indemnizatórios que vierem a ser concedidos ao Autor na decisão judicial final a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais, contados desde 21/01/2020 (data em que a Ré apresentou a proposta ao Autor).

22)No entanto, salvo melhor, opinião entende o Autor que os mesmos juros calculados no dobro da taxa legal, são devidos pela Ré ao Autor, não até à data do acórdão da Relação de Guimarães, mas sim até integral cumprimento.

23)O montante indemnizatório proposto pela Ré ao Autor em sede extrajudicial nos termos da proposta razoável, atentas as lesões sofridas, as queixas e sequelas atuais de que o Autor padece e no montante de apenas (€16.500,00), é manifestamente insuficiente.

24)No que diz respeito aos Danos Patrimoniais e Danos Não Patrimoniais sofridos pelo Autor, existe uma enorme diferença entre o valor da proposta da Ré (€16.500,00), o valor do pedido de indemnização final formulado pelo Autor e o valor da condenação a que se chegará em sede de decisão judicial final

25)É por demais evidente que a Ré, não cumpriu o disposto no artº 36º do DL 291/07 porquanto a proposta para ressarcimento dos danos sofridos não constitui “proposta razoável “gerando um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado.”

26)Verifica-se um “desequilíbrio significativo em desfavor do lesado”, no confronto entre os valores que decorrem da «proposta amigável de indemnização» (€16.500,00), e os valores a que se chegará em sede de decisão judicial final, sendo a mesma, igualmente, “manifestamente insuficiente”, face ao último valor global a que se chegará em sede judicial, nos termos e para os efeitos do disposto pelos artigos 39º, nº 6 e 38º, nºs 3 e 4 do DL 291/2007.

27) Da mera comparação com o valor da indemnização a que se chegará em sede de decisão judicial final, se retirará que efetivamente a proposta feita pela Ré não constitui um valor razoável de ressarcimento dos danos, ou seja, o confronto entre os dois valores revela uma flagrante desproporção entre o valor da proposta da Ré e o valor devido ao Autor, gerando um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado, sendo assim o montante da proposta, manifestamente insuficiente, nos termos daqueles n.°s 3 e 4 do artigo 38.° do DL 291/2007.

28) Os factos – lesões e sequelas que serviram de base à proposta da Ré –são exatamente os mesmos que estarão na base da futura condenação do tribunal, sendo irrelevante que tenham sido classificados ou interpretados de maneiras diferentes (é essa, aliás, a razão pela qual os valores são diferentes).

29) Também não releva, para esta questão, a forma como a Ré quantificou os danos, porque o que releva, uma vez mais, objetivamente, são os factos e esses já existiam quando a Ré fez a sua proposta.

30) Deve, aliás, dizer-se que este normativo visa, claramente, desincentivar o oferecimento por parte das seguradoras de valores muito abaixo dos devidos, o que, infelizmente, acontece de forma muito generalizada.

31) É confrangedor verificar que as seguradoras, sabendo que os valores da Portaria não são vinculativos e que a jurisprudência os tem reiteradamente considerado desadequados por demasiado escassos, persistem em invocá-los.

32) Nesta conjuntura, o princípio norteador da boa-fé objectiva associado a valores éticos e morais por que se devem pautar as pessoas nas suas relações umas com as outras, quer dizer com lealdade e rectidão e em observância aos bons costumes, acaba por merecer uma descontinuidade numa normatividade que não serve o ordenamento jurídico como sistema em que as partes estão interrelacionadas actuando como suporte para a integridade deste.

33) Transferir para o lesado, por regra uma pessoa singular, o ónus da prova da razoabilidade da proposta, salvo mais avisado parecer é onerá-lo injustificadamente com uma prova difícil, encontrando-se a seguradora em posição incomensuravelmente facilitada para trazer aos autos a factualidade atinente, posto que tem acesso a todo os dados e possuiu uma estrutura organizativa vocacionada para a resolução de sinistros.

34) Analisando o caso em apreço, (sem prejuízo ainda da procedência do presente recurso subordinado de revista):

a) O acórdão da Relação de Guimarães fixou uma indemnização de € 66.600,00, quando a ré havia proposto € 5.187,23, a título de dano patrimonial futuro.

b) Já para ressarcir o dano moral a ré propôs €3.952,37 e foi agora atribuída a indemnização de € 36.000.

c) Para além desta gritante discrepância, não pode a ré deixar de ter presente que, em qualquer circunstância e mesmo tendo por base o grau de culpa que imputou ao autor, sempre os valores propostos não poderiam deixar de se mostrar despropositados, em face do que, reiteradamente, os tribunais vêm fixando a esses títulos.

35) Assim, a Ré, atento o preceituado, entre outros, nos artigos 39º, n.º 1 e 38º, n.º 3 do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto e pela apresentação de uma proposta manifestamente insuficiente e não razoável, deve ser condenada no pagamento ao Autor dos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido em sede extrajudicial em 21/01/20 (€16.500,00) e os montantes que vierem a ser fixados na decisão judicial final a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, contados desde 21/01/2020 (data em que a ré apresentou a proposta ao autor) e até integral cumprimento

36) O Douto Acórdão recorrido violou as seguintes disposições legais: artigos 483º, 496º, 562º, 563º, 564º, nº1 n.º 2, 566.º, n.ºs 1, 2, 3 todos Código Civil, os artigos 36.°, n.°s 1 e) e 5, 37, n.º 1 alínea c), n.º 2, alínea a), 38º, n.º 3 e 4 e 39º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto, artigos 805º, nº 3 e 806º todos Código Civil.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS EM DIREITO APLICAVÉL, QUE V.EX.AS MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SUBORDINADO DE REVISTA (EXCECIONAL OU NOS TERMOS GERAIS) SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE POR PROVADO, DEVENDO O DOUTO ACÓRDÃO ORA RECORRIDO SER REVOGADO E SUBSTITUIDO POR DOUTO ACORDÃO QUE CONDENE A RÉ/RECORRIDA NA MEDIDA DO ACIMA ASSINALADO, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS. E ASSIM COMO SEMPRE, V.EX.AS FARÃO A DEVIDA E HABITUAL JUSTIÇA.»

Contra-alegou a ré, sustentando que deve ser negado provimento ao recurso do autor.

Por novo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães foi rectificado “o segundo parágrafo do dispositivo do acórdão proferido”, que passou a ser o seguinte:

“Condena-se a ré no pagamento ao autor de tais quantias, acrescidas de juros, sendo à taxa de 8% quanto à quantia de € 93.460,40, contabilizados desde 21.01.2020 até à data do acórdão proferido, e de 4% desde a data deste, contabilizados sobre o montante global da indemnização de € 102.600,00”.

Julgou-se, assim, prejudicada a apreciação da nulidade subsidiariamente arguida pela recorrente/ré.

Os recursos foram ambos admitidos, como revista, com efeito meramente devolutivo.

3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

1. No dia 19.04.2018, cerca das 21h30m, na Estrada Nacional n.º ...(EN ...), ao km 32,280, na freguesia de ..., concelho de ..., ocorreu um embate, no qual intervieram os seguintes veículos automóveis:

- Um motociclo de serviço particular, com o n.º de matrícula ..-RN-.. (doravante RN), conduzido pelo Autor;

- Um veículo ligeiro de passageiros de serviço particular, com o n.º de matrícula ..-..-RT (doravante RT), conduzido por BB; e

- Um veículo ligeiro de passageiros, de serviço particular, com o n.º de matrícula ..-..-ZP (doravante ZP), marca Honda, Modelo Civic, conduzido por CC.

2. Nessas circunstâncias de tempo e de lugar, o Autor conduzia o motociclo RN, no sentido de marcha G......../S.... ......

3. Na EN ..., onde o Autor circulava, existia o sinal vertical B9, na berma direita, a cerca de 50/100 (cinquenta/cem) metros de distância antes do local onde ocorreu o embate.

4. O Autor conduzia o RN com as luzes de cruzamento (médios) ligadas.

5. O Autor conduzia o RN dentro da sua metade direita da faixa de rodagem.

6. O Autor tinha o capacete de proteção colocado na sua cabeça.

7. No mesmo sentido de marcha do motociclo RN (G......../S.... .....), não circulava qualquer outro veículo automóvel na sua dianteira.

8. No mesmo dia, hora e local mencionados, o condutor do ZP conduzia esta viatura, na referida ..., junto a um entroncamento com a rua ..., mas em sentido de marcha contrário ao do Autor, ou seja, no sentido de marcha S.... ...../G.........

9. No mesmo sentido de marcha do condutor do veículo ZP (S.... ...../G........), não circulava qualquer outro veículo automóvel na sua dianteira

10. O condutor do veículo ZP, ao chegar junto do entroncamento aí existente à sua esquerda, pretendeu proceder à manobra de mudança de direção à sua esquerda (atento o seu sentido de marcha S.... ...../G........) e com destino à rua ....

11. O veículo ZP, para efetuar a manobra mencionada em 10., passou a circular por completo com toda a sua parte frontal e toda a parte lateral direita na meia faixa de rodagem contrária (esquerda) àquela que competia à sua mão de trânsito.

12. Dessa forma, o veículo ZP cortou, pelo menos parcialmente, a linha de trânsito ao motociclo RN conduzido pelo Autor.

13. O Autor, logo que avistou e se apercebeu da manobra de mudança de direção à esquerda executada pelo condutor do veículo ZP, guinou a direção do motociclo RN para a sua esquerda, atento o sentido de marcha que levava (G......../S.... .....).

14. Tendo colidido contra a parte frontal esquerda (farolim) do veículo RT, o qual, na altura, circulava no sentido de marcha S.... ...../G........, na mesma hemifaixa de rodagem direita e imediatamente na traseira/retaguarda do veículo ZP.

15. O embate entre a parte frontal do motociclo RN e a parte frontal esquerda (farolim) do veículo matrícula RT ocorreu dentro da metade esquerda da faixa de rodagem da EN ..., por onde já circulava previamente o veículo RT.

16. O motociclo RN, conduzido pelo Autor, após o embate, ficou imobilizado totalmente dentro da sua metade direita da faixa de rodagem da EN ..., atento o seu sentido de marcha (G......../S.... .....).

17. A ..., à data e no local onde ocorreram os embates descritos nos presentes autos e atento o sentido de marcha do veículo ZP (S.... ...../G........) tinha uma configuração em forma de reta, em patamar, com uma extensão superior a 100 (cem) metros, sem existência de obstáculos, com a via sinalizada e nivelada.

18. O condutor do veículo ZP dispunha de visibilidade numa distância nunca inferior a 100 (cem) metros de extensão em relação ao sentido de marcha contrário ao seu e por onde já circulava previamente o motociclo RN.

19. O motociclo RN conduzido pelo Autor era visível e avistável no campo visual do condutor do veículo ZP quando este efetuou a manobra referida em 10.

20. A EN ..., à data e no local onde ocorreu o embate, atento o sentido de marcha do veículo ZP (S.... ...../G........) era constituída por um entroncamento à esquerda com a rua ....

21. A EN ..., à data e no local onde ocorreu o embate, tinha uma faixa de rodagem, que em toda a sua largura media cerca de 6,70 metros, dispondo assim cada hemifaixa de rodagem de uma largura de cerca de 3,35 metros.

22. A EN ... dispunha de uma faixa de rodagem única, com dois sentidos de trânsito delimitados entre si por uma linha longitudinal descontínua marcada no pavimento e de cor branca, com marcação de vias e com iluminação pública de carácter permanente.

23. A EN ..., à data e no local onde ocorreu o embate, apresentava tráfego de animais, peões e veículos automóveis e era ladeada e marginada de ambos os lados por edificações, com saídas diretas para a mesma, possuindo uma placa indicativa de que se trata de uma localidade.

24. À hora e no local indicados em 1., o pavimento betuminoso da via da EN ... encontrava-se regular e sem buracos.

25. À hora e no local indicados em 1., o pavimento betuminoso da via da EN ... encontrava-se seco e o tempo estava limpo.

26. No momento do embate, já era noite.

27. O Autor, como consequência do embate, sofreu ferimentos e lesões traumáticas, tendo sido imobilizado em plano duro com colar cervical e transportado do local do acidente pelo INEM para o serviço de urgências do Centro Hospitalar ..., EPE, onde deu entrada no dia 19.04.2018, tendo sido internado e examinado, apresentando o seguinte diagnóstico:

- Trauma do membro superior esquerdo;

- Escoriações nos membros inferiores;

- Ferida na coxa esquerda;

- Ferida do escroto;

- Fratura tipo open book da bacia – TilIe 1;

- Fratura luxação do punho esquerdo com luxação trans-escafo-perilunar.

28. O Autor, durante o seu internamento, efetuou os seguintes exames e recebeu os seguintes tratamentos:

- Submetido a tratamento cirúrgico urgente: osteotaxia da bacia com fixador externo de fratura pélvica;

- Submetido a redução aberta, com recurso anestesia geral;

- Efetuou OOS do escafoide com 1 (um) parafuso tipo Herbert, estabilização peri-lunar com fios K re-inserção com âncoras a 23.04.2018, com recurso a anestesia geral.

29. O Autor recebeu alta hospitalar para o domicílio no dia 08.06.2018, tendo sido orientado para acompanhamento em consulta externa de ortopedia e com indicação de deambulação para pequenas distâncias e com apoio externo e mobilização ativa do punho.

30. O Autor cumpriu repouso no leito durante 6 (seis) semanas e removeu fios K e luva gessada do punho.

31. O Autor, para se locomover, após a alta hospitalar, teve que recorrer à ajuda de cadeira de rodas durante 6 (seis) semanas e à ajuda de uma muleta na mão direita e de terceira pessoa do lado esquerdo até ao final de julho de 2018.

32. O Autor foi avaliado em consulta de medicina física de reabilitação em 16.07.2018 e desde 20.07.2018 até 24.09.2018, realizou sessões de fisioterapia no hospital ... (sendo que, em algumas semanas de tratamento, efetuou cinco sessões).

33. Desde 24.09.2018 e até 01.06.2021, o Autor manteve tratamentos de fisioterapia, com carácter regular (com um número indeterminado de sessões semanais).

34. O Autor, em consequência das lesões, após a sua alta hospitalar, por conta, a mando e expensas da Ré, foi seguido e acompanhado pelos serviços clínicos da Ré, desde 16.07.2018 até 11.12.2019, data em que teve alta dos serviços clínicos da Ré em 11.12.2019.

35. O Autor, no dia 13.12.2019, foi submetido a um exame pelos serviços clínicos da Ré, na sequência do qual foi elaborado o relatório final de avaliação do dano corporal em direito civil, com o conteúdo que consta de fls. 56 a 59.

36. Não obstante os tratamentos realizados, em virtude das lesões decorrentes do embate, o Autor ficou a padecer do seguinte:

- Dificuldade para se deslocar, sobretudo em terreno irregular ou planos inclinados, para acelerar o passo e para correr; dificuldade nas posturas ortostática e sentado (sobretudo se prolongadas); dificuldade para se colocar nas posições de cócoras e de joelhos;

- Dificuldades na preensão com a mão esquerda, sobretudo por falta de força e limitação da mobilidade do punho esquerdo;

- Irritabilidade fácil;

- Dificuldades ligeiras no desempenho da atividade sexual, por não conseguir adotar certas posturas por despertar dor;

- Sente dores a nível da bacia e no punho esquerdo, que se agravam com os esforços;

- Tem sensação de "formigueiro" intermitente a nível dos dois últimos dedos da mão esquerda.

37. Em virtude das lesões decorrentes do embate, o Autor ficou a padecer:

- Na bacia: de uma cicatriz normocrómica, ténue, plana, não distrófica, a nível do escroto, com 7 cm; de dor à palpação da região da sínfise púbica, com dor referida à manobra de mobilização articular;

- No membro superior esquerdo: de uma cicatriz cirúrgica ligeiramente hipocrómica, plana, não distrófica, na face posterior do punho com 7 (sete) cm; de uma cicatriz cirúrgica ligeiramente ténue, normocrómica, plana, não distrófica, na face anterior do punho, com 3 (três) cm; de uma cicatriz ligeiramente hipercrómica, plana, não distrófica, no dorso da região de F3 do quinto dedo; de dor à palpação da região da tabaqueira anatómica; de força muscular de preensão da mão de grau 4+ em 5; de mobilidade passiva do punho com limitação para a flexão (0-60º) e extensão (0-45º) e ligeiro défice da supinação (0-80º), sem limitação da pronação, desvio cubital nem desvio radial;

- No membro inferior direito: cicatriz do tipo cirúrgica, ligeiramente elevada, normocrómica, na região da fossa ilíaca, com 4 cm; de uma cicatriz arredondada, plana, normocrómica, ténue, na face antero-medial do joelho, com 2 (dois) cm de diâmetro;

- No membro inferior esquerdo: de uma cicatriz do tipo cirúrgica, ligeiramente elevada, normocrómica, na região da fossa ilíaca, com 4 cm; cicatriz arredondada, plana, normocrómica, ténue, na região glútea, com 5 cm de maior diâmetro; de uma cicatriz irregular, de limites mal definidos, plana, com áreas hipercrómicas, não distrófica, na face anterior da perna, com 10 por 10 cm.

38. Em virtude das lesões e das sequelas, o Autor:

- Não consegue transportar pesos acima de 3 kg;

- Abandonou a prática de equitação devido às dores;

- Abandonou a prática de futebol de salão e ginásio;

- Deixou de conseguir trepar aos camiões para colocar cintas e de trabalhar com o empilhador.

39. As lesões atingiram a sua consolidação médico-legal em 11.12.2019.

40. O Autor encontrou-se em situação de défice temporário total num período de 51 dias, entre 19.04.2018 a 08.06.2018; e em situação de défice funcional temporário parcial num período 551 dias, entre 09.06.2018 a 11.12.2019.

41. O Autor, na altura do embate, sofreu angústia de poder a vir a falecer.

42. O Autor, antes e à data do embate, era uma pessoa sem qualquer incapacidade física ou estética que lhe dificultasse a sua normal vida pessoal e profissional, sendo uma pessoa saudável, dinâmica e trabalhadora.

43. O Autor sente tristeza pelas sequelas com que ficou a padecer em consequência do embate.

44. O Autor, em consequência das lesões e tratamentos, sofreu dores durante todo o tempo que mediou entre o embate até à sua recuperação, e vai continuar a sofrer dores relacionadas com as sequelas de que ficou portador.

45. As dores sofridas pelo Autor atingiram o quantum doloris no grau 5 (cinco) numa escala até 7.

46. As cicatrizes com que o Autor restou causam-lhe vergonha e tristeza.

47. O Autor antes do acidente tinha uma vida sexual normal.

48. O Autor, à data do embate, tinha 32 (trinta e dois) anos de idade, tendo nascido em ........1985.

49. Em consequências das sequelas, o Autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 (treze) pontos.

50. No futuro, o Autor virá a sofrer de artrodese do punho direito, com necessidade de cirurgia, o que agravará o seu défice funcional em 3 (três) pontos.

51. Para a realização da cirurgia, o Autor necessitará de efetuar deslocações e despesas com o ato médico e assistência medicamentosa, bem como encontrar-se-á em situação de incapacidade pelo período necessário à intervenção e respetiva recuperação funcional.

52. As sequelas com que o Autor restou são compatíveis com o exercício da atividade de empregado de armazém, mas implicam a realização de esforços suplementares.

53. As cicatrizes com que o Autor restou são causa de um dano estético permanente fixável no grau 3 (três) numa escala até 7.

54. As sequelas com que o Autor restou importam uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 4 (quatro) numa escala até 7.

55. As sequelas com que o Autor restou importam uma repercussão permanente na atividade sexual fixável no grau 3 (três) numa escala até 7.

56. O Autor carece de ajuda medicamentosa analgésica e anti-inflamatória esporádica para alívio das dores sequelares, bem como de tratamentos de medicina física e reabilitação, esporádicos e vitalícios, cuja frequência e tipologia deverá ser estabelecida por especialista da área.

57. O Autor, à data do embate, exercia por conta de outrem a categoria profissional de “trabalhador de apoio industrial”.

58. No exercício dessa atividade, auferia, enquanto remuneração ilíquida, em média:

- € 580,00 x 14 meses/ano a título de vencimento-base;

- € 85,18 x 11 meses/ano subsídio alimentação;

- € 65,06 x 11 meses/ano título de horas suplementares.

59. O Autor, durante o período compreendido desde 19.04.2018 (data do embate) e até 20.09.2019 (data em que passou a receber o subsídio de desemprego), deixou de auferir a quantia total de € 13.844,57, a título de retribuições mensais ilíquidas, proporcionais de férias, de subsídio de férias e subsídio de Natal.

60. Nesse período, o Autor não recebeu qualquer quantia da Ré Seguradora, nem da sua entidade patronal a esse título.

61. O Autor, durante o referido período de repercussão temporária na atividade profissional, recebeu do ISS, IP, a quantia total de € 7.079,90 (a título de subsídio de doença e de prestação compensatória de subsídio de Natal).

62. A mando da Ré, foi efetuada uma peritagem ao motociclo RN, de acordo com a qual a reparação daquele foi orçada em € 7.872,00 (sete mil oitocentos e setenta e dois euros), a qual engloba os trabalhos de mão de obra, peças, mecânica, pintura e eletricista.

63. O motociclo RN é da marca Kawasaki, modelo ER-6n, do ano de 2016 e, à data do embate, estava em bom estado de conservação.

64. O motociclo RN, à data do embate, tinha um valor comercial aproximado de € 5.700,00.

65. À data do embate, um motociclo novo e sucedâneo ao do Autor custaria cerca de € 7.000,00.

66. A Ré remeteu ao Autor a carta, datada de 05.06.2018, na qual aludiu a que se “impõe a respetiva regularização como perda total”, nos termos contantes de fls. 245 a 245/verso, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

67. Em consequência dos danos sofridos, o motociclo RN não podia, nem pode circular na via pública desde a data do embate.

68. O motociclo RN era utilizado pelo Autor na sua vida familiar e nas deslocações profissionais e, por força da sua imobilização, aquele teve de recorrer a outros meios de transporte.

69. O Autor, em consequência do embate, ficou com o capacete e com o casaco de pele inutilizados, importando aqueles, no estado de novo, os montantes de € 430,08 e de € 405,69, a que acresce IVA, respetivamente (no total de € 1.028,00).

70. O Autor, através do seu I. Mandatário, enviou à Ré o e-mail de 06.01.2021, que consta de fls. 69/verso a 70, tendo o mesmo sido rececionado na mesma data, acompanhado de dois documentos juntos com a petição inicial.

71. Nesse e-mail, o Autor apresentou perante a Ré o pedido de indemnização final dos seguintes montantes: € 103.642,49, a título de danos patrimoniais, de € 50.000,00, a título de danos não patrimoniais, € 500,00, a título de despesas médicas, e € 500,00, a título de despesas com transportes.

72. A Ré, por carta de 21.01.2020, comunicou ao Autor a proposta de regularização do sinistro, mediante o pagamento de uma indemnização global de € 16.500,00, por aceitar assumir as responsabilidades resultantes do acidente participado na proporção de 50%, nos termos que constam do documento de fls. 247 e 247/verso, discriminando aquele montante da seguinte forma: - Dano patrimonial futuro por défice funcional permanente: 10 pontos - € 5.187,23; - Dano moral complementar: € 3.952,37; - Perdas salariais: € 3.360,40; - Despesas médicas futuras: € 4.000,00.

73. A Ré procedeu ao pagamento das despesas hospitalares junto das entidades hospitalares que prestaram tratamento médico e hospitalar ao Autor, no Centro Hospitalar ... e no Hospital ....

74. Entre CC e a Ré foi celebrado um acordo de seguro titulado pela apólice n.º AU42244929, mediante o qual aquele transferiu aquela seguradora a responsabilidade civil automóvel emergente da circulação do veículo ZP.

75. Para quem circulava no sentido de marcha do Autor, a cerca de 140 metros do local onde o embate ocorreu, existia um sinal vertical de fim da proibição de ultrapassar e de proibição da velocidade máxima de 50 km/h.

76. A via onde o embate teve lugar tem uma dimensão nunca inferior a 200 metros.

77. O condutor do ZP, quando se aproximava do entroncamento (para virar para a rua ...), reduziu a velocidade da marcha do veículo e deu o sinal pisca para a esquerda.

78. O condutor do ZP virou à esquerda e atravessou a via de trânsito de sentido contrário perpendicularmente, para passar a circular na rua ....

79. O RN circulava a uma velocidade de cerca 80 km/h a 89 km/h.

80. Ao deparar-se com a manobra do ZP, o Autor guinou o veículo para a esquerda, em direção à via de trânsito de sentido S.... ..... – G.........

81. Na retaguarda do ZP, circulava o RT, imprimindo o seu condutor a este uma velocidade de cerca 39 km/h.

82. O RN é um motociclo da marca Kawasaki, modelo Versys, versão 650, a gasolina, com 649 cm3 de cilindrada.

83. O Autor apenas era titular de carta de condução para as categorias A1, B e B1.

84. A proposta obtida pela Ré para o salvado foi de € 456,00.

85. O valor da reparação, o valor venal, o valor do salvado e a identidade da pessoa que se propunha adquiri-lo foram comunicadas ao Autor através da carta a que se alude em 65..

86. A retribuição média mensal líquida recebida pelo Autor, à data do embate, era de € 609,05.

E vem não provado:

a. O Autor imprimia ao RN uma velocidade inferior a 40/50 km/h.

b. O condutor do veículo ZP imprimia ao mesmo veículo uma velocidade superior a 60/70 km/h.

c. O condutor do veículo ZP, momentos antes e aquando do embate, conduzia-o com as luzes de cruzamento (médios) desligadas.

d. E, sem acionar antecipadamente o sinal luminoso de mudança de direção à esquerda, sem se aproximar previamente do eixo da faixa de rodagem que delimita e divide as duas faixas de rodagem da referida EN ..., e sem suster previamente a sua marcha e aí ficar imobilizado dentro da sua hemifaixa de rodagem atento o seu sentido de marcha (S.... ...../G........), em ato contínuo, procedeu à referida manobra de mudança de direção à sua esquerda com destino à rua ....

e. O Autor, quando mudou de direção no sentido da rua ..., o veículo ZP distava do mesmo cerca de uns escassos 3/4 (três/quatro) metros.

f. Logo que avistou e se apercebeu da manobra de mudança de direção à esquerda executada pelo condutor do veículo ZP, de forma instintiva e em manobra de último recurso para evitar o embate e colisão frontal contra o veículo ZP, o Autor acionou de imediato o sistema de travagem do RN.

g. O Autor foi obrigado a embater com o seu joelho direito e a sua coxa direita na parte lateral direita traseira do veículo ZP e, em ato continuo, foi projetado para a sua esquerda.

h. O embate entre o joelho direito e a coxa direita do Autor e a parte lateral direita traseira do veículo ZP ocorreu ainda totalmente dentro da metade direita da faixa de rodagem da EN ... [sensivelmente a cerca de 1,00 (um) metro de distância do eixo da via].

i. O condutor do veículo ZP, após o primeiro embate entre o joelho direito e a coxa direita do Autor e a parte lateral direita traseira do veículo segurado na Ré matricula ZP por si conduzido, não obstante se ter apercebido desse mesmo embate, apenas imobilizou a marcha do veículo segurado na Ré totalmente fora da faixa de rodagem da EN ... e totalmente dentro da rua ... a uma distância superior a 10 (dez) metros em relação ao local do embate.

j. O embate entre o RN e o RT deu-se sensivelmente a cerca de 0,50 metros (cinquenta centímetros) de distância do eixo da via.

k. As lesões, queixas e sequelas de que o Autor é atualmente portador em consequência do embate, em termos de repercussão permanente na sua atividade profissional, são incompatíveis com o exercício da sua atividade profissional de trabalhador de apoio industrial.

l. O Autor tem dificuldades em dormir por se recordar, sob a forma de pesadelos recorrentes do acidente, bem como sintomas de ansiedade, pesadelos com alguma frequência, alterações do sono, humor triste e depressão.

m. O recurso a uma ou várias operações plásticas às cicatrizes e deformidades de que ficou a padecer não eliminará na totalidade as mesmas.

n. O Autor apresentou lesões, recebeu assistência médica e restou com sequelas para além do mencionado nos factos provados e o défice funcional de que ficou a padecer é superior ao que se alude em 49.

o. O Autor virá a padecer, no futuro, de sequelas e virá agravado o seu défice funcional para além do afirmado nos factos provados (nomeadamente em 50.) e necessitará de assistência médica e/ou ajudas técnicas ou de efetuar deslocações para receber tratamento médico para além do referido nos factos provados (nomeadamente em 56.).

p. É possível reparar o motociclo RN de modo a que o mesmo possa funcionar e circular na via pública.

q. O valor comercial do veículo RN, à data do embate, era superior ao referido no item 64. dos factos provados.

r. O valor de um veículo sucedâneo ao motociclo RN era superior, à data do embate, ao mencionado no item 65. factos provados.

s. O Autor gastou em consultas, exames e tratamentos quantia não inferior a € 1.000,00,

t. O Autor gastou em deslocações quantia não inferior a € 1.000,00.

u. O Autor teve perdas salariais superiores às mencionadas em 59. dos factos provados.

v. O condutor do ZP virou em direção à rua ... após não ter visto nenhum veículo a circular em sentido oposto.

w. Aquando do embate, já o ZP estava integralmente dentro da rua ....

4. Atendendo ao valor da causa e da sucumbência, à legitimidade da recorrente e à recorribilidade do acórdão da Relação, o recurso principal, interposto pela ré, é admissível.

Quanto ao recurso do autor, interposto a título subordinado, tendo em conta que foi interposto como revista excepcional e só subsidiariamente como revista por via “normal”, a relatora proferiu despacho a enviar o processo à formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º, nestes termos:

“(…) A ré recorreu a título principal, o autor recorreu subordinadamente, sustentando que o seu recurso “deverá ser recebido como REVISTA EXCECIONAL (artigo 672, n.º1, alíneas, a), b) e c) do C.P.Civil) ou caso V.Exas entendam que os segmentos decisórios do acórdão recorrido respeitantes às três questões suscitadas com o presente recurso subordinado, globalmente considerados pela Relação de Guimarães, escapam ao âmbito relevante da dupla conforme definido no n.° 3 do artigo 671.° do CPC, deverá então o presente recurso ser recebido e admitido como de REVISTA NOS TERMOS GERAIS (671, n.º 1 do C. P.Civil), a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeitos meramente devolutivos (artigo 675, n.º 1 e 676 n.º 1 do C.P.Civil)” .

As três questões a que o autor se refere são, como explica nas alegações:

«1) O Autor não concorda com a repartição de culpas na proporção de 10% para o Autor e de 90% para o condutor do veículo segurado na Ré matricula ..-..-ZP (CC), entendendo pelo contrário, que o condutor do veículo segurado na Ré matrícula ..-..-ZP (CC) deve ser considerado como único e exclusivo culpado pela produção do acidente de viação descrito nos presentes autos;

2) O Autor não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de “dano biológico” quer enquanto dano patrimonial (perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 13 pontos que lhe foi fixado, acrescido de 3 pontos a titulo de dano futuro), quer enquanto dano moral (para sua vida em geral e a própria saúde);

3) O Autor não concorda com o momento até ao qual são devidos pela Ré ao Autor, os juros de mora calculados no dobro da taxa legal e a incidir sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré a titulo de proposta razoável ao Autor (€16.500,00) e os montantes indemnizatórios que vierem a ser concedidos ao Autor na decisão judicial final a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais.»

Nas alegações, o autor sustenta que, quanto à primeira questão, não se verifica dupla conforme entre as decisões das instâncias; não esclarece, aliás, e muito menos concretiza (cfr. n.º 2 do artigo 672.º do Código de Processo Civil), qual seria o fundamento que permitiria a interposição de revista excepcional, se assim se não entendesse.

Quanto à segunda questão, afirma que se encontra preenchido o requisito previsto na al. a) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil (relevância jurídica excepcional) e, quanto à terceira, que o acórdão recorrido se encontra em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/11/2017, www.dgsi.pt, proc. n.º 1292/15.6T8GMR.S1, de que junta cópia.

Prevalecendo no Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que há dupla conforme quando a Relação, por unanimidade e sem ser por fundamentação essencialmente diferente, decide de forma mais favorável ao recorrente do que a 1.ª instância havia julgado (cfr. o acórdão de uniformização de jurisprudência de n.º 7/2022, de 20 de Setembro de 2022, www.dgsi.pt, proc. n.º 545/13.2TBLSD.P1.S1-A, que segue essa orientação), remete-se o presente recurso à formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, para que decida sobre a admissibilidade do recurso como revista excepcional, quanto às 2.ª e 3.ª questões acima identificadas.»

A formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil proferiu acórdão no qual deliberou não admitir o recurso de revista excepcional interposto pelo autor e determinou que o processo fosse “remetido à Juíza Conselheira Relatora originária para apreciação do recurso de revista geral interposto, a título principal, pela ré seguradora.”

5. Cumpre, assim, apreciar o recurso interposto pela ré Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A, no qual se colocam as seguintes questões (não se aprecia o invocado lapso de escrita, porque foi corrigido pela Relação no sentido pretendido pela ré, nem a nulidade subsidiariamente arguida):

– repartição de culpas, da qual a ré sustenta que deve resultar a repristinação da sentença, considerando-se “que ambos os condutores contribuíram em parte iguais para a produção do acidente, atribuindo a cada um deles uma percentagem de responsabilidade de 50%, com a consequente redução dos valores indemnizatórios na mesma proporção” (concl. XVI);

– redução do montante de indemnização “pelo défice funcional permanente, por o mesmo se revelar manifestamente excessivo e desproporcionado” (concl. XVII), de forma a que corresponda a 50% de € 50.000,00;

– correcção da condenação do pagamento de juros em dobro e em conformidade com a repartição de culpas, bem como com os critérios de cálculo da proposta razoável que se encontram previstos na portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, e a tabela anexa, com o tempo que o autor demorou a propor a acção de indemnização e com a actualização da indemnização a que procedeu a sentença.

Cumpre ainda conhecer do recurso subordinado, no que respeita à repartição de culpas. Considera-se, quanto a esta questão, que não é meramente quantitativa a diferença entre as decisões da 1.ª e da 2.ª Instância, pois adoptaram visões diferentes no que respeita à repartição da culpa do autor e do condutor do veículo segurado na ré, não se verificando assim o obstáculo da dupla conforme. Tratando-se, aliás, de questão comum ao recurso interposto pela ré, será apreciada conjuntamente

6. Para alcançar uma concorrência de culpas em igual medida entre o autor e o condutor do veículo segurado na ré, a sentença considerou relevante para o caso o disposto nos artigos 13.º, n.ºs 1 e 2, 24.º, n.º 1, 25.º, c), 27.º, n.º 1, 35.º, n.º 1 e 44.º, n.ºs 1 e 2 do Código da Estrada e o n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir (conjugado com o n.º 3 do artigo 123.º do Código da Estrada).

Em muito breve síntese, tendo em conta as disposições do Código da Estrada infringidas por cada um dos condutores, bem como, por parte do autor, do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, a presunção de culpa que deriva de tais infracções e as circunstâncias em que se desenrolou o acidente que vêm provadas, a sentença decidiu no sentido de ambos o terem causado e com igual grau de culpa:

«No caso concreto, apurou-se, por um lado, que o condutor do motociclo RN vinha animado da velocidade de cerca 80km/h a 89 km/h; que, perante a manobra de mudança de direção à esquerda realizada pelo condutor do ZP, não travou e guinou à esquerda, tendo ido embater contra o veículo RT que circulava em sentido contrário e na sua mão de trânsito. Provou-se ainda que o Autor se encontrava apenas habilitado para conduzir veículos das categorias A1, B e B1 (não dispondo de habilitação para motociclos de cilindrada superior a 125 cm3). Por outro lado, quanto ao condutor do ZP, ficou demonstrado que ele pretendia penetrar na rua ... e que, chegado a esse entroncamento, reduziu a velocidade e ainda que, sendo avistável o motociclo RN (embora não a 3/4 metros de distância), efetuou a manobra de mudança de direção à esquerda.

Por outra parte, e quanto às características da via, ficou demonstrado que a reta em que ambos os veículos circulavam tem extensão não inferior a 200 metros, que o pavimento se encontrava em bom estado de conservação e seco e que já era de noite, havendo iluminação pública.»

A Relação, todavia, concluiu que a culpa no acidente coube quase em exclusivo (em 90%) ao condutor do veículo segurado na ré, tendo em conta o modo como efectuou a manobra de mudança de direcção, quando dispunha de condições de visibilidade que lhe permitiam ter agido de forma diferente: “(…) entende esta Relação que o juízo de censura é especialmente acutilante quando reportado ao condutor do veículo seguro na ré. Senão, veja-se que estava numa recta com uma vastidão visual como há poucas, pois que dispunha de visibilidade numa distância nunca inferior a 100 (cem) metros de extensão em relação ao sentido de marcha contrário ao seu e por onde já circulava previamente o motociclo RN, estando provado que o motociclo era avistável quando o condutor do veículo ZP efetuou a manobra de mudança de direcção. Este condutor, dispondo, portanto, de condições ideais para realizar a manobra em total segurança, não se rodeou dos cuidados mínimos exigíveis e acabou por cortar a linha de trânsito do autor.”

Considerou não relevante, para o acidente, a circunstância de o autor não ser detentor de habilitação para conduzir motociclos com a cilindrada daquele em que seguia, mas apenas de cilindrada inferior (“Sob este último e estrito aspecto, da dinâmica do acidente não retiramos qualquer causalidade no que concerne ao grau de habilitação para a condução, posto que o mesmo poderia ter ocorrido pelo seu exacto modo se o autor viesse a conduzir um motociclo para o qual estivesse habilitado”), nem vir provada “qualquer imperícia” daí resultante, mas sim a velocidade em que seguia, superior ao limite legalmente fixado (“Ora, a circulação a velocidade significativamente superior, legitima a conclusão de que fica diminuída a capacidade de obviar a imprevistos derivados de manobras não anunciadas ou inopinadamente efectuadas por terceiros. Nessa medida, pode afirmar-se que o excesso de velocidade também contribuiu para o evento lesivo.”).

A seguradora sustenta que deve ser repristinada a repartição de culpas decidida em 1.ª instância, o autor entende que o acidente se deveu a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na ré.

Não está agora em discussão a causalidade: o autor e o condutor do veículo segurado na ré infringiram regras básicas da circulação rodoviária, destinadas a proteger terceiros, agindo de forma a que as suas actuações provocaram o acidente e, consequentemente, os danos cuja indemnização é pedida nesta acção (artigo 563.º do Código Civil). Concorda-se, todavia, com o Tribunal da Relação quando interpreta a prova no sentido de que, em concreto, a insuficiência da habilitação legal do autor não foi relevante: tenha-se em conta, sobretudo, que vem provado que, quando fez a manobra de mudança de direcção, cortando a hemifaixa de rodagem em que seguia o autor (facto provado 12), o condutor do veículo segurado na ré dispunha de condições de visibilidade do veículo conduzido pelo autor (factos provados 18 e 19). Como se observou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Maio de 2008, www.dgsi.p, “As infracções estradais praticadas pelos intervenientes em acidente de viação podem nada ter a ver com a ocorrência do mesmo” (ponto I do sumário).

Essas circunstâncias, tal como reveladas pela prova, também obrigam a concluir que era exigível a ambos os condutores que tivessem agido em conformidade com as regras de trânsito que violaram, evitando o resultado danoso ocorrido – ou seja, que ambos agiram com culpa. Tem-se considerado que a infracção de regras de trânsito faz presumir a culpa na produção de acidentes rodoviários: cfr. apenas a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 2016, www.dgsi.pt, proc. n.º 74/12.1SRLSB.L1.S1. Sucede, aliás, que, no caso concreto, deve ter-se como provado, positivamente, que não foram observadas as regras de cuidado que um condutor medianamente diligente e prevenido respeitaria, quando colocado na posição concreta do autor ou do condutor do veículo segurado na ré (n.º 1 do artigo 487.º do Código Civil): vejam-se os factos provados em 3 (o sinal B9, não obstante dar a conhecer ao autor que a via em que seguia tinha prioridade, também o avisava de que havia um entroncamento), e em 23, no que ao autor respeita; quanto ao condutor do veículo segurado na ré, os factos provados em 4, 5, 12, 19, 24, 25. Concorda-se assim com as instâncias quanto a ter havido concorrência de culpas.

No que respeita à repartição de culpas – ou seja, ao grau de negligência com que ambos concretamente contribuíram para o acidente –, considera-se, tal como o acórdão recorrido, mais grave a negligência do condutor do veículo segurado na ré do que aquela que se deve atribuir ao autor; discorda-se, todavia, de que deva ser acolhida a proporção determinada pela Relação. Com efeito, a velocidade a que seguia o motociclo – “de cerca de 80 km/h a 89 km/h” (ponto 79) – excedia em mais de 50% a que era permitida; o que vem provado que o autor fez quando se deparou com a manobra do ZP (ponto 80) foi que guinou para a esquerda (pontos 13 e 80) e foi colidir com um terceiro veículo, que circulava na hemifaixa de rodagem que lhe competia – e que foi, portanto, invadida pelo autor (pontos 13 e 14). Não vem provado que a velocidade o impediu de travar e evitar a colisão ou, pelo menos, de atenuar as suas consequências (cfr. n.º 1 do artigo 24.º do Código da Estrada); mas a boa visibilidade da recta em que todos seguiam, com iluminação pública de carácter permanente (ponto 22) e pavimento regular e seco (pontos 24 e 25), o aviso de que se aproximava um entroncamento e as circunstâncias do local onde ocorreu acidente (existência de placa indicativa de que se tratava de uma localidade, ponto 23, via com tráfego de animais, peões e automóveis, ladeada de edificações com saída para a estrada, ponto 23), tornariam exigível a um condutor medianamente cauteloso e atento um cuidado na velocidade a que circulava e uma adequação a essas circunstâncias (cfr. n.º 1 do artigo 24.º do Código da Estrada), que se não verificou.

Recorde-se que estas considerações respeitam os limites que o Supremo Tribunal de Justiça tem de observar na verificação do juízo sobre a culpa, que vem das instâncias, pois significam, tão somente, um controlo da “observância do critério definido pelo nº 2 do artigo 487º do Código Civil, ou seja, (…) determinar se o agente actuou com o grau de diligência que seria exigível, e que a lei fixa fazendo apelo àquela que teria um homem médio, colocado nas circunstâncias concretas do caso, assim adoptando um conceito objectivado de culpa”, como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de Outubro de 2010, proc. nº 845/06.8TBVCD.P1.S1, www.dgsi.pt.

Aumenta-se assim para 20% o grau de culpa atribuído ao autor; mas não para 50%, porque é sensívelmente inferior à do condutor do veículo segurado na ré.

7. A recorrente seguradora considera que deve ser reduzida a indemnização “pelo défice funcional permanente, por o mesmo se revelar manifestamente excessivo e desproporcionado” (concl. XVII).

Antes de mais, cumpre recordar que, como o Supremo Tribunal de Justiça tem repetidamente observado, o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem ao que o Código Civil determina (cfr., a título de exemplo, o acórdão de 4 de Abril de 2015, www.dgsi.pt, proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1.).

Em síntese, a seguradora sustenta aquela alegação no grau de incapacidade parcial permanente fixado ao autor, de 13 pontos, que, no entanto, não impede o exercício da profissão, apenas o torna mais penoso; na afirmação de que, para feitos de cálculo da indemnização, deve ser considerada a idade ao tempo da consolidação das lesões, 34 anos, e não à data do acidente, 32 anos; e que o rendimento a ter em conta para a determinação da indemnização deve ser o rendimento líquido auferido e não o ilíquido (ponto 44 das alegações).

Escreveu-se na sentença: “Ponderando as duas vertentes em que o dano biológico se desdobra, a fixação da indemnização pelo dano biológico deve fazer-se por recurso à equidade, com ponderação dos critérios jurisprudenciais habitualmente relevantes na matéria: a idade do lesado na data do acidente; o défice funcional na integridade físico-psíquica atribuído; a esperança média de vida; e os rendimentos líquidos auferidos.” Alcançou, assim, o valor de € 62.500,00, ao qual aplicou depois a redução de 50%.

O acórdão recorrido aumentou para “o montante de € 74.000,00 a indemnização decorrente da incapacidade de que ficou portador o recorrido”, fazendo depois a redução correspondente à repartição de culpas que teve por adequada.

Para justificar o aumento para € 74.000,00 do valor a que conduziu a aplicação da fórmula matemática que as instâncias aplicaram, o acórdão recorrido, para encontrar a base de cálculo da indemnização, incluiu no rendimento anual líquido a considerar, além do vencimento e do subsídio de alimentação, tal como fizera a 1.ª instância, o montante auferido a título de horas suplementares, e não fez qualquer desconto pelo recebimento do capital de uma vez só e, sobretudo, considerou que a equidade apontava para um valor superior, € 74.000,00 (sem contar com a repartição de culpas). Valorou, assim, diferentemente, as circunstâncias do caso concreto.

Ora o Supremo Tribunal de Justiça também já recordou, por diversas vezes, citando-se aqui alguns acórdãos apenas a título de exemplo, que “a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz esta incapacidade, é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial” (acórdãos de 31 de Março de 2012, www.dgsi.pt, proc. n.º 1145/07.1TVLSB.L1.S1 de 20 de Novembro de 2020, www.dgsi.pt, proc. 5572/05.0TVLSB.L1.S1); e que, no que respeita aos primeiros, «os danos futuros decorrentes de uma lesão física não [se] limitam “à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» – acórdão de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B2978); hão-de reflectir a perda de rendimento que resulte da redução, se redução houver, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (cfr. o acórdão de 20 de Outubro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. nº 428/07.5TBFAF.G1-S1). “A lesão que a incapacidade revela pode, naturalmente, causar danos patrimoniais que se não traduzem em perda de ganho (…)”. Assim, cfr, ainda os acórdãos de 4 de Junho de 2015, www.dgsi.p, proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, de 3 de Dezembro de 2015, www.dgsi.pt, proc.n.º 3969/07.0TBBCL.G1.S1, de 19 de Setembro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1, de 6 de Junho de 2023, www.dgsi.pt, proc. n.º 9934/17.2T8SNT.L1.S1 ou de 12 de Outubro de 2023, www.dgsi.pt, proc. n.º 1969/19.7T8PTM.E1.S1.

Igualmente se tem observado que, quando “(…) para o cálculo de indemnizações por danos patrimoniais, passados ou futuros, nos quais o montante das remunerações auferidas à data da lesão assume naturalmente um relevo determinante, (…) deve ser considerada a remuneração líquida do lesado e não a ilíquida (…).” (acórdão de 21 de Janeiro de 2021, www.dgsi.pt, proc. n.º 6705/14.1T8LRS.L1.S1). No que especificamente se refere ao cálculo da indemnização por danos patrimoniais futuros, cfr., por exemplo, os acórdãos de 14 de Junho de 2005, proc. 1648/05, de 2 de Fevereiro de 2010, proc. 660/05.6TBPVZ.P1.S1, ou de 19 de Janeiro de 2010,proc. 275/07.4TBMGL.C1.S1, cujos sumários se encontram disponíveis em www.stj.pt., de 7 de Janeiro de 2013, www.dsi.pt, proc. n.º 2395/06.3TJVNF.P1.S1 , 7 de Fevereiro de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 3557/07.1TVLSB.L1.S1. de 19 de Outubro de 2016, www.dgsi.pt, proc. n.º 1893/14.0TBVNG.P1.S1, de 9 de Janeiro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 1649/14.14.0T8VCT.G1.S1 ou de 21 de Março de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 1069/09.8TVLSB.L2.S1.

Vem provado que o acidente deixou lesões e sequelas severas, que trouxeram limitações significativas à integridade física e à qualidade de vida do autor (cfr. pontos 36, 37, 38, 54, 55); mas que tais sequelas são compatíveis com a profissão que exercia à data do acidente (“empregado de armazém”, ponto 52,“trabalhador de apoio industrial”, ponto 57), embora impliquem “a realização de esforços suplementares” (pontos 52) e não permitam certos trabalhos (“deixou de conseguir trepar aos camiões para colocar cintas e de trabalhar com o empilhador”, ponto 38). Repercutem-se, portanto na “capacidade genérica de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas”, como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 2017, www.dgsi.pt, proc. nº 37/13.0TBMTR.G1.S1.

Recorde-se que o autor tinha 32 anos à data do acidente, que só com 34 anos viu consolidadas as lesões e, que, segundo decorre da esperança média de vida, que, como se pode verificar na fonte citada no acórdão recorrido, é de 78 anos, tem provavelmente pela frente longos anos afectados pela limitações que vêm assentes, sendo certo que o passar do tempo as acentuará.

8. Em qualquer das vertentes, patrimonial ou não patrimonial, a indemnização pelo dano biológico deve ser calculada segundo a equidade: artigos 496º, nº 3 e 566º, nº 3 do Código Civil. Como se recordou em outras ocasiões (cfr., por exemplo, os acórdãos de 7 de Outubro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 839/07.6TBPFR.P1.S1, de 28 de Outubro de 2010 www.dgsi.pt, proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt proc. nº 381-2002.S1, de 6 de Dezembro de 2017, www.dgsi.pt, proc. n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1, de 23 de Maio de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 1046/15.0T8VNF.P1.S1, de 30 de Maio de 2019, www.dgsi.pt, proc., n.º 3710/12.6JVNF.G1.S1, ou de 19 de Setembro de 2019), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se o Supremo Tribunal da Justiça é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio» (acórdão de 28 de Outubro de 2010; cfr. ainda o acórdão de 6 de Junho de 2023, www.dgsi.pt, proc. n.º 9934/17.2T8SNT.L1.S1).

Como se escreveu no acórdão de 29 de Outubro de 2020, www.dgsi.pt, “Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que o controlo, em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro coisas. Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estavam preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade. Em segundo lugar, deve averiguar se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, o Supremo Tribunal de Justiça deve determinar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.”

A equidade, todavia, não dispensa a observância do princípio da igualdade; o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações, como se fez na sentença. “A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22 de Janeiro de 2009, proc. 07B4242, www.dgsi.pt). Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição” ( cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2013, www.dgsi.pt., proc. n.º 2044/06.0TJVNF.P1.S1). A título de exemplo, cfr., para casos semelhantes no que é relevante para a determinação do montante da indemnização pelo dano biológico, o acórdão de 6 de Junho de 2023, ww.dgsi.pt, proc. n.º 9934/17.2T8SNT.L1.S1.

“Do que se trata, portanto, é de encontrar a solução mais equilibrada no contexto da prova disponível” (acórdão de 12 de Outubro de 2023, www.dgsi.pt, proc. n.º 1969/19.7T8PTM.E1.S1).

Ora, como resulta do que se disse, apenas há a apontar ao acórdão recorrido a falta de indicação de casos que têm merecido tratamento semelhante no cálculo da indemnização.

Para o efeito, consideram-se particularmente significativos a idade do lesado ao tempo do acidente, o grau do défice funcional provocado pelo acidente (aqui, 13 pontos) e a repercussão na capacidade genérica de ganho (ou seja, repete-se, sem causar a incapacidade para o exercício da profissão que exercia à data do acidente, mas implicando maiores dificuldades nesse exercício, e provocando também dificuldades no exercício de profissões semelhantes).

Assim: da análise dos casos citados nas alegações apresentadas pela recorrente, feitas as comparações entre os dados acabados de enunciar, retira-se a conclusão de que o montante de € 74.000,00 alcançado pela Relação é excessivo, estando muito mais próximos os € 50.000,00 apontados como montante justo e adequado nas mesmas alegações (conclusão XXIII).

Acrescentam-se ainda os acórdãos de 19 de Outubro de 2021, www.dgsi.pt, proc. 2601/19.4T8BRG.G1.S1, no qual foi atribuída uma indemnização de € 40.000,00 a um lesado de 44 anos, com um défice funcional de 15 pontos mas com sequelas graves, e de 28 de Maio de 2024, www.dgsi.pt, proc. 15899/17.3T8PRT.P1.S1, no qual se considerou que seria adequada uma compensação de € 40.000,00 (que se subiu para € 50.000,00 porque o lesado fazia trabalhos extra, além da sua profissão normal de carteiro) a um lesado com 40 anos na altura do acidente a quem foi fixado um défice funcional de 16,7/17 pontos.

Considera-se, assim, equitativa uma indemnização de € 50.000,00. A este montante deve aplica-se a percentagem que ditou a repartição de culpas entre o autor e o condutor do veículo segurado na ré, devendo a recorrente seguradora ser condenada, a este título, no montante de € 40.000,00,montante que espelha a gravidade da consequências do acidente, no que respeita ao défice funcional permanente de que ficou afectado, com a idade de 32 anos à data do acidente.

9. Por último, cumpre conhecer da pretensão da recorrente de correcção da condenação do pagamento de juros em dobro e em conformidade com a repartição de culpas, bem como com os critérios de cálculo da proposta razoável que se encontram previstos na portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, e a tabela anexa, com o tempo que o autor demorou a propor a acção de indemnização e com a actualização da indemnização por danos não patrimoniais a que procedeu a sentença.

Com o objectivo de facilitar ao lesado o recebimento da indemnização a que tem direito por danos corporais sofridos em consequência de um acidente de viação, como é o caso presente, o que implica uma colaboração rápida e materialmente adequada por parte da seguradora, o Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto (que revogou o Decreto-Lei n.º 83/2006, de 3 de Maio), no que agora importa, conjugado com a Portaria 377/2008, alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de Junho, e com as tabelas anexas, impõe à seguradora que aceite a responsabilidade pelo acidente, sendo quantificável o dano, que, no prazo que define, apresente ao lesado uma proposta razoável de indemnização, especialmente prevista no artigo 39.º do citado Decreto-Lei n.º 291/2007. Diga-se, a propósito, que a circunstância de não haver acordo quanto ao grau de responsabilidade dos intervenientes no acidente e, portanto, quanto ao montante da indemnização ao autor, não significa que a actuação da seguradora revele que não aceitou a responsabilidade.

Não vem ao caso o regime de contra-ordenações previsto nos respectivos artigos 86.º e segs., mas sim a sanção consistente numa especial penalização nos juros que venham a ser devidos quando – na hipótese que agora releva – “o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente” (n.º 3 do artigo 38.º do citado Decreto-Lei n.º 291/2007, para o qual remete o n.º 2 do artigo 39.º).

Ambas as instâncias entenderam que, para apurar se ocorre essa manifesta insuficiência da proposta efectuada pela seguradora ao autor em 21 de Janeiro de 2020 (ponto 72 do factos provados), o confronto de montantes não pode ser feito entre o que foi pedido pelo autor (cfr. ponto 71) e o que a seguradora propôs.

Divergiram, todavia, quanto à determinação do dado com o qual deve ser confrontada a proposta – a sentença entendeu “que a aferição da proposta razoável deve ser realizada por referência aos valores previstos nas tabelas aprovadas pela Portaria n.º 377/2008, de 28.05, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25.06, as quais, sem embargo [de não serem] vinculativas na fase judicial, regulam a matéria em sede de procedimento pré-contencioso, sendo à luz desses valores, e perante o relatório de avaliação promovido pela companhia seguradora, que a proposta deve ser apresentada”, mas a Relação considerou relevante a comparação com o montante indemnizatório que vier a ser judicialmente fixado; e divergiram, ainda, quanto aos pressupostos de aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007 (“3- Todavia, quando a proposta da empresa de seguros tiver sido efectuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, os juros nos termos do número anterior são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, e, relativamente aos danos não patrimoniais, a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos.”).

Resulta do disposto no n.º 5 do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 291/2007 que é razoável uma proposta “que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado”. Ora, no caso presente, a diferença entre a proposta total de indemnização – € 16.500,00 – e os montantes que foram determinadas nas instâncias é manifestamente significativa, em prejuízo do lesado. Não se considera relevante, para esta comparação, a diferença entre os graus de culpa do autor e do condutor do veículo segurado na ré: o que interessa são os montantes da indemnização. Note-se, aliás, que a 1.ª instância também atribuiu a cada um a culpa de 50%.

Concorda-se, portanto, com o termo de comparação adoptado pelo acórdão recorrido e, por exemplo, pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2017, www.dgsi.pt, proc. n.º 1292/15.6T8GMR.S1: «Assim sendo, verifica-se um “desequilíbrio significativo em desfavor do lesado”, no confronto entre os valores que decorrem da «proposta amigável de indemnização» e da decisão final do presente acórdão, sendo a mesma, igualmente, “manifestamente insuficiente”, face a este último valor global encontrado, nos termos e para os efeitos do disposto pelos artigos 39º, nº 6 e 38º, nºs 3 e 4, daquele diploma legal.» Esta interpretação não só está de acordo com o texto legal (cfr. n.º 3 do artigo 38.º e n.º 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007), mas também traduz o sentido material que decorre da noção de desequilíbrio significativo, ou de razoabilidade da proposta de indemnização.

Igualmente se entendeu neste acórdão de 12 de Dezembro de 2017 que, não vindo provado que a proposta apresentada pela seguradora respeitou os “termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil” (n.º 3 do artigo 39.º do mesmo Decreto-Lei), a seguradora devia ser condenada no pagamento de juros “no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso”, ou seja, 8%, com os limites temporais ali previstos; o que, implicitamente embora, supõe que o ónus da prova da verificação dos pressupostos da consequência prevista nesse n.º 3 pertencia à seguradora – afirmação explicitamente constante do acórdão recorrido: cabe à seguradora, diz-se ali, o ónus da prova de que respeitou aqueles termos substanciais e procedimentais.

Note-se que não é incoerente considerar insuficiente a proposta por confronto com a decisão judicial que fixar a indemnização e, para afastar a penalização, tomar como referência os critérios fixados pelo “sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil”. A interpretação que se defende pode conduzir a que não seja aplicável a taxa de juro em dobro, prevista no n.º 3 do artigo 39.º, num caso em que a proposta seja manifestamente insuficiente, por comparação com a indemnização judicialmente determinada, mas a seguradora tenha respeitado os termos procedimentais e materiais ali estabelecidos. Na verdade, mesmo nesta hipótese, alcançam-se os objectivos tidos em vista com um sistema que privilegia a pronta regularização extra-judicial dos sinistros.

No caso concreto, a recorrente sustenta que se deve ter em conta o tempo que o autor demorou a propor a acção e a actualização da indemnização a que se procedeu na sentença, para o cálculo do tempo em que se deve aplicar a penalização nos juros devidos (pontos 88 e segs. das alegações).

O acidente ocorreu em 19 de Abril de 2018 (ponto 1), o autor teve alta hospitalar em 8 de Junho seguinte, mas para o domicílio (ponto 29), e continuou incapacitado durante algum tempo (cfr, em especial, os pontos 30 e segs.), só tendo alta dos serviços clínicos da ré em 11 de Dezembro de 2019; o relatório final de avaliação do dano corporal só foi elaborado na sequência de um exame realizado em 13 de Dezembro de 2019. A proposta de regularização foi apresentada em 21 de Janeiro de 2020 (ponto 72), o autor pediu a indemnização que considerou devida em 6 de Janeiro de 2021 (pontos 70 e 71) e a acção foi proposta em 12 de Abril de 2021.

Não se encontram provados factos que permitam concluir no sentido da desconsideração dos interesses da seguradora, como sucedia, por exemplo, nos acórdãos de 17 de Abril de 2024, www.dgsi.pt, proc. n.º 987/20.7T8STR.E1.S1 ou de 19 de Setembro de 2024, www.dgsi.pt, proc. n.º 1912/23.9T8STB.S1; não há, assim, base de facto que sustente a alegação de abuso de direito (ponto 93 das alegações).

Quanto à repercussão da actualização da indemnização por danos não patrimoniais no cálculo dos juros devidos em dobro, que a recorrente entende que a sentença fez, considera a mesma recorrente que deve ser a de apenas serem devidos juros, à taxa de 4%, desde a data da sentença. Invoca, para o efeito, o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio de 2002 (Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.)

O acórdão recorrido reconhece expressamente que, quer a sentença, quer o próprio acórdão, procederam à actualização da indemnização.

Sucede que, no caso presente, está em causa um regime especificamente definido para os efeitos da apresentação, pela seguradora, de uma proposta manifestamente insuficiente de indemnização por danos corporais; o regime definido para o cálculo dos juros prevalece sobre o disposto no regime que o referido acórdão de uniformização de jurisprudência veio interpretar.

10. Nestes termos, decide-se:

a. Negar provimento ao recurso subordinado interposto pelo autor, na parte em que foi conhecido;

b. Conceder provimento parcial ao recurso interposto por Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., revogando-se parcialmente o acórdão recorrido e alterando a sua condenação:

b.1) Para os montantes de € 40.000,00 pelo dano biológico e de € 32.000,00 pelos danos não patrimoniais;

b.2) No pagamento de juros, contados à taxa de 8%, desde 21 de Janeiro de 2020 até à data do presente acórdão, relativamente aos montantes de € 34.812,77 e de € 28.047,63 e, quanto aos mesmos montantes, à taxa de 4% desde a data do presente acórdão até integral pagamento;

c. Quanto ao mais, confirmar o acórdão recorrido.

Custas por ambos os recorrentes, na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, 27 de Novembro de 2024

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora)

Nuno Pinto de Oliveira

Nuno Ataíde das Neves