RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
REJEIÇÃO DE RECURSO
COMPETÊNCIA DO RELATOR
RECLAMAÇÃO
TRIBUNAL PLENO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
INADMISSIBILIDADE
Sumário


I. Não é admissível reclamação para o pleno das secções criminais do acórdão da secção criminal que, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPP, rejeitou o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência por ter concluído pela não oposição de julgados.
II. Não é admissível reclamação para a conferência de despacho do relator que não admitiu a reclamação do acórdão para o pleno das secções criminais.
III. Proferido o acórdão rejeitou o recurso por não oposição de julgados, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPP, esgotou-se o poder jurisdicional quanto a esta matéria – artigo 152.º, n.ºs 2 e 3, e 613.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 4.º do CPP –, sem prejuízo dos poderes do tribunal de, com a mesma composição, mediante acórdão, proceder à retificação de erros materiais, suprir nulidades e reformar o acórdão (artigo 613.º, n.º 2, do CPC), o que, no processo penal, se encontra regulado, com disciplina própria, nos artigos 379.º e 380.º do CPP, aplicável aos acórdãos proferidos em recurso extraordinário de fixação de jurisprudência nos termos do artigo 425.º, n.º 4, e 448.º do mesmo diploma.
IV. O requerente não invoca nulidades que devam ser supridas ou vícios que devam ser corrigidos em conformidade com o previsto nos artigos 379.º e 380.º do CPP, em acórdão a proferir pela secção.
V. Assim, por inadmissibilidade legal (artigos 613.º, n.ºs 1 e 2, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP e 379.º e 380.º do CPP, a contrario), é rejeitada a reclamação para a conferência do despacho do relator que rejeitou a reclamação do recorrente do acórdão que rejeitou o recurso de fixação de jurisprudência por não haver oposição de julgados.

Texto Integral

Acordam em conferência na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.03.2023, transitado em julgado em 11.09.2023, o qual negou provimento a um recurso por si interposto do acórdão condenatório do Juízo Central Criminal de ... (Juiz 6), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, que lhe aplicou a pena única de 7 anos e 10 meses de prisão, pela prática de crimes de abuso de confiança agravado, insolvência dolosa, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada, alegando que este acórdão se encontra em oposição com o decidido no acórdão de 10.11.2004, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 04P2252, publicado na base de dados de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, em www.dgsi.pt.

2. Por acórdão de 28 de fevereiro de 2024, foi decidido rejeitar o recurso, com fundamento no disposto no artigo 441.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código de Processo Penal («CPP»), «por não haver oposição de julgados».

Fundamentou-se a decisão de rejeição nos seguintes termos (transcrição):

«12. A questão de direito, que se constitui no objeto do recurso, «diz respeito», segundo o recorrente, «aos pressupostos e elementos essenciais do crime previsto no número 1 do artigo 205.º do CP», pois que, na sua argumentação, «a aplicação da norma em apreço, como resulta do Acórdão recorrido, com exclusão do pressuposto reconhecido no Acórdão fundamento, (…) significa não só uma oposição entre duas soluções diferentes (…) mas também a existência de entendimentos decisiva e estruturalmente diferentes no que respeita à compreensão do tipo previsto e punido no artigo 205.º, n.º 1, do CP, sendo que um desses entendimentos (o do Acórdão recorrido) tem como efeito último que se permita a punição com dispensa da concretização da conduta ou ação em que a apropriação se consubstancia (e do momento e termos da sua ocorrência)», donde extrai que «fica demonstrado que os dois Arestos são divergentes no que respeita ao estabelecimento dos pressupostos e elementos essenciais do crime, que é esta a questão de Direito objeto de conflito de jurisprudência», importando «fixar critérios para a interpretação e aplicação uniformes» deste preceito.

13. Os acórdãos foram proferidos no âmbito da mesma legislação, isto é, na vigência do n.º 1 do artigo 205.º do Código Penal, que tipifica o crime de abuso de confiança, em cuja interpretação e aplicação, alegadamente contraditórias, se funda a invocada questão de direito.

Dispõe este preceito, na parte que agora interessa (sendo irrelevante a alteração introduzida pela Lei n.º 8/2017, de 3 de março), que: «Quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel (…) que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.»

Há, pois, que determinar se se verifica a oposição de julgados.

14. Examinado o processo, da certidão do acórdão recorrido junta e do texto do acórdão fundamento publicado na internet, extrai-se o seguinte, como, em síntese, indica o Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu parecer:

14.1. Quanto aos factos e à questão decidida no acórdão recorrido

Resulta do acórdão recorrido que (transcrições em itálico):

(a) O arguido foi condenado, no Juízo Central Criminal de ..., pela prática de vinte e três crimes de abuso de confiança agravado p. e p. pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), do Código Penal. Recorreu da condenação para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 28.03.2023, negou provimento ao recurso, «declarando-o totalmente improcedente».

(b) No recurso, em que foi proferido o acórdão recorrido, estava em causa, para além do mais, a qualificação jurídica dos factos provados.

(c) Defendia o arguido que o acórdão da 1.ª instância, «ao condenar o arguido em 23 crimes de Abuso de Confiança, fê-lo sem o necessário preenchimento dos elementos do tipo legal objectivo de tal crime pois, os factos trazidos pela Pronúncia e que deram lugar aos factos provados de 1º a 721º poderão, quando muito, preencher o tipo legal do crime de Infidelidade p. p. artigo 224º do Código Penal».

Alegando, em síntese, que «é sobretudo no conceito de apropriação que reside a diferenciação entre o crime de Infidelidade e o crime de Abuso de Confiança», que era «efectivo "dono" das farmácias identificadas nos autos», que nunca se apropriou «de algo que lhe fosse entregue a título não translativo de propriedade, mas sim gozando de amplos poderes de administração, sem uma finalidade determinada, e sem que houvesse a expectativa de restituição

(d) Mas, disse o Tribunal da Relação, «Manifestamente não tem razão». Justificando assim esta afirmação:

«O abuso de confiança é um crime contra a propriedade: apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detém ou possui em nome alheio.

No crime de abuso de confiança, o agente não subtrai a coisa da titularidade ou posse de outrem, sem ou contra sua vontade; ela encontra-se já na mão do agente, a quem foi entregue, mas a título não translativo. Isto é, o agente não se arrisca, no caso do abuso de confiança, numa actividade mais ou menos complicada, tendente a apoderar-se da coisa, pois que ela vem parar-lhe às mãos, por meio de uma entrega voluntária, do seu proprietário ou de terceiro, entrega que, todavia, como é do seu conhecimento, é precária e não translativa.

O dolo deste crime consiste em que o agente saiba que deve restituir, apresentar ou aplicar a certo fim a coisa que detém em seu poder e que queira apropriar-se dela, isto é, integrá-la no seu próprio património – Carlos Alegre, Crimes contra o património, Revista do Ministério Público, Cadernos, 3, pgs. 77 e 78».

E, acrescentando, na apreciação do caso, em concreto:

«Vejamos agora se o crime foi cometido pelo arguido, apreciando um a um os respectivos elementos do tipo:

1.º elemento - o recebimento de dinheiro ou outra coisa móvel, por título que produza para aquele que recebe a obrigação de restituir a mesma coisa ou um valor equivalente, ou aplicá-la a um uso, trabalho ou emprego determinado;

2.º elemento - o descaminho (desvio ilícito do caminho devido, do fim prescrito) ou a dissipação (gasto ilícito daquilo que deve conservar-se) por parte de quem recebe;

3.º elemento - o prejuízo ou a possibilidade de prejuízo para o proprietário, possuidor ou detentor da coisa entregue;

4.º elemento - o dolo. O crime de abuso de confiança é um crime essencialmente doloso, e para que exista o dolo é preciso: a) que o agente saiba que deve restituir, apresentar ou aplicar a certo fim a coisa que tem em seu poder; b) que queira descaminhá-la ou dissipá-la; c) que preveja que deste descaminho ou dissipação resultará um prejuízo ou perigo dele para o proprietário, possuidor ou detentor da coisa. – cfr. a este propósito o Acórdão do STJ de 25.03.1981, BMJ, 305.º - 180.

Ora, ficou provado o seguinte:

1103.º A partir de 2001, o arguido decidiu utilizar as disponibilidades financeiras das farmácias para obter, em seu proveito, veículos de gama alta, obras de arte, barcos e outros bens, sempre com contratos e cheques assinados pelos directores técnicos, integrando-os no seu património e usando-os exclusivamente em benefício próprio.

1104.º Decidiu, também, fazer suas quantias pertencentes às sociedades – quer através de movimentações a débito nas contas destas, incluindo de montantes nelas creditados por via de empréstimos bancários às mesmas, quer através da apropriação de numerário entrado em caixa nos estabelecimentos –, e com aquelas pagar as obrigações mensais decorrentes dos vários créditos à habitação – quer para compra, quer para construção –, dos diversos prédios de que era proprietário – ainda que registados em nome de terceiros –, nomeadamente os destinados à habitação sitos em ..., ... e ..., assim como valores devidos pela compra de outras farmácias.

1105.º Em concretização de tal propósito, quanto a valores em numerário que constituíam o apuro de caixa de farmácias, o arguido dava ordens às trabalhadoras da Alguer para não os depositarem nas contas das sociedades, mas sim na sua conta pessoal para pagamento das prestações referentes aos imóveis acima indicados, de habitação permanente e segundas habitações (1).

Dúvidas inexistem assim que houve crimes de abuso de confiança, pois, como vimos, encontram-se preenchidos os respectivos elementos do tipo, e não de infidelidade.

Houve apropriação.»

14.2. Quanto aos factos e à questão decidida no acórdão fundamento:

Extrai-se do acórdão fundamento que:

a. No Processo Comum Coletivo n.º 2342/00.6... do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, o arguido AA, condenado pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º. 1 e n.º 4, alínea b), do Código Penal, recorreu para o tribunal da Relação, que concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e absolvendo o arguido da prática desse crime.

a. Do acórdão da Relação recorreram o Ministério Público e a assistente para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela condenação do arguido por, em seu entender, haver erro de julgamento face à matéria de facto provada.

b. Apreciando a questão que lhe foi colocada, que era a de saber se os factos provados integravam aquele tipo de crime – «Os recursos do Ministério Público e da assistente colocam, como questão essencial, a decisão sobre a verificação do crime de abuso de confiança, que estaria inteiramente integrado perante os factos provados», lê-se no acórdão –, o Supremo Tribunal de Justiça considerou necessário verificar «previa e oficiosamente, (…) se os factos provados são suficientes para a decisão, ou se não existe alguma contradição essencial entre a fundamentação e a decisão».

c. Nesse sentido, começou por analisar os elementos de tipicidade do crime de abuso de confiança, dizendo:

«Elemento central da tipicidade do crime de abuso de confiança é a apropriação de «coisa móvel» que tenha sido entregue ao agente por título não translativo da propriedade; o núcleo da acção típica situa-se, assim, na apropriação, ut domini, afectando a confiança com base na qual a «coisa móvel» havia sido entregue; a apropriação é a actuação que revela, externa e materialmente, a inversão do título de posse que constitui o momento essencialmente relevante para a integração dos elementos e para a consumação do crime, sendo a intenção que exista anteriormente à inversão do título de posse tipicamente irrelevante.

O crime de abuso de confiança pressupõe, pois, a quebra da «relação de fidúcia» que intercede entre o agente e o proprietário da coisa e entre o agente e a própria coisa - quer seja uma relação anterior de confiança (artigo 205º, nº 1), quer seja uma relação especial e positivamente determinada na lei («depósito imposto por lei» - nº 5). (…)

Elemento, pois, da essencialidade típica é a apropriação; o agente tem que fazer sua a coisa, passando a actuar uti domini, como se fosse o verdadeiro proprietário. A apropriação tem que ser "para si"; mesmo que o agente dê a coisa gratuitamente a outra pessoa, tem que haver um momento, ao menos lógico, em que o agente se apropria da coisa (cfr., v. g., acórdãos deste Supremo Tribunal, de 24 de Março de 2004, proc. 2142/03, e de 10 de Março e 2004, proc.216/04).

Por isso, a prova da apropriação deve ser de tal modo que revele exteriormente a intenção de actuar uti domini, supondo, em caso de coisa de máxima fungibilidade como é o dinheiro e em situações de preexistência de relação contratualmente formatada, a exteriorização de comportamentos que se afastem manifestamente do domínio ainda próximo das disfunções de cumprimento e mora, e revelem, claramente, que a confundibilidade patrimonial e a utilização de quantias monetárias ocorram com a plena e determinada intenção de não restituir

d. Constatou, então, o Supremo Tribunal que não lhe era possível decidir a questão colocada, por a matéria de facto provada conter «em si mesma, algumas insuficiências e contradições», que identificou nos seguintes termos:

«Com efeito, nos pontos 7 e 8 da matéria de facto consigna-se que o arguido não procedeu ao depósito da quantia de 10.186.404 escudos (que recebeu em numerário) a que contratualmente estava obrigado, mantendo em seu poder tal quantia.

E apesar de pressionado (ponto 10), o arguido apenas depositou na conta da assistente cheques titulando a referida quantia, mas que sabia irregularmente sacados (pontos 11, 12, 13, 14 e 15 da matéria de facto).

Também se provou que o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito, concretizado, de não entregar à assistente a referida quantia, que fez sua, bem sabendo que a mesma lhe não pertencia e que estava abrigado a entregá-la (ponto 16).

Provou-se ainda que a assistente foi sendo sucessivamente indemnizada (ponto 30), encontrando-se em dívida apenas 15.000 €.

A compatibilidade entre todos estes factos não é, todavia, clara, com a certeza que tem se ser encontrada na prova e determinação de um elemento central da tipicidade.

Na verdade, o ponto 16 da matéria de facto (propósito concretizado de não entregar a referida quantia) não é inteiramente compatível com a afirmação de que a quantia foi sendo sucessivamente entregue (ponto 30).

Esta não compatibilidade intrínseca na lógica das correspondências e correlações factuais constitui, por um lado, insuficiência dos factos pare determinar a verificação, ou a não verificação, da apropriação, com o sentido exigido pelo artigo 205º do Código Penal (a inversão do título de posse), e por outro revela uma contradição entre factos - a intenção de apropriação não se compatibiliza bem com a posterior (embora parcial) entrega

e. Concluindo, assim, pela verificação da «existência dos vícios referidos no artigo 410º, nº 2, alíneas a) e b), do CPP» – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão –, pelo que, revogando o acórdão recorrido, determinou o reenvio do processo, nos termos do artigo 426.º do CPP, segundo o qual, sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.

15. Do que vem de se expor resulta claramente demonstrada a diversidade das questões de direito que tiveram de ser resolvidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, uma de natureza material e outra de natureza processual, convocando normas diferentes, inscritas na ratio decidendi – o artigo 205.º, n.º 1, do Código Penal, no acórdão recorrido, e os artigos 410.º, n.º 2, al. a) e b), e 426.º do CPP, no acórdão fundamento.

No acórdão recorrido, não havendo obstáculo processual, o tribunal pronunciou-se sobre o objeto do processo, isto é, sobre se os factos descritos na acusação e dados como provados em julgamento permitiam concluir ter havido «apropriação» de «coisa móvel alheia» e, sobre se, consequentemente, se mostravam preenchidos os elementos típicos do crime de abuso de confiança, tendo concluído que os factos constituíam este tipo de crime, por que o recorrente foi condenado.

No acórdão fundamento, colocava-se idêntica questão material, em resultado de convocação e interpretação da mesma disposição legal (artigo 205.º, n.º 1, do CP) em sentido convergente com a do acórdão recorrido – era também o problema de saber se dos factos provados resultava ter havido «apropriação» de coisa alheia, enquanto elemento essencial do ilícito –, mas o Supremo Tribunal deparou-se com questões processuais resultantes de vícios da decisão em matéria de facto dada como provada, que teve de resolver e o impediram de decidir a questão de direito que lhe era colocada; pelo que, perante a insuficiência e contradição verificadas, teve que reenviar o processo para novo julgamento com vista ao suprimento desses vícios.

16. Pelo exposto, impondo-se concluir que as decisões proferidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento não contêm soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito. deve o recurso ser rejeitado, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do CPP, por não se verificar oposição de julgados.»

3. Notificado do acórdão, dele veio o recorrente AA «apresentar reclamação» em requerimento dirigido aos «Juízes Conselheiros da 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça», que termina com as seguintes conclusões (transcrição):

«A. O Acórdão, datado de 28.02.2024, decide pelo não preenchimento do requisito substancial de “oposição de julgados”;

B. O Acórdão, datado de 28.02.2024, afirma que do Acórdão fundamento consta uma questão jurídica diversa daquela que havia sido identificada, no dia 21.02.2024, na mesma 3.ª Secção Criminal, nos mesmos autos dos quais resulta o presente apenso de recurso e com os mesmos intervenientes e acórdãos fundamento e recorrido, sem qualquer fundamento para uma tal divergência;

C. No Acórdão de 21.02.2024, a identificação da questão jurídica em causa no Acórdão fundamento corresponde, salvo o devido respeito, àquela que o Recorrente invocou, nos presentes autos, como tendo merecido decisão diversa no Acórdão recorrido;

D. O que motivaria o preenchimento desse requisito substancial do recurso para fixação de jurisprudência e a prolação de uma decisão que admitisse o prosseguir da tramitação dos presentes autos ao invés daquela que foi proferida em 28.02.2024 e da qual agora se reclama e permite concluir pela errada interpretação do art. 437.º, n.º 1, do CPP;

E. A presente impugnação é admissível porquanto ao recurso para fixação de jurisprudência aplicam-se, subsidiariamente, as disposições que regulam os recursos ordinários, conforme art. 448.º do CPP, e destas (em particular das normas constantes do art. 417.º, n.ºs 6 e 8, do CPP) não resulta qualquer impedimento à sua aplicação ao caso do recurso previsto no art. 437.º, n.º 2, do CPP, considerando o paralelismo detetável entre a tramitação de ambos;

F. As semelhanças, nomeadamente quanto à existência de duas fases de tramitação (preliminar e subsequente) em ambos os recursos sempre determinaram a aplicação, ainda que com adaptações, do disposto no art. 417.º, n,.ºs 6 e 8 do CPP,

G. Equiparando-se a decisão do Relator no recurso ordinário (art, 417.º, n.º 6 do CPP) à decisão da conferência do art. 441.º, n.º 1, do CPP e, bem assim,

H. A decisão pela conferência nos recursos ordinários, fase subsequente, à decisão pela conferência do Pleno das Secções Criminais do STJ nos recursos de fixação de jurisprudência (art. 443.º do CPP);

I. A interpretação da norma constante do art. 441.º, n.ºs 1 e 3 , isoladamente ou conjugadas com as normas que constam dos artigos 448.º e 4.º, artigos 417.º, n.ºs 6, alíneas a) e b); 7 e 8; e ainda artigos 399.º; 400.º (a contrario) e 11.º (todos do CPP), no sentido de a decisão de rejeição do recurso de fixação de jurisprudência previsto nos artigos 437.º, n.º2, com fundamento na inadmissibilidade do mesmo ou na não oposição de julgados, não ser passível impugnação, através de reclamação ou recurso para a conferência do Pleno das Secções Criminais do STJ, à qual se atribui competência para a apreciação do recurso (443.º do CPP) e à qual se tem reconhecido o poder de conhecer novamente da existência de oposição de julgados , consubstancia interpretação e aplicação das referidas normas em sentido desconforme à Constituição da República Portuguesa (doravante CRP);

J. Implicando uma violação do princípio da separação de poderes e do princípio da legalidade inerentes ao Estado de Direito Democrático (artigos 1.º e 2.º da CRP), afirmados e traduzidos na necessidade de assegurar a segurança jurídica (quanto à identificação das normas aplicáveis em cada caso), com assento no art. 18.º, n.º 3 e 32.º, n.º 9, bem como a proporcionalidade (com a menor ablação possível dos direitos dos cidadãos, incluindo o direito à impugnação e a uma tutela jurisdicional efetiva).

K. Uma tal interpretação ablativa viola o princípio da tipicidade dos atos normativos, colocando o Julgador na posição de, caso a caso, escolher os atos normativos que pretende ou não aplicar através da prolação de decisão judicial que, no caso, teria um efeito abrogante ou, pelo menos, suspensivo do disposto nos art. 448.º e 4.º do CPP, em clara violação do disposto no artigo 112.º da CRP (em particular do disposto no n.º 5) e, igualmente, do princípio do juiz natural (art. 32.º, n.º 9., da CRP) na medida em que se permitiria uma exclusão / recusa da competência da Conferência do Pleno das Secções Criminais para apreciação dos méritos da decisão que rejeita o recurso com fundamento na sua inadmissibilidade ou por falta de oposição de julgados .

L. Além de se afigurar interpretação das referidas normas que sempre colidiria com o plasmado na Lei Fundamental, nos artigos 202.º e 203.º, dos quais resulta a vinculação dos Tribunais à lei (seja em sentido amplo, do Direito, seja em sentido estrito, enquanto conjunto dos atos normativos de natureza infra-constitucional), nomeadamente no que respeita à prévia fixação da sua competência (ainda que através de normas subsidiariamente aplicáveis ou da integração de lacunas pela forma prevista na lei processual).

M. A pretensa inexistência de um direito à reação da decisão de rejeição do recurso para fixação de jurisprudência, sempre redundaria na limitação, desproporcional, desnecessária e desadequada, do direito à tutela jurisdicional efetiva (com assento no artigo 20.º da CRP) e violadora das garantias do processo penal – e o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência em causa nos autos está compreendido no dito processo – entre as quais se destaca o acesso do arguido a todas as garantias de defesa, incluindo [mas sem exclusão de outras], o direito ao recurso (n.º 1, do art. 32.º).

N. O Acórdão indicou a convocação de normas diferentes nas decisões dos Acórdãos fundamento e recorrido para concluir pela não oposição de julgados.

O. Desconsiderando-se, no Acórdão reclamado, que a questão do art. 205.º, n.º 1, do CP, quanto ao conceito da apropriação enquanto elemento do tipo penal aí previsto e seu preenchimento constitui uma decisão autónoma (além da aplicação do art. 410.º e do art. 426.º, ambos do CPP) mas que, a não ter tal autonomia, sempre se teria de considerar como elemento que condicionou de forma essencial a aplicação dos referidos preceitos processuais.

P. Ao desconsiderar essa circunstância, interpretou erradamente e de forma restritiva esse requisito e, além disso, entrou em oposição com jurisprudência do próprio STJ já transitada em julgado que considerou que o mesmo também se verifica quando as soluções jurídicas em confronto sobre a mesma matéria de Direito constarem de fundamentos que tenham condicionado, de forma essencial e determinante, a decisão do Acórdão fundamento e/ou recorrido, como acontece quanto à questão de Direito a apreciar no presente recurso.

Q. À cautela e pelos motivos antes referidos, conclui-se que o recurso não pode ser rejeitado pelo Pleno das secções com fundamento na falta de identidade das situações de facto apreciadas nos Acórdãos fundamento e recorrido.

R. O critério da identidade das situações de facto só tem aplicação aos casos em que sejam os factos a conformar as decisões aparentemente opostas e já não quando os Arestos divirjam quanto à interpretação do Direito, que é o que ocorre quando se estabelece como se revela o pressuposto de um crime, exercício perfeitamente alheio aos concretos factos discutidos em cada processo.

S. Acórdãos fundamento e recorrido são demonstrações claras de que para esse efeito são irrelevantes ou inócuos os concretos factos a sujeitar a subsunção, motivo pelo qual, num e noutro, tal exercício se fez sem recurso a qualquer facto mas apenas e tão -só interpretando (embora de forma divergente) o tipo de crime e o concreto pressuposto da apropriação.

T. Outra clara demonstração de que o estabelecimento e densificação do elenco dos pressupostos do crime de abuso de confiança (e de qualquer crime) é exercício puramente jurídico e interpretativo, de forma nenhuma “contaminado” ou determinado pelos concretos factos provados em cada processo, tal como ocorreu nos Acórdãos fundamento e recorrido, é a certeza de que a jurisprudência a ser fixada poderá e deverá (salvo densíssima e cuidada fundamentação, nos termos do disposto no número 3 do artigo 445.º do CPP) ser acolhida em qualquer processo em que se discuta a prática desse crime, independentemente das situações de facto que nele se deem como provadas.

U. A melhor interpretação dos Acórdãos que se referem à inocuidade da diferença das situações de facto é entendê-la como exceção à regra da identidade, que não é nem pode ser absoluta, pelo que mal andará mal Acórdão que perfilhe entendimento diverso.

V. Fazendo-o, gerará nova oposição entre Acórdãos do STJ quanto a esse requisito substancial do recurso, porquanto jurisprudência transitada em julgado admite a inocuidade da diferença entre situações de facto.

W. Por fim, tal interpretação dos números 1 e 2 do artigo 437.º do CPP, no sentido de que a identidade das situações de facto tem que se verificar em todo e qualquer caso e também no caso destes autos, em que se opõem tão-só diferentes soluções quanto ao elenco e densificação dos pressupostos de um tipo de crime, é violadora do princípio da separação de poderes e do princípio da legalidade inerentes ao Estado de Direito Democrático (artigos 1.º e 2.º da CRP), do princípio da tipicidade dos atos normativos (número 5 do artigo 112.º da CRP) e do princípio da proporcionalidade (números 2 e 3 do artigo 18.º da CRP), pois que, por via de criação e interpretação jurisprudencial, se restringe de forma desadequada e desproporcional o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP) e a garantia de Defesa que o recurso, incluindo o dirigido à fixação de jurisprudência, constitui (número 1 do artigo 32.º da CRP).

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas., Colendos Senhores Juízes Conselheiros do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, mui doutamente suprirá, requer-se que se dignem admitir a presente Reclamação e, considerando-a procedente, revoguem a decisão de 28.02.2024, ordenando o prosseguimento da tramitação do recurso de fixação de jurisprudência interposto.»

4. A reclamação foi rejeitada por despacho do relator de 27 de junho de 2024, nos seguintes termos (transcrição):

«3. Proferido o acórdão que decidiu rejeitar o recurso por não oposição de julgados, nos termos do artigo 441.º do CPP, esgotou-se o poder jurisdicional quanto à matéria do recurso – artigo 152.º, n.ºs 2 e 3, e 613.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 4.º do CPP. Isto sem prejuízo dos poderes do tribunal, oficiosamente ou a requerimento dos sujeitos processuais, proceder à retificação de erros materiais, de suprir nulidades e de reformar o acórdão (artigo 613.º, n.º 2, do CPC), o que, no processo penal, se encontra regulado, com disciplina própria, nos artigos 379.º e 380.º do CPP, aplicável aos acórdãos proferidos em recurso extraordinário de fixação de jurisprudência nos termos do artigo 425.º, n.º 4, e 448.º do mesmo diploma.

Como salienta o Senhor Procurador-Geral Adjunto, citando jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça e anotação de Pinto de Albuquerque ao artigo 441.º do CPP, a lei do processo penal apenas admite reclamação do acórdão, perante o tribunal que o proferiu, nos termos e para os efeitos previstos nestes preceitos.

4. À conferência são atribuídos, em termos gerais, poderes para julgar as reclamações de decisões anteriores do relator a que se refere o artigo 417.º, n.º 8, do CPP – de decisões sumárias e de decisões sobre o efeito do recurso ou sobre renovação de provas e pessoas a convocar (n.ºs 6 e 7 do mesmo preceito) – para julgar recursos (artigo 419.º quanto ao recurso ordinário e artigo 441.º quanto ao recurso de fixação de jurisprudência) e para conhecer de nulidades ou retificar acórdãos (artigos 379.º e 380.º já citados).

A invocada competência do pleno das secções criminais para conhecer de reclamação do acórdão proferido em conferência da secção criminal, por «equiparação» com o regime da reclamação de decisão (singular) do relator para a conferência da secção criminal (artigo 417.º, n.ºs 6 a 8), resultaria, na procedência do argumento do recorrente, num alargamento da competência do pleno para uniformizar jurisprudência (artigos 11.º, n.º 3, al. c), e 443.º do CPP), não consentida por lei, que, devendo ser e não sendo expressa nesse sentido, implicaria o inadmissível reconhecimento de uma lacuna («caso omisso») a preencher por essa via nos termos do artigo 4.º do CPP (aplicação por analogia de uma disposição deste código em matéria de recurso ordinário a um recurso extraordinário).

5. No requerimento que apresenta, o arguido não invoca nulidades que devam ser supridas ou vícios que devam ser corrigidos em conformidade com o previsto nos artigos 379.º e 380.º do CPP.

Em substância, vem posto em causa o mérito da decisão, pretendendo o recorrente, por esta via de «reclamação», o reexame do decidido no acórdão pelo pleno das secções criminais e a prolação de nova decisão que, indo de encontro à sua pretensão, reconheça a oposição de acórdãos (requer aos juízes conselheiros que «revoguem a decisão de 28.02.2024, ordenando o prosseguimento da tramitação do recurso de fixação de jurisprudência interposto»).

O que também equivaleria à subversão do procedimento imposto pela al. c) do n.º 3 do artigo 11.º do CPP segundo o qual a competência do pleno das secções criminais para «uniformizar jurisprudência», no dizer do preceito, se exerce nos «termos dos artigos 437.º e seguintes», que não admitem a pretendida «reclamação».

6. A alegação das inconstitucionalidades que o requerente considera verificadas pelo não acolhimento dos seus pontos de vista e pela consequente não satisfação da sua pretensão não pode agora ser conhecida.

Esgotado o poder jurisdicional pela prolação do acórdão agora «reclamado» e limitada a possibilidade de reclamação aos fundamentos das nulidades e às incorreções previstas nos artigos 379.º e 380.º do CPP, nesta não se compreende a arguição ex novo de inconstitucionalidade não suscitada anteriormente, que se impõe no sistema de controlo difuso de constitucionalidade estabelecido na Constituição e na Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, que requer que a inconstitucionalidade normativa haja sido suscitada «durante o processo» (artigo 280.º, n.º 1 al. b) da Constituição e 70.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82), cujo objeto é conhecido pela sentença (artigo 97.º do CPP).

7. Pelo exposto, sendo a «reclamação» «matéria pendente» cujo conhecimento não se inscreve nos poderes da conferência, devendo, pois, ser decidida pelo relator (artigos 6.º e 152.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 4.º do CPP), rejeita-se, por inadmissibilidade legal, a «reclamação» do recorrente.

Custas do incidente pelo requerente, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC (artigos 524.º do CPP e 1.º e 8.º do Regulamento das Custas Processuais e tabela III em anexo).»

5. Notificado deste despacho, vem agora o recorrente dele apresentar «reclamação para a conferência» nos termos e com os fundamentos seguintes:

« II. DO DOUTO DESPACHO DE 27.06.2024

4. O douto despacho, datado de 27.06.2024, contém decisão sobre a Reclamação que o Arguido apresentou do douto Acórdão que rejeitou o Recurso de Fixação de Jurisprudência dos presentes autos.

5. Reclamação cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido.

6. Ora, a decisão contida no Despacho que agora se coloca em crise é de rejeição, por inadmissibilidade legal, da referida Reclamação, a qual se entendeu (e entende) deveria ser decidida pelo Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça.

7. E é essa Decisão (e respetivos fundamentos) que, não merecendo a concordância do Recorrente, constitui o objeto da presente Reclamação nos termos e com os fundamentos que se passam a expor:

III. DA NULIDADE DA DECISÃO SINGULAR

6. Consta do douto Despacho, como fundamento para a prolação da Decisão Singular pelo Colendo Juiz Conselheiro Relator, o seguinte:

“Pelo exposto, sendo a «reclamação» «matéria pendente» cujo conhecimento não se inscreve nos poderes da conferência, devendo, pois, ser decidida pelo relator (artigos 6.º e 152.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 4.º do CPP), rejeita-se, por inadmissibilidade legal, a «reclamação» do recorrente.”

9. As referidas normas, referidas como habilitantes e nas quais radicaria a competência do Colendo Conselheiro Relator para a tomada da decisão singular sobre a admissibilidade legal (ou não) da Reclamação em tempo apresentada pelo Arguido, têm a seguinte redação:

i. Artigo 6.º do CPC:

“1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.

2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.”

ii. Artigo 152.º do CPC:

“1 - Os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores.”

iii. Artigo 4.º do CPP:

“1 - Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal.”

10. Sucede, desde logo, que aquelas normas não podem justificar o alargamento da competência do Colendo Relator quando, do regime do artigo 437.º e ss. do CPP, resulta uma limitação expressa dos poderes do mesmo no que à tramitação dos recursos de fixação de jurisprudência respeita2.

11. O regime legal quanto à tramitação dos recursos de fixação de jurisprudência é taxativo quanto aos limitados poderes do Juiz Relator, admitindo-se, apenas, a intervenção deste nos casos e para os efeitos previstos no artigo 440.º do CPP, ou seja, limitando a intervenção deste à determinação de junção de certidão do acórdão fundamento (n.º 2 do referido preceito) e à elaboração de projeto de acórdão (cf. n.º 4 do mesmo artigo)3.

12. Toda a demais tramitação dos referidos recursos cabe ao Tribunal, em conferência, nos termos do 441.º e, admitido o recurso, igualmente em conferência mas já do Pleno das secções criminais (art. 443.º do CPP).

13. Aliás, em caso que tramita na mesma Secção desse Supremo Tribunal de Justiça, foi proferido um Acórdão na sequência de reclamação apresentada nos mesmíssimos termos.4

14. E essa decisão (colegial)5 foi prolatada em processo em que figura como Recorrente o mesmo Arguido, em que foi utilizado (embora para outra questão jurídica) o mesmo Acórdão fundamento e que teve, até recentemente, uma movimentação processual cronologicamente sempre próxima destes autos.

15. Do que resulta existir uma divergência quanto à forma que devem tomar as decisões que recaiam sobre reclamações apresentadas de Acórdãos que rejeitem, nos termos do n.º 1 do art. 441.º do CPP, recurso de fixação de jurisprudência – curiosamente gerando, assim, nova oposição de julgados.

16. Motivos pelos quais a decisão enferma de vício de nulidade [alíneas a) e e) do artigo 119.º do CPP], que vai arguida e expressamente se requer que seja apreciada.

17. De resto, não se afigura que a interpretação conjugada das normas já citadas – do art. 440.º e 441.º - possam permitir um alargamento da competência do Relator para a decisão sem violação do princípio do Juiz Natural (art. 32.º, n.º 9 do CRP), o que expressamente se invoca.

18. Sucede, também, que inexiste motivo para recorrer a normas do CPC para definição da competência quanto à decisão sobre Reclamação do Acórdão que rejeita o recurso de fixação de jurisprudência. Vejamos,

IV – DA ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO – PRETENSA LACUNA E SUAS CONSEQUÊNCIAS

19. Ainda que se entendesse existir, quanto à matéria dos poderes do relator, qualquer omissão legal no regime dos recursos extraordinários, o Arguido entende que a hipotética base legal para a prolação de uma Decisão Singular jamais poderia ser encontrada no CPC, ainda que por aplicação do disposto no art. 4.º do CPP.

20. Desde logo porque se desconsiderou na Decisão a primeira das normas que, em tese, poderia permitir a determinação de uma tal competência do Relator: a constante do art. 448.º do CPP.

21. Mas, ainda que tal norma (art. 448.º do CPP) fosse ao caso aplicável, entendendo-se (salvo o devido respeito, sem base bastante6) que o Juiz Relator pode promover um exame preliminar das reclamações (e não apenas dos recursos) e decidir sobre a respetiva admissibilidade, nos termos do disposto no art. 417.º, n.ºs 6 e 7, do CPP, sempre teria de se admitir a possibilidade de reclamar para a conferência de uma tal decisão singular, nos termos do disposto no n.º 8 do mesmo art. 417.º do CPP, o que expressamente se requer.

22. Excurso: o Arguido bem sabe que invocou a aplicação subsidiária de tais normas enquanto fundamento da admissibilidade da reclamação, mas fê-lo com a fundamentação então invocada e quanto a matéria que não se confunde, de todo, com a possibilidade de ser prolatada decisão singular7.

23. Mais, tanto quanto se percebe da fundamentação do douto Despacho, são mencionados vários Arestos do Colendo Supremo Tribunal de Justiça dos quais resulta a afirmação da inadmissibilidade de recurso ou reclamação do Acórdão prolatado nos termos do art. 441.º, n.º 1, primeira parte.

24. Mas tais Decisões citadas no parecer do MP - com que o Colendo Conselheiro Relator concordou, embora o arguido não o possa fazer -, terão, tanto quanto é possível perceber, sido Decisões Colegiais e não Singulares, como aquela que acabou por ser prolatada e que agora se coloca em crise.

Acresce que,

25. Tudo quanto se afirmou a respeito da desnecessária aplicação do art. 448.º do CPP – na medida em que o regime do recurso é claro quanto às concretas competências do Relator, cabendo todas as outras à Conferência – concorre para a infirmação da tese, plasmada na Decisão Singular agora contestada, de que existe, quanto a essa matéria (dos poderes do Relator) uma eventual omissão a suprir.

26. Mas, ainda que houvesse, o recurso ao mecanismo do art. 4.º do CPP, não principiaria pela aplicação de quaisquer normas processuais civis mas antes, como atesta a letra da dita norma, através da aplicação, por analogia, das normas do Código de Processo Penal.

27. Como se afigura claro, qualquer lacuna (a existir) relativa aos poderes do Colendo Relator seria suprida através da aplicação, concatenada, da norma constante do art. 448.º e dos n.ºs 6 e 7 do art. 417.º, todos do CPP, subsidiariamente e por analogia, adaptando o que fosse necessário adaptar, mas sempre sem exclusão da possibilidade de impugnação da Decisão singular (por aplicação do n.º 8 do art. 417.º do CPP), sob pena de segmentação arbitrária do regime e de uma ablação inconstitucional do direito à impugnação das decisões e a um processo equitativo (art. 32.º, n.º 1; 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP).

28. Ainda que assim não fosse, como, salvo o devido respeito por opinião contrária, se acredita ser, sempre se diria que a aplicação do art. 152.º do CPC pressupõe uma decisão sobre a matéria de fundo – da admissibilidade da reclamação para o Pleno das Secções Criminais – que não pode proceder.

29. Desde logo porque é Decisão que impacta na composição dos interesses do Arguido quando se afirma a inexistência de direito à Reclamação da decisão proferida nos termos do disposto no art. 440.º, n.º 1, primeira parte, do CPP, e o art. 152.º do CPC pressupõe a competência legal genérica do Relator para a prolação de sentença que decida a final de uma determinada questão.

30. Por outro lado, porque, nos termos do disposto no art. 628.º do CPC (e que teria de ser aplicado ex vi art. 4.º se esgotados os instrumentos de integração e lacunas a utilizar em primeiro lugar), apenas existe trânsito em julgado das decisões que não possam ser objeto de recurso ou de reclamação – tendo o Arguido fundamentado amplamente e até do ponto de vista da constitucionalidade o direito a este último – não estando esgotado o poder da Conferência para apreciar da Reclamação do Acórdão proferido ao abrigo do art. 440.º, n.º 1, primeira parte, do CPP.

31. E, mesmo que fosse necessária a integração de lacunas através do regime de recursos previsto no CPC, então também seria aplicável aquela outra norma constante do número 3 do artigo 652.º do CPC.8

32. Sendo permitido ao Arguido requerer que, sobre a questão objeto da Decisão do Colendo Relator (isto é, sobre a admissibilidade da Reclamação apresentada do Acórdão proferido ao abrigo do art. 440.º, n.º 1, do CPP), recaia Acórdão da Conferência, o que expressamente se requer ainda que a título subsidiário9.

V – OUTROS VÍCIOS DA DECISÃO RECLAMADA

33. Sustentada que está a legitimidade e interesse do Arguido para a apresentação da presente reclamação, importa abordar outros vícios da decisão, além da matéria da competência do Relator.

34. Desde logo, ao contrário do afirmado sob ponto 4. da decisão, a apreciação, pelo Pleno, da Reclamação do Acórdão que não admitiu o recurso, nunca redundaria num alargamento da competência daquele para uniformizar jurisprudência.

35. Esta mantém-se e expressamente: alínea c) do n.º 3 do artigo 11.º e n.º 1 do artigo 443.º, ambos do CPP.

36. O que se defendeu – e defende – é que o tribunal que é competente para conhecer do mérito do recurso (o Pleno) é, além disso e pelas razões que naquela sede se indicaram, em que se inclui a regra geral de possibilidade de impugnação de decisões judiciais em Processo Penal, também competente para sindicar a decisão da Conferência de rejeição do recurso com fundamento na falta de pressupostos de admissibilidade, em que se inclui a oposição de julgados.

37. O que, como é óbvio, não constitui qualquer violação daquelas normas de competência para uniformização de jurisprudência.

38. Por outro lado, ao contrário do afirmado sob ponto 5., não existe qualquer subversão do procedimento imposto pela alínea c) do artigo 11.º do CPP.

39. A tramitação prevista nos artigos 437.º e seguintes do CPP, para os quais aquela alínea remete, não fica de forma alguma colocada em causa pelo reconhecimento da possibilidade de reclamação, para o Pleno, do Acórdão que rejeita o recurso.

40. Desde logo, porquanto o próprio Pleno não se encontra vinculado ao Acórdão da Conferência que considere preenchidos os pressupostos de admissibilidade e, se assim é, não se pode extrair do reconhecimento, com base em preceitos legais e constitucionais, do direito à reclamação para o Pleno, qualquer violação de Lei e muito menos de subversão do procedimento.

41. Pelo contrário, é reconhecimento que só traz coerência ao sistema, pelo que não colhe a fundamentação incorporada no ponto 5 em defesa da impossibilidade legal de reclamação para o Pleno.

42. Finalmente, afirma-se sob ponto 6 que as inconstitucionalidades invocadas não podem agora ser conhecidas.

43. É que, salvo o devido respeito, que é muitíssimo, o Colendo Conselheiro Relator olvida que as questões de inconstitucionalidade suscitadas o foram não quanto à matéria dos pressupostos do recurso de fixação de jurisprudência propriamente ditos mas antes quanto ao tema da possibilidade de reclamação para o Pleno do Acórdão que rejeita o recurso.

44. Isto é, o Arguido fundamentou o seu direito à reclamação não só em normas infraconstitucionais como também na leitura, conforme à Constituição, dessas mesmas normas.

45. Ou seja, antecipou, como era seu dever e ónus legal, a possível interpretação inconstitucional (pelos motivos então invocados e que aqui se reafirmam na íntegra) das normas processuais penais, no sentido da inadmissibilidade legal de reclamação para o Pleno.

46. Ora, como o Arguido, apenas no momento em que apresentou a Reclamação, perspetivou a possibilidade de rejeição por inadmissibilidade legal, foram as questões de inconstitucionalidade oportunamente e em devido momento invocadas, ao contrário do que se refere no ponto 6., pelo que se impõe a sua fundamentada apreciação.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas., Colendos Senhores Juízes Conselheiros da 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, mui doutamente suprirão, requer-se que se dignem admitir a presente Reclamação e, considerando-a procedente, revoguem a decisão singular de 27.06.2024.

Com todas as consequências legais.»

6. Sobre esta pretensão do recorrente pronuncia-se o Senhor Procurador-Geral Adjunto dizendo (transcrição):

«6. Como se assinala, e bem, no despacho «reclamado», contra o acórdão que rejeitou o recurso de fixação de jurisprudência apenas restava ao arguido arguir nulidades (mas não invocar questões de inconstitucionalidade por não configurarem nulidades) ou requerer a sua correção para a conferência nos termos dos arts. 448.º, 425.º, n.º 4, 379.º e 380.º, todos do CPP, o que ele não fez.

7. Ora, incumbindo ao Sr. conselheiro relator, de acordo com o art. 652.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do art. 4.º do CPP, deferir todos os termos do recurso até final, não podia deixar de lhe competir também a apreciação e decisão da «reclamação» para o Pleno das Secções Criminais do acórdão que rejeitou o recurso de fixação de jurisprudência apresentada pelo arguido.

8. Donde que o despacho «reclamado» não padeça da nulidade que lhe é assacada nem mereça censura.

9. Seja como for, estabelecendo o art. 652.º, n.º 3, do CPC, aplicável, repete-se, por força do art. 4.º do CPP (a reclamação prevista no art. 417.º, n.º 8, do CPP invocado pelo arguido incide apenas sobre os despachos proferidos pelo relator nos termos dos n.ºs 6 e 7 do mesmo normativo), que a parte que se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão, nada temos a opor a que a reclamação da decisão singular de 27 de junho de 2024 seja admitida e decidida pela conferência.»

Apreciando e decidindo:

II. Fundamentação

7. Como se afirma no despacho do relator de 7.6.2024, proferido o acórdão que decidiu rejeitar o recurso por não oposição de julgados, nos termos do artigo 441.º do CPP, esgotou-se o poder jurisdicional quanto à matéria do recurso – artigo 152.º, n.ºs 2 e 3, e 613.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 4.º do CPP –, sem prejuízo dos poderes do tribunal, oficiosamente ou a requerimento dos sujeitos processuais, proceder à retificação de erros materiais, de suprir nulidades e de reformar o acórdão (artigo 613.º, n.º 2, do CPC), o que, no processo penal, se encontra regulado, com disciplina própria, nos artigos 379.º e 380.º do CPP, aplicável aos acórdãos proferidos em recurso extraordinário de fixação de jurisprudência nos termos do artigo 425.º, n.º 4, e 448.º do mesmo diploma.

À conferência são atribuídos, em termos gerais, poderes para julgar as reclamações de decisões anteriores do relator a que se refere o artigo 417.º, n.º 8, do CPP – de decisões sumárias e de decisões sobre o efeito do recurso ou sobre renovação de provas e pessoas a convocar (n.ºs 6 e 7 do mesmo preceito) – para julgar recursos (artigo 419.º quanto ao recurso ordinário e artigo 441.º quanto ao recurso de fixação de jurisprudência) e para conhecer de nulidades ou retificar acórdãos (artigos 379.º e 380.º já citados).

8. A invocada competência do pleno das secções criminais para conhecer de reclamação do acórdão proferido em conferência da secção criminal, por «equiparação» com o regime da reclamação de decisão (singular) do relator para a conferência da secção criminal (artigo 417.º, n.ºs 6 a 8), constitui uma construção processualmente inconsistente, sem base legal.

Como expressamente resulta das normas de atribuição de competência [Lei da Organização do Sistema judiciário («LOSJ» – Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e Código de Processo Penal («CPP»)], a competência do pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça («STJ») para uniformização de jurisprudência é definida e exercida nos termos da lei do processo.

Dispõe o artigo 53.º, alínea c), da LOSJ que compete ao pleno das secções do STJ, segundo a sua especialização, «uniformizar a jurisprudência, nos termos da lei de processo». E o artigo 11.º, n.º 3, al. c), do CPP, que compete ao pleno das secções criminais do STJ, em matéria penal uniformizar a jurisprudência, «nos termos dos artigos 437.º e seguintes».

9. O recurso de fixação de jurisprudência encontra-se estruturado em duas fases: a primeira fase, preliminar, destinada à verificação do oposição de julgados, que termina com acórdão da secção criminal que reconhece ou não a oposição (artigo 441.º do CPP); a segunda fase que, dependendo da verificação da oposição, se inicia com o acórdão que a declara (artigo 441.º, n.º 1, 2.ª parte), prossegue para fixação do sentido em que a jurisprudência deve ser fixada mediante acórdão da competência do pleno das secções criminais (artigo 443.º do CPP), e termina com a publicação do acórdão (artigo 444.º do CPP).

No regime do recurso, que é extraordinário, por respeitar a decisão transitada em julgado – o que, por razões de segurança jurídica, justifica uma regulamentação restritiva –, não se encontra qualquer norma especial que preveja a possibilidade de reclamação do acórdão da secção para o pleno. A admitir-se, essa possibilidade de reclamação pressuporia uma competência do pleno para a decisão preliminar, que só a lei poderia atribuir expressamente, pois que, como resulta dos princípios e regras gerais, a competência não se presume – como estabelece o artigo 10.º do CPP, a competência material e funcional dos tribunais em matéria penal é regulada pelas disposições deste Código e, subsidiariamente, pelas leis de organização judiciária.

10. Assim sendo, e não se prevendo na lei qualquer meio de impugnação (neste sentido: Damião da Cunha/Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Vol. II, UCP Editora, 5.ª ed., 2023, p. 740, anotação 3 ao artigo 441.º: «A decisão de rejeição não é suscetível de impugnação»), o acórdão que rejeita o recurso, por não reconhecer a oposição (artigo 441.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPP), apenas é passível de reclamação – por definição, perante quem a proferiu: isto é, perante a secção criminal – para retificação de erros materiais, suprimento de nulidades e reforma (artigo 613.º, n.º 2, do CPC), o que, no processo penal, se encontra regulado, com disciplina própria, nos artigos 379.º e 380.º do CPP, aplicáveis aos acórdãos proferidos em recurso extraordinário de fixação de jurisprudência nos termos do artigo 425.º, n.º 4, e 448.º do mesmo diploma.

11. No requerimento que apresenta, o arguido não invoca nulidades que devam ser supridas ou vícios que devam ser corrigidos em conformidade com o previsto nos artigos 379.º e 380.º do CPP, em acórdão a proferir pela secção.

12. Como se observa na decisão do relator, o requerimento de reclamação dirige-se ao mérito da decisão, que visa pôr em causa, pretendendo o recorrente, por esta via de «reclamação», o reexame do decidido no acórdão pelo pleno das secções criminais e a prolação de nova decisão que, indo de encontro à sua pretensão, reconheça a oposição de acórdãos, requerendo, a final, «aos juízes conselheiros» que «revoguem a decisão de 28.02.2024, ordenando o prosseguimento da tramitação do recurso de fixação de jurisprudência interposto». Isto é, visa a finalidade que seria a finalidade de um acórdão de sentido contrário ao decidido – ordenar o prosseguimento do recurso (artigo 441.º, n.º 1, parte final). O que, como também aí se observa, equivaleria à subversão do procedimento imposto pela al. c) do n.º 3 do artigo 11.º do CPP segundo o qual a competência do pleno das secções criminais para «uniformizar jurisprudência», no dizer do preceito, se exerce nos «termos dos artigos 437.º e seguintes», que não admitem a pretendida «reclamação».

13. Assim sendo, não tem a secção, a funcionar com três juízes (artigo 11.º, n.º 5, do CPP), que apreciar e decidir, mediante acórdão (artigo 97.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do CPP), qualquer questão da sua competência.

14. Nota-se, a este propósito, que, diversamente do afirmado pelo requerente, a situação agora em análise não é semelhante à examinada e decidida no acórdão de 2.5.2024 que conheceu de requerimento que incidiu sobre o acórdão de 21.2.2024, desta secção, proferido no apenso 257/11.1TELSB.L2-B.S1, que rejeitou o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência por falta do requisito substancial da oposição de julgados (art. 441.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPP), referido nos pontos 13, 14 e 15 do requerimento que agora se aprecia (supra, 7).

Nesse acórdão conheceu-se só e expressamente da arguição de nulidades do acórdão de 21.2.2024 por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, como é do conhecimento do requerente, nada legitimando a afirmação de que, nestes dois casos, se está perante uma «nova oposição de julgados» (ponto 15).

Para que não subsistam dúvidas, transcreve-se o teor do acórdão de 2.5.2024, na parte relevante:

«Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Começamos por dizer que, embora não se encontre prevista na lei processual penal a figura da reclamação para as decisões colegiais/acórdãos, iremo-nos, porém, pronunciar sobre a arguição das nulidades - omissão de pronúncia e falta de fundamentação – constante do requerimento agora apresentado.

Ora, ao contrário do alegado pelo requerente, o acórdão de 21/02/2024 não padece dos referenciados vícios.

Com efeito, tomou posição sobre as questões que haviam sido colocadas e que tinha o dever de conhecer, em sede de recurso de fixação de jurisprudência, e fê-lo de forma fundamentada, de facto e de direito.

Conforme foi salientado, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, perante dois quadros factuais distintos, chegaram a conclusões diferentes, não podendo, por conseguinte, falar-se em verdadeira e efetiva oposição de julgados, uma vez que para se verificar este requisito é necessária identidade de factos, não se restringindo à mera oposição entre as soluções de direito.

Como também se salientou, à mesmidade da questão jurídica, a jurisprudência dominante do STJ passou a acrescentar, desde há muito, a identidade da questão de facto, o que, no caso, não decorria.

Assim, o requerente tem todo o direito de discordar da posição perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao ter decidido rejeitar o seu recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, por falta do requisito substancial da oposição de julgados (art. 441.º n.º 1, 1.ª parte, do C.P.P.), mas não nos parece curial que fale em omissão de pronúncia e falta de fundamentação, insistindo, ao fim e ao cabo, nos mesmos fundamentos que, em sua opinião, deveriam ter levado a outro desfecho processual, mas que, oportunamente, e no local próprio, foram rebatidos.

Termos em que, sem necessidade de outros considerandos, a arguição de tais nulidades terá de improceder, por falta de fundamento.

III. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em indeferir as nulidades de omissão de pronúncia e falta de fundamentação invocadas, mantendo-se o acórdão de 21/02/2024.»

15. Pelo exposto, por inadmissibilidade legal – artigos 613.º, n.ºs 1 e 2, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP e 379.º e 380.º do CPP, a contrario –, é rejeitada a reclamação para a conferência do despacho do relator de 27 de junho de 2024, que rejeitou a reclamação do recorrente do acórdão de 28 de fevereiro de 2024 que rejeitou o recurso de fixação de jurisprudência «por não haver oposição de julgados».

Quanto a custas

16. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP, que estabelece o regime da responsabilidade do arguido por custas, só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso.

A taxa de justiça é fixada entre 1 e 5 UC, de acordo com o n.º 9 do artigo 8.º e a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

III. Decisão

17. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar a reclamação para a conferência do despacho do relator de 27 de junho de 2024, que rejeitou a reclamação do recorrente do acórdão de 28 de fevereiro de 2024 que rejeitou o recurso de fixação de jurisprudência interposto pelo arguido AA por não haver oposição de julgados.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 4 de dezembro de 2024.

José Luís Lopes da Mota (relator)

Jorge Raposo

António Augusto Manso

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1. É evidente o lapso de escrita. A factualidade em questão consta dos factos provados 48.º, 49.º e 50.º

2. Veja-se o teor do n.º 2 do art. 440.º do CPP e tudo quanto nesse artigo, bem como nos que o precedem e sucedem, se afirma quanto à competência do Relator e da Conferência.

3. Vide Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos”, UCP Editora, 5.ª edição atualizada, Vol. II, pág. 739: “Ao invés dos recursos ordinários, o relator não tem poderes decisórios sobre o recurso (p. ex., a título de decisão sumária), antes deve preparar um projeto de acórdão, a submeter à decisão da conferência”.

4. Vide Acórdão de 02.05.2024, prolatado no processo 257/11.1TELSB.L2-B.S1.

5. Entretanto objeto de recurso para o Tribunal Constitucional.

6. Considerando o que se referiu em nota de rodapé anterior. Ou seja, apesar de o mesmo Autor citado admitir a aplicação muito abrangente do art. 448.º do CPP, haverá que considerar os limitados poderes de cognição do Juiz Relator sobre o recurso interposto, não fazendo sentido que o mesmo possa decidir, sozinho, sobre a admissibilidade de reclamações sobre decisões colegiais.

7. De facto, em síntese, o entendimento então plasmado e que se mantém é que se, no contexto dos recursos para fixação de jurisprudência) a conferência procede a um exame do recurso e toma a decisão sobre a sua admissibilidade ou não, em atuação comparável àquela do Juiz Relator no contexto dos recursos ordinários, então haverá que reconhecer a possibilidade do recorrente afetado pelo Acórdão que rejeite um tal recurso de reagir em termos similares (mutatis mutandis) aos que se encontram previstos, nomeadamente a reclamação para a conferência (e que, atenta a diferente tramitação dos referidos recursos) deve ser a conferência com a competência para a decisão que se coloca à apreciação no recurso.

8. Onde se lê: “Salvo o disposto no n.º 6 do artigo 641.º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária.”

9. Posto que a procedência do que antes se alegou sempre terá, como se verá, como consequência a declaração da nulidade da presente Decisão Singular ou, pelo menos, a sua revogação por outra que, independentemente da decisão que nela se alcance, seja de natureza colegial.