I. O recurso para o STJ do acórdão da Relação proferido em recurso não é um segundo recurso do acórdão da 1.ª instância. Os recursos não servem para conhecer de novo da causa; constituem meios processuais destinados a garantir o direito de reapreciação de uma decisão de um tribunal por um tribunal superior, havendo que, na sua disciplina, distinguir dimensões diversas, relacionadas com o fundamento e com o objeto do conhecimento do recurso e com os poderes processuais do tribunal de recurso, a considerar conjuntamente.
II. A pretensa nulidade cuja arguição o recorrente agora repete remete para a decisão da 1.ª instância e foi validamente apreciada pelo tribunal da Relação no acórdão que o recorrente agora pretende colocar em crise, improcedendo, assim, a alegação da nulidade do acórdão recorrido.
III. Embora sob outra roupagem, o recurso remete também para a questão da alegada «falsidade» dos pressupostos em que assentou a decisão do juiz de instrução, por se basear em «factos falsos», o que se reconduz a uma questão de facto, da competência do tribunal da Relação (artigos 428.º e 434.º do CPP), sendo, quanto a ela, inadmissível recurso para o STJ.
IV. Encontra-se implícita uma questão de direito que este tribunal não pode deixar de apreciar no âmbito dos seus poderes de conhecimento oficioso – a questão da validade da prova em resultado da infiltração da atividade criminosa por agente encoberto – no pressuposto, que se considera presente, de não verificação de qualquer dos vícios da matéria de facto a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP.
V. O quadro legal da admissibilidade das ações encobertas enquanto técnica especial de investigação da criminalidade económica, financeira ou organizada, nomeadamente de âmbito transnacional, de elevada gravidade e complexidade, dependente da verificação de exigentes pressupostos de necessidade, adequação e proporcionalidade que justificam a sua utilização, encontra-se atualmente definido na Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto, nos termos que vêm detalhadamente referidos e invocados no acórdão recorrido, no acórdão da 1.ª instância e no parecer do Ministério Público neste Tribunal, com convocação de abundantes elementos de doutrina e jurisprudência, os quais não suscitam qualquer controvérsia.
VI. Na jurisprudência consolidada deste STJ, que se mantém, a propósito da atuação, já anteriormente prevista na vigência do DL n.º 430/83, de 13 de dezembro, e do artigo 59.º do DL n.º 15/93, na sua redação originária e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 45/96, de 3 de setembro, considera-se sedimentado o entendimento – que preside à consagração legal desta técnica de investigação, de especial delicadeza face aos interesses em presença, de eficácia no “combate” ao crime e de respeito pelos direitos fundamentais das pessoas sob investigação –, segundo o qual os limites da ação encoberta se reconduzem, no essencial, à questão da diferenciação entre a ação de acompanhamento e a ação de provocação, em que assenta a distinção entre as figuras do agente infiltrado e do agente provocador.
VII. Não se verifica erro de direito suscetível de afetar a prova obtida por via da ação encoberta que conduziu à condenação; como se extrai da fundamentação do acórdão recorrido, da matéria de facto provada resulta que a atuação do agente encoberto, devidamente autorizada, respeitou os pressupostos, exigências e limites legalmente impostos, pelo que improcede o recurso nesta parte.
VIII. Sem prejuízo da inadmissibilidade do recurso de acórdão da Relação proferido em recurso com fundamento nos vícios e nulidades a que se refere o artigo 410.º do CPP (alíneas b) e c), lidas conjuntamente, do artigo 432.º, n.º 1, do CPP, na redação da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro), a alegada violação dos princípios in dubio pro reo e da presunção da inocência, atinentes à decisão em matéria de facto, apenas podem ser conhecidos em recurso para o STJ, restrito a matéria de direito, no âmbito da apreciação daqueles vícios.
IX. Não procede o argumento, alicerçado em manifesta confusão entre bem jurídico protegido e objeto da ação típica, de que a não violação do bem jurídico protegido (ou de não comprovação do concreto perigo de violação, como o recorrente também alega) impõe a absolvição do arguido. Sendo o crime de tráfico de estupefacientes um crime de perigo abstrato, o perigo para os bens jurídicos protegidos não constitui elemento do tipo de crime, mas apenas a justificação da incriminação.
X. A distribuição das drogas pelas Tabelas I, II, III e IV da Convenção Única e respetivo Protocolo de 1972 leva em conta a sua gravidade, reconhecida cientificamente, e o consequente grau de controlo a que as submete; apesar de a distinção não ter relevância direta na definição típica dos crimes ou da moldura abstrata das penas, tem-se salientado que o DL 15/93 não deixa de afirmar no preâmbulo que a gradação das penas aplicáveis ao tráfico tem em conta a real perigosidade das respetivas drogas, havendo que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas,
XI. São de elevada intensidade os fatores que concorrem para a agravação da culpa, nomeadamente a quantidade e natureza do produto traficado (cerca de 144kg de cocaína), a dimensão internacional do tráfico e o seu nível de organização, e os fins altamente lucrativos visados com esta atividade, que evidenciam óbvias necessidades de prevenção geral que, na aplicação da pena, se comportam, nos limites da culpa.
XII. Os fatores de natureza pessoal que agora vêm invocados não se mostram demonstrados na matéria de facto provada, sendo que, associados à elevada condição habitual dos participantes nestas formas de criminalidade transnacional, geradora de elevados proventos materiais, com recurso a meios poderosos, não teriam relevância. A alegada “inserção” social que se reivindica não se coaduna com a personalidade altamente desvaliosa revelada na prática do crime e pelas anteriores condenações, a comprovar elevadíssimas necessidades de prevenção especial para condução de vida em conformidade com o direito.
XIII. Não questiona o recorrente a ponderação das circunstâncias relevantes por via da culpa, nomeadamente a ilicitude, muito elevada, atenta a qualidade da substância estupefaciente traficada e as quantidades em causa, e a elevada intensidade da vontade criminosa.
XIV. Na ponderação das circunstâncias tidas em conta nos termos do artigo 71.º do Código Penal não se surpreende motivo que justificadamente possa constituir uma base de divergência para a pretendida redução da pena, de 9 anos de prisão, aplicada no acórdão recorrido, por violação dos critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade que se impõem na sua determinação.
1. AA, arguido, com a identificação dos autos, recorre do acórdão de 23.01.2024 do Tribunal da Relação de Évora que negou provimento ao recurso que interpôs do acórdão do Juízo Central Criminal de ... – Juiz 2 –, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, que o condenou como autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, por referência à tabela I-B, anexa, na pena de 9 (nove) anos de prisão.
Foram ainda condenados os arguidos BB e CC, em penas de 7 anos de prisão, pela prática do mesmo crime, os quais também interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Évora, que igualmente os julgou improcedentes.
2. Apresenta motivação de que extrai as seguintes conclusões:
“1. O presente Recurso tem por objecto e circunscreve-se:
− À Omissão de Pronúncia no Acórdão Recorrido quanto à Contestação apresentada pelo Recorrente para julgamento;
− À Existência da Provocação ao Crime e Domínio Funcional do Facto pelo Agente Encoberto e seu Colaborador;
− À Inexistência da Violação do Bem Jurídico “Saúde Pública”;
− Ao Não Preenchimento dos Elementos Objectivos e Subjectivos do Crime de Tráfico de Estupefacientes e violação dos Princípios da Presunção da Inocência e In Dubio Pro Reo referente à Condenação do Recorrente pelo Crime de Tráfico de Estupefacientes; e,
− Ao exacerbado quantum da Medida da Pena aplicada ao Recorrente.
2. A Omissão de Pronúncia no Acórdão Recorrido quanto à Contestação apresentada pelo Recorrente para julgamento em 1.ª Instância
2.1 O Arguido Recorrente AA apresentou tempestivamente Contestação onde contraditou cada um dos factos de que estava acusado (pronunciado) e, para suporte desse arrazoado, aduziu Prova Documental e Testemunhal que não se descortina no teor do Acórdão Recorrido haver sido de que forma fosse crivada, analisada ou apurada judicialmente pelo Tribunal de 1.ª Instância.
2.2 Levada esta questão ao Douto escrutínio dos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora vieram estes a decidir que, “(…) Não lhe assiste, porém, razão.”
2.3 Apreciação com que o Arguido Recorrente AA jamais se poderá conformar por, entender, que a mesma é refractária daquilo que legalmente se encontra concretizado a este propósito.
2.4 Os factos alegados pelos arguidos na contestação merecem tratamento jurídico igual aos factos imputados na acusação/pronúncia.
2.5 O Tribunal tem de descrever no acórdão todos os factos alegados pelos arguidos e dar-lhes o mesmo tratamento que deu aos imputados na acusação.
2.6 Deve emitir pronúncia por forma a que não sobrem dúvidas que os ponderou devidamente, pelo que, não pode decidir os factos alegados pelos arguidos por atacado.
2.7 Deve dar o mesmo tratamento aos factos alegados pelos arguidos que deu aos factos imputados na acusação/pronúncia.
2.8 Esta resposta aos factos alegados pelos arguidos é inadmissível à luz dos princípios da igualdade entre defesa e acusação e até da lealdade e legalidade processual.
2.9 Era mister que o acórdão descesse a cada facto e explicitasse os motivos pelos quais os deu como não provados, só assim os arguidos poderiam impugnar os factos dados como não provados.
2.10 O exercício do contraditório está substancialmente cerceado com esta manifesta superficialidade ao nível da ponderação dos factos alegados pelos arguidos.
2.11 A decisão recorrida tenta salvar a omissão de pronuncia argumentando que os factos alegados pelo arguido na contestação são, narrativas alternativas e outros factos circunstanciais, apenas com o intuito de contraditar a acusação e pronuncia dos autos, mas que face aos factos tidos como sustentadamente provados nos autos, representam apenas a sua expressão negativa, perspectiva que não podemos aceitar.
2.12 Desde logo os factos alegados pelos arguidos recorrentes não visam infirmar os factos imputados na pronúncia. Outrossim, têm como objetivo dar um enquadramento, uma perspectiva à atuação da Polícia Judiciária. A dar-se como provada a factualidade alegada pelos recorrentes poderia implicar uma solução jurídica bem diferente daquela que foi encontrada pelo Tribunal.
2.13 Diga-se, ainda, que não procede o argumento do Tribunal, segundo o qual a contestação apenas alega factos negatórios - o que não é verdade - e, a ser assim, a circunstância de estarem em contradição com os factos dados como provados desnecessário se torna apreciá-los.
2.14 Olhando para os factos alegados na contestação não detectamos um só facto donde resulte uma negação direta dos factos dados como provados.
2.15 O que se verifica é uma alegação dos factos que poderia dar uma visão diferente dos mesmos e com reflexos na solução jurídica encontrada.
2.16 Nesta parte, e como tal, o Aresto Recorrido ao pronunciar-se na perspectiva em que o fez sobre esta questão levantada no Recurso viola o que se encontra preceituado nos Artigos 127.º, 368.º, 374.º e 379.º do Código de Processo Penal e Artigo 32.º N.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, designadamente, na perspectiva de que não se mostra conforme à Constituição da República Portuguesa, sobretudo em atenção aos invocados preceitos, uma interpretação das mencionadas Normas Adjectivas Penais que consinta que o Acórdão ou Sentença Penal não se pronuncie criticamente acerca dos factos alegados pelo Arguido na Contestação que apresenta para Julgamento, razão pela qual está ferido de Nulidade e Inconstitucionalidade.
3. A Existência da Provocação ao Crime e Domínio Funcional do Facto pelo Agente Encoberto e seu Colaborador
3.1 Conforme decorre do Acórdão Recorrido prolatado pelo Tribunal de 1.ª Instância e do Aresto proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, no decurso do Julgamento foi junto ao Processo o Relato Final da Acção Encoberta da Polícia Judiciária.
3.2 Relato que, para lá do demais, veio demonstrar que os factos, provas e descrições inscritas no Despacho de Acusação era tudo uma Falsidade.
3.3 Na verdade, deitando um olhar para a Acusação submetida a Julgamento e comparando-a com o escasso expediente da Acção Encoberta junto ao Processo é possível concluir - inequivocamente - pela falsidade de todas as imputações efectuadas ao Recorrente AA e seus Co-Arguidos bem como da falsidade do Depoimento da quase totalidade das Testemunhas levados a Julgamento pela Acusação e de grande parte dos Autos e Relatos vazados no Processo.
3.4 Não estamos no âmbito da interpretação dos meios de Prova, pois, esta, sempre seria matéria da competência do Tribunal em sede de prolação de Acórdão final, ao invés, estamos perante Falsidades que levaram o Juiz de Instrução Criminal a proferir uma Decisão Instrutória baseada em pressupostos falsos e factos que na verdade não ocorreram, ainda que involuntariamente, como se explicitou em sede de Contestação para Julgamento.
3.5 É indiscutível que o Excelentíssimo Senhor Juiz de Instrução Criminal do Juízo de Instrução Criminal de Portimão, à semelhança do Recorrente AA e seus Co-Arguidos nestes Autos, foi enganado e ludibriado por Meios de Prova e Factos que o Acusador tinha perfeito conhecimento que não correspondiam à verdade Material e Processual que entranhou no Processo.
3.6 O Arguido Recorrente AA e seus Co-Arguidos foram todos eles prejudicados desde o Primeiro Interrogatório Judicial de Arguidos Detidos e, sobretudo, em sede de Instrução quando e na medida em que a Acusadora avançou com factos que bem sabia não serem verdadeiros.
3.7 Acontece que, a Provocação ao Crime é muito mais que incutir o desígnio criminoso na mente do Suspeito/Visado, é também, e por vezes bem mais decisivo, o alimentar, fomentar e facilitar proactivamente a prática dos factos ao longo do iter criminalis.
3.8 No caso concreto, o Estado Português (em rigor o Ministério Público e a Polícia Judiciária) disponibilizou um avião (da TAP) para transportar a droga (151 Kg de cocaína), de Miami nos Estados Unidos para Lisboa, procedeu ao seu transbordo do avião para terra e levou-a de carro até à moradia que arrendou em ... para aí a guardar. Tudo à custa do erário público, isto é, dos impostos dos portugueses.
3.9 Com efeito, do único documento do processo encoberto levado à vista das Defesas dos Arguidos no processo descoberto que:
− A DEA esteve presente nas negociações de aquisição da cocaína na Colômbia, cuja quantidade variou entre 1 Tonelada e os 151 kg, acompanhando todo o processo de negociação e compra do início à sua conclusão;
− A DEA recebeu 151 kg de cocaína no dia 14 de Dezembro de 2020 na Colômbia;
− A DEA transportou os 151 kg de cocaína da Colômbia para Miami nos EUA;
− A DEA guardou os 151 kg de cocaína em Miami nos EUA;
− A DEA transportou, em voo da TAP, de Miami para Portugal os 151 Kg de cocaína no dia 21 de Janeiro de 2021;
− A DEA entregou à PJ os 151 Kg de cocaína no dia 21 de Janeiro de 2021;
− A PJ guardou nas suas instalações 151 kg de cocaína de 21 de Janeiro de 2021 até aos dias 20 de Abril de 2021 e 06 de Maio de 2021;
− A PJ no dia 20 de Abril de 2021 colocou no veículo dos Co-Arguidos do Recorrente AA 7 kg de cocaína, que retirou dos 151 kg que tinha guardado nas suas instalações, antes de os prender por esse facto; e,
− A PJ no dia 06 de Maio de 2021 (quase 4 meses depois de ter recibo essa droga) colocou no veículo Seat Ibiza, que havia solicitado ao Recorrente AA, 144 kg de cocaína, que era o remanescente dos 151 kg que tinha guardado nas suas instalações, antes de o prender por esse facto.
3.10 Esta é a dinâmica das factualidades encobertas e encenadas - a todo o custo - pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária que conheceram a luz do dia quase no final do Julgamento em 1.ª Instância.
3.11 Acresce, ainda a tudo isto, que o Agente Encoberto teve um comportamento completamente artificial uma vez que numa realidade do Tráfico de Produtos Estupefacientes (sobretudo naqueles tidos por mais pesados) determinada circunstância jamais aconteceria.
3.12 Com efeito, como esclareceu o Agente Encoberto “DD”, em sede de Audiência de Julgamento, foi acordado que o Recorrente teria de lhe entregar, a si Agente Encoberto, pelo menos €100.000,00 para este lhe dar os 144 kg de cocaína.
3.13 Num cenário real como V/Ex.ªs bem sabem - pois estamos a falar num crime de Tráfico de Estupefacientes de 144 Kg de cocaína em que, na falta de pagamento, não se pode ir para Tribunal ou denunciar o caso à polícia mais próxima e não raras vezes se resolvem com morte – o acordado tem de ser religiosamente cumprido no tempo e local próprio.
3.14 O que aconteceu então no caso concreto Colendos Conselheiros, foi tudo menos correspondente com a lógica da realidade duma actividade ilícita desta envergadura em que os intervenientes nem sequer tem qualquer relação de proximidade e/ou conhecimento.
3.15 O que aconteceu foi tudo artificial, baseado em autênticas facilidades e proactivas condescendências por parte do detentor da cocaína, no caso a Polícia Judiciaria.
3.16 Conforme esclareceu o Agente Encoberto “DD” afinal o suspeito (o Arguido Recorrente AA) não pagou nem sequer metade desse valor, bastou-se com menos de metade dessa quantia, foi para ele suficiente receber à troca de 144 (cento e quarenta e quatro) quilos de cocaína €39.500,00 (Trinta e nove mil e quinhentos euros).
3.17 O que faz pensar, também, que tratando-se de intervenientes experientes e batidos no mundo do Tráfico dos Produtos Estupefacientes, não estranhariam eles (na reflexão que se impunha ao detentor da cocaína, o Agente Encoberto) igualmente tais facilidades e descontracção no cumprimento daquilo que realmente interessa nesta actividade: isto é o dinheiro?!
3.18 Isto a bem de ver conduz-nos inapelavelmente à Provocação ao Crime, a uma circunstância em que o Suspeito é levado a prevaricar e, por conseguinte, nos termos do disposto no Artigo 126.º do Código de Processo Penal, outra consequência não poderá ter que a proibição da prova com todas as consequências legais daí advenientes.
3.19 No que respeita ao domínio funcional do facto, impõe-se dizer que, é indiscutível que o Produto Estupefaciente estava na posse, ininterrupta, das autoridades policiais (Polícia Judiciária) há vários meses.
3.20 Durante este período - cerca de 4 meses - ninguém tinha conhecimento da localização da cocaína, conforme esclareceu o Agente Encoberto.
3.21 Está bem claro que o Arguido Recorrente AA não teve qualquer intervenção - directa ou indirecta - até ao momento que as autoridades policiais guardaram a droga e até mesmo ao momento em que lhe colocaram as algemas, visto que nunca viu qualquer cocaína.
3.22 Não se diga que o Recorrente teve a posse da cocaína, ainda que por momentos (segundos), porque assim que entrou no veículo foi imediatamente abordado por alguns dos mais de vinte policias que se encontravam naquele local exíguo e fechado.
3.23 Foram as autoridades policiais quem entregaram a cocaína, que tinham guardado há mais de 4 meses numa vivenda arrendada na cidade de ..., ao Arguido Recorrente AA.
3.24 Cuja existência, resulta do processo descoberto e também do encoberto, era totalmente estranho aos Autos até chegar a Portugal 2 ou 3 dias antes de ser preso nesta fábula do Agente Encoberto.
3.25 Deter como acção típica implica, necessariamente, uma relação fáctica em que está co-envolvido um domínio efectivo e pacifico duma coisa.
3.26 Ora, foi precisamente essa chamada “posse pacífica” sobre a cocaína que nunca assistiu ao Arguido Recorrente AA que, em rigor, nunca deteve o Produto Estupefaciente, nem sequer o viu.
3.27 Tal como as coisas comprovadamente se passaram, o domínio, um domínio irrestrito e contínuo, esteve sempre nas mãos da Polícia Judiciaria e dos Agentes Encobertos, em termos tais que não se descortina qualquer conexão entre a conduta do Arguido Recorrente AA e o suposto perigo protegido pela incriminação.
3.28 Nem a título de idoneidade ou aptidão de perigo, nem aquela relação que, apesar de tudo, sempre terá de existir nos crimes de perigo abstracto, como condição da sua solvabilidade constitucional.
3.29 Tal circunstância coloca as condutas do Arguido Recorrente AA fora do regime da consumação ou mesmo da tentativa e outra conclusão não impõe que não seja a existência de uma exuberante Provocação e prática do Crime pelo Agente Encoberto.
3.30 O que implica que, bem ao invés do decidido pelo Tribunal da Relação de Évora em sede de Recurso, os factos com ressonância criminal praticados pelo Arguido Recorrente AA hajam sido praticados pela provocação do Agente Encoberto devendo, por conseguinte, este ser absolvido do Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes.
4. A Inexistência da Violação do Bem Jurídico “Saúde Pública”
4.1 Partindo do pressuposto, já acima mencionado, de a razão estar do lado do Arguido Recorrente AA, entende-se que o bem jurídico protegido pela incriminação da norma pela qual foi condenado pelo Tribunal de 1.ª Instância e pelo Tribunal da Relação de Évora não foi violado.
4.2 É incontornável o princípio segundo o qual não há Crime quando o bem jurídico não estiver comprovadamente em perigo.
4.3 Por conseguinte, como V/Ex.ªs melhor sabem não há Crime sem a, consequente, violação do Bem Jurídico que o preceito visa proteger.
4.4 Deve, pois e por isso mesmo, o Arguido Recorrente AA ser absolvido do Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes pelo qual foi condenado no Tribunal de 1.ª Instância e no Tribunal da Relação de Évora.
5. O Não Preenchimento dos Elementos Objectivos e Subjectivos do Crime de Tráfico de Estupefacientes e a Violação dos Princípios da Presunção da Inocência e In Dubio Pro Reo referente à Condenação do Recorrente pelo Crime de Tráfico de Estupefacientes
5.1 De tudo o que foi produzido em Julgamento em 1.ª Instância e de toda a Prova que consta dos Autos e cuja reapreciação foi efectuada pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora em sede de Recurso, verifica-se que não existe qualquer prova directa a ligar o Recorrente a nenhum dos factos com ressonância criminal considerados provados.
5.2 Não existe qualquer prova directa a ligar o Arguido Recorrente AA a nenhum dos factos com ressonância criminal considerados provados.
5.3 O Tribunal de 1.ª Instância e o Tribunal da Relação de Évora mais não fizeram que fundar as suas convicções, quanto ao juízo probatório, em elementos de prova encenada, indirecta ou indiciária, como seja a interpretação das Declarações do Agente Encoberto cujo teor nada lhe dizem respeito, conversas de terceiros que nada dizem respeito ao Recorrente, convicções de Testemunhas, designadamente, daquelas que defendem a investigação, Autos de Vigilância cujo teor está manifestamente deturpado não retractando a verdade do que efectivamente aconteceu e em alguns dos casos até são não genuínos, para não afirmar falsos.
5.4 No caso concreto, os factos que se mostram provados de forma directa, quer por prova documental, quer pelo depoimento de testemunhas, são os seguintes:
− Todos os factos que estavam descritos na Acusação demonstraram ser falsos;
− A DEA esteve presente nas negociações de aquisição da cocaína na Colômbia, cuja quantidade variou entre 1 Tonelada e os 151 kg, acompanhando todo o processo de negociação e compra do início à sua conclusão;
− A DEA recebeu 151 kg de cocaína no dia 14 de Dezembro de 2020 na Colômbia;
− A DEA transportou os 151 kg de cocaína da Colômbia para Miami nos EUA;
− A DEA guardou os 151 kg de cocaína em Miami nos EUA;
− A DEA transportou, em voo da TAP, de Miami para Portugal os 151 Kg de cocaína no dia 21 de Janeiro de 2021;
− A DEA entregou à PJ os 151 Kg de cocaína no dia 21 de Janeiro de 2021;
− A PJ guardou nas suas instalações 151 kg de cocaína de 21 de Janeiro de 2021 até aos dias 20 de Abril de 2021 e 06 de Maio de 2021;
− A PJ no dia 20 de Abril de 2021 colocou no veículo dos Co-Arguidos do Recorrente AA 7 kg de cocaína, que retirou dos 151 kg que tinha guardado nas suas instalações, antes de os prender por esse facto; e,
− A PJ no dia 06 de Maio de 2021 colocou no veículo Seat Ibiza, que havia solicitado ao Recorrente AA, 144 kg de cocaína, que era o remanescente dos 151 kg que tinha guardado nas suas instalações, antes de o prender por esse facto.
5.5 Deste modo, cabe perguntar se, fazendo a conjugação de todos estes elementos, plurais e alguns até concordantes, com as regras da lógica e da experiência comum, é possível concluir, de acordo com um raciocínio lógico-dedutivo que o Arguido Recorrente AA negociou, intermediou, adquiriu ou transaccionou, planeava transportar ou colaborar no transporte de qualquer produto estupefaciente, designadamente 144 Kg de cocaína, com o objectivo de obter quaisquer proveitos económicos ou de outra natureza e que, para essa finalidade, colaborou ou teve a colaboração de alguém que este desconhece por completo e não resulta demonstrado algum contacto ter tido.
5.6 Como é evidente, a resposta terá de ser negativa, não existe nenhuma regra da experiência ou da lógica que nos permita inferir dos alegados factos base (que se revelaram ser todos falsos) que o Recorrente intermediou/participou em negócios de aquisição/transporte de droga de indivíduos que nunca viu ou se relacionou ou tão-pouco falou.
5.7 Assim, forçoso é concluir que não existem quaisquer Provas nos Autos ou foram produzidas em Julgamento de 1.ª Instância que permitam condenar o Arguido Recorrente AA pelo Crime de Tráfico de Estupefacientes.
5.8 Mas ainda que assim não fosse, o que resulta dos Autos é que todo Produto Estupefaciente que surge negociado/ adquirido/ vendido/ comprado/ tentado transportar para a Europa (num período de tempo em que nem sequer era permitido circular nas estradas nacionais de forma plena ou transpor fronteiras terrestes) foi todo ele apreendido no decurso da Investigação, aliás nunca deixou de estar apreendido.
5.9 Este mesmo produto estupefaciente nunca esteve na disponibilidade dos Arguidos, esteve sempre controlado pela Polícia Judiciária, no caso do Arguido Recorrente AA protegido à vista por mais de vinte inspectores da polícia judiciaria, portanto, inexistiu qualquer perigo, mesmo que potencial, de disseminação desse produto estupefaciente.
5.10 Por conseguinte, a condenação do Recorrente pela prática do Crime de Tráfico de Estupefaciente em 1.ª Instância e pelo Tribunal da Relação de Évora viola o Principio da Presunção da Inocência - acolhido no N.º 2 do Artigo 32.º da Constituição da Republica Portuguesa, N.º 2 do Artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e N.º 1 do Artigo 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia - e o Principio do In Dubio Pro Reo, motivo pelo qual devem V/Ex.ªs declarar Nulo o Aresto Recorrido.
6. Da Medida Concreta da Pena
6.1 O Tribunal da Relação de Évora, no seu Douto entendimento, considerou que a Pena a aplicar ao Recorrente pela prática das factualidades que lhe foram dadas a apreciar e reapreciar deveria ser a mesma que lhe foi aplicada pelo Tribunal de 1.ª Instância, isto é, nove anos de prisão.
6.2 Ainda que a Prova produzida em julgamento, pelas razões já aduzidas, não permita consubstanciar o juízo de condenação formulado pelo Tribunal da Relação de Évora, ainda assim pronunciamo-nos por uma Pena mais reduzida a aplicar ao Arguido Recorrente AA.
6.3 Deste modo acredita-se que outra Pena, em concreto mais benévola, logo mais Justa, será a adequada a satisfazer as premissas de tutela que o caso concreto reivindica, não se frustrando a Justiça com isso, antes pelo contrário, será ela sem qualquer dúvida a sua grande vencedora!
6.4 Razão pela qual o Recorrente - não sendo por V/Ex.ªs absolvido do Crime pelo qual foi condenado pelo Tribunal da Relação de Évora - discorda da dosimetria da Pena que lhe foi aplicada, e pugna por outra mais adequada aos critérios de Justiça que o caso em concreto reclama, nomeadamente, uma Pena não muito afastada do limite mínimo desse Ilícito.
Em suma, nos presentes Autos, não só ficou cabalmente provado que o Arguido Recorrente AA não praticou o Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes em que foi condenado, como foi criada uma clara e razoável dúvida quanto a esses factos por que vinha acusado/pronunciado e em relação à sua Culpa no mesmo, pelo que deve ser absolvido daquele.
Nestes termos, nos melhores e demais de Direito que os Colendos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça suprirão, deve o presente Recurso do Arguido Recorrente AA obter Provimento e, em consequência, ser Revista a Decisão de Direito que sobre a mesma recaiu, conhecendo-se todas as questões suscitadas, no mesmo, com as legais consequências daí advenientes.
Ou, se assim não for, alterada a Medida da Pena aplicada ao Recorrente pela prática desse Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes para um quantum não muito afastado do limite mínimo estipulado para essa sanção.»
3. Respondeu o Ministério Público, dizendo que não se verifica qualquer omissão de pronúncia, que não ocorre violação dos princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo, que «em face dos factos assentes, é inequívoco que os mesmos integram os elementos típicos do crime pela prática do qual o arguido foi condenado na pena de 9 anos de prisão (crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, do D.L. n.º 15/93, após desqualificação do crime pelo qual vinha acusado/pronunciado, p. e p. pelo art. 24.º, als. c) e j), do D.L. n.º 15/93)», e, quanto à medida da pena, que:
«(…) como bem resulta da factualidade assente, as necessidades de prevenção geral são elevadas, atendendo à frequência com que crimes desta natureza vêm ocorrendo, com a elevada danosidade social consequente, agravadas pela concreta natureza do produto a introduzir no mercado – cocaína – um dos estupefacientes amplamente conhecido pelo seu poder aditivo e incluído nas chamadas "drogas duras, num contexto/quadro de tráfico internacional “criminalidade altamente organizada”, estando em causa exigências de segurança dos próprios Estados e dos seus cidadãos.
Quanto ao grau de ilicitude e da culpa, há ainda que considerar que o arguido não é um mero transportador ao qual foram disponibilizados meios, como estadias em hotéis, dinheiro para pagar passagens aéreas, para alugar veículos e fazer deslocações, que implicam um grau de autonomia considerável.
O mesmo deslocou-se a Lisboa para ir buscar pelo menos 40 mil euros, que se destinaram ao pagamento de parte do transporte e despesas com a entrega da cocaína, e que esta tinha um valor de mercado superior a 50 milhões de euros, de onde decorre de forma evidente que o mesmo assumia um papel fundamental na organização e no sucesso do “negócio”, sem prejuízo da possibilidade de o transporte para os locais de efetivo destino poder vir a contar depois com outros intervenientes mais frágeis, o que não seria lógico acontecer naquele momento em que era necessário receber e conferir o valioso produto.
Daí se concluir que o arguido atuou com dolo direto e com graus de ilicitude e culpa muito elevados.
No que concerne às necessidades de prevenção especial, importa ter presente que o arguido já foi condenado em pena de multa, por crime de injúria ou resistência a um representante de autoridade pública, nos Países Baixos; em pena de 18 meses de prisão, por infracção relacionada com drogas ou percursores, e outras infrações contra a saúde pública, nos Países Baixos; em pena de 21 meses de prisão, por infracção relacionada com drogas ou percursores, e outras infrações contra a saúde pública, nos Países Baixos; em pena de 2anos de prisão, por infracção relacionada com drogas ou percursores, e outras infrações contra a saúde pública, nos Países Baixos; em pena de multa, por crime de condução sob efeito do álcool e estupefacientes, nos Países Baixos; em pena de 10 anos de prisão por seis infracções cujos "nomen juris '' não constam do CRC, nos Países Baixos; em pena de 5 anos de prisão por furto nos Países Baixos; em pena de 24 meses de prisão, por infracção relacionada com drogas ou percursores, e outras infrações contra a saúde pública, nos Países Baixos; e em pena de 4 meses de prisão, por infracção relacionada com drogas ou percursores, e outras infrações contra a saúde pública, e uso de arma de fogo não autorizada, na Bélgica.
Assim, verifica-se que o arguido sofreu várias condenações, a maioria em penas de prisão e por crimes de igual natureza ao ora em causa neste processo.
O arguido não confessou os factos, no uso de um direito que lhe assiste, mas que o não pode favorecer, permitindo antes a conclusão de que não demonstrou qualquer arrependimento pelos factos em que foi condenado, não tendo interiorizado o desvalor da conduta.
Fazem-se, assim, igualmente sentir elevadas exigências de prevenção especial positiva.
Na verdade, as exigências de reprovação e prevenção geral do crime são reforçadas no que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes, tal a sua frequência, que levam a apontar como elevadas as preocupações no domínio da prevenção geral, pois que, de outra forma, gera-se um sentimento social de insegurança e permissividade perante tais condutas, bem como as de prevenção especial, para que o arguido seja dissuadido de praticar novos crimes e interiorize a censura desta sua conduta.
Não se esquece que a atividade do arguido tem de merecer punição consentânea com a dimensão que atualmente atinge o tráfico, e com a disseminação de produtos estupefacientes que tal atuação desencadeia.
Com efeito, no que concerne ao tráfico de estupefacientes são por demais conhecidas as necessidades de prevenção geral sentidas a nível mundial, em que "a questão da droga cristaliza os temores e as angústias deste fim de século"(Pierre Kopp).
Também a nível nacional “a droga é um dos mais importantes problemas com que, hoje em dia, as famílias portuguesas são confrontadas e que provoca fenómenos dramáticos de exclusão e de marginalização sociais, insegurança, conflitualidade, intolerância, em muitas áreas urbanas e rurais e que são sinais evidentes de uma doença de uma parte da nossa sociedade e que afeta gravemente a coesão nacional" (in Droga: Situação e Novas Estratégias, Lisboa, 1998, pág. 9).
Neste particular, acompanha-se integralmente o que se escreveu a propósito no Acórdão do STJ de 19/5/2005, disponível na internet: a cada vez maior frequência da verificação do tipo de ilícito cometido carece de elevado efeito de prevenção, reconhecido que está o seu contributo para a perturbação do próprio tecido social, para a degradação e destruição do Homem e para a lesão da saúde pública, além, ainda, dos desequilíbrios económicos que em geral provoca.
Sempre que um Estado enfraquece a sua reação contra condutas como a dos arguidos, logo aumenta a respetiva prática.
São fortes as exigências de prevenção geral de integração nos crimes de tráfico de estupefacientes.
A tal não se considerar, seria atentatório da necessidade estratégica de combate a este tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral.
Tal facto coloca uma responsabilidade acrescida quer na prevenção, quer na repressão de tal tipo de criminalidade, não podendo as instâncias jurisdicionais deixar de dar uma resposta claramente dissuasora de forma a evitar o tráfico de estupefacientes.
Os critérios de prevenção geral resultariam esvaziados a perfilhar o entendimento do recorrente, deixando a sociedade de crer na efetiva punição deste tipo de crimes, esvaziando quer o efeito socializador quer o efeito dissuasor das penas, pois as necessidades de prevenção geral positiva fazem-se sentir de forma intensa, cumprindo reforçar a validade das normas, crime que, suscitando acentuado alarme social, é praticado com frequência, intensidade e consequências gravosas.
Por outro lado, fazem-se ainda sentir elevadas exigências de prevenção especial positiva.
Os critérios de prevenção especial emitiriam um perigoso sinal ao arguido, em especial tendo presentes os seus antecedentes criminais e quando não se verifica demonstração de arrependimento e de postura crítica face à conduta, sem interiorização do respetivo desvalor, permitindo-lhe, ao invés de inverter o caminho percorrido, optar pela prática de crimes.
A pena tem de ser como tal sentida, e daí estarem incluídos na finalidade que a norma visa proteger e nos efeitos que com a condenação se pretendem atingir todos os incómodos decorrentes do cumprimento da mesma, sendo certo que tais consequências negativas têm de se mostrar balizadas por critérios de justiça, adequação e proporcionalidade, observados no caso.
Tudo ponderado, atentos os factos assentes, as necessidades de prevenção geral e especial enunciadas e a elevada quantidade e qualidade da droga apreendida, nada permite concluir no sentido preconizado pelo arguido, ora recorrente, no sentido de ser exacerbado o quantum da medida da pena que lhe foi aplicada.»
Nesta conformidade, conclui que deve ser negado provimento ao recurso.
4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer (transcrição), no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos:
“(…)
7.1. Da omissão de pronúncia (conclusão 2)
Diz o arguido que o acórdão recorrido padece de omissão de pronúncia porquanto «apresentou tempestivamente contestação onde contraditou cada um dos factos de que estava acusado (pronunciado) e, para suporte desse arrazoado, aduziu prova documental e testemunhal que não se descortina no teor do acórdão recorrido haver sido de que forma fosse crivada, analisada ou apurada judicialmente pelo tribunal de 1.ª instância» (conclusão 2.1)
Começaremos por dizer que este recurso, interposto ao abrigo dos arts. 432.º, n.º 1, al. b), e 400.º, n.º 1 al. f), do Código de Processo Penal, tem por objeto o acórdão do Tribunal da Relação de Évora e não o acórdão do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ....
A omissão de pronúncia está contemplada no art. 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal.
De acordo com este normativo, que é aplicável aos acórdãos proferidos em recurso por força do art. 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, a sentença é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Como observa o conselheiro Oliveira Mendes, a «nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe [que] o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP»1.
Acrescenta o mesmo autor que a falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide «sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão»2.
No caso em apreço, entre as questões suscitadas no recurso do acórdão do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ... encontrava-se a da omissão de pronúncia quanto à contestação apresentada pelo recorrente [2. (ii) supra].
Ora, o acórdão recorrido pronunciou-se de forma muito clara e explícita sobre tal questão (como, aliás, o próprio arguido reconhece – v. a conclusão 2.2.):
««Alega o recorrente AA que:
“(…) o Tribunal a quo, para lá do resumo inicial, não lhe destinou uma sequer linha do seu teor à Contestação apresentada pelo Recorrente AA ou tão pouco, diga-se a bem da verdade, de qualquer um dos seus Coarguidos.
3.5 Esta omissão de pronúncia relativamente aos factos que o Recorrente AA densificou e bem concretizou na sua Contestação vislumbra-se inadmissível por violação dos Princípios da Igualdade entre Defesa e Acusação e da Legalidade Processual.
3.6 Impunha-se que o Tribunal a quo, em face da Prova entranhada no Processo e da que se produziu em Julgamento, escrutinasse cada factualidade invocada pelo Recorrente na Contestação e aclarasse de modo explícito e directo as razões e/ou motivos pelos quais devia ou não considerar tais factos provados ou não provados.
3.7 Só assim o Recorrente AA poderia (ora) impugnar os factos aí dados como não provados, o que só por si, demonstra que o exercício do contraditório está exuberantemente coarctado por não haverem sido analisados as factualidades que arrazoou na Contestação que aduziu para Audiência de Julgamento junto do Tribunal a quo.
3.8 Nesta parte, e como tal, o Acórdão Recorrido viola o que se encontra preceituado nos Artigos 127.º, 374.º e 379.º do Código de Processo Penal e Artigo 32.º N.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, designadamente, na perspectiva de que não se mostra conforme à Constituição da República Portuguesa, sobretudo em atenção aos invocados preceitos, uma interpretação das mencionadas Normas Adjectivas Penais que consinta que o Acórdão ou Sentença Penal não se pronuncie criticamente acerca dos factos alegados pelo Arguido na Contestação que apresenta para Julgamento, razão pela qual está ferido de Nulidade e Inconstitucionalidade. Que ora se invoca e argui com as legais consequências daí advenientes. (…)”
Não lhe assiste, porém, razão.
O vício do acórdão sinalizado pelo recorrente, a verificar-se, consubstanciaria a nulidade legalmente prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP. Tal nulidade pressupõe que o tribunal se não tenha pronunciado sobre questões que deveria ter conhecido. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 374.º, n.º 2 do CPP, depois do relatório e antes do dispositivo a sentença penal deverá conter a fundamentação, na qual deverão enunciar-se, sob pena de nulidade, todos os factos considerados relevantes para a apreciação dos autos – retirados da acusa-ção, do pedido cível e da contestação e ainda os que resultarem da discussão da causa, conforme sobressai do teor do artigo 368.º do C.P.P. – integrando-os expressamente no elenco dos factos provados e não provados.
Apenas se concebe que o tribunal não inclua nos factos provados e não provados aqueles que, não obstante constarem da acusação, do pedido cível ou da contestação ou resultarem da discussão, se não revelarem relevantes para a boa decisão da causa ou os que assumirem natureza conclusiva, o que, no rigor, deverá assinalar-se na decisão. É o que se extrai do teor do artigo 368.º do C.P.P. (…)
Ora, como bem assinala o Ministério Público na resposta ao recurso apresentado pelo arguido AA, da norma transcrita decorre que não são quaisquer factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, que o tribunal deverá obrigatoriamente incluir no elenco dos factos provados e não provados constante da sentença, mas apenas os que são relevantes para a definição e preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime e do tipo de participação imputado ao agente, para a determinação da sua culpa, bem como os atinentes à determinação da sanção. Simetricamente, os factos que não servem os referidos propósitos, por se revelarem inócuos ou irrelevantes, bem como aqueles cuja relevância se mostra prejudicada por se substanciarem apenas em mera negação de outros já constantes do elenco dos factos provados, não deverão constar da enunciação dos factos não provados, o que, a suceder, sujeitaria a decisão à legítima crítica de falta de rigor jurídico. A prova de determinado facto acarreta o juízo implícito de não prova do seu contrário. O mesmo é dizer que se os factos alegados pela defesa representarem apenas a versão negativa dos factos provados, a referência expressa aos mesmos como factos não provados revelar-se-ia redundante, pelo que a não referência a tais factos negativos não acarreta qualquer nulidade.
Ora, na situação dos autos, lida a contestação apresentada pelo recorrente em 02.03.2022 constatamos que a mesma contém apenas a negação dos factos que lhe vinham imputados na acusação e que foram considerados provados no acórdão recorrido, sem que no seu texto se descortinem factos novos que, face ao objeto do processo, assumam relevância para a decisão da causa.
Pelo exposto se conclui não se verificar a nulidade do acórdão prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP arguida no recurso apresentado pelo arguido AA.»
Donde que o mesmo não padeça de omissão de pronúncia.
7.2. Da provocação e do domínio funcional dos factos pelo agente encoberto (conclusão 3)
Diz o arguido que «deitando um olhar para a acusação submetida a julgamento e comparando-a com o escasso expediente da acção encoberta junto ao processo é possível concluir – inequivocamente – pela falsidade de todas as imputações efectuadas ao recorrente AA (…) bem como da falsidade do depoimento da quase totalidade das testemunhas levadas a julgamento pela acusação e de grande parte dos autos e relatos vazados no processo» (conclusão 3.3), que foi a «exuberante provocação» do agente encoberto que o levou a prevaricar (conclusões 3.18 e 3.29), que apenas deteve a cocaína apreendida por «segundos» (conclusão 3.22) pois a mesma esteve à guarda das autoridades policiais desde vários meses antes de ter sido detido (conclusões 3.19, 3.23 e 3.27) e que, por esse motivo, deve ser absolvido (conclusão 3.30).
A questão foi colocada com os mesmos argumentos no recurso do acórdão do Juízo Central Criminal de ... (v. a respetiva conclusão 6 transcrita no acórdão recorrido).
De acordo com o art. 434.º do Código de Processo Penal, com ressalva do disposto art. 432.º, n.º 1, als. a) e c), o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito.
In casu, não estamos perante as hipóteses das als. a) [recurso de decisões das Relações proferidas em 1.ª instância, ou seja, de decisões proferidas em processos por crimes cometidos por juízes de direito e procuradores da República, em processos judiciais de extradição e em processos de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira – v. o art. 12.º, n.º 3, als. a), c) e d), do Código de Processo Penal] e c) [recurso direto ou per saltum de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos] do n.º 1 do art. 432.º do Código de Processo Penal.
Os poderes do Supremo Tribunal de Justiça encontram-se, por isso, circunscritos ao reexame da matéria de direito.
A limitação do recurso ao reexame da matéria de direito não impede que o Supremo conheça oficiosamente dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, se «constatar que a decisão recorrida, devido aos vícios que denota ao nível da matéria de facto, inviabiliza a correcta aplicação do direito ao caso»3.
Esses vícios devem, no entanto, resultar do texto da decisão, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, e não se confundem com «erros de julgamento da matéria de facto, nomeadamente de apreciação das provas, cujo conhecimento se encontra subtraído a este Tribunal»4, razões que comprometem a aproveitabilidade das alegações a respeito da «falsidade do depoimento da quase totalidade das testemunhas levadas a julgamento pela acusação e de grande parte dos autos e relatos vazados no processo».
«Fora disso, o Supremo Tribunal de Justiça tem de se conter dentro dos factos dados como provados no acórdão recorrido. Sedimentada a matéria de facto o STJ não tem poderes para, em nova reapreciação da matéria de facto, reverter a matéria de facto provada em não provada ou o inverso»5.
Avançando.
A figura do agente encoberto, introduzida no ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de dezembro (art. 52.º) e mantida no Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro (arts. 59.º e 59.º-A), encontra-se atualmente prevista na Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto.
Nos termos do art. 1.º, n.º 2, deste diploma, consideram-se ações encobertas aquelas que sejam desenvolvidas por funcionários de investigação criminal ou por terceiro atuando sob o controlo da Política Judiciária para prevenção ou repressão dos crimes indicados nesta lei, com ocultação da sua qualidade e identidade.
O art. 2.º, al. l), seguinte prevê que as ações encobertas são admissíveis no âmbito da prevenção e repressão, entre outros, de crimes relativos ao tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas.
A respeito dos limites da atuação do agente encoberto, o art. 6.º, n.º 1, dispõe que não é punível a conduta do agente encoberto que, no âmbito de uma ação encoberta, consubstancie a prática de atos preparatórios ou de execução de uma infração em qualquer forma de comparticipação diversa da instigação e da autoria mediata, sempre que guarde a devida proporcionalidade com a finalidade da mesma.
Deste normativo decorre que o agente encoberto não pode gerar uma intenção criminosa que ainda não exista.
Como explica o conselheiro António Henriques Gaspar, «pode considerar-se sedimentado o entendimento de que agente provocador é definido como o agente da autoridade policial ou um terceiro por esta controlado que dolosamente determina outrem à comissão de um crime, o qual não seria cometido sem a sua intervenção (…) como “aquele que induz outrem a delinquir com a finalidade de o fazer condenar”.
Já o agente infiltrado será o polícia ou terceiro por si comandado que se insinua nos meios em que se praticam crimes, com ocultação da sua qualidade, de modo a ganhar a confiança dos criminosos, com vista a obter informações e provas contra eles mas sem os determinar à prática de infrações.
A distinção encontra-se entre o provocar uma intenção criminosa que ainda não existia, das situações em que o sujeito já está decidido a delinquir e a atuação do infiltrado apenas acompanha ou, no limite, põe em marcha uma decisão previamente tomada.
Enquanto o agente infiltrado trabalha num meio em que os crimes já foram praticados, estão em execução ou na iminência de ocorrerem, o agente provocador incita, instiga outrem à prática do crime, torna-se autor mediato do crime.
(…) segundo a jurisprudência do STJ, enquanto o agente provocador fez nascer ou reforçar a resolução criminosa, a acção do agente infiltrado não suscitou a infracção, limitando-se a introduzir-se na organização com objectivo de descobrir e fazer punir o criminoso, não actuando, pois, para dar vida ao crime, mas com uma pretensão de descoberta, de revelação (…).
O STJ tem entendido que é necessário distinguir entre a criação de uma intenção criminal e a criação de uma oportunidade com vista à efectivação da realização de uma intenção criminal existente, importando distinguir os casos em que a acção do “agente infiltrado” cria, determina, uma intenção criminal até então inexistente dos casos em que o indivíduo já está implícita ou potencialmente disposto a cometer uma infracção, a praticar factos específicos de determinada natureza e características, e a acção do “agente infiltrado” se limita a pôr em marcha a intenção preexistente.»6.
Se se apurar que o agente encoberto/infiltrado atuou como agente provocador, a prova obtida é nula por ter sido utilizado meio enganoso, proibido por lei, já que afeta a liberdade de vontade e de decisão dos arguidos:
«XXII – (…) A intervenção do agente provocador em processo penal é rejeitada, de modo unânime, pela doutrina e pela jurisprudência nacionais, por consubstanciar um meio enganoso de obtenção de prova (e, como tal, proibido, à luz do disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 126.º do CPP, na modalidade de “perturbação da liberdade de vontade e de decisão através da utilização de meios enganosos”), ao passo que as acções encobertas são legalmente admissíveis, uma vez observadas as condições estabelecidas pela Lei 101/2001, de 25 de Agosto, que regula o regime jurídico das acções encobertas para fins de prevenção e de investigação criminal. (…)
XXIV – A jurisprudência do STJ tem vindo a entender, de modo pacífico, que o recurso à figura do agente(s) provocador(es) consubstancia um método proibido de obtenção de prova, na medida em que esta prova é obtida mediante meios enganosos, ou seja, em que os suspeitos (ou arguidos) da investigação criminal, de modo astucioso, são chamados a executar e a participar em actos ilícitos, resultantes da própria iniciativa do agente provocador, que se apresenta com uma identidade falsa ou fictícia e/ou que não deixa conhecer essa sua qualidade, com a finalidade de os incriminar e de recolher provas que atestem a sua culpabilidade em juízo»7.
Aplicando estas diretrizes ao caso dos autos facilmente se conclui que em momento algum foram ultrapassados os limites impostos à atuação do agente encoberto.
Vejamos.
De acordo com o que se apurou, foi a organização liderada por EE e FF que projetou a operação de entrega da cocaína em Portugal com vista à sua posterior exportação para outros países europeus (factos provados 1.1 e 1.9 a 1.12).
Esta organização estava sob a investigação da DEA norte-americana (facto provado 1.2).
A PJ, após solicitação da DEA (facto provado 1.2), decidiu instaurar uma ação encoberta na qual interveio um seu funcionário a quem foi dado o nome de código «DD» (factos provados 1.3 e 1.4).
EE contratou um infiltrado da DEA com o nome de código «GG» para efetuar o transporte da cocaína da Colômbia até ... (facto provado 1.5).
O «GG» entregou à DEA a cocaína recebida da organização chefiada por EE e FF (facto provado 1.6).
Em janeiro de 2021 a DEA, em cooperação com a PJ, reexpediu cerca de 151 quilogramas dessa cocaína para Lisboa (facto provado 1.7).
A cocaína foi entregue e ficou à guarda da PJ (facto provado 1.8).
Em 4 de fevereiro de 2021 o colaborador da DEA «GG» apresentou o agente «DD» a EE como sendo «a sua pessoa de confiança para o armazenamento e transporte da droga em Portugal» (facto provado 1.12).
Após a detenção de EE e de FF (facto provado 1.13), HH, filho daquele EE, apresentou-se perante o agente «DD» «em lugar do pai, para a concretização da operação em Portugal» (facto provado 1.14).
Foi este HH que em meados de abril de 2021 indicou ao agente «DD» que o arguido AA viria a Portugal receber a cocaína (factos provados 1.14 e 1.15).
O arguido AA aceitou vir a Portugal para receber e transportar para outros países europeus cerca de 144 quilogramas de cocaína a troco de uma compensação económica (factos provados 1.16, 1.17 e 1.51) segundo o plano traçado pela organização de EE e FF (facto provado 1.50).
No âmbito dessa atuação, entre 21 e 23 de abril de 2021 e entre 3 e 6 de maio de 2021, AA esteve em Portugal e reuniu-se com o agente «DD» com vista à entrega e pagamento dos 144 quilogramas de cocaína (factos provados 1.18 a 1.26).
Em 6 de maio de 2021, depois de a cocaína lhe ter sido entregue pelo agente «DD», o arguido AA foi abordado e detido pela PJ (factos provados 1.27 a 1.42).
Como se pode verificar, quando a PJ começou a colaborar com a DEA norte-americana já a organização liderada por EE e FF tinha planeado e iniciado a operação de exportação da cocaína para Europa. Por outro lado, nada (absolutamente nada) sugere que a PJ ou o agente «DD» tivessem recrutado ou induzido o arguido AA a transportar a droga. Foi HH (filho) que informou o agente «DD» que o arguido AA viria a Portugal receber e transportar a cocaína até aos mercados europeus a que se destinava. Finalmente, os atos de execução do crime de tráfico de estupefacientes praticados pelo agente «DD» (recebimento, armazenamento e entrega da cocaína ao arguido AA) são atos de coautoria permitidos pelo art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto, que corresponsabilizam o arguido8.
Não tendo ficado demonstrada a provocação, deve o recurso improceder também nesta parte.
7.3. Da não violação do bem jurídico (conclusão 4)
Diz o arguido que deve ser absolvido porquanto «o bem jurídico protegido pela incriminação (…) não foi violado» (conclusão 4.1.).
O art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, prevê e pune com pena de prisão de 4 a 12 anos a conduta de quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III.
Como escreve João Luís de Moraes Rocha, «[é] possível distinguir diversos bens jurídicos protegidos com a incriminação do tráfico de estupefacientes: a vida, a integridade física, a liberdade de determinação dos consumidores de estupefacientes … No entanto, todos eles podem ser englobados num bem abrangente: a saúde pública em geral.
Não requerendo que se verifique, em concreto, o dano na saúde de alguém, o crime – em razão do seu objecto formal ou jurídico – constitui um crime de perigo. E, crime de perigo comum porquanto a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos. É, ainda, crime de perigo abstracto pois não exige o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos com a incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos»9.
Na mesma linha referia o Tribunal Constitucional a propósito do crime de tráfico e actividades ilícitas do art. 23.º do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de dezembro, que «[a] qualificação do crime de tráfico de estupefacientes como crime de perigo pressupõe a identificação do bem jurídico tutelado pela respectiva norma incriminadora. Nesta matéria, é particularmente esclarecedor o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 430/83, ao citar um relatório da Organização das Nações Unidas:
A luta contra o abuso de drogas é antes de mais e sobretudo um combate contra a degradação e destruição de seres humanos. A toxicomania priva ainda a sociedade do contributo que os consumidores de drogas poderiam trazer à comunidade de que fazem parte. O custo social e económico do abuso das drogas é, pois, exorbitante, em particular se se atentar nos crimes e violências que origina e na erosão de valores que provoca.
Desta passagem – como, em geral, de todo o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 430/83 –, deduz-se que o escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia. Assim, o tráfico põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes; e, demais, afecta a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos.
Pode qualificar-se, pois, o tráfico de estupefacientes, em todas as modalidades de cometimento descritas no n.º 1 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 430/83 – de forma exaustiva, em observância do princípio da legalidade –, como um crime de perigo: o legislador não exige, para a respectiva consumação, a efectiva lesão dos bens jurídicos tutelados.
E trata-se, outrossim, de um crime de perigo comum, visto que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal — embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública.
Finalmente, o crime é de perigo abstracto, porque não pressupõe nem o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para causar um perigo para um desses bens jurídicos»10.
Neste caso o arguido comprou, recebeu, deteve ilicitamente e dispôs-se a transportar 144 quilogramas de cocaína, substância compreendida na tabela I-B anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
De iure constituto, esses atos, sendo suficientes para a consumação do crime, acarretam perigo para os bens jurídicos tutelados pela norma.
Como bem decidiu o Supremo Tribunal de Justiça numa situação com contornos similares aos dos autos, «sendo o crime de tráfico de droga um crime de perigo abstracto, na medida em que se não exige, de acordo com a construção do tipo legal, a verificação de um dano-violação, como é característico dos crimes de resultado, nem sequer um perigo-violação, como é norma nos crimes de perigo concreto, em que o perigo é elemento do tipo legal de crime, basta que a acção seja adequada a gerar esse perigo (…)
E, do ponto de vista legal, o simples cultivo, produção, preparação, transporte, trânsito, detenção da droga, etc. são actos adequados a gerar esse perigo, o que faz com que a acção típica ilícita se estruture como crime exaurido ou de empreendimento e de tutela antecipada, pois o tipo legal fica preenchido com a realização de qualquer dos actos nele previstos, muitos dos quais são meros actos de execução em relação ao resultado que se pretende prevenir.
Também se designa o referido crime de crime de trato sucessivo, querendo-se com isso significar que cada um dos actos previstos conducentes ao tráfico propriamente dito é punido como um único crime, quando o agente, em momentos sucessivos, adquire, detém, prepara, põe à venda, vende, cede a outrem, etc. produto estupefaciente.
(…)
Ora, os recorrentes praticaram actos qualificados como tráfico e, portanto, actos que consubstanciam o perigo típico em que se analisa o crime em causa. Não é a circunstância de na sua execução terem intervindo agentes encobertos que altera a criação desse perigo, pois, por um lado, como se disse, esses agentes também intervieram como se fossem co-autores, embora não puníveis, e, portanto, agindo no âmbito do perigo criado pela importação e transporte da droga, e, por outro lado, não se pode dizer que, pelo facto de eles terem intervido, o perigo estava controlado, porque, neste tipo de acções encobertas, há sempre o risco de elas se gorarem, estando o perigo típico sempre latente e correndo os próprios agentes encobertos vários riscos, incluindo o da própria vida.
Acresce que, a afinarmos o raciocínio por esse diapasão, também se poderia dizer que, apreendida uma determinada espécie de droga pela entidade policial (por exemplo, a um indivíduo que acabou de a adquirir para revenda) não houve a criação de perigo por parte desse indivíduo, pelo que o mesmo não poderia ser punido por esse facto ou teria de ser punido por tentativa, quando é certo que os actos preparatórios e de execução já são considerados pela lei como a consumação do crime.
Por conseguinte, esse ponto de vista – o de que os recorrentes não criaram perigo para a saúde pública – não é aceitável»11.
7.4. Da violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo (conclusão 5)
Diz o arguido que «de toda a prova que consta dos autos e cuja reapreciação foi efectuada pelo venerando Tribunal da Relação de Évora em sede de recurso, verifica-se que não existe qualquer prova directa a ligar o Recorrente a nenhum dos factos com ressonância criminal considerados provados» (conclusão 5.1.), que o «Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação de Évora mais não fizeram que fundar as suas convicções, quanto ao juízo probatório, em elementos de prova encenada, indirecta ou indiciária, como seja a interpretação das declarações do agente encoberto cujo teor nada lhe dizem respeito, conversas de terceiros que nada dizem respeito ao recorrente, convicções de testemunhas, designadamente, daquelas que defendem a investigação, autos de vigilância cujo teor está manifestamente deturpado não retratando a verdade do que efectivamente aconteceu e em alguns dos casos até são não genuínos, para não afirmar falsos (conclusão 5.3.), que «não existe nenhuma regra da experiência ou da lógica que nos permita inferir dos alegados factos base (que se revelaram ser todos falsos) que o Recorrente intermediou/participou em negócios de aquisição/transporte de droga de indivíduos que nunca viu ou se relacionou ou tão-pouco falou» (conclusão 5.6.), que «não existem quaisquer provas nos autos ou foram produzidas em julgamento de 1.ª instância que permitam condenar o arguido recorrente AA pelo crime de tráfico de estupefacientes» (conclusão 5.7.). que o estupefaciente apreendido «nunca esteve na disponibilidade dos Arguidos, esteve sempre controlado pela Polícia Judiciária» (conclusão 5.9.) e que a sua condenação viola os princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo (conclusão 5.10).
Tal como as anteriores, esta questão também já foi apresentada no recurso do acórdão do Juízo Central Criminal de ....
Nos termos do art. 32.º, n.º 2, da Constituição, todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
Uma das vertentes da presunção de inocência consiste no princípio in dubio pro reo que impõe que em caso de dúvida razoável sobre a valoração da prova se decida a matéria de facto no sentido que mais favorecer o arguido.
«A dúvida sobre a culpabilidade do acusado é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado o esforço processual para a superar. Em tal situação, o princípio político jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de ónus de prova a seu cargo baseado na prévia presunção da sua culpabilidade (…). Se a final da produção da prova permanecer alguma dúvida importante e séria sobre o ato externo e a culpabilidade do arguido impõe-se uma sentença absolutória»12.
Conforme previamente referido, «[n]os recursos para o Supremo, a matéria de facto é (…), como regra, um dado adquirido, cujo julgamento ficou esgotado pelas instâncias»13.
Funcionando como tribunal de revista, a violação do princípio in dubio pro reo só pode ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça «dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.°, n.º 2, do CPP, e só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção».14
Ora, do texto do acórdão recorrido, que reproduz e sanciona o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ..., não resulta minimamente que os factos assentes não estejam sustentados naquelas, sejam logicamente inverosímeis e que o tribunal, em suma, tivesse ficado (ou devesse ter ficado) com dúvidas acerca dos acontecimentos.
Conforme ali se conclui:
«ao contrário do propugnado pelo recorrente, a convicção probatória se encontra abundante e adequadamente fundamentada, da mesma ressaltando que ao tribunal não restaram quaisquer dúvidas quanto à prova dos factos que considerou provados, não se encontrando, pois, de forma alguma, vulnerados os princípios in dubio pro reo e da presunção de inocência, também invocados nesta parte do recurso apresentado pelo arguido AA.»
7.5. Da medida da pena (conclusão 6)
Bate-se, por fim, o arguido pela aplicação de uma pena «mais benévola» (conclusão 6.3.), «não muito afastada do limite mínimo» (conclusão 6.4.).
Em seu abono alega que (pág. 40 das motivações):
«(..)
- Tem 53 anos de idade;
- Não tem contra si quaisquer Processos pendentes em Portugal;
- É uma pessoa conscienciosa e moralmente irrepreensível;
- É empreendedor e trabalhador;
- É urbano no trato e comportamento;
- É uma pessoa de imensos afectos e imbrincadas relações sociais e familiares com os seus filhos, esposa, família, amigos e comunidade;
- Tem a esposa, filhos, família, amigos e comunidade, a quem descreveu tudo o que vem sofrendo com este Processo, dispostos a acolhê-lo e a ajudá-lo em tudo o que vier a necessitar; e,
- Ainda que nos últimos tempos tenha tido uma vivência sofrida, com problemas de saúde que se agravam de dia para dia no cárcere, é um individuo familiar e socialmente integrado e que, em termos futuros, tem um projecto profissional definido e sólido há muitos anos».
A sua pretensão, todavia, para além de assentar parcialmente em factos não provados (nomeadamente de que é «pessoa conscienciosa e moralmente irrepreensível», «urbano no trato e comportamento», «tem a esposa, filhos, família, amigos e comunidade (…) dispostos a acolhê-lo e a ajudá-lo em tudo o que vier a necessitar» e sofre de «problemas de saúde que se agravam de dia para dia no cárcere»), esbarra no elevado grau de culpa e de ilicitude dos factos, evidenciados na quantidade e natureza das substâncias estupefacientes envolvidas (144 quilogramas de cocaína), na dimensão internacional do tráfico (a cocaína que o arguido adquiriu provinha da Colômbia e tinha como destino o mercado europeu), nos fins ou motivos que determinaram o arguido (ganância económica), no dolo (direto e intenso), e nas acentuadas necessidades de prevenção geral que se fazem sentir no tráfico de estupefacientes, crime que integra a categoria de criminalidade altamente organizada (art. 1.º, al. m), do Código de Processo Penal), e nas não inferiores necessidades de prevenção especial (o arguido regista várias condenações em penas de prisão, nos Países Baixos e na Bélgica, cinco das quais pela prática de infrações relacionadas «com drogas ou percursores»).
Daí que a pena de 9 anos de prisão não mereça intervenção corretiva15 e deva ser confirmada.
7.6. Aqui chegados, acompanhando em tudo o mais as considerações vertidas no acórdão recorrido e na resposta do Sr. procurador-geral-adjunto no Tribunal da Relação de Évora, emite-se parecer no sentido da total improcedência do recurso.»
5. Notificado para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse.
6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso prosseguiu para julgamento em conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.
II. Fundamentação
7. O tribunal de 1.ª instância julgou provados os seguintes factos, mantidos inalterados no acórdão da Relação:
“1.1 Em data não concretamente apurada, mas, pelo menos, a 12/11/2020, a Drug Enforcemente Administration, DEA, comunicou à Polícia Judiciária, PJ, que uma organização criminosa transnacional de distribuição de Cocaína - liderada por EE, de nacionalidade Espanhola, e FF, de nacionalidade Colombiana, tinha planeado a entrega em ... daquele produto estupefaciente, em quantidade que era inicialmente de 500kg, e seria depois quase todo transportado para outros países da ...;
1.2 A DEA tinha sob investigação os referidos indivíduos e solicitou a colaboração da PJ para a entrega controlada dessa cocaína em Portugal;
1.3 Para acompanhar e efectuar essa entrega controlada para a DEA, a PJ decidiu instaurar a acção encoberta 688/20.6..., com início a 20/11/2020;
1.4 Na referida acção encoberta 688/20.6... teve intervenção um funcionário da PJ, encoberto, denominado agente DD;
1.5 Segundo informação da DEA à PJ o transporte dessa cocaína, desde a origem na Colômbia até Portugal foi contratado por EE, por via marítima, a um terceiro, encoberto, colaborador da DEA, denominado GG;
1.6 O GG recebeu a cocaína proveniente da Colômbia, mas entregou-a à DEA nos Estados Unidos da América, EUA.
1.7 Dessa cocaína, vieram, de Miami para Lisboa, apenas 151 pacotes, equivalentes a cerca de 151kgs., que chegaram a Portugal, em janeiro de 2021, num voo comercial da TAP, acompanhados por agentes da DEA e da PJ;
1.8 Os 151 pacotes contendo cocaína foram recebidos pela PJ e ficaram à sua guarda em instalações próprias.
1.9 Para a comercialização da cocaína e definição dos procedimentos a isso destinados, designadamente a sua passagem por Portugal e subsequente transporte para outros países na Europa, EE fez deslocações a território nacional.
1.10 Assim, no final do dia 12.10.2020, EE e FF, viajaram de avião, de Paris para Faro, permanecendo em território português cerca de nove horas, tendo regressado a Paris durante a manhã do dia seguinte.
1.11 Com igual objectivo e na concretização do planeado, EE deslocou-se a Portugal em Fevereiro de 2021, tendo ficado hospedado no "Hotel Eva Senses", em ..., de 4 para 5 de fevereiro de 2021, tendo depois seguido para Espanha.
1.12 Nessa ocasião, no dia 4 de fevereiro, teve lugar uma reunião em que o agente GG apresentou a EE o agente DD como a sua pessoa de confiança para o armazenamento e transporte da droga em Portugal;
1.13 Entretanto, segundo informação da DEA à PJ, a 21/2/2020, EE e FF, foram detidos, na Bélgica,
1.14 Em consequência dessas detenções e das restrições de deslocação internacionais, por encerramento de fronteiras, devido à Pandemia Covid-19, a operação de entrega controlada em Portugal sofreu atrasos e foi retomada em meados de Abril, quando HH (filho, com o nome de código “HH”) em comunicações encriptadas para o telemóvel do agente DD, se apresentou, em lugar do pai, para a concretização da operação em Portugal,
1.15 HH (filho) comunicou então ao agente DD o contacto da pessoa que viria a Portugal receber 144 pacotes de cocaína - AA – nome de código do arguido AA, sendo os restantes 7 pacotes para entrega a investidores portugueses.
1.16 AA aceitou vir a Portugal para aqui receber 144 pacotes de cocaína equivalentes a cerca de 144 kgs. de cocaína, e transportá-la numa viatura automóvel para outros países da Europa;
1.17 Em contrapartida, AA iria receber uma compensação económica, em valor não concretamente apurado;
1.18 No período compreendido entre os dias 21 e 23 de Abril de 2021, o arguido AA deslocou-se a Portugal, tendo ficado hospedado na unidade hoteleira E.. ......, em ..., e no dia 22 de Abril encontrou-se com o agente DD em ..., para receber a cocaína, que já se encontrava na posse da PJ;
1.19 Nesse dia o agente DD não lhe entregou a cocaína porque o arguido não tinha conseguido alugar uma viatura para fazer o transporte;
1.20 Após, no dia 3 de Maio de 2021, o arguido AA deslocou-se novamente a Portugal, onde se hospedou no Hotel E.. ......, em ..., tendo em vista receber e depois transportar a cocaína;
1.21 Nessa ocasião o arguido AA veio acompanhado por II.
1.22 Na execução do plano que traçou, o arguido AA alugou a 3/5/2021, o veículo de matrícula portuguesa ..-XH-.., de marca e modelo Seat lbiza e, a 4/5/2021, o veículo de matrícula portuguesa ..-XE-.., de marca e modelo Citroen Elysee;
1.23 No dia 4/5/2021 o agente DD não entregou a cocaína ao arguido AA porque este não tinha o dinheiro para lhe pagar a totalidade do transporte;
1.24 No dia seguinte, o arguido AA propôs ao agente DD entregar-lhe 40.000 euros para lhe ser entregue a cocaína, e o restante seria pago posteriormente;
1.25 Proposta de pagamento que o agente DD transmitiu à sua Chefia e foi aceite;
1.26 Nesse dia, 5 de Maio de 2021, o arguido AA deslocou-se a Lisboa, onde um outro indivíduo, de identidade não apurada, lhe entregou dinheiro para pagar o transporte da cocaína, em montante não concretamente apurado, mas de valor não inferior a 40.000,00 (quarenta mil) euros;
1.27 No dia 6 de Maio de 2021, pelas 8.30 horas, visando concretizar a operação de transporte de cocaína, seguindo o plano previamente combinado com o agente DD que lhe ia entregar o estupefaciente, o arguido AA, acompanhado de II, iniciou o dia em ..., de onde se deslocou para a cidade de ....
1.28 Fizeram-se transportar até aquela localidade no veículo Citroen acima referenciado, conduzido pelo arguido AA, seguindo II sentado no lugar ao lado do condutor;
1.29 Pelas 9.20 horas chegaram a ..., parqueando junto do Terminal de Autocarros ...;
1.30 Aí chegados, II apeou-se do veículo Citroen e dirigiu-se às traseiras do terminal rodoviário, onde acedeu ao interior do referido veículo Seat lbiza, que, previamente, ambos - o arguido AA e II - em momento não concretamente apurado, aí tinham deixado estacionado, iniciando a marcha em seguida;
1.31 Colocado em andamento o veículo Seat, II conduziu em direção à saída de ..., sendo seguido pelo veículo Citroen Elysee, este conduzido pelo arguido AA, vindo ambos a tomar a EN..., e, depois disso, um e outro, a estacionar junto do estabelecimento "B...... ...";
1.32 Pelas 10.10 horas, o arguido AA e II retomaram a marcha usando os mesmos veículos e seguiram até ..., vindo a parar no parque de estacionamento do hipermercado "Aldi", onde II estacionou o veículo Seat lbiza;
1.33 De seguida, o arguido AA encontrou-se com o agente DD no parque de estacionamento do hipermercado Lidl, de onde, foram, juntos e a pé, novamente para o parque do Aldi, até ao veículo Seat, onde o arguido AA entregou ao agente DD o Seat para ir carregá-lo com a cocaína, e lhe disse para, depois de carregado, o levar para o parque do Lidl e estacioná-lo em lugar que lhe indicara, onde já verificara que não havia câmaras de vídeo-vigilância;
1.34 Após, II juntou-se ao arguido AA e, juntos, pelas 10.30 horas, seguiram no veículo Citroen Elysee no sentido do centro de ...;
1.35 Enquanto isso, e conforme combinado antes com o arguido AA, o agente DD conduziu o Seat Ibiza a local seguro da PJ, onde se encontrava o estupefaciente, onde foram colocados na bagageira do automóvel 144 (cento e quarenta e quatro) blocos retangulares, contendo cada um deles, cerca de um quilo de cocaína,
1.36 Após, entre as 12.50h e as 13.00h o agente DD conduziu o veículo Seat lbiza, já carregado com a cocaína, até ao parque de estacionamento do hipermercado Lidl, situado na rua ..., em ..., local onde o arguido AA e II tinham estacionado o veículo Citroen em que se faziam transportar e já se encontravam à sua espera.
1.37 Após, o arguido AA saíu do veículo Citroen e encontrou-se com o agente DD, tendo ambos entrado no hipermercado, onde estiveram durante cerca de meia-hora, enquanto o arguido AA fazia compras;
1.38 Nessa ocasião, conforme, previamente, também tinha combinado com o agente DD, o arguido AA colocou no carrinho do supermercado um envelope com dinheiro para o pagamento, envelope que continha €39.500,00 (trinta e nove mil e quinhentos euros) que o agente DD retirou do carrinho e guardou consigo, saindo do local a pé;
1.39 Pelas 13:20 horas, o arguido AA saiu do referido hipermercado, passou junto do Citroen Elysee e seguiu até junto do veículo Seat lbiza, entrando para o lugar do condutor, bem ciente de que a cocaína já se encontrava no interior do veículo;
1.40 Quando se preparavam para sair daquele local, com o arguido AA a conduzir o veículo Seat e II a conduzir o Citroen Elysee, foram ambos abordados pela polícia;
1.41 No interior da bagageira do veículo Seat lbiza o arguido AA tinha consigo - 144 (cento e quarenta e quatro) blocos retangulares envoltos em papel celofane e plástico de cor preta, com diversas imagens e inscrições numa das faces, designadamente de "Puma", "Cruz Suástica", "Black B" e de "Veado", contendo no seu interior cocaína, com o peso, líquido de:- 92 870.534 gramas (93 embalagens), com o grau de pureza de 59.8%; - 49 350.967 gramas(49 embalagens), com o grau de pureza de 68.9%; - 1002.000 gramas (1 embalagem), com o grau de pureza de 68.6%; - 992.000 gramas (1 embalagem), com o grau de pureza de 63.5%;
1.42 A cocaína que se encontrava na posse do arguido AA tinha o peso total de 144.215,501 gramas;
1.43 Tal substância encontrava-se no interior de seis sacos de viagem;
1.44 O arguido AA tinha ainda na sua posse 2.670,00€ (dois mil seiscentos e setenta Euros) em numerário, 2 (dois) telemóveis, 1 (uma) factura em nome de JJ de um alojamento em ..., Apartments & Guesthouse (...), com referência a uma estadia para dois adultos, com check-in a 4/5/2021 e check-out a 6/5/2021, 1 (um) contrato de aluguer referente ao veículo Citroen Elysée (com data de aluguer no dia 04.05.2021 e data de devolução no dia 07.05.2021), um telemóvel marca Redmi 9C de cor azul, com os IMEI´s.............69 e .............67 com pin de desbloqueio ....77 e um telemóvel marca LG de cor cinzenta, com capa protectora transparente;
1.45 O arguido AA quis e conseguiu deter e transportar a cocaína da forma supra descrita. 1.46 O arguido AA bem conhecia a natureza e características estupefacientes do produto, cocaína, que detinha, e bem assim que, atentas as elevadas quantidades envolvidas, se destinava a ser disseminado e consumido por milhares de pessoas.
1.47 Com a venda da cocaína que foi apreendida os elementos da organização, angariariam proventos monetários muito elevados.
1.48 O preço de mercado de um grama de cocaína é de cerca de 35,00€ (trinta e cinco euros).
1.49 A referida cocaína apreendida tinha valor de mercado superior a 5 000 000,00€ (cinco milhões de euros).
1.50 O arguido AA deslocou-se a Portugal para execução daquele transporte segundo plano traçado pela organização de EE e FF.
1.51 O arguido AA quis levar à prática os factos ilícitos antes mencionados para dele retirar benefícios económicos não concretamente apurados;
1.52 O arguido AA agiu de forma livre, voluntariamente e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.
1.53 Em Janeiro de 2020 a DEA comunicou à PJ que dois clientes portugueses de EE – BB e KK – seriam os destinatários de sete pacotes de cocaína, equivalentes a 7 kgs.
1.54 No dia 18/1/2021, o agente DD encontrou-se com os arguidos BB e CC (irmão de KK) junto à estação de Caminhos de Ferro da CP de ..., para a entrega pelo agente DD de sete pacotes de cocaína equivalentes a cerca de 7 kgs. de cocaína;
1.55 A entrega não se concretizou porque os arguidos não tinham o dinheiro para o pagamento, e porque o estupefaciente ainda não se encontrava em ..., facto que os arguidos desconheciam;
1.56 No dia 13/04/2021, o arguido BB viajou até à zona de ... (...), onde ficou a pernoitar, e, em 15/04/2021, viajou até ..., onde se encontrou com o arguido CC, e com o agente DD para combinarem a entrega do estupefaciente e do pagamento.
1.57 Nessa reunião os arguidos BB e CC ainda não dispunham do dinheiro para o pagamento, pelo que comunicaram ao agente DD que a entrega dos sete pacotes de cocaína, equivalentes a cerca de 7 kgs. de cocaína, só teria lugar no dia 20 de Abril de 2021, na Rua ..., no parque de estacionamento do "M.........", em ..., mediante o pagamento da quantia de €79.900,00, sendo o pagamento restante a efectuar posteriormente;
1.58 Proposta de pagamento que o agente DD transmitiu à sua Chefia e foi aceite;
1.59 Assim, no dia 20 de Abril de 2021, pelas 18.00 horas, aqueles dois arguidos, fazendo-se transportar no veículo de matrícula ..-VP-.., dirigiram-se à referida Rua ..., junto ao M......... .. ........., onde estacionaram - o arguido CC sentado no lugar do condutor, e o arguido BB no lugar ao lado do condutor;
1.60 Aí, aguardaram a chegada do agente DD, que lhes iria fornecer a cocaína;
1.61 Pelas 18.05 horas, conforme tinham previamente combinado, os dois arguidos saíram do veículo ..-VP-.. onde já tinham colocado na bagageira a quantia de €79.900,00 e cederam a sua condução ao agente DD, entretanto ali chegado, para que este levasse o veículo e colocasse a cocaína no interior do mesmo;
1.62 Enquanto isso, os dois arguidos ficaram no local, apeados, a aguardar o regresso do veículo com a cocaína no seu interior;
1.63 Pelas 18.55 horas, o referido veículo já carregado com os sete pacotes de cocaína, e, de onde o agente DD já tinha retirado os €79,900,00, regressou àquele local, conduzido pelo agente DD, que parou o veículo na zona central do parque do M.........;
1.64 Nessa altura, os arguidos BB e CC aproximaram-se do veículo e, tendo o agente DD aberto a porta da bagageira, dirigiram-se todos à traseira do veículo, tendo os arguidos CC e BB confirmado a existência do saco com a cocaína na bagageira.
1.65 Logo em seguida, o agente DD afastou-se do local, apeado, altura em que os arguidos CC e BB entraram no veículo para abandonar o local.
1.66 Quando já tinham iniciado a marcha, pelas 19.00 horas, os arguidos foram abordados por elementos da Polícia Judiciária, que, designadamente, com o veículo em que seguiam, barraram a marcha ao veículo ..-VP-.. em que os arguidos seguiam.
1.67 Os arguidos BB e CC tinham no porta-bagagens do referido veículo um trolley de viagem de cor preta, em cujo interior se encontravam 7 (sete) "blocos retangulares" envoltos em papel celofane e plástico de cor preta, contendo no seu interior cocaína, com um peso bruto total aproximado de 7 630.000 gramas, com o peso líquido de 6 993.000 gramas, com o grau de pureza de 57.4%.
1.68 O arguido BB tinha também na sua posse 1(um) telemóvel marca Huawei, modelo AMN-LX9 de cor azul com IMEI..............39 e IMEI. .............37, com bateria, com bloqueio facial de ecrã, 1 (um) telemóvel marca Alcatel, modelo 5003D_EEA, com cartão da operadora MEO no interior, bateria e IMEIs.............90 e .............08, que se encontrava numa bolsa de tiracolo, e 60,00€ (sessenta euros) em três notas do BCE de valor facial de 20,00€ (vinte euros) na mesma bolsa.
1.69 O arguido CC tinha na sua posse – a viatura ligeira de passageiros da marca modelo/Citroen DS5, de cor branca, matrícula ..-VP-.., 1 (um) telemóvel de marca/modelo Apple/iphone 5S modelo A1457, cor prateada, com capa de silicone transparente IMEI .............62 contendo um cartão chip de cor laranja que se encontrava no interior da bagageira da viatura, 1 (um) telemóvel Samsung, de cor azul, IMEI ..............61/8 contendo um cartão MEO Moche com o numero ...........38, 1(um) telemóvel Samsung, de cor preta, com capa de silicone transparente IMEI...............10/0 e IMEI. ..............10/8 contendo um cartão da Vodafone sem números apostos, 1(um) hotspot da Vodafone Mobile wifi modelo R219Z, de cor branca com o IMEI ............37, com um cartão da Vodafone no interior com o numero ..........58, e 360,00€ (trezentos e sessenta euros) em cinco notas do BCE de valor facial de 50 euros, quatro notas do BCE de valor facial de 20 euros, uma nota do BCE de valor facial de 10 euros, e quatro notas do BCE de valor facial de 5 euros;
1.70 Os arguidos BB e CC agiram de comum acordo e em comunhão de esforços.
1.71 Os arguidos BB e CC bem conheciam a natureza e características estupefacientes do produto - cocaína - que detinham, e bem assim que, atenta a quantidade envolvida, se destinava a ser disseminado e consumido por milhares de pessoas.
1.72 Ambos os arguidos quiseram levar à prática os factos ilícitos antes mencionados para deles retirarem benefícios económicos.
1.73 Os arguidos actuaram sempre, nos moldes descritos, em comunhão de esforços e união de vontades, destinados à prática do crime de tráfico de estupefacientes, com a finalidade comum de obterem proventos económicos.
1.74 Agiram de comum acordo, livre, voluntariamente e conscientemente.
1.75 Bem sabiam que as descritas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
1.76 As quantias monetárias apreendidas aos arguidos AA, BB e CC serviam para fazerem face às despesas das viagens realizadas para a execução dos respectivos planos de actuação;
1.77 Os objectos apreendidos aos arguidos, designadamente, telemóveis, foram usados e/ou destinavam-se às actividades de tráfico de estupefacientes descritas.
1.78 O arguido AA foi detido no dia 6/5/2021 e sujeito a prisão preventiva a 7/5/2021 à ordem dos presentes autos.
1.79 O arguido BB foi detido no dia 20/4/2021 e sujeito a prisão preventiva a 21/4/2021 à ordem dos presentes autos.
1.80 O arguido CC foi detido no dia 20/4/2021 e sujeito a prisão preventiva a 21/4/2021 à ordem dos presentes autos.
1.81 A 28/6/2022, foi declarada a especial complexidade do processo em sede de audiência de julgamento.
1.82 Os arguidos não registam antecedentes criminais em Portugal;
1.83 O arguido AA já foi condenado:
- em pena de multa, por crime de injúria ou resistência a um representante de autoridade pública, nos Países Baixos;
- em pena de 18 meses de prisão, por infracção relacionada infrações contra a saúde pública, nos Países Baixos,
- em pena de 21 meses de prisão, por infracção relacionada infrações contra a saúde pública, nos Países Baixos,
- em pena de 2 anos de prisão, por infracção relacionada com drogas ou percursores, e outras
infrações contra a saúde pública, nos Países Baixos,
- em pena de multa, por crime de condução sob efeito do álcool e estupefacientes, nos Países Baixos;
- em pena de 10 anos de prisão por seis infracções cujos “nomen juris” não constam do CRC, nos Países Baixos;
- em pena de 5 anos de prisão por furto nos Países Baixos;
- em pena de 24 meses de prisão, por infracção relacionada com drogas ou percursores, e outras infrações contra a saúde pública, nos Países Baixos,
- em pena de 4 meses de prisão, por infracção relacionada com drogas ou percursores, e outras infrações contra a saúde pública, e uso de arma de fogo não autorizada, na Bélgica;
1.84 O arguido AA tem 53 anos, é natural de ..., país na zona leste de Africa … é o segundo de 3 filhos de um casal com média condição económica e social, sendo o pai trabalhador numa fábrica de produtos químicos e a mãe doméstica. Devido à guerra civil existente na altura o agregado viajou para a Europa em meados da década de 70, e fixou-se na cidade holandesa de ..., tendo o progenitor do arguido obtido colocação numa unidade fabril local o que permitiu à família manter um quadro económico estável. AA adquiriu a nacionalidade holandesa e frequentou o sistema de ensino até aos 17 anos, tendo chegado ao 7º ano de escolaridade. O arguido … não gostava de estudar pelo que não prosseguiu os estudos, cumprindo posteriormente o serviço militar obrigatório onde tirou a carta de condução de ligeiros e pesados. Depois de deixar o exército trabalhou cerca de 4/5 anos como motorista de pesados, seguindo-se… uma carreira profissional como disc-jockey em estabelecimentos de diversão na Holanda e Bélgica. A partir de 2012 dedicou-se aos negócios e tem desde então uma firma dedicada à reciclagem de roupa e aluguer de viaturas (V.. ... ......), o que lhe permite ter uma situação económica estável. No plano familiar AA … mantém contactos telefónicos com a progenitora e as duas irmãs, todas a viver na Holanda, bem como com LL, a mãe do seu filho mais novo, um bébe de 8 meses, a residir na zona de .... O pai do arguido já faleceu e AA … tem mais 4 filhos de outros relacionamentos, a morar na Bélgica e na Holanda. tendo o mais velho 25 anos. Antes de ser preso preventivamente em 07/05/2021 à ordem deste processo o arguido morava sozinho em casa arrendada na Bélgica, embora também tenha domicílio em ..., na Holanda. Relativamente a antecedentes criminais/prisionais… Desde que ingressou no sistema prisional… o arguido teve apoio do Consulado da Holanda e tem mantido uma conduta institucional adequada, sem registo de sanções disciplinares, ocupando-se em atividades lúdicas e na leitura.
1.85 [factos relativos ao arguido BB]
1.86 [factos relativos ao arguido CC]».
Âmbito e objeto do recurso
8. O recurso, circunscrito a matéria de direito (artigo 434.º do CPP), tem, pois, por objeto um acórdão da Relação proferido em recurso, que confirmou a decisão de 1.ª instância de aplicação de uma pena superior a 8 anos de prisão, recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça [artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP].
O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).
9. Como tem sido repetidamente afirmado (por todos, os acórdãos de 2.10.2024, Proc. n.º 314/22.9JALRA.C1.S1, e de 21.02.2024, Proc. 424/21.0PLSNT.S1.L1.S1, remetendo para o acórdão de 02-10-2019, Proc. 3622/17.7JAPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt, com abundante citação de jurisprudência), o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é um segundo recurso do acórdão da 1.ª instância, mas um recurso do acórdão da Relação que conheceu daquele recurso.
Os recursos não servem para conhecer de novo da causa; constituem meios processuais destinados a garantir o direito de reapreciação de uma decisão de um tribunal por um tribunal superior, havendo que, na sua disciplina, distinguir dimensões diversas, relacionadas com o fundamento do recurso, com o objeto do conhecimento do recurso e com os poderes processuais do tribunal de recurso, a considerar conjuntamente (assim, o citado acórdão de 2.10.2024 e os acórdãos de 15.02.2023, Proc. n.º 1964/21.6JAPRT.P1.S1, e de 26.06.2019, proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, e jurisprudência e doutrina neles citada, em www.dgsi.pt).
Neste pressuposto se aprecia o presente recurso, entendendo-se os argumentos do recorrente como dirigidos ao acórdão da Relação, na medida em que se compreendam no seu âmbito e objeto, da competência do Supremo Tribunal de Justiça.
10. O recorrente coloca em recurso as seguintes questões:
a. Omissão de pronúncia «no Acórdão Recorrido quanto à Contestação apresentada pelo Recorrente para julgamento» (conclusões 1 e 2);
b. «Existência da Provocação ao Crime e Domínio Funcional do Facto pelo Agente Encoberto e seu Colaborador» (conclusões 1 e 3);
c. «Inexistência da Violação do Bem Jurídico “Saúde Pública”» (conclusões 1 e 4);
d. «Não Preenchimento dos Elementos Objectivos e Subjectivos do Crime de Tráfico de Estupefacientes e violação dos Princípios da Presunção da Inocência e In Dubio Pro Reo referente à Condenação do Recorrente pelo Crime de Tráfico de Estupefacientes» (conclusões 1 e 5); e,
e. «exacerbado quantum da Medida da Pena aplicada ao Recorrente» (conclusões 1 e 6).
Quanto à omissão de pronúncia sobre a contestação [10. a)]
11. Consta do acórdão recorrido que o recorrente AA arguiu, perante o Tribunal da Relação, a nulidade do acórdão da 1.ª instância, dizendo o seguinte:
«“(…) o Tribunal a quo, para lá do resumo inicial, não lhe destinou uma sequer linha do seu teor à Contestação apresentada pelo Recorrente AA ou tão pouco, diga-se a bem da verdade, de qualquer um dos seus Co-Arguidos.
3.5 Esta omissão de pronúncia relativamente aos factos que o Recorrente AA densificou e bem concretizou na sua Contestação vislumbra-se inadmissível por violação dos Princípios da Igualdade entre Defesa e Acusação e da Legalidade Processual.
3.6 Impunha-se que o Tribunal a quo, em face da Prova entranhada no Processo e da que se produziu em Julgamento, escrutinasse cada factualidade invocada pelo Recorrente na Contestação e aclarasse de modo explícito e directo as razões e/ou motivos pelos quais devia ou não considerar tais factos provados ou não provados.
3.7 Só assim o Recorrente AA poderia (ora) impugnar os factos aí dados como não provados, o que só por si, demonstra que o exercício do contraditório está exuberantemente coarctado por não haverem sido analisados as factualidades que arrazoou na Contestação que aduziu para Audiência de Julgamento junto do Tribunal a quo.
3.8 Nesta parte, e como tal, o Acórdão Recorrido viola o que se encontra preceituado nos Artigos 127.º, 374.º e 379.º do Código de Processo Penal e Artigo 32.º N.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, designadamente, na perspectiva de que não se mostra conforme à Constituição da República Portuguesa, sobretudo em atenção aos invocados preceitos, uma interpretação das mencionadas Normas Adjectivas Penais que consinta que o Acórdão ou Sentença Penal não se pronuncie criticamente acerca dos factos alegados pelo Arguido na Contestação que apresenta para Julgamento, razão pela qual está ferido de Nulidade e Inconstitucionalidade. Que ora se invoca e argui com as legais consequências daí advenientes. (…)”
12. O Tribunal da Relação pronunciou-se sobre esta arguição nos seguintes termos:
«Não lhe assiste, porém, razão.
O vício do acórdão sinalizado pelo recorrente, a verificar-se, consubstanciaria a nulidade legalmente prevista no artigo 379º, n.º 1, alínea c) do CPP. Tal nulidade pressupõe que o tribunal se não tenha pronunciado sobre questões que deveria ter conhecido. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 374º, nº 2 do CPP, depois do relatório e antes do dispositivo a sentença penal deverá conter a fundamentação, na qual deverão enunciar-se, sob pena de nulidade, todos os factos considerados relevantes para a apreciação dos autos – retirados da acusação, do pedido cível e da contestação e ainda os que resultarem da discussão da causa, conforme sobressai do teor do artigo 368.º do C.P.P. – integrando-os expressamente no elenco dos factos provados e não provados.
Apenas se concebe que o tribunal não inclua nos factos provados e não provados aqueles que, não obstante constarem da acusação, do pedido cível ou da contestação ou resultarem da discussão, se não revelarem relevantes para a boa decisão da causa ou os que assumirem natureza conclusiva, o que, no rigor, deverá assinalar-se na decisão. É o que se extrai do teor do artigo 368.º do C.P.P., que, dispondo sobre a deliberação que é realizada após o encerramento da discussão, estabelece:
“Artigo 368.º Questão da culpabilidade
1 - O tribunal começa por decidir separadamente as questões prévias ou incidentais sobre as quais ainda não tiver recaído decisão.
2 - Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber:
a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime; b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou;
c) Se o arguido actuou com culpa;
d) Se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa;
e) Se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente ou a aplicação a este de uma medida de segurança;
f) Se se verificaram os pressupostos de que depende o arbitramento da indemnização civil.
3 - Em seguida, o presidente enumera discriminadamente e submete a deliberação e votação todas as questões de direito suscitadas pelos factos referidos no número anterior.”
Ora, como bem assinala o Ministério Público na resposta ao recurso apresentado pelo arguido AA, da norma transcrita decorre que não são quaisquer factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, que o tribunal deverá obrigatoriamente incluir no elenco dos factos provados e não provados constante da sentença, mas apenas os que são relevantes para a definição e preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime e do tipo de participação imputado ao agente, para a determinação da sua culpa, bem como os atinentes à determinação da sanção.
Simetricamente, os factos que não servem os referidos propósitos, por se revelarem inócuos ou irrelevantes, bem como aqueles cuja relevância se mostra prejudicada por se substanciarem apenas em mera negação de outros já constantes do elenco dos factos provados, não deverão constar da enunciação dos factos não provados, o que, a suceder, sujeitaria a decisão à legítima crítica de falta de rigor jurídico. A prova de determinado facto acarreta o juízo implícito de não prova do seu contrário. O mesmo é dizer que se os factos alegados pela defesa representarem apenas a versão negativa dos factos provados, a referência expressa aos mesmos como factos não provados revelar-se-ia redundante, pelo que a não referência a tais factos negativos não acarreta qualquer nulidade.
Ora, na situação dos autos, lida a contestação apresentada pelo recorrente em 02.03.2022 constatamos que a mesma contém apenas a negação dos factos que lhe vinham imputados na acusação e que foram considerados provados no acórdão recorrido, sem que no seu texto se descortinem factos novos que, face ao objeto do processo, assumam relevância para a decisão da causa
Pelo exposto se conclui não se verificar a nulidade do acórdão prevista no artigo 379º, n.º 1, alínea c) do CPP arguida no recurso apresentado pelo arguido AA.»
13. No essencial, o recorrente alega agora (ponto 2.16 das conclusões, que, em substância, corresponde ao ponto 3.8 das conclusões da motivação do recurso perante a Relação – supra, 11) que o acórdão recorrido «ao pronunciar-se na perspectiva em que o fez sobre esta questão levantada no Recurso viola o que se encontra preceituado nos Artigos 127.º, 368.º, 374.º e 379.º do Código de Processo Penal e Artigo 32.º N.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, designadamente, na perspectiva de que não se mostra conforme à Constituição da República Portuguesa, sobretudo em atenção aos invocados preceitos, uma interpretação das mencionadas Normas Adjectivas Penais que consinta que o Acórdão ou Sentença Penal não se pronuncie criticamente acerca dos factos alegados pelo Arguido na Contestação que apresenta para Julgamento, razão pela qual está ferido de Nulidade e Inconstitucionalidade.»
14. O que se evidencia é, pois, uma divergência do recorrente relativamente ao decidido no acórdão da Relação (acórdão recorrido) quanto à então alegada nulidade do acórdão da 1.ª instância no respeitante à apreciação das provas e ao julgamento da matéria de facto, cujo conhecimento, esgotando-se na competência do tribunal da relação (artigo 428.º do CPP), não se compreende no âmbito dos poderes de conhecimento deste Supremo Tribunal de Justiça que, como se disse, apenas conhece de direito, sem prejuízo do conhecimento de vícios e nulidades, nos termos anteriormente referidos (supra, 8).
Não vem invocada qualquer nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia sobre questão colocada em recurso perante a Relação. A pretensa nulidade, cuja arguição o recorrente agora repete, remete para a decisão da 1.ª instância, que, como se viu, foi validamente apreciada pelo tribunal recorrido no acórdão que o recorrente agora pretende colocar em crise.
Como salienta o Senhor Procurador-Geral Adjunto em seu parecer (supra, 4), na linha de jurisprudência consolidada, a falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide «sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão».
No caso, não subsiste questão que devesse ser apreciada, pelo que, a este propósito, não é o acórdão recorrido passível de qualquer censura.
Para além disso, não se manifesta qualquer inconstitucionalidade normativa que também deva ser apreciada [artigo 70.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro]. Além de não se verificar a invocada nulidade por omissão de pronúncia, não ocorreu a aplicação de qualquer norma processual em interpretação desconforme à Constituição.
Improcede, assim, a arguição da «nulidade e inconstitucionalidade» do acórdão recorrido
Quanto à «provocação» e «domínio funcional do facto» pelo agente encoberto [10. b)]
15. A questão da provocação pelo agente encoberto foi suscitada no recurso perante a Relação em termos idênticos aos que agora o recorrente formula.
As conclusões do recurso reproduzem, nesta parte (pontos 3.1 a 3.30), com ligeiras alterações de redação, designadamente nos pontos 3.14, 3.20, 3.23, 3.27 e 3.28, o que consta das conclusões do recurso para a Relação (pontos 6.1 a 6.34).
16. O acórdão da Relação apreciou e decidiu a questão nos seguintes termos:
«Consideram ainda os arguidos recorrentes que o acórdão recorrido enferma do vício de nulidade em virtude de ter valorado provas nulas. Para tanto, alegam nas conclusões dos recursos, que o agente infiltrado, que atuou no âmbito da ação encoberta, agiu como instigador, ou seja, como agente provocador, tendo determinado ou, pelo menos, tendo condicionado a formação da resolução criminosa, o que, a ter-se verificado, se traduziria num método proibido de prova, nos termos previstos no artigo 126.º do CPP.
Não acompanhamos, de todo, tal argumentação e consideramos absolutamente insustentada e imerecida a crítica feroz que a mesma contém relativamente à valoração probatória realizada pelo tribunal recorrido.16. Vejamos.
Para conhecimento da nulidade invocada pelos recorrentes, que agora constitui o objeto da nossa análise, revela-se útil convocar as normas legais que regulam a legalidade das provas, os métodos proibidos de prova, e, consequentemente, as provas nulas, culminando no conhecimento, em particular, da nulidade decorrente da valoração como meios de prova dos que foram obtidos através dos expedientes desenvolvidos no âmbito da ação encoberta autorizada nos autos, designadamente através da atuação do agentes infiltrados.
Como é sabido, a admissibilidade das provas deverá conformar-se, nos termos gerais, com o disposto nos artigos 125º e 126º do CPP e, no plano constitucional, com o preceituado pelo artigo 32º, nº 8 da CRP, que estabelecem da seguinte forma:
“Artigo 125.º
Legalidade da prova
São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.
Artigo 126.º
Métodos proibidos de prova
1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:
a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;
b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação; c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;
e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.
3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular.
4 - Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo.”
Artigo 32.º
(Garantias de processo criminal)
(…) 8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.”
Nas alegações e conclusões do recurso, os arguidos põem em causa a validade da ação sustentando que a mesma ocorreu com desrespeito dos procedimentos legais previstos no Decreto-Lei n.º 101/2001 de 25 de agosto, invocando concretamente que não se encontra junto autos o despacho de autorização da mesma (recurso do arguido CC) e que o agente encoberto funcionou como agente provocador, em violação da regulamentação prevista no citado diploma legal.
Mas não têm razão.
A atuação dos agentes encobertos encontra-se regulada nos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei n.º 101/2001 de 25 de agosto – diploma que consagra o regime jurídico das ações encobertas para fins de prevenção e investigação criminal – nos seguintes termos:
“Artigo 5.º
Identidade fictícia
1 - Para o efeito do n.º 2 do artigo 1.º, os agentes da polícia criminal podem actuar sob identidade fictícia.
2 - A identidade fictícia é atribuída por despacho do Ministro da Justiça, mediante proposta do director nacional da Polícia Judiciária.
3 - A identidade referida no número anterior é válida por um período de seis meses prorrogáveis por períodos de igual duração, ficando o funcionário de investigação criminal a quem a mesma for atribuída autorizado a, durante aquele período, actuar sob a identidade fictícia, quer no exercício da concreta investigação quer genericamente em todas as circunstâncias do tráfico jurídico e social.
4 - O despacho que atribui a identidade fictícia é classificado de secreto e deve incluir a referência à verdadeira identidade do agente encoberto.
5 - Compete à Polícia Judiciária gerir e promover a actualização das identidade fictícias outorgadas nos termos dos números anteriores.
Artigo 6.º
Isenção de responsabilidade
1 - Não é punível a conduta do agente encoberto que, no âmbito de uma acção encoberta, consubstancie a prática de actos preparatórios ou de execução de uma infracção em qualquer forma de comparticipação diversa da instigação e da autoria mediata, sempre que guarde a devida proporcionalidade com a finalidade da mesma.
2 - Se for instaurado procedimento criminal por acto ou actos praticados ao abrigo do disposto na presente lei, a autoridade judiciária competente deve, logo que tenha conhecimento de tal facto, requerer informação à autoridade judiciária que emitiu a autorização a que se refere o n.º 3 do artigo 3.º.”
A análise das questões colocadas nos recursos a respeito da atuação dos agentes encobertos demanda a clarificação e distinção em termos jurídico-legais das figuras do agente provocador e do agente infiltrado.
A jurisprudência e a doutrina têm vindo a convergir no sentido de estabelecer como elemento diferenciador das duas categorias a circunstância de a ação dos agentes encobertos ser ou não determinante para a comissão do ato delituoso por parte do agente criminoso, elegendo-se como traço distintivo a passividade do agente infiltrado ou encoberto no que diz respeito à formação da vontade criminosa, contrastando tal passividade com a iniciativa criminosa do agente provocador.
Assim, estaremos perante um agente provocador nas situações em que o agente, através da sua conduta e a coberto do seu disfarce, determina outrem a praticar um crime. Por seu turno o agente infiltrado, ocultando igualmente a sua verdadeira identidade e intenções e atuando no âmbito uma investigação, insere-se num determinado meio criminal, com o propósito de ganhar a confiança dos suspeitos e de, na base dessa confiança, reunir dados incriminatórios sobre os mesmos. Pese embora, se necessário, possa praticar atos de execução de acordo com o seu plano, o agente infiltrado não assume o papel de instigador, pois que não determina os suspeitos ao cometimento de qualquer infração, existindo a vontade criminosa anteriormente à ação do agente.17
Ora, se no quadro normativo vigente, a atuação do agente provocador, por merecer censura ético-jurídica, é considerada ilegítima, constituindo um método proibido de prova por se incluir nos “meios enganosos” a que se refere a al. a) do n.º 2 do artigo 126º do C.P.P., o agente infiltrado é aceite por se traduzir numa arma importante e eficaz na luta contra formas de crime cada vez mais violentas e altamente organizadas, ajudando a fazer face aos desafios que as polícias de todo o mundo enfrentam no combate às organizações criminosas fechadas e com elevado poder económico, muitas vezes associadas ao tráfico de grandes quantidades de dro ga e que acarretam maiores dificuldades ao nível da sua investigação e repressão. A nível legislativo interno, a figura do agente infiltrado foi consagrada no Decreto-Lei nº 101/2001 de 25 de agosto, acima referido.
E o que dizer da atuação do agente infiltrado na situação dos autos?
Na senda do que a tal propósito se consignou, quer no acórdão condenatório, quer nas respostas as recursos apresentadas pelo Ministério Público, nenhuma dúvida temos em considerar respeitados os limites fixados pela Lei 101/2001 de 25.08 no que tange à atuação do agente que, no âmbito da ação encoberta autorizada no processo, agiu na qualidade de agente encoberto. Com efeito, importando distinguir entre a criação de uma oportunidade com vista à realização de uma intenção criminosa e a criação dessa mesma intenção, os factos considerados provados demonstram à saciedade que na situação que nos ocupa o agente infiltrado se limitou a proporcionar os meios e a criar as oportunidades para que a intenção criminosa previamente formada se concretizasse. Entre os referidos meios e oportunidades se inclui o transporte da droga e a aceitação de um valor inferior ao previamente acordado, por forma a facilitar a transação, nenhuma razão assistindo aos recorrentes quando referem que tais circunstâncias se revelaram determinantes para a formação da vontade criminosa. Ao contrário do propugnado nos recursos, tal vontade há muito que se encontrava formada. Não havendo dúvida de que os recorrentes foram levados ao engano pelo agente encoberto, nada na factualidade provada permite concluir ter sido aquele quem criou nos primeiros a vontade de traficar droga. O que se apurou, de outra sorte, foi que os arguidos atuaram de acordo com as vontades que prévia e livremente haviam formado, tendo sido vítimas das suas próprias escolhas.
Aliás, as questões concretamente colocadas a este propósito nos recursos apresentados pelos arguidos encontram resposta antecipada na fundamentação constante do acórdão condenatório – que a uma ampla explanação teórica sobre o tema da ação encoberta e dos agentes infiltrados e provocadores, fez seguir a subsunção do caso concreto às normas e princípios aplicáveis –à qual os recorrentes optaram por não aludir e muito menos rebater. Atentemos nos seus termos:
“(…) Sobre as acções encobertas dispõe a Lei 101/2001 de 25/8, que estabeleceu o regime jurídico das acções encobertas para fins de prevenção e investigação criminal,
no art. 1.º/2, que “consideram-se acções encobertas aquelas que sejam desenvolvidas por funcionários de investigação criminal ou por terceiro actuando sob o controlo da Polícia Judiciária para prevenção ou repressão dos crimes indicados nesta lei, com ocultação da sua qualidade e identidade”,
no art. 2.º-j), que, entre os crimes indicados na referida Lei, figuram os “relativos ao tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas”, e,
no art. 3.º, sobre os requisitos das acções encobertas, que
“as acções encobertas devem ser adequadas aos fins de prevenção e repressão criminais identificados em concreto, nomeadamente, a descoberta de material probatório, e proporcionais quer àquelas finalidades quer à gravidade do crime em investigação”,
e, por último, no art. 6.º/1, sobre a isenção de responsabilidade dos agentes encobertos, que,
“Não é punível a conduta do agente encoberto que, no âmbito de uma acção encoberta, consubstancie a prática de actos preparatórios ou de execução de uma infracção em qualquer forma de comparticipação diversa da instigação e da autoria imediata, sempre que guarde a devida proporcionalidade com a finalidade da mesma”.
Da articulação das transcritas disposições legais tem de concluir-se
- que o ordenamento jurídico-penal português admite a existência de acções encobertas desde que sejam respeitadas as condições nelas estabelecidas (arts. 1º, 2º e 3º), e,
- que os agentes encobertos que nelas participem podem praticar actos preparatórios ou de execução de uma infracção em qualquer forma de comparticipação, ficando isentos de responsabilidade criminal, excepto se agirem como autores mediatos ou instigadores (art. 6º),
pelo que, os actos de co-autoria ou de cumplicidade são aceitáveis.
Como refere Isabel Oneto, em “O Agente Infiltrado - Contributo para a compreensão do regime jurídico das acções encobertas”, Coimbra Editora, 2005, a págs. 141, 150 - «São contudo a co-autoria e a cumplicidade as formas de comparticipação que a conduta do agente infiltrado mais frequentemente pode assumir, quer no âmbito das light cover, quer nas modalidades que consubstanciam as operações deep cover.»
Ainda, Citando Isabel Oneto, quanto à clarificação do conceito do agente encoberto versus agente infiltrado na Lei 101/2001 de 25/8, “parece que o legislador optou pela expressão “agente encoberto” ao invés de utilizar o termo “agente infiltrado” nela se incluindo a realidade que pode comportar as duas figuras”, entendendo a mesma autora, que, na terminologia da referida Lei, quando no art. 1º nº 2 se refere a agente encoberto, a págs.139,“…agente encoberto é aquele que pode ocultar a sua qualidade ou identidade no seu reelacionamento com terceiros, mantendo-os na ignorância para ganhar a sua confiança … E vai mais longe: submete-o a um regime especial de investigação que afasta a obrigatoriedade de detenção do suspeito em caso de flagrante delito, com vista a obter a sua confiança e a inserir-se no meio criminoso, com a finalidade de descobrir material probatório relativo a um determinado tipo de crimes, podendo mesmo neste âmbito praticar factos típicos, pelos quais estará isento de responsabilidade penal. De igual modo, está o agente desobrigado de intervir na sua qualidade de agente da lei, quando esteja perante actos de execução a fim de impedir a consumação de um crime.”,
E que, “a proceder-se a uma distinção entre agente infiltrado e agente encoberto esta deveria de operar-se no âmbito do conceito de agente infiltrado, atribuindo ao agente encoberto as operações light cover que precisamente se caracterizam pelo facto de não durarem mais de seis meses, exigirem um menor grau de planeamento, de supervisão e de experiência por parte do agente, mantendo este a sua identidade e o seu lugar na estrutura policial. Estas operações implicam um menor risco para o agente e tem um objectivo preciso que pode consistir numa transacção ou tão só um encontro para recolha de informações. Nelas se enquadram as modalidades decoy operation, a pseudo-achat, a pseudo-vente, o flash-roll, a livraison surveillé, e a livraison controlée. Desta forma poderíamos entender o agente encoberto como uma sub-espécie do agente infiltrado”.
Dito isto, retomando-se a questão da responsabilidade penal do agente encoberto nos termos regulados no art. 6.º da Lei 101/2001, importa distinguir a acção do agente encoberto da provocação, que há-de fazer-se nos termos do art. 26.º do Código Penal, nos termos do qual autor mediato - é quem pratica o facto por intermédio de outrem, e instigador - é quem, dolosamente, determina outra pessoa à prática do facto e este já foi ou começou a ser executado,
Sendo consensual na doutrina e na jurisprudência que “A distinção encontra-se entre o provocar uma intenção criminosa que ainda não existia, das situações em que o sujeito já está decidido a delinquir e a actuação do infiltrado apenas acompanha ou, no limite, põe em marcha uma decisão previamente tomada.”
Enquanto o agente infiltrado trabalha num meio em que os crimes já foram praticados, estão em execução ou na iminência de ocorrerem, o agente provocador incita, instiga outrem à prática do crime, torna-se autor mediato do crime.
O STJ entende, tal como resulta constante e unanimemente da doutrina em diversos domínios, que é necessário distinguir entre a criação de uma intenção criminal e a criação de uma oportunidade com vista à efectivação duma oportunidade com vista à realização duma intenção criminal existente.
Isto é, importa distinguir os casos em que a acção do «agente infiltrado» cria, determina, uma intenção criminal até então inexistente dos casos em que o indivíduo já está implícita ou potencialmente disposto a cometer uma infracção, a praticar factos específicos de determinada natureza e características, e a acção do «agente infiltrado» se limita a pôr em marcha a intenção preexistente.
Com efeito, na distinção e caracterização da proibição dum meio de prova pessoal é pertinente o respeito ou desrespeito da liberdade de determinação da liberdade de vontade ou de decisão da capacidade de memorizar ou de avaliar. Desde que estes limites sejam respeitados, não será abalado o equilíbrio, a equidade, entre os direitos das pessoas enquanto fontes ou detentoras da prova e as exigências públicas do inquérito e da investigação.
A provocação, em matéria de proibição de prova, só intervém se essas actuações visam incitar outra pessoa a cometer uma infracção que, sem essa intervenção, não teria lugar, com vista a obter a prova duma infracção que sem essa conduta não existiria.
Sendo que a figura da provocação continuará a caracterizar-se essencialmente pela instigação ao crime por parte do agente de polícia, na determinação ao crime com o único propósito de repressão penal, sempre que o crime não tivesse sido praticado sem tal intervenção policial.” – vd. Ac. do STJ de 20-02-2003, relator Sr. Consº Simas Santos, processo 02P4510, acessível em www.dgsi.pt.
Ainda, quanto à admissibilidade da prova feita por agente encoberto infiltrado, a dita Lei 101/2001 é omissa, pelo que, a questão da admissibilidade da prova feita/obtida por agente infiltrado há-de conformar-se nos termos gerais, com o disposto nos arts. 125.º e 126.º do Código de Processo Penal, CPP, e 32.º/8 da Constituição da República.
Do referido art. 125.º do CPP - que estabelece o princípio da liberdade da prova - resulta que “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”, e do art. 126.º do CPP - que estabelece os métodos proibidos de prova - da conjugação dos seus nºs 1 e 2- a) resulta que “são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante …ofensa da integridade física ou moral das pessoas”, sendo ofensivas da integridade física ou moral das pessoas, as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante “perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através da … utilização de meios enganosos”.
Ora, sendo assim, do confronto do art. 126.º/1/2-a) do CPP com os arts. 1.º/2 e 6º da Lei 101/2001, é manifesto que a actuação de um agente encoberto comporta alguma deslealdade, que todavia, não é proibida, isto é, o resultado dessa actuação não constitui, sem mais, prova proibida.
Porquê?
Cita-se para a resposta, pela sua clareza e por se manter actual, o Ac. do Tribunal Constitucional nº 578/98 de 14/10/1998, publicado no DR II Série, nº 48 de 26/2/1999, a fls. 2950:
“Não obstante os perigos que comporta a utilização de agentes infiltrados, e a dose de deslealdade que nela vai implicada, considera-se hoje que estando em causa certo tipo de criminalidade grave (terrorismo, tráfico de droga, criminalidade violenta ou organizada), é impossível renunciar ao serviço do undercover agent. Está-se em domínios em que os interesses que se entrecruzam são de tal ordem e os meios de que os criminosos dispõem, tantos e tão sofisticados, que a sociedade quase se sente impotente para dar combate a tal criminalidade. E, por isso, aceita-se aqui alguma excepcionalidade no modo de obter as provas”.
Prossegue depois o referido Acórdão do Tribunal Constitucional, citando Manuel da Costa Andrade, em “Sobre as Proibições de Prova Em Processo Penal”, Coimbra, 1992, a p. 229 e 230,
“A este propósito, Manuel da Costa Andrade … depois de referir que estão hoje “em minoria as vozes que propendem para a afirmação generalizada da proibição de prova” anota que a generalidade dos autores, e sobretudo a jurisprudência continuam a encarar o Polizeispitzel, como expediente indispensável de uma resposta eficaz às manifestações mais ameaçadoras da criminalidade”.
Ainda, pela clarividência da exposição e pela utilidade de que se reveste para a apreciação do caso dos autos, não se resiste a continuar a citar o referido Acórdão do TC, agora, a pag. 2951:
“Convém, no entanto, advertir que a utilização de métodos encobertos de investigação (maxime, o recurso ao agente infiltrado) há-de fazer-se sempre sem ultrapassar os limites do consentido pela ideia de Estado de Direito.
De facto, na ânsia de dar combate ao crime grave, que mina as bases da sociedade, não podem legitimar-se comportamentos que atinjam intoleravelmente a liberdade de vontade ou de decisão das pessoas. E, isso, mesmo que tal se faça no propósito de desmascarar o criminoso, de pôr a descoberto a sua actividade delituosa. Quando se afecta intoleravelmente a liberdade de vontade ou de decisão da pessoa, a deslealdade atinge um tal grau de insuportabilidade que é a integridade moral do sujeito que então é violada – e, com ela o art. 25º/1 da Constituição.
É que não há-de ser a utilização de um qualquer engano que deve induzir uma proibição de prova: há uma dose de engano na indagação criminal que é tolerável. Como escreve Costa Andrade (ob. cit. pag. 236) “por princípio apenas deverão ter-se por proibidos os meios enganosos susceptíveis de colocar o arguido numa situação de coacção idêntica à dos demais métodos proibidos de prova”.
Do ponto de vista da legitimidade constitucional da intervenção do agente infiltrado, é, assim, relativamente indiferente que, contra determinado sujeito, esteja ou não a correr termos um inquérito. O que verdadeiramente importa, para assegurar essa legitimidade, é que o funcionário de investigação criminal não induza ou instigue o sujeito à prática de um crime que de outro modo não praticaria ou que não estivesse já disposto a praticar, antes se limite a ganhar a sua confiança para melhor o observar, e a colher informações a respeito das actividades criminosas de que ele é suspeito. E, bem assim, que a intervenção do agente infiltrado seja autorizada previamente ou posteriormente ratificada pela competente autoridade judiciária”.
Dito isto,
É à luz destes preceitos, destes ensinamentos doutrinais e jurisprudenciais, e da prova produzida supra que importa apurar se o agente encoberto desta acção encoberta, agente DD, agiu ou não como autor mediato ou instigador nos actos que praticou - com as consequências da sua responsabilidade penal ou da isenção dela, nos termos do aludido art. 6º da Lei 101/2001 -isto é, à luz do expendido supra, apurar se o engano dos arguidos atingiu aquele grau de intolerabilidade, de insuportabilidade – numa situação de coacção idêntica à dos demais métodos mencionados no art. 126.º do CPP - que toca a sua integridade moral, e, por isso, se constituiu como meio proibido de prova.
Ora, o que resulta então da prova produzida quanto ao alegado engano/provocação dos arguidos?
Desde logo, que a decisão da PJ de pôr em marcha a acção encoberta só foi tomada apos a solicitação da DEA da sua colaboração para uma entrega controlada de cocaína, que iria ter lugar em Portugal, sendo perante essa solicitação da DEA, que a PJ no seu prudente critério avaliou ser necessária a instauração da acção encoberta e a intervenção do agente encoberto, avaliação que submeteu à prévia autorização judicial e foi concedida, o que equivale a dizer que a operação de tráfico de estupefacientes em Portugal já estava em curso, quando nela interveio o agente encoberto DD, o que, cronologicamente, o afasta do processo de formação da vontade dos arguidos de receberem o estupefaciente, e, por consequência, exclui qualquer hipótese de perturbação da liberdade da vontade ou de decisão dos arguidos, pelo agente encoberto.
Conclusões, aliás, que as teses dos arguidos não infirmam, posto que, em momento algum do processo, invocaram terem recebido do indivíduo que lhes entregou os veículos carregados com a droga (que, depois, no decurso da audiência de julgamento, se soube ser o agente encoberto DD) qualquer proposta de aquisição, transporte, ou outra, que colocasse qualquer deles na situação de deter aquela droga, por qualquer forma.
Com efeito,
Como se disse supra,
- se o arguido AA, veio encontrar-se com o agente encoberto a pedido de HH para lhe entregar um carro e dinheiro,
- se o arguido BB foi fazer uma acção de segurança num negócio de droga,
- e, se o arguido CC vinha vender um carro, estas versões dos arguidos excluem, manifestamente, a situação de provocação pelo agente encoberto,
E, por outro lado, remetem, residualmente, o engano do agente encoberto de que cada um dos arguidos se disse vítima, para o plano da mera detenção do estupefaciente.
Com que evidências?
Mesmo que nos focássemos, da forma mais objetiva possível, apenas nas situações da detenção do estupefaciente pelos arguidos, na exclusiva ponderação das próprias declarações de vitimização de cada um,
Como poderia o arguido AA ignorar a finalidade da sua vinda a Portugal entregar 100.000 euros, e um carro, a um indivíduo, a pedido de HH - a quem o próprio AA se referiu como sendo membro de uma organização criminosa de trafico de estupefacietes, que sabia que tinha sido preso em Fevereiro de 2021 – com isso livrando-se de uma dívida de 30.000 que HH lhe reclamava, conforme disse - aceitando esse veículo cerca de duas horas depois de volta, e desconhecer que o mesmo estava carregado com droga?
Como poderia o arguido BB mesmo deixando-se fora da ponderação o facto da mala na bagageira, que não disse que viu, e as razões apresentadas pelo arguido CC para estar consigo naquele local, que, pelo menos, em audiência, foram prestadas na sua presença e não quis confirmar nem infirmar, recusando-se a falar sobre os motivos da presença do arguido CC no local) sendo ele, BB e CC os únicos ocupantes daquele veículo em que tinham os dois chegado ao local, onde o BB já sabia que estava a fazer segurança num negócio de droga, que, para mais, estaria a decorrer com o beneplácito da Polícia Judiciária, segundo declarou, podendo confiar que estava seguro, e aceitar entrar no mesmo veículo, de novo só com CC, menos de uma hora depois de o terem levado, para se irem embora do local só os dois no mesmo veículo, sem suspeitar que estaria carregado com droga?
E, como poderia o arguido CC, não suspeitar do carregamento de droga ao receber de volta o seu carro daquele indivíduo com uma mala na bagageira (bagageira por ele assumidamente encontrar-se aberta para a visualização da ligação do “GG”) mala, que segundo declarou não era sua, e não questionar sobre a referida mala ali estar, no carro que era da sua mulher, nem o referido indivíduo, nem sequer o arguido BB, como disse que não fez, e aceitar ir-se embora do local com ela na bagageira?
A resposta a cada uma destas perguntas, só pode ser negativa, como já se concluiu supra a propósito da inverosimilhança das versões que apresentaram, sem qualquer credibilidade.
Deste modo,
É indesmentível que os arguidos foram enganados pelo agente encoberto DD quando lhes ocultou a sua identidade. Mas, atingiram os meios utilizados pelo agente encoberto DD a sua liberdade de vontade ou de decisão, como proíbe o art. 126.º do CPP,
E, se fosse afirmativa a resposta, tê-la-iam atingido de forma intolerável, insuportável ou desproporcional, considerados os fins prosseguidos, da descoberta da verdade e da prevenção e repressão criminais, que constituem a razão de ser da existência das autoridades de investigação criminal, e as circunstâncias do caso concreto?
De novo, a resposta só pode ser negativa.
Não há a menor dúvida de que os arguidos destes autos não foram provocados ao crime pelo agente encoberto.
Nada na factualidade provada permite concluir que foi o agente encoberto que criou nos arguidos a vontade de traficar droga, para a seguir serem presos, sem nenhum outro objectivo que não fosse esse (instigação), nem nenhum dos factos provados é revelador de que o agente encoberto quis traficar droga por intermédio dos arguidos (autoria mediata), o que em ambos os casos seria eticamente condenável e legalmente inadmissível.
Na verdade, os arguidos actuaram movidos pelos seus interesses pessoais, e, foram vítimas, sim, mas das suas próprias vontades, das escolhas que fizeram livremente.
E quanto à dimensão do engano, a única conclusão que pode tirar-se é a de que cada um dos arguidos apenas podia desconhecer a qualidade de agente encoberto do indivíduo com quem se encontraram, por mais de uma vez, e de quem receberam a droga, dimensão que não viola os normativos do arts. 125º e 126º do CPP, tendo os actos de execução do agente encoberto DD sido praticados no âmbito da acção encoberta, sob a tutela da previsão da 1ª parte do art. 6º da Lei 101/2001 - não para darem vida ao crime, mas para o reprimir, e, por isso, não é o agente encoberto DD por eles penalmente responsável, nem existe qualquer nulidade que, da acção encoberta, afecte a validade da prova produzida.
Temos pois de concluir pela legalidade da prova obtida. (…)”
Subscrevemos integralmente a análise constante do excerto transcrito, que se apresenta exaustiva, clara e rigorosa e que, reiteramos, responde antecipadamente a todas as questões colocadas nos recursos atinentes à alegada valoração de provas nulas por, alegadamente, terem sido obtidas através de um método proibido de prova, mais não havendo do que concluir pela improcedência de tal arguição.
Como eloquentemente se refere no acórdão do STJ de 20.02.2003, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, acima referenciado, “(…) 4 - Com efeito, na distinção e caracterização da proibição dum meio de prova pessoal é pertinente o respeito ou desrespeito da liberdade de determinação de vontade ou de decisão da capacidade de memorizar ou de avaliar. Desde que estes limites sejam respeitados, não será abalado o equilíbrio, a equidade, entre os direitos das pessoas enquanto fontes ou detentoras da prova e as exigências públicas do inquérito e da investigação. A provocação, em matéria de proibição de prova só intervém se essas actuações visam incitar outra pessoa a cometer uma infracção que, sem essa intervenção, não teria lugar, com vista a obter a prova duma infracção que sem essa conduta não existiria.” E na situação dos autos, é inequívoco que tais limites foram absolutamente respeitados, conforme muito bem se explicou no acórdão recorrido.
No que tange à alegação, constante do recurso do arguido CC, de inexistência nos autos de autorização judicial para a ação encoberta, dir-se-á apenas que, contrariamente ao que sustenta o recorrente, atento o disposto nos artigos 3.º, n.ºs 5 e 6 e 4.º, n.º 1 da Lei n.º 101/2001 de 25.8, dos autos não poderá constar o pedido de autorização ou o despacho de validação da ação encoberta, pois que o que poderá ser junto aos autos, como efetivamente foi18 é o relatório final da ação encoberta, encontrando-se, porém, fora de qualquer dúvida a existência de uma ação encoberta no âmbito do presente processo devidamente autorizada e validada.
Finalmente, uma breve referência à alegação constante do recurso do arguido BB no sentido de que a não detenção de HH e do seu filho em Portugal – tidos como cabecilhas da rede clandestina de tráfico de droga – condiciona a sua defesa, apenas para dizer que as decisões sobre as detenções de suspeitos constituem opções exclusivas dos investigadores, sobre as quais o tribunal não é chamado a pronunciar-se, não se vislumbrando, ademais, que, com tal opção, tenha ocorrido qualquer vulneração do direito de defesa do recorrente.
Nesta conformidade, atestadas que estão, in casu, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade do recurso à colaboração do agente da PJ portuguesa enquanto agente infiltrado no âmbito da ação encoberta autorizada nos autos, constatamos não ter sido a prova produzida obtida através de meios enganosos e como tal absolutamente proibida. Estas as razões pelas quais somos a concluir não assistir razão aos recorrentes no que tange à arguição do vício de nulidade das provas por terem sido obtidas através um de método proibido de prova, improcedendo os recursos neste segmento.»
17. A diferença, relativamente ao que alegou perante a Relação, é que, agora, diz o recorrente, «não estamos no âmbito da interpretação dos meios de Prova, pois, esta, sempre seria matéria da competência do Tribunal em sede de prolação de Acórdão final, ao invés, estamos perante Falsidades que levaram o Juiz de Instrução Criminal a proferir uma Decisão Instrutória baseada em pressupostos falsos e factos que na verdade não ocorreram, ainda que involuntariamente, como se explicitou em sede de Contestação para Julgamento» (ponto 3.4 das conclusões do recurso perante o STJ).
Acrescentando: «3.5 É indiscutível que o Excelentíssimo Senhor Juiz de Instrução Criminal do Juízo de Instrução Criminal de Portimão, à semelhança do Recorrente AA e seus Co-Arguidos nestes Autos, foi enganado e ludibriado por Meios de Prova e Factos que o Acusador tinha perfeito conhecimento que não correspondiam à verdade Material e Processual que entranhou no Processo. 3.6 O Arguido Recorrente AA e seus Co-Arguidos foram todos eles prejudicados desde o Primeiro Interrogatório Judicial de Arguidos Detidos e, sobretudo, em sede de Instrução quando e na medida em que a Acusadora avançou com factos que bem sabia não serem verdadeiros.»
E concluindo (ponto 3.30): «O que implica que, bem ao invés do decidido pelo Tribunal da Relação de Évora em sede de Recurso, os factos com ressonância criminal praticados pelo Arguido Recorrente AA hajam sido praticados pela provocação do Agente Encoberto devendo, por conseguinte, este ser absolvido do Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes.»
18. Do que acaba de se expor resulta evidente que o arguido não imputa ao acórdão recorrido – acórdão da Relação, repete-se – qualquer erro de direito de que este tribunal deva, a seu pedido, conhecer.
Como anteriormente se esclareceu, o recurso, cujo objeto e âmbito se definem pelas conclusões da motivação, circunscreve-se a matéria de direito (supra, 8), o que, nesta parte, não sucede.
Embora sob outra roupagem, afastando a «interpretação dos meios de Prova», o recurso remete para uma outra questão – a da alegada «falsidade» dos pressupostos em que assentou a decisão do juiz de instrução, por se basear em «factos falsos» – que se reconduz, também ela, a uma questão de facto. Saber se os factos em que uma decisão do juiz assenta são ou não falsos é matéria de facto que depende dos meios de prova e da prova enquanto juízo de facto que, apreciando as provas em conformidade com os critérios de apreciação, deles se extrai (artigo 127.º do CPP, desconsiderada a prova proibida – artigo 126.º, n.º 3, do CPP).
Para além disso, tal questão surge agora, na sua formulação, como uma questão nova – no sentido de não ter sido colocada perante a Relação –, que, como tal, não pode ser apreciada. Também como se esclareceu, o recurso de acórdãos da Relação não serve para decidir de novo da causa, mas apenas para se apreciarem as decisões da Relação sobre questões do acórdão da 1.ª instância que lhe tenham sido colocadas.
Por estas razões, não seria o recurso admissível nesta parte, devendo, por conseguinte, ser rejeitado (artigos 420.º, n.º 1, al. b), e 414.º, n.º 2, do CPP).
19. Porém, a questão contém implícita uma questão de direito que este tribunal não pode deixar de apreciar no âmbito dos seus poderes de conhecimento oficioso (supra, 8) – a questão da validade da prova em resultado da infiltração da atividade criminosa por agente encoberto –, nos termos que constam dos factos provados, no pressuposto, que se considera presente, de não verificação de qualquer dos vícios da matéria de facto a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP.
20. O quadro legal da admissibilidade das ações encobertas enquanto técnica especial de investigação da criminalidade económica, financeira ou organizada, nomeadamente de âmbito transnacional, de particular gravidade e complexidade, dependente da verificação de exigentes pressupostos de necessidade, adequação e proporcionalidade, que justificam a sua utilização, encontra-se atualmente definido na Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto, nos termos que vêm detalhadamente referidos e invocados no acórdão recorrido, no acórdão da 1.ª instância e no parecer do Ministério Público neste Tribunal (supra, 4 e 16), com convocação de abundantes elementos de doutrina e jurisprudência, os quais não suscitam qualquer controvérsia.
Muito sinteticamente, em função do que agora releva, salientam-se os seguintes aspetos do regime estabelecido neste diploma:
(a) consideram-se ações encobertas aquelas que sejam desenvolvidas por funcionários de investigação criminal ou por terceiro atuando sob o controlo da Polícia Judiciária para prevenção ou repressão dos crimes indicados nesta lei, com ocultação da sua qualidade e identidade (artigo 1.º, n.º 2);
(b) as ações encobertas são admissíveis no âmbito da prevenção e repressão de crimes relativos ao tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas (artigo 2.º, n.º 1, al. l), e artigo 11.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, Viena, 1988, aprovada para ratificação pela RAR n.º 29/91 e ratificada pelo DPR n.º 45/91, de 06 de setembro);
(c) as ações encobertas devem ser adequadas aos fins de prevenção e repressão criminais identificados em concreto, nomeadamente a descoberta de material probatório, e proporcionais quer àquelas finalidades quer à gravidade do crime em investigação (artigo 3.º, n.º 1);
(d) a realização de uma ação encoberta no âmbito do inquérito depende de prévia autorização do competente magistrado do Ministério Público, sendo obrigatoriamente comunicada ao juiz de instrução e considerando-se a mesma validada se não for proferido despacho de recusa nas setenta e duas horas seguintes (artigo 3.º, n.º 3);
(e) a Polícia Judiciária faz o relato da intervenção do agente encoberto à autoridade judiciária competente no prazo máximo de quarenta e oito horas após o termo daquela (artigo 3.º, n.º 6); (f) a autoridade judiciária só ordena a junção do relato ao processo se a reputar absolutamente indispensável em termos probatórios (artigo 4.º, n.º 1).
De acordo com o artigo 5.º («Identidade fictícia»), os agentes da polícia criminal podem atuar sob identidade fictícia (n.º 1), atribuída por despacho do Ministro da Justiça, mediante proposta do diretor nacional da Polícia Judiciária (n.º 2), despacho que é classificado de secreto e deve incluir a referência à verdadeira identidade do agente encoberto (n.º 4). No caso de o juiz determinar, por indispensabilidade da prova, a comparência em audiência de julgamento do agente encoberto, observa-se o disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 87.º do CPP, sendo igualmente aplicável o disposto na Lei n.º 93/99, de 14 de julho, que regula a aplicação de medidas para proteção de testemunhas em processo penal (artigo 139.º, n.º 2, do CPP).
Nos termos do artigo 6.º («Isenção de responsabilidade»), não é punível a conduta do agente encoberto que, no âmbito de uma ação encoberta, consubstancie a prática de atos preparatórios ou de execução de uma infração em qualquer forma de comparticipação diversa da instigação e da autoria mediata, sempre que guarde a devida proporcionalidade com a finalidade da mesma.
21. Na jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal de Justiça, que se mantém, a propósito da atuação, já anteriormente prevista no âmbito de vigência do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de dezembro, e do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 15/93, na sua redação originária e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro, considera-se sedimentado o entendimento – que preside à consagração legal desta técnica de investigação, de especial delicadeza face aos interesses em presença, de eficácia no “combate” ao crime e de respeito pelos direitos fundamentais das pessoas sob investigação –, segundo o qual os limites da ação encoberta se reconduzem, no essencial, à questão da diferenciação entre a ação de acompanhamento e a ação de provocação, em que assenta a distinção entre as figuras do agente infiltrado e do agente provocador.
Sem se repetir o que, da doutrina e da jurisprudência, a este propósito vem abundantemente citado no acórdão recorrido, no acórdão de 1.ª instância e no parecer do Ministério Público, notar-se-á apenas que o agente provocador será aquele que, movido pelo desejo de obter provas da sua prática, dolosamente determina outrem à comissão de um crime que não seria cometido sem a sua intervenção, aquele que induz outrem à prática de um crime com a finalidade de o fazer condenar; o agente infiltrado será aquele que se insinua, que surge, nos meios em que se praticam os crimes, com ocultação da sua identidade, de modo a ganhar a confiança dos seus agentes, com vista a obter informações e provas contra eles, mas sem os determinar à prática de crimes; «a distinção encontra-se entre o provocar uma intenção criminosa que ainda não existia das situações em que o sujeito já está decidido a delinquir e a atuação do infiltrado apenas acompanha ou, no limite, põe em marcha uma decisão previamente tomada» – «o elemento decisivo para a consideração do respeito pelo processo equitativo» (artigo 6.º da CEDH) «acaba por reverter ao critério subjetivo, avaliando se o autor do facto o não teria praticado sem a atuação policial».19
22. Vista a decisão recorrida, nela não se surpreende qualquer erro de direito suscetível de afetar a prova obtida por via da ação encoberta que conduziu à condenação.
Como se extrai da fundamentação do acórdão recorrido, da matéria de facto provada, que deve considerar-se estabelecida, resulta que a atuação do agente encoberto, devidamente autorizada, respeitou os pressupostos, exigências e limites impostos pela Lei n.º 101/2001 anteriormente mencionados.
Em consequência, não se identifica fundamento que permita colocar em causa a conclusão obtida, nomeadamente a de que «os arguidos destes autos não foram provocados ao crime pelo agente encoberto», de que «nada na factualidade provada permite concluir que foi o agente encoberto que criou nos arguidos a vontade de traficar droga, para a seguir serem presos, sem nenhum outro objectivo que não fosse esse (instigação), nem nenhum dos factos provados é revelador de que o agente encoberto quis traficar droga por intermédio dos arguidos (autoria mediata), o que em ambos os casos seria eticamente condenável e legalmente inadmissível», e de que «quanto à dimensão do engano, a única conclusão que pode tirar-se é a de que cada um dos arguidos apenas podia desconhecer a qualidade de agente encoberto do indivíduo com quem se encontraram, por mais de uma vez, e de quem receberam a droga, dimensão que não viola os normativos do arts. 125.º e 126.º do CPP, tendo os actos de execução do agente encoberto DD sido praticados no âmbito da acção encoberta, sob a tutela da previsão da 1ª parte do art. 6.º da Lei 101/2001 - não para darem vida ao crime, mas para o reprimir, e, por isso, não é o agente encoberto DD por eles penalmente responsável, nem existe qualquer nulidade que, da acção encoberta, afecte a validade da prova produzida.»
Pelo que improcede o recurso nesta parte.
Quanto à não violação do bem jurídico “saúde pública” (supra, 10.c) e ao preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de tráfico de estupefacientes (supra, 10.d)
23. Estas questões foram também suscitadas no recurso interposto para o Tribunal da Relação.
Quanto à primeira questão, as conclusões da motivação do recurso para o Supremo repetem as conclusões da motivação do recurso para a Relação, dirigido ao acórdão da 1.ª instância – sendo que as conclusões 4.2 a 4.4 reproduzem, com insignificantes alterações de redação, o texto das conclusões 7.1, 7.5 e 7.6 – nada acrescentando.
Quanto à segunda questão, as conclusões repetem o afirmado nas conclusões do recurso perante a Relação – as conclusões 5.1 a 5.10 repetem, com insignificantes alterações de redação, as conclusões 8.1, 8.6 a 8.9 e 8.13 a 8.16. Na conclusão 5.3 o recorrente apenas vem acrescentar o Tribunal da Relação dizendo que «O Tribunal de 1.ª Instância e o Tribunal da Relação de Évora mais não fizeram que fundar as suas convicções, quanto ao juízo probatório, em elementos de prova encenada, indirecta ou indiciária, como seja a interpretação das Declarações do Agente Encoberto cujo teor nada lhe dizem respeito, conversas de terceiros que nada dizem respeito ao Recorrente, convicções de Testemunhas, designadamente, daquelas que defendem a investigação, Autos de Vigilância cujo teor está manifestamente deturpado não retractando a verdade do que efectivamente aconteceu e em alguns dos casos até são não genuínos, para não afirmar falsos.»
24. O tribunal da Relação apreciou estas questões conjuntamente, nos seguintes termos:
«Atentando na factualidade apurada nos autos, resulta, a nosso ver, evidente que a construção jurídica exposta na decisão recorrida é a correta, não podendo deixar de conduzir à condenação dos arguidos pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº1 do DL 15/93 de 22/01, por referência à tabela I-B a ele anexa, nos termos ali explicitados.
Escusamo-nos neste ponto do juízo decisório a analisar com maior detalhe os elementos do tipo legal imputados aos arguidos, não só atendendo à circunstância de o acórdão recorrido conter uma ampla explanação teórica sobre o mesmo – pelo que se revelaria redundante e fastidioso repeti-la – mas também, e principalmente, porquanto a improcedência das impugnações da matéria de facto e dos vícios apontados ao acórdão fez soçobrar a tese do não preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo defendida pelos arguidos nos recursos, conquanto a mesma assentava, em boa medida, na alteração factual que não mereceu acolhimento.
Fundamentou o tribunal “a quo” quanto à subsunção dos factos ao direito nos termos que passamos a transcrever:
“(…) Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes
Na parte relevante
Sob a epígrafe “tráfico e outras actividades ilícitas” dispõe o art. 21.º/1 do DL 15/93, que “quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas Tabelas I a III é punido com prisão de 4 a 12 anos”
(sendo que a cocaína é substância constante da tabela I-B, tabelas anexas ao diploma, e o art. 40º respeita ao consumo de estupefacientes).
“o bem jurídico primordialmente protegido pelas previsões do tráfico é o da saúde e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade, mais sinteticamente a saúde pública. (…) Em segundo lugar, estará em causa a protecção da economia do Estado, que pode ser completamente desvirtuada nas suas regras (…) com a existência desta economia paralela ou subterrânea erigida pelos traficantes” – vd. Lourenço Martins, Droga e direito, Lisboa: Æquitas/Ed. Notícias, 1994, p. 122.
Na dogmática penal atendendo à forma como o bem jurídico é posto em causa pela actuação do agente, o crime de tráfico de estupefacientes apresenta-se como um crime de perigo comum abstracto, uma vez que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos pessoais que se reconduzem à saúde pública, e, o perigo não é elemento do tipo, constituindo apenas o motivo da proibição, neste sentido se podendo afirmar que “é indiferente a prova que se faça no sentido de mostrar que, no caso concreto, o bem jurídico não foi - ou mesmo, não podia concretamente ter sido – posto em perigo – vd. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, parte geral tomo I, Coimbra Editora, 2004, pag. 293.
Por outro lado, no caso do crime de tráfico de estupefacientes, as várias condutas descritas no art. 21º sob apreciação, são todas elas aptas a constituírem um perigo para a vida, a saúde, individual e pública, a tranquilidade e a coesão das famílias e da sociedade, pelo que, a prática de qualquer uma delas já integra por si só o tipo penal, sendo a multiplicidade das condutas descrita de forma progressiva, desde a fase inicial do cultivo, passando pela produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias, até à distribuição no mercado consumidor, – nisso consistindo a chamada teoria das condutas alternativas, de tal maneira que “…para a subsistência do delito é indiferente que se realize uma ou outra, permanecendo um só delito, ainda que se realizem as diversas acções descritas. Esta solução sai reforçada com o entendimento de que a pluralidade atomística em que se desenvolve a actividade do traficante tem subjacente um único desígnio de vontade formulado em relação à globalidade dos factos” – vd. Ac do STJ de 1/6/2011, relator Sr. Cº Santos Cabral, proc. 2/06.3PJLRS, acessível em www.dgsi.pt,
No mesmo sentido,
É também este tipo de crime descrito como um crime exaurido ou de empreendimento, em que a protecção do bem jurídico recua a momentos anteriores a qualquer manifestação danosa, em que até a mera detenção da droga já é punida como crime consumado, dada a sua vocação para ser transacionada, assim se verificando “… uma equiparação típica entre tentativa e consumação, em que, por conseguinte, a tentativa de cometimento do facto é equiparada à consumação e é como tal juridico-penalmente tratada” – vd. J Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Coimbra Editora, 2004, fls. 292 e 297
Sobre a constitucionalidade desta antecipação da tutela penal, também se tendo pronunciado o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 262/2001, de 30 de Maio de 2001, proferido no processo n.º 274/2001, 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, n.º 165, de 18 de Julho de 2001.
Deste modo,
Impõe-se pois concluir perante a factualidade que ficou provada respeitante a cada um dos arguidos, que se mostram preenchidos relativamente a todos, na modalidade da detenção, todos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do art. 21º do DL 15/93 de 22/01 (…).
E, à luz da dogmática exposta supra, entendendo-se insustentável defender que, porque o transporte da droga passou a ser controlado pela DEA e, a partir do momento em que entrou em Portugal, pela PJ, com isso ficou anulado o elemento “perigo” do tipo de ilícito “tráfico de estupefacientes” uma vez que, como se disse supra, o perigo não é elemento do tipo, mas simplesmente motivo da proibição, e, por isso, a conduta do agente é punida independentemente de ter criado ou não um perigo efectivo para o bem jurídico, e, também, porque, por ser um crime de empreendimento, a tentativa do cometimento do facto é equiparada à consumação e como tal jurídico-penalmente tratada.
Como, insustentável é também, defender-se que os arguidos não tiveram o domínio do facto, uma vez que ao praticarem os factos que os levaram à detenção, cada um dos arguidos, assumiu ainda que, parcialmente, uma função de carácter essencial na actividade do tráfico de estupefaciente, contribuindo nessa medida para a realização do facto – vd. neste sentido, o Ac. do STJ de 27/5/2009, relatado pelo Sr. Consº Henriques Gaspar, disponível em www.dgsi.pt, proc. 58/07.1PRLSB.S1, citando o Sr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal - Parte Geral, tomo I, 2ª ed. 789-800, perfilhando uma teoria do domínio do facto final-objectiva.”
A fundamentação transcrita afigura-se-nos manifestamente adequada e suficiente para atestar a bondade da decisão quanto à subsunção dos factos ao tipo penal pelo qual os recorrentes foram condenados, nada de relevante se nos oferecendo acrescentar-lhe. Realça-se apenas – por se tratar de matéria jurídica que os recorrentes autonomizaram para porem em causa a subsunção dos factos ao crime das condenações – que sufragamos em absoluto a construção explicitada no acórdão, e reiterada pelo Ministério Público nas suas respostas aos recursos, atinente quer à violação do bem jurídico protegido pela incriminação, quer ao domínio do facto pelos recorrentes.
A este respeito, em síntese conclusiva, diremos, pois, que tendo os factos ilícitos sido praticados por um conjunto de pessoas – no qual se incluem os recorrentes e o agente infiltrado – que atuaram coordenadamente, conjugando as suas tarefas, com as quais contribuíram para alcançarem o resultado ilícito a que se propunham, todos eles agiram sob a égide da coautoria, pois que esta pressupõe uma execução conjunta, codecisiva, em que o contributo de cada um seja tido como essencial ou determinante para a produção do facto, não sendo, porém imprescindível que o coautor realize todos os elementos do tipo.20
Ora, tendo agido como coautores, e contrariamente ao que propugnam, não perderam nunca os recorrentes o domínio funcional do facto. Como já vimos, no caso dos autos, não só havia uma intenção criminosa pré-existente, como a execução do crime já tinha sido iniciada pelos membros da organização internacional, tendo o agente infiltrado atuado com os propósitos de evitar que a droga chegasse ao seu destino e de permitir a recolha de provas sobre a organização e os seus colaboradores, assim viabilizando a ação penal contra os responsáveis. É, porém, indubitável que da intervenção da PJ e do seu agente infiltrado não resultou a perda do domínio funcional do facto por parte dos arguidos, na medida das suas parcelas de atividade. Como se afirma no Acórdão do STJ de 11.07.2013, relatado pelo Conselheiro Arménio Sottomayor, “os atos praticados em coautoria pelo agente infiltrado, como se de um membro do grupo criminoso se tratasse, levam a estender aos coautores o domínio funcional do facto.” (…)
Quanto à alegação de inexistência de violação do bem jurídico protegido pela incriminação, por não se ter verificado o perigo de a droga vir a ser utilizada em prejuízo da saúde pública, em virtude de ter estado sob controlo da PJ, ressalvado o devido respeito por diverso entendimento, carece a mesma de qualquer sustentação, pois que, sendo o crime de tráfico de droga um crime de perigo abstrato – na medida em que não exige a verificação de um dano-violação, próprio dos crimes de resultado, nem tão pouco um perigo-violação, próprio dos crimes de perigo concreto – para o seu preenchimento basta que a ação seja adequada a gerar esse perigo.21 Ora, conhecida a construção legal do tipo penal de tráfico de estupefacientes como crime exaurido ou de empreendimento, de trato sucessivo e de tutela antecipada – pois o tipo legal fica preenchido com a realização de qualquer um dos atos previstos no artigo 21º do DL 15/93, de 22 de janeiro – dúvidas não poderão restar de que, tendo os recorrentes praticado atos qualificados como tráfico e, portanto, atos que consubstanciam o perigo típico com o qual se basta o crime em causa, se constituíram, respetivamente, como autor e como coautores do mesmo, em nada interferindo na verificação de tal perigo, e no consequente preenchimento do tipo, a intervenção do agente infiltrado no âmbito da ação encoberta, sendo certo que durante todas as operações o perigo típico esteve sempre latente.22
Pelas razões expostas, a alegação dos recorrentes, visando a sua absolvição pela negação da sua comparticipação nos factos, a título de autoria e de coautoria, por falta de domínio funcional do facto ou pela inexistência do perigo típico, é manifestamente improcedente.»
25. Como se verifica, o recorrente reedita argumentos usados no recurso da 1.ª instância perante a Relação, agora com a finalidade de colocar em crise o acórdão da Relação.
Quanto à primeira questão volta a afirmar que não foi violado o bem jurídico protegido; logo não há crime, pelo que deve ser absolvido.
Quanto à segunda questão, fundamenta a afirmação de que não estão preenchidos os elementos do tipo de crime, não com base nos factos provados, mas questionando a decisão da matéria de facto em que se funda a decisão de direito, terminando por concluir que «não existem quaisquer Provas nos Autos ou foram produzidas em Julgamento de 1.ª Instância que permitam condenar o Arguido Recorrente AA pelo Crime de Tráfico de Estupefacientes», que, «ainda que assim não fosse», «o que resulta dos Autos é que todo Produto Estupefaciente que surge negociado/ adquirido/ vendido/ comprado/ tentado transportar para a Europa (num período de tempo em que nem sequer era permitido circular nas estradas nacionais de forma plena ou transpor fronteiras terrestes) foi todo ele apreendido no decurso da Investigação, aliás nunca deixou de estar apreendido», e que o «produto estupefaciente nunca esteve na disponibilidade dos Arguidos, esteve sempre controlado pela Polícia Judiciária, no caso do Arguido Recorrente AA protegido à vista por mais de vinte inspectores da polícia judiciaria, portanto, inexistiu qualquer perigo, mesmo que potencial, de disseminação desse produto estupefaciente».
Não se identificando vício ou nulidade da decisão da matéria de facto, não pode este Tribunal apreciar das questões relacionadas com esta, que são matéria da competência do Tribunal da Relação, o que implicaria a rejeição do recurso nesta parte.
Nota-se, a este propósito, que, conforme jurisprudência constante, e sem prejuízo da inadmissibilidade do recurso de acórdão da Relação proferido em recurso com fundamento nos vícios e nulidades a que se refere o artigo 410.º do CPP (artigo 432.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPP, lidas conjuntamente, na redação da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro), a alegada violação do princípio in dubio pro reo e do principio da presunção da inocência (que é emanação daquele), atinentes à decisão em matéria de facto, apenas podem ser conhecidos em recurso para o STJ, restrito a matéria de direito, no âmbito da apreciação daqueles vícios [assim, por todos, o acórdão de 22/04/2020, Proc. 96/16.3T9ALD.C1.S1 (do sumário), em www.dgsi.pt: «III. A violação do princípio in dubio pro reo, como princípio de direito atinente à apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicada pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, «resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP IV. Não se revelando do texto da decisão recorrida que o Tribunal da Relação enfrentou uma situação de non liquet na apreciação da prova que teve de levar em conta para a decisão em matéria de facto e que ficou na dúvida ou que a decisão proferida não se encontra fundada em provas de modo a não deixar dúvidas inultrapassáveis sobre o sentido da decisão, não se pode afirmar ter-se verificado uma violação deste princípio.»].
26. Questionando-se, porém, a aplicação do direito no acórdão recorrido, conhecer-se-á das questões suscitadas com base nos factos provados, também no pressuposto, que se considera presente, de não verificação de qualquer dos vícios da matéria de facto a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP.
27. Vista a decisão recorrida, também aqui não se surpreende qualquer erro de interpretação e aplicação do direito.
28. O recorrente vem condenado pela prática, como autor, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, que dispõe: “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
Como se considerou no acórdão de 29.5.2024, Proc. n.º 2476/23.9JAPRT.P1.S1 (em www.dgsi.pt), o tipo de crime de tráfico de estupefacientes «é um crime de perigo abstrato, multicompreensivo e pluriofensivo, protetor de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, salientando-se que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública (assim, acórdão de 2.10.2014, Proc. 45/12.8SWSLB.S1). Mas não só. “Em segundo lugar, estará em causa a protecção da economia do Estado, que pode ser completamente desvirtuada nas suas regras (…) com a existência desta economia paralela ou subterrânea erigida pelos traficantes” (como salienta Lourenço Martins, Droga e Direito, Aequitas, 1994, p. 37, p. 122)».
28.1. Convocando a fundamentação do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 9/2023 (DR 1.ª Série, de 21.9.2023):23
«Trata-se de uma previsão típica muito generalizada — uma previsão «assumidamente compreensiva e de largo espectro», diz -se no AcSTJ de 29.10.200835 –, abrangendo todo o caminho percorrido pelo produto estupefaciente desde a detenção, plantação ou produção até à efectiva entrega aos consumidores, enumerando-se de forma exaustiva e praticamente esgotante as condutas congemináveis que, aliás, vão muito além do tráfico stricto sensu considerado como a efectiva colocação da droga ao alcance dos consumidores24.
O bem jurídico protegido é, primacialmente, a saúde pública25. Mas também, a vida, a saúde e a coesão inter-individual das organizações fundacionais da sociedade, a saúde individual dos consumidores, a liberdade individual, a estabilidade familiar e, até, a economia do Estado, isso porquanto «o tráfico propicia economias paralelas, subterrâneas, de complexa sindicância, fazendo do tráfico um negócio temível e comunitariamente repugnante, fundamentalmente pela devastação física e psíquica do consumidor, geralmente as camadas mais jovens do tecido social, instabilidade e, na maior parte dos casos, a desgraça total do seu agregado familiar, censurável em alto grau no plano ético -jurídico, até pelos custos sociais a que conduz, relacionados com o absentismo laboral e a contracção de doenças transmissíveis.»26.
Tipo plural, então, «com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito»27 (…).
Sendo que — antecipa -se — a construção de uma previsão legal agregadora de condutas tão diversas e tão heterogéneas só se explica em razão da existência de «um denominador comum [...], exactamente a [...] aptidão», de todas e cada uma delas, «para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação»28.
O que chama a terreiro as primeiras arrumações categoriais do ilícito de tráfico de estupefacientes que aqui cumpre salientar, a de se tratar de crime de perigo comum e abstracto.
(b). O tráfico como crime de perigo.
22 – Subscrevendo as palavras do legislador penal em 198229 acerca da modulação e fundamento material dos crimes de perigo:
«A lei penal, relativamente a certas condutas que envolvem grandes riscos, basta -se com a produção do perigo (concreto ou abstracto) para que dessa forma o tipo legal esteja preenchido. O dano que se possa vir a desencadear não tem interesse dogmático imediato. Pune -se logo o perigo, porque tais condutas são de tal modo reprováveis que merecem imediatamente censura ético -social. Adiante -se que devido à natureza dos efeitos altamente danosos que estas condutas ilícitas podem desencadear o legislador penal não pode esperar que o dano se produza para que o tipo legal de crime se preencha. Ele tem de fazer recuar a protecção para momentos anteriores, isto é, para o momento em que o perigo se manifesta».
Ora, foi precisamente uma ideia assim que norteou o Decreto -Lei n.º 15/93 na construção do tipo matricial do tráfico, sendo muito evidente que, «nas condutas que [nele] descreve, basta -se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine», fazendo «recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta»30.
E, daí, o seu, comummente afirmado, acolhimento na figura do crime de perigo, é dizer – repete-se – na de ilícito que, baseando -se «na suposição legal de que determinados comportamentos são geralmente perigosos» para os bens ou valores protegidos pela incriminação, se basta com «a aptidão genérica de determinadas condutas para constituírem um perigo» de lesão deles31, por isso fazendo recuar a tutela penal reclamada pelo crime consumado para fases mais precoces do iter criminis em que ainda não ocorreu o efectivo atingimento dos bens ou interesses protegidos, como as dos actos preparatórios ou da tentativa.
E, no seio de categoria de crime de perigo, é, igualmente, pacífica a sua catalogação em de perigo abstracto — porquanto o perigo resultante da acção não está individualizado em qualquer vítima ou em qualquer bem, não sendo a sua produção ou verificação elemento do tipo, tão -só constituindo fundamento da punição, e sem que, por isso, haja que «comprovar, no caso concreto, se esse perigo efectivamente se verifica»32 – e de perigo comum — porquanto «o perigo se expande relativamente a um número indiferenciado e indiferenciável de objectos de acção sustentados ou iluminados por um ou por vários bens jurídicos»33, sendo susceptível de causar um dano difuso com potência expansiva, apto a causar alarme social34. Características do tipo estas que, de resto, explicam «que seja punida a mera detenção de estupefacientes» — ou o seu (mero) cultivo, produção, fabrico, extracção, preparação, compra, recebimento, transporte, importação, exportação ou colocação em trânsito — «sem que chegue a ocorrer venda ou cedência destes e, portanto, efectivo perigo ou prejuízo para a saúde de consumidores concretos, bastando o perigo de que, em abstracto, tal venha verificar -se»3547. E sem que seja necessário – insiste -se, com relação aos actos que não envolvam, directa e imediatamente, introdução no circuito da distribuição, apurar o concreto fim visado, não exigindo o tipo legal a existência de uma efectiva transmissão a terceiros do produto estupefaciente, precisamente em razão do perigo que cada uma das actividades descritas representa de a droga vir a ser traficada, e sendo que «[o] conhecimento» daquele fim «só pode interessar para efeitos de determinação da ilicitude do facto e, no caso de ser para o consumo próprio, para a qualificação do crime36».
29. Assim, em concordância com a fundamentação da decisão recorrida, não procede o argumento – alicerçado em manifesta confusão de planos, distintos, entre bem jurídico protegido e objeto da ação típica – de que a não violação do bem jurídico protegido (ou de não comprovação do concreto perigo de violação, como o recorrente também alega) impõe a absolvição do arguido.
Sendo o crime de tráfico de estupefacientes um crime de perigo abstrato, o perigo para os bens jurídicos protegidos não constitui elemento do tipo de crime – como se exigiria no caso se tratar de um crime de perigo concreto –, mas apenas a justificação para a incriminação.
Como se considerou no acórdão de 11.10.2023, Proc. n.º 79/20.9NJLSB.L1.S1 (em www.dgsi.pt), citando Figueiredo Dias, “atendendo à forma como o bem jurídico é posto em causa pela atuação do agente (o bem jurídico, dizemos, não o mero «objeto da ação») distingue-se entre crimes de dano e crimes de perigo. (…) Nos crimes de perigo a realização do tipo não pressupõe a lesão, mas antes se basta com a mera colocação em perigo do bem jurídico. Aqui distingue-se entre crimes de perigo concreto e crimes de perigo abstrato. Nos crimes de perigo concreto o perigo faz parte do tipo, isto é, o tipo só é preenchido quando o bem jurídico tenha efetivamente sido posto em perigo. (…) Nos crimes de perigo abstrato o perigo não é elemento do tipo, mas simplesmente motivo da proibição. (…) a conduta do agente é punida independentemente de ter criado ou não perigo efetivo para o bem jurídico.”37
Ou, citando Claus Roxin/Luís Greco: «A vinculação do Direito Penal à proteção de bens jurídicos não requer que a punibilidade decorra apenas de sua violação. É suficiente uma colocação de bens jurídicos em perigo, o que, nos delitos de perigo concreto o próprio tipo penal estabelece como requisito de punibilidade, ao passo que, nos delitos de perigo abstrato, não há referência aos bens jurídicos protegidos no tipo, de modo que eles atuam apenas como motivo para sua criação».38
30. Pelo exposto, impõe-se concluir que, mostrando-se preenchida a previsão típica do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, improcede totalmente o recurso quanto a estas duas questões.
Quanto à medida da pena [10.e)]
31. De acordo com o disposto nos artigos 71.º, n.º 3, do Código Penal e 375.º, n.º 1, do CPP, que concretizam o dever de fundamentação das decisões judiciais estabelecido no artigo 205.º da Constituição, na sentença são expressamente referidos e especificados os fundamentos da medida da pena.
A decisão recorrida, que confirma a determinação da medida da pena, vem fundamentadas nos seguintes termos:
«Conforme é amplamente aceite pela jurisprudência dos tribunais superiores, o sistema de recursos no processo penal português tem como escopo a correção dos erros ocorridos na primeira apreciação judicial dos factos e na sua subsunção ao direito. Daqui resulta que no caso dos recursos sobre a pena ou sobre a medida da pena aplicada na decisão recorrida, ao tribunal ad quem caberá verificar o respeito pelas normas e pelos princípios gerais que regulam tal matéria. E tão somente isso. Ou seja, o tribunal de recurso só deve intervir na escolha da pena e da sua medida concreta quando detetar incorreções no processo da sua determinação, quer ao nível da valoração factual, quer no que diz respeito à aplicação das normas legais que regem a matéria em causa. Tal sindicância não abrange, pois, a fiscalização do quantum exato de pena, na perspetiva da realização de uma nova determinação da mesma, devendo manter-se a pena concretamente aplicada sempre que se verifique que a sua fixação assentou numa correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais e que, consequentemente, não se revela desajustada, nem desproporcionada.
Estabelecida a margem de atuação deste tribunal da Relação, será importante recordar os princípios basilares e orientadores da matéria que temos em análise. Assim, estabelece o artigo 40.º do CP que a finalidade das penas é a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena exceder a medida da culpa do infrator. (…)
A medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, determina-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, com respeito pelos critérios definidos pelo artigo 71.º do CP. Tendo como balizas a culpa – que constitui o limite máximo – e a prevenção geral – que coincide com o limite mínimo – a medida concreta da pena determinar-se-á de acordo com as necessidades de prevenção especial. Assim, dentro da moldura abstrata da pena deverá encontrar-se a medida da culpa, que fixará o seu limite máximo. Após o que, entre o mínimo legal e o limite máximo dado pela medida da culpa se formará a “moldura da prevenção geral de integração” – em obediência à ideia de que o fim da punição reside na defesa dos bens jurídicos e das legítimas expectativas da comunidade com vista ao restabelecimento da paz jurídica e cujo limite mínimo é dado pela defesa do ordenamento jurídico, o ponto abaixo do qual não é socialmente admissível a fixação da pena sem pôr em causa a sua função de tutelar bens jurídicos – dentro da qual a medida da pena será concretizada em função das exigências de prevenção especial: prevenção positiva ou de socialização e, excecionalmente, prevenção negativa de intimidação ou de segurança individuais39.(…)
A determinação da medida da pena deverá, pois, ser feita tendo em conta a culpa do agente, observadas as exigências de proporcionalidade entre a pena e o crime, o princípio de necessidade e dignidade penal, bem como as finalidades de prevenção específica e geral, tutelando de forma efetiva o bem jurídico.
Estabelecido o enquadramento normativo, analisemos então as circunstâncias do caso em apreço e, bem assim, o processo de determinação da pena concreta realizado pelo tribunal a quo, na perspetiva da sindicância com a abrangência acima delineada.
Pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C, o acórdão recorrido optou pela aplicação das penas de 9 anos de prisão ao arguido AA e de 7 anos de prisão aos arguidos BB e CC – ou seja, todas situadas abaixo do meio das respetivas molduras abstratas, que, para o crime de tráfico de estupefacientes pelo qual os arguidos foram condenados, se situa entre 4 e 12 anos. Pensamos, porém, que, ao contrário do que sustentam os recorrentes, o fez com justificação bastante. Vejamos.
Devemos em primeiro lugar atentar na factualidade provada – que acima transcrevemos e para a qual remetemos – na qual se descrevem as atuações dos arguidos, as consequências que as mesmas visavam conseguir, o contexto em que ocorreram e as suas motivações e, bem assim, os elementos relativos às condições pessoais daqueles.
Dando aplicação aos critérios definidos pelo artigo 71.º do CP, temos que, no que diz respeito à culpa, tal como nos explica Figueiredo Dias, a mesma se reporta à censura dirigida ao agente por referência à prática do facto ilícito, consistindo na desaprovação da sua atitude face às exigências do dever ser sociocomunitário.
Os recorrentes pugnam pela aplicação de penas menos gravosas. Não lhes assiste, porém, a nosso ver, razão. Efetivamente, ao contrário do que pretendem fazer crer, todas as circunstâncias acima enunciadas, designadamente as atinentes às fortes exigências de prevenção geral e especial, foram tidas em conta o acórdão recorrido, conforme claramente se atesta pela leitura das considerações aí tecidas no que tange à determinação das medidas das penas e que – expurgadas da explanação teórica também aí consignada – passamos a transcrever:
“(…) Não se vislumbra, além disso, relativamente a nenhum dos arguidos, qualquer circunstância justificativa da atenuação da pena, nem das elencadas no art. 72º do CP, nem devendo produzir esse efeito o facto da droga não ter chegado aos consumidores a que se destinava, o que apenas sucedeu por circunstâncias alheias e contrárias à actuação dos arguidos, nem se vendo que o engano em que agiram próprio da acção encoberta tenha esse efeito, já que foi a acção dos arguidos que justificou a existência do engano e não o contrário.
Assim,
No presente caso, há a ponderar as necessidades prementes de prevenção geral atenta a danosidade social deste tipo de crime, na saúde das pessoas, e na comunidade e, bem assim, na economia, pela introdução nela dos elevados proventos ilícitos gerados,
- a ilicitude – é muito elevada, atenta a qualidade da substância estupefaciente traficada, cocaína, e as quantidades em causa, sendo especialmente elevada a quantidade detida pelo arguido AA,
- a intensidade do dolo - na sua forma mais intensa, directo, relativamente a todos os arguidos,
- a gravidade das consequências – que apenas não se produziram, mas por facto alheio e contrário à acção dos arguidos, sendo certo que se trata de um crime de perigo,
- a conduta anterior e posterior – sendo que em Portugal não há relativamente a nenhum dos arguidos notícias de antecedentes criminais, mas que existem no estrangeiro relativamente ao arguido AA.
Deste modo, face a todo o circunstancialismo descrito, ponderadas as exigências de prevenção assinaladas e os graus de culpa elevada dos arguidos BB e CC e muito elevada a do arguido AA, mostram-se adequadas as penas de 7 anos de prisão para cada um dos arguidos BB e CC, e de 9 anos de prisão para o arguido AA. (…)”
Subscrevemos integralmente todas as considerações transcritas, que se nos afiguram acertadas e respeitadoras dos critérios legais. Assim, e ao contrário do que propugnam os recorrentes, a censurabilidade que nos merecem as suas condutas – a sua culpa, que funciona como limite máximo inultrapassável, que se revela (…) muito elevada relativamente ao arguido AA – associada à intensidade dos dolos, à ilicitude dos factos e às necessidades de prevenção geral e especial, também corretamente avaliadas pelo tribunal a quo, sustentam totalmente as penas de prisão aplicadas no acórdão sob recurso. Com efeito, sopesadas todas as circunstâncias enunciadas, entendemos mostrarem-se proporcionais as penas de 9 anos de prisão para o arguido AA e de 7 anos de prisão para os arguidos BB e CC, consignando-se o acerto do processo aplicativo desenvolvido na decisão, no qual avulta uma ponderação correta dos factos e uma adequada valoração dos mesmos à luz das regras e dos princípios que regem a determinação da medida concreta da pena acima enunciados.»
32. O crime da previsão do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos, moldura a partir da qual há que determinar a pena concretamente aplicável, de acordo com os critérios e fatores estabelecidos na Parte Geral do Código Penal (artigo 48.º daquele diploma).
A substância em causa – cocaína, comummente incluída no grupo das vulgarmente denominadas «drogas duras» – insere-se, atento o seu grau de periculosidade, na tabela I-B anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93 e na tabela I anexa à Convenção Única de Estupefacientes de 1961, das Nações Unidas, que contêm as substâncias potencialmente mais perigosas. A distribuição das drogas pelas tabelas das convenções, nomeadamente pelas Tabelas I, II, III e IV da Convenção Única (Decreto-Lei n.º 435/70, de 12 de setembro, e seu Protocolo de 1972 – Decreto-Lei n.º 161/78, de 21 de dezembro), leva em conta a sua gravidade, reconhecida cientificamente, e o consequente grau de controlo a que as submete (assim, Lourenço Martins, Droga e Direito, Aequitas, 1994, p. 37).
Como tem sido reiteradamente afirmado, o Decreto-Lei n.º 15/93 não acolhe a distinção vulgarmente feita, mas difícil de estabelecer, entre drogas duras («hard drugs») e drogas leves («soft drugs»). Apesar de a distinção não ter relevância direta na definição típica dos crimes ou da moldura abstrata das penas correspondentes, tem-se salientado que este diploma «não deixa de afirmar no preâmbulo que “a gradação das penas aplicáveis ao tráfico, tendo em conta a real perigosidade das respetivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade”, havendo que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, o que constitui indicativo da respetiva gradação, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social” (cfr., entre outros, o acórdão de 6.2.2019, Proc. 98/12.9GCSCD.L1.S1, citando os acórdãos de 30.4.2008, Proc. 07P4723 – 3.ª Secção, de 2.5.2015, Proc. 132/11.0JELSB.S1 – 3.ª Secção, e de 27.5.2012, Proc. 445/12.3PBEVR.E1.S1 – 3.ª Secção).
33. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Como repetidamente se tem afirmado (por todos, o acórdão de 15.5.2024, Proc. n.º 799/21.0JAPDL.L1.S1, em www.dgsi.pt, que agora se segue de perto), estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente (manifestada no facto) – fatores relativos à execução do facto, à personalidade e à conduta do agente, anterior e posterior ao facto –, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a seu favor ou contra ele, considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.
Encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição; a privação do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade, adequação e da proporcionalidade em sentido estrito. A projeção destes princípios na determinação da pena justifica-se pela necessidade de proteção do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora violada, em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigos 40.º e 71.º do Código Penal). A aplicação da pena exige que o agente do crime tenha agido com culpa, devendo ser censurado pela violação do dever de atuar de acordo com o direito e “pelas qualidades desvaliosas da personalidade que se exprimem no facto” (assim, entre outros, o acórdão de 29.6.2023, Proc. 15/11.3PEALM.L5.S1, em www.dgsi.pt, que agora se segue de perto40).
Para a medida da gravidade da culpa, de acordo com o artigo 71.º, há que considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências e intensidade do dolo ou da negligência), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram e o grau de violação dos deveres impostos ao agente [als. a), b) e c)], bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade (condições pessoais e situação económica, conduta anterior e posterior ao facto, e falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [als. d), e), f)].
Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Aqui se incluem as consequências não culposas do facto (v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves, comportamento anterior e posterior ao crime (com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [als. a) e) e f)]. O comportamento do agente [als. e) e f)] adquire particular relevo em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização do agente, devendo evitar-se a dessocialização.
Como se tem sublinhado, é na determinação e consideração destes fatores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados.
34. Importa, pois, apreciar a avaliação da conduta de colocação em perigo dos bens jurídicos protegidos, de modo a verificar-se se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade, em função das circunstâncias dos factos provados e das condições do agente que devem pautar a aplicação.
Limita-se o recorrente, nas conclusões, a afirmar a sua discordância da medida da pena aplicada alegando que «outra Pena, em concreto mais benévola, logo mais Justa, será a adequada a satisfazer as premissas de tutela que o caso concreto reivindica», pugnando «por outra mais adequada aos critérios de Justiça que o caso em concreto reclama, nomeadamente, uma Pena não muito afastada do limite mínimo desse Ilícito».
Como nota o Senhor Procurador-Geral Adjunto (supra, 4), «Em seu abono alega que (pág. 40 das motivações):
«(..)
- Tem 53 anos de idade;
- Não tem contra si quaisquer Processos pendentes em Portugal;
- É uma pessoa conscienciosa e moralmente irrepreensível;
- É empreendedor e trabalhador;
- É urbano no trato e comportamento;
- É uma pessoa de imensos afectos e imbrincadas relações sociais e familiares com os seus filhos, esposa, família, amigos e comunidade;
- Tem a esposa, filhos, família, amigos e comunidade, a quem descreveu tudo o que vem sofrendo com este Processo, dispostos a acolhê-lo e a ajudá-lo em tudo o que vier a necessitar; e,
- Ainda que nos últimos tempos tenha tido uma vivência sofrida, com problemas de saúde que se agravam de dia para dia no cárcere, é um individuo familiar e socialmente integrado e que, em termos futuros, tem um projecto profissional definido e sólido há muitos anos».
35. São de elevada intensidade os fatores que militam contra o arguido, concorrendo para a agravação da culpa, nomeadamente, a quantidade e natureza do produto traficado, a dimensão internacional do tráfico e o seu nível de organização, e os fins altamente lucrativos visados com esta atividade, que evidenciam óbvias necessidades de prevenção geral que, na aplicação da pena, se comportam, nos limites da culpa.
Os fatores de natureza pessoal que agora vêm invocados não se mostram demonstrados na matéria de facto provada, como salienta o Ministério Público, sendo que, associados à condição habitual dos participantes nestas formas de criminalidade transnacional, com recurso a meios poderosos de organização e ação, geradora de elevados proventos materiais, não teriam particular relevância. A alegada “inserção” social que se reivindica não se coaduna com a personalidade altamente desvaliosa revelada na prática do crime, a comprovar elevadíssimas necessidades de prevenção especial para condução de vida em conformidade com o direito.
Não questiona o recorrente a ponderação de qualquer das circunstâncias consideradas na determinação da medida da pena, nomeadamente «as necessidades prementes de prevenção geral atenta a danosidade social deste tipo de crime, na saúde das pessoas, e na comunidade e, bem assim, na economia, pela introdução nela dos elevados proventos ilícitos gerados», a ilicitude, «muito elevada, atenta a qualidade da substância estupefaciente traficada, cocaína, e as quantidades em causa, sendo especialmente elevada a quantidade detida pelo arguido AA», a intensidade do dolo, «na sua forma mais intensa», «a conduta anterior e posterior, sendo que em Portugal não (…) notícias de antecedentes criminais, mas que existem no estrangeiro relativamente ao arguido AA.»
São muito elevadas as necessidades de prevenção geral, reconhecidas na «Estratégia da UE em Matéria de Drogas 2021-2025»41, face ao aumento e elevada gravidade, dimensão e sofisticação das atividades do crime organizado. Os relatórios de segurança interna identificam o «mercado criminal dos estupefacientes» como um fenómeno que continua a impor-se «como aquele que envolveu mais indivíduos e organizações criminosas e gerou maiores ganhos financeiros», destacando o papel das revitalizadas «rotas ibéricas» nos circuitos do tráfico internacional42. O relatório de 2023 do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência salienta, uma vez mais, os elevados riscos para a saúde e para a vida dos consumidores e a dimensão dos mercados internacionais e nacionais das drogas ilícitas, incluindo a cocaína.43
36. Na presença e consideração de todos estes elementos, não se surpreende, por conseguinte, motivo que justificadamente possa constituir uma base de divergência quanto à medida da pena, de 9 anos de prisão, aplicada no acórdão recorrido, por violação dos critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade que se impõem na sua determinação, sendo que na ponderação das particulares necessidades de prevenção geral não se identifica motivo que permita concluir que a medida da pena excede os limites impostos pela medida da culpa revelada pelas circunstâncias tidas em conta nos termos do artigo 71.º do Código Penal.
Em consequência, é o recurso, também nesta parte, julgado improcedente.
Quanto a custas
37. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP, só há lugar ao pagamento da taxa de justiça pelo arguido quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso.
O quantitativo é fixado pelo juiz nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais e a taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
III. Decisão
38. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC.
Supremo Tribunal de Justiça, 4 de dezembro de 2024
José Luís Lopes da Mota (Relator)
José Carreto
Horácio Correia Pinto
______
1. Código de Processo Penal comentado, António Henriques Gaspar e outros, Almedina, 4.ª edição revista, pág. 1167.
3. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de outubro de 2020, processo 74/17.5JACBR.C1.S1, relatado pelo conselheiro Manuel Augusto de Matos, www.dgsi.pt.
4. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de setembro de 2020, processo 260/18.0PBLRS.L1.S1, relatado pela conselheira Margarida Blasco, www.dgsi.pt.
5. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de janeiro de 2024, processo 922/14.1JAPRT.G2.S1, relatado pelo conselheiro Ernesto Vaz Pereira, www.dgsi.pt.
6. Centro de Estudos Judiciários, Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, Coimbra Editora, 2004, texto intitulado As acções encobertas e o processo penal, questões sobre a prova e o processo equitativo, págs. 46-47.
7. Sumário da notável decisão instrutória de 17 de abril de 2015, processo 1/13.9YGLSB.S1, do conselheiro Raúl Borges, www.dgsi.pt.
8. V. a propósito o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2013, processo 1690/10.1JAPRT.L1.S1, relatado pelo conselheiro Arménio Sottomayor, www.dgsi.pt, citado no acórdão recorrido.
9. Droga – Regime Jurídico, Legislação Nacional - anotada Diplomas Internacionais, Livraria Petrony Ld.ª, 1994, pág. 61.
10. Acórdão 426/91, processo 183/90, relatado pelo conselheiro Sousa e Brito, www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19910426.html, citado na competente resposta da Sr.ª procuradora da República junto do Juízo Central Criminal de Portimão.
11. Acórdão de 11 de dezembro de 2014, processo 33/06.3JAPTM.E2.S1, relatado pelo conselheiro Rodrigues da Costa, www.dgsi.pt.
12. Germano Marques da Silva e Henrique Salinas, Constituição Portuguesa anotada, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Volume I, Universidade Católica Editora, 2.ª edição revista, pág. 526.
13. Pereira Madeira, obra citada, pág. 1467.
14. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de junho de 2015, processo 28/11.5TACVD.E1.S1, relatado pelo conselheiro Pires da Graça, www.dgsi.pt.
15. Como é sabido, as operações de determinação da medida da pena apenas são passíveis de correção pela via de recurso se ocorrer «errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de fatores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis» ou se «tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada» (v. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 197, e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de setembro de 2021, processo 98/20.5PCLRA.C1.S1, relatado pelo conselheiro Paulo Ferreira da Cunha, www.dgsi.pt, com abundante apontamento de jurisprudência).
16. Mormente quando refere: “Julgava-se que este ensinamento pacífico na nossa jurisprudência e que está nos antípodas dos mais elementares princípios da valoração probatória em processo penal estivesse já perfeitamente adquirido na praxe do foro, contudo, para o Tribunal Recorrido assim não é, clamando por isso a necessária intervenção do Tribunal ad quem.”
17. Neste sentido, cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 13.12.2000, relatado pelo Conselheiro Virgílio Oliveira, de 20.02.2003, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, 27.06.2012, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral; da Relação de Évora de 14.02.2010, relatado pelo Desembargador Gilberto Cunha; da Relação de Guimarães de 13.01.20020, relatado pela Desembargadora Teresa Coimbra; da Relação do Porto de 07.05.2014, relatado pela Desembargadora Lígia Figueiredo, de 26.05.2015, relatado pela Desembargadora Maria dos Prazeres Silva e da Relação de Lisboa de 22.03.2011, relatado pelo Desembargador Nuno Gomes da Silva e de 21.09.2022, relatado pela Desembargadora Ana Paula Grandvaux, todos disponíveis em www.dgsi.pt. No plano doutrinário, vários são os estudos realizados sobre a temática que nos ocupa, entre os quais destacamos: Prof. Germano Marques da Silva, “Bufos, Infiltrados, Provocadores e Arrependidos”, Direito e Justiça, F.D.U. Católica, Volume VIII, 1994; Armando Dias Ramos, “O agente encoberto digital. Meios especiais e técnicos de investigação criminal, Almedina, 2022”; Fernandes Gonçalves, Manuel João Alves e Manuel Monteiro Guedes Valente, “O Novo Regime Jurídico do Agente Infiltrado. Anotado e Comentado-Legislação Complementar, Almedina, 2001” (também citados pelo Ministério Público nas suas respostas aos recursos) e ainda as dissertações de Mestrados de Iolanda Alexandrina Fernandes Mesquita “O Agente Infiltrado, Análise Jurisprudencial”, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2016 e de Sara Daniela Quintas Couto Rego “Do Agente Encoberto ao Agente Provocador”, maio de 2016, disponíveis on line.
18. Em 19.07.2022 foi junto aos autos o relatório final da ação encoberta.
19. Henriques Gaspar, «As acções encobertas e o processo penal», Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra Editora, 2004, pp. 46ss, citado com mais desenvolvimentos, no parecer do Ministério Público, supra, 4).
20. É o que resulta do artigo 26.º do CP, que consagrando a teoria do domínio funcional do facto, preceitua que “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo, ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros…”
21. 19 Neste preciso sentido, Faria Costa, “O Perigo em Direito Penal”, 1992, p. 567 e ss.
22. 20 É a este propósito elucidativo o texto do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 262/2001 de 30 de Maio de 2001 proferido no processo n.º 274/2001, 2.ª Secção e publicado no Diário da República, II Série, n.º 165, de 18 de Julho de 2001, que, reportando-se ao artigo 21.º n.º 1 do DL 15/93, de 22/1, refere que o mesmo “(…) define o tráfico de substâncias proibidas por uma série de condutas conducentes à efetiva transmissão da substância. Assim, qualquer um dos comportamentos previstos implica a consumação do crime. Ora, a esta conceção subjaz o cariz particularmente perigoso das atividades em questão e a ideia do tráfico como processo e não tanto como resultado de um processo. Na verdade, o tráfico de droga assume consequências pessoais e sociais devastadoras (...) que justificam plenamente uma intervenção penal preventiva sobre o processo que conduz a tais consequências, abrangendo várias atividades relacionadas com a atuação no mercado onde a droga se transaciona (…).”↩︎
23. Que fixou a seguinte jurisprudência: «No crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que se realiza em actos reiterados, o momento que, por referência à data do trânsito em julgado da primeira condenação anterior, releva para aferir a existência da relação de concurso de conhecimento superveniente prevista no artigo 78.º do Código Penal é o da prática do último acto típico».
24. Neste sentido, Maia Costa, “O crime de tráfico de estupefacientes: o direito penal em todo o seu esplendor”, in Revista do Ministério Público, Abril -Junho de 2003, p. 93.
25. Neste sentido, v. g., AcSTJ de 21.10.2008 — Proc. n.º 08P1314.
26. AcSTJ de 15.9.2010 — Proc. n.º 1977/09.6JAPRT.S1. No mesmo sentido, v. g., AcTConst n.º 426/91, acessível no site do Tribunal Constitucional — «o escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia. Assim, o tráfico põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes; e, demais, afecta a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos.» — e Lourenço Martins, in “Droga e Direito”, 1994, p. 122 — «O bem jurídico primordialmente protegido pelas previsões do tráfico é o da saúde e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade, mais sinteticamente, a saúde pública. Protecção da própria humanidade [...] se encarada a sua destruição a longo prazo. Há quem fale ainda na protecção da liberdade do cidadão, em alusão implícita à dependência que a droga gera.». Realçando, em particular, o valor da liberdade individual, Pedro Patto, in “Comentário das Leis Penais Extravagantes”, II, 2011, p. 483 — «a toxicodependência atinge a dignidade da pessoa como ser livre. Há mesmo quem considere que é a liberdade, mais do que qualquer outro, o bem jurídico protegido através da criminalização do tráfico de estupefacientes.»
27. 9 AcSTJ de 15.1.2020 — Proc. n.º 23/17.0PEBJA.S1.
28. AcSTJ de 15.1.2020 citado.
29. 1 In Preâmbulo do Código Penal aprovado pelo Decreto -Lei n.º 400/82, de 23.9.
30. AcSTJ de 29.10.2008 — Proc. n.º 08P2961.
31. Pedro Patto, in “Comentário das Leis Penais Extravagantes”, 2011, II, p. 487.
32. Ou, para usar as palavras do AcTConst n.º 426/91, de 6.11.191, in www.tribunalconstitucional.pt., porquanto não pressupõe «nem o dano, nem o perigo de um concreto bem jurídico protegido pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para uma ou mais espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para causar um perigo para um desses bens jurídicos».
33. Faria Costa, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, 1999, II, p. 867.
34. Neste sentido, AcTRC de 24.11.2004 — Proc. n.º 2701/04.
36. AcSTJ de 15.1.2020 — Proc. n.º 23/17.0PEBJA.S1 já citado.
37. Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, 3.ª ed. GestLegal, Coimbra, 2019, p. 359-360.
38. Direito Penal, Parte Geral, Tomo 1. Fundamentos – A Estrutura da Teoria do Crime, tradução da 5.ª edição alemã, Marcial Pons Brasil, Lda, 2024, p. 136.
39. Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 3.ª ed., pp. 96 e
Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime, 2ª Reimpressão, Coimbra Editora, pp. 114 e segs.
40. Retomado o afirmado em acórdãos anteriores e convocando, entre outros, os acórdãos de 6.2.2019, Proc. 98/12.9GCSCD.L1.S1, de 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 3613/19.3JAPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt, e da doutrina, Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, pp. 611-678, e Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., Coimbra Editora, 2011, pp. 232-357).
41. «Estratégia da UE em Matéria de Drogas 2021-2025», adotada pelo Conselho da União Europeia, em https://www.consilium.europa.eu/media/54087/qc0521073ptn_002.pdf.
42. Assim, Relatório Anual de Segurança Interna, ano 2022, p. 28, https://www.portugal.gov.pt/pt/gc23/comunicacao/documento?i=relatorio-anual-de-seguranca-interna-2022
43. European Drug Report 2023: Trends and Developments, https://www.emcdda.europa.eu/publications/european-drug-report/2023/cocaine_en