I - A pena de suspensão de execução da pena de prisão é uma pena autónoma, distinta da pena principal de prisão.
II - Com o trânsito em julgado da sentença que condene em pena de prisão suspensa começa a correr o prazo de prescrição da pena de substituição e não o prazo de prescrição da pena principal.
III - Em caso de suspensão da execução da pena de prisão só se pode falar em pena de prisão e na respectiva prescrição depois do trânsito em julgado da decisão que revogue a suspensão da execução da pena e quando seja determinado o cumprimento da pena de prisão.
IV - Uma vez que as alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal se referem, apenas, a «penas de prisão», a pena de suspensão da execução da pena de prisão inclui-se nos «casos restantes» referidos na alínea d), sendo o seu prazo prescricional de 4 anos, qualquer que seja a medida da pena principal, aplicando-se-lhe in totum o regime da suspensão e interrupção da prescrição contido nos artigos 125.º e 126.º.
V - A extinção da pena de suspensão da execução da pena pelo decurso do período da sua suspensão não é automática, pois decorrido o período da suspensão o tribunal tem de averiguar da existência de condenação, ou da pendência de processo ou incidente que possam determinar a revogação da suspensão e obstar àquela declaração de extinção.
VI - O único limite temporal que se aplica à decisão de revogação da suspensão da execução da pena é o decurso do prazo de prescrição da pena.
VII - Tendo o acórdão que condenou o arguido em 5 anos de prisão com execução suspensa transitado em julgado a 2-12-2012, nesta data iniciou-se a execução da pena suspensa e interrompeu-se o decurso do prazo de prescrição da pena, prazo este que reiniciou quando terminou o período de suspensão da execução da pena.
…
1. No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 292/10.7GAMGL … o arguido, …, não se conformando com o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de 5 (cinco) anos de prisão em que havia sido condenado, veio dele interpor o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição):
«1-A decisão viola o art 7 da Lei nº 115/2019 de 12-09-2019 (Princípio da especialidade)
2- Violação que se consubstancia, na revogação de uma pena que lhe tinha sido aplicada por uma infração praticada em momento anterior à sua entrega e diferente daquela que motivou a emissão do mandado de detenção europeu, não tendo o arguido renunciado ao princípio da especialidade
3- A decisão recorrida viola o princípio do contraditório, uma vez que, após a promoção do M.P, não foi dada ao arguido a possibilidade de se pronunciar.
4- No caso concreto, o arguido face à posição do M.P e atento ao decurso do tempo entre a elaboração do relatório final de execução do PRS, datado de 9.10.2018 e a sua audição 2-02-24, pretendia solicitar a elaboração de relatório social actualizado, nomeadamente para aquilatar das condições familiares do arguido e da sua evolução na execução do cumprimento da pena que lhe foi fixada, no âmbito do proc 362/15.5 GCVIS
Nomeadamente se desenvolve actividade profissional, se lhe foram concedidas medidas de flexibilização, se tem averbadas punições disciplinares.
A decisão é sobre esta matéria completamente omissa.
5- Nos termos do disposto no artigo 56 nº 1 al b), A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades da condenação que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela ser alcançadas.
6- O normativo faz depender a decisão de revogação do preenchimento do requisito formal, cometimento de um crime no decurso da suspensão, e do requisito material - revelar que as finalidades da condenação que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela ser alcançadas.
…
8- A pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão é uma pena autónoma da pena de prisão (principal), encontrando-se sujeita a um prazo prescricional igualmente autónomo do prazo de prescrição da pena de prisão substituída;
9- No caso em apreço, por acórdão proferido em 31.10.2012, transitada em julgado em 2.12-2012, o arguido foi condenado na pena de cinco anos de prisão, suspensa por igual período. Em 02.12.2012 iniciou-se o decurso do prazo de cinco anos de suspensão da pena, que se completou em 2.12.2017. Desde esta data decorreram mais de quatro anos que se completaram em 2-12-2021, sem que tenha surgido qualquer despacho transitado em julgado a revogar a suspensão da pena, a prorrogar o período da suspensão ou declarar extinta a execução da pena, ainda que se tivesse de ter em conta a data do trânsito em julgado da decisão que está subjacente à revogação, 15-06-20, entende o recorrente, que tal pena se extinguiu por prescrição.
10- Conclui-se, assim, que à data em que foi proferido o despacho que revogou a pena de substituição e determinou o cumprimento da pena de prisão principal, a pena de substituição se encontrava já prescrita – donde decorre a extinção, por prescrição, da pena autónoma imposta ao arguido/recorrente, independentemente de ainda se não encontrar prescrita a pena principal aplicada, por ter sido substituída na decisão condenatória.
11- Violou-se o disposto nos artigos 56, 57 e 122 al d) do C.P
Sem prescindir
12- Pelas razões aduzidas nos pontos 14 a 18 da motivação de recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, entende o recorrente que pese embora estejam preenchidos os requisitos formais da revogação- cometimento de um crime durante o período da suspensão, não se encontram preenchidos os requisitos materiais, porquanto à data da decisão de revogação da pena que lhe foi aplicada nos presentes autos, o condenado apresenta um comportamento ajustado desde da data prática desses factos, registando inserção laboral e familiar, mantendo ocupação laboral no E.P onde se encontra em cumprimento de pena, onde aliás já beneficiou de medidas de flexibilização.
…
…
2. Admitido o recurso, o Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta, …
3. Nesta Relação, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu parecer …
4. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, respondeu o recorrente, reafirmando o teor da sua peça recursória.
5. Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
1. Delimitação do objecto do recurso
…
In casu, de acordo com essas conclusões, e pela ordem aí enunciada, o recorrente considera em primeiro lugar que o despacho recorrido incorreu na violação do princípio da especialidade, constante do art. 7.º da Lei n.º 115/2009, de 12-09-2019; que foi também violado o princípio do contraditório; e que a pena de substituição em que foi condenado já se encontrava prescrita aquando da prolação desse despacho.
Para o caso de assim não se entender, sustenta que inexiste fundamento para revogar a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, por se manter o juízo de prognose favorável, tendo sido violado o preceituado nos arts. 56.º e 57.º, ambos do CP.
É do seguinte teor o despacho recorrido (transcrição):
*
Por uma questão de precedência lógica, cumprirá analisar em primeiro lugar a invocada questão da prescrição da pena.
A este propósito, alega o recorrente em síntese, que, tendo sido condenado, por acórdão transitado em 02-12-2012, na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, tal prazo se completou em 02-12-2017.
Pelo que, tendo decorrido desde essa data mais de quatro anos sem que tenha sido proferido qualquer despacho, transitado em julgado, a revogar tal suspensão, a prorrogar o seu período ou a declarar a sua extinção, a pena de substituição se encontrava já extinta, por prescrição, à data da prolação do despacho ora recorrido, sendo este violador do preceituado nos arts. 56.º, 57.º e 122.º, al. d), todos do CP.
Contrapõe o Ministério Público, na sua resposta ao recurso, que «tal como a pena de prisão principal, a pena suspensa tem o seu prazo de prescrição determinado pelo seu quantum, que poderá ser igual ou não à pena de prisão principal, conforme se verifique ou não correspondência entre o quantum da pena de prisão e o da pena suspensa, sendo por isso o prazo de prescrição desta de 15, 10 ou 4 anos, conforme a mesma seja igual a 5 anos, entre 2 e 5 anos ou inferior a 2 anos, nos termos das als. b), c) e d) do n.º 1 do art. 122.º do CP.
No caso vertente, o prazo de prescrição a ter em conta seria o de dez anos que, por ter estado interrompido entre 02-12-2012 e 02-12-2017, apenas se completaria em 02-12-2027.
Vejamos, antes de mais, as incidências processuais relevantes[1].
O ora recorrente foi condenado nestes autos, por acórdão de 31-10-2012, transitado em julgado a 02-12-2012, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22-01, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova.
No seu relatório datado de 09-10-2018, a DGRSP concluiu que «o arguido, de um modo geral, deu cumprimento ao plano de reinserção social a que se encontrou sujeito».
Por acórdão de 13-07-2018, …, transitado em julgado a 15-06-2020, foi o recorrente condenado pela prática, entre 2015 e 2016, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22-01, na pena de 7 (sete) anos de prisão.
De acordo com a liquidação da pena efectuada pelo TEP de Évora em 08-10-2021 (Ref. Citius 2312992), o início do cumprimento dessa pena teve lugar em 24-06-2021.
Nos presentes autos, em cumprimento do disposto no art. 495.º, n.º 2, do CPP, o arguido prestou declarações em 02-02-2024.
No decurso dessa diligência, questionado sobre os motivos que o terão levado a, no decurso do período da suspensão da execução da pena imposta nos presentes autos, praticar novos factos ilícitos, justificou esse comportamento com a necessidade de obter rendimentos para satisfação das suas necessidades.
Na sequência, o Ministério Público, em promoção datada de 06-02-2024, reiterou a sua anterior promoção (de 14-09-2023) no sentido da revogação da suspensão da execução da pena aplicada ao ora recorrente.
Após, em 24-02-2024, foi proferido o despacho recorrido, já acima transcrito.
Apreciemos, então a questão suscitada.
«A prescrição da pena é um pressuposto negativo da punição, que, tal como a prescrição do procedimento criminal, tem natureza substantiva e processual, predominando hoje a teoria jurídico-material da prescrição. A natureza substantiva, que muitos Autores pretendem, aqui, dominante ou mesmo exclusiva, advém-lhe de razões ligadas às finalidades da punição. Com o decurso do tempo sobre o trânsito em julgado da sentença condenatória sem que o condenado tenha iniciado o cumprimento da pena imposta, esbate-se a necessidade comunitária da sua execução e, ao mesmo tempo, a exigência de socialização do condenado, que constitui uma outra das finalidades da pena e factor determinante da sua fixação concreta dentro de determinadas circunstâncias que foram sopesadas na decisão, perde também a sua razão de ser, a ponto de poder tornar-se completamente desajustada, se o condenado a tivesse que cumprir muito tempo depois da condenação.
A natureza processual, por seu turno, liga-se a razões que têm a ver com o próprio processo, também neste caso, pois a prescrição obsta a que a pena seja executada, não obstante basear-se numa decisão transitada em julgado. Neste sentido, é um pressuposto negativo de carácter processual, ou como diz FIGUEIREDO DIAS, obstáculo de realização (execução) processual (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, p. 702, sendo a expressão a negrito do próprio Autor).»[2]
No caso em apreço, o arguido foi condenado, por acórdão de 31-10-2012, transitado em julgado a 02-12-2012, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova.
Partindo do pressuposto de que a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena autónoma, de substituição, distinta da pena principal de prisão, como é uniformemente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência[3], temos que é essa pena que, no caso, importa considerar.
Na verdade, só haverá que falar em pena de prisão e na respectiva prescrição a partir do momento em que, com o trânsito em julgado da decisão que revogue a suspensão da execução da pena, seja determinado o cumprimento da pena de prisão.
Como se escreve no já referido Acórdão da Relação de Évora de 10-07-2007, proferido no Proc. n.º 912/07 - 1,
«(…) para efeitos da definição do dies a quo do prazo de prescrição da pena principal substituída por pena de substituição, há-de entender-se que a decisão que aplicou a pena (cfr art. 122º nº2 C.Penal) é a decisão judicial que determine a execução da pena principal, na sequência da revogação da pena de substituição aplicada, e não a sentença condenatória. Só naquela altura pode produzir-se o efeito que, em regra, se encontra associado à aplicação da pena com trânsito em julgado, ou seja, a susceptibilidade de ser executada a pena, [4] efeito esse que se encontra pressuposto no nº 2 do art. 122º, justificando assim a interpretação seguida para a locução “decisão que aplicou a pena” -permitida pelo sentido ainda possível das palavras – para efeitos de prescrição da pena.[5]
(…)
c) Significa isto que com o trânsito em julgado da sentença condenatória não começa a correr o prazo de prescrição da pena principal, mas sim o prazo de prescrição da pena de substituição, prazo este que é o de 4 anos previsto no nº1 al. d) do art. 122º do C.Penal (independentemente da medida da pena principal), aplicando-se-lhe in totum o regime da suspensão e interrupção da prescrição contido nos arts 125º e 126º, do C.Penal, por via do qual também a prescrição da pena de substituição se interrompe com a sua própria execução.»[6]
Não existindo no nosso sistema jurídico-penal penas imprescritíveis (com a excepção prevista no art. 7.º da Lei n.º 31/2004, de 22-07, para as penas impostas por crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão internacional), também as penas de substituição, sendo verdadeiras penas, se encontram sujeitas ao decurso da prescrição.
A extinção da pena pelo decurso do período da sua suspensão, prevista no n.º 1 do art. 57.º do CP, não é automática, pois tem de ser declarada se, «decorrido esse período, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação»: ou seja, decorrido o período da suspensão o tribunal tem de averiguar da existência de qualquer condenação, ou da pendência de processo ou incidente (por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção) que possam determinar a revogação da suspensão e, por isso, obstar àquela declaração de extinção; neste caso, a pena só é declarada extinta «quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão» (art. 57.º, n.º 2, do CP).
Mas, como já se salientava no acórdão da Relação de Évora de 25-11-2003, proferido no Proc. n.º 2281/03-1[7], «Em lado nenhum se estabelece qualquer limite temporal até ao qual pode ser revogada a suspensão da execução da pena, designadamente nos artigos 56º e 57° do C.P., a não ser o eventual decurso do prazo de prescrição da pena, pois estas (as penas) estão sujeitas a prazos de prescrição.»
«Com efeito, o condenado não pode ficar indefinidamente à espera que se declare a extinção da sua pena ou que a pena de substituição seja revogada, aguardando ad eternum que o tribunal se decida, finalmente, num ou noutro sentido. O direito à paz jurídica do condenado impõe que, decorrido o período de cumprimento da pena substitutiva (que corresponde ao período de suspensão), o incidente previsto no artº 57º do Cód. Penal seja concluído em prazo razoável.
E esse "prazo razoável" corresponde ao período de prescrição da pena.»[8]
Relativamente aos prazos de prescrição das penas, estabelece o art. 122.º do CP:
«1 - As penas prescrevem nos prazos seguintes:
a) Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão;
b) Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão;
c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão;
d) Quatro anos, nos casos restantes.
2 - O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 118.º».
Referindo-se as als. a) a c) do n.º 1 a «penas de prisão», tendo sido entendido pela jurisprudência que a pena de suspensão da execução da pena de prisão se inclui nos «casos restantes» a que se refere o art. 122.º, n.º 1, al. d), sendo-lhe assim aplicável o prazo prescricional de 4 anos.
É esse o entendimento ainda maioritário[9], e que – pese embora a pertinência do expendido nos acórdãos do STJ de 28-02-2018 (Proc. n.º 125/97.8IDSTB-A.S1 – 3), da Relação de Lisboa de 21-02-2019 (Proc. n.º 387/07.4PEAMD.L1 - 9), desta Relação de Coimbra de 26-05-2021 (Proc. n.º 334/10.6JAPRT-A.C1), da Relação do Porto de 07-07-2021 (Proc. n.º 1304/00.8PUPRT.P1), que vêm referidos na douta resposta ao recurso[10], e ainda da Relação de Évora de 21-05-2024 (Proc. n.º 557/08.8TAVNO.E1) – continuamos a sufragar[11], por se nos afigurar mais consentânea com a natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, a sua sujeição a prazo prescricional autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída.
Em suma:
A pena de suspensão da execução da prisão é uma pena autónoma.
Não sendo uma pena de prisão, não se lhe aplicam as disposições das als. b) e c) do n.º 1 do art. 122.º do CP, incluindo-se antes nos «casos restantes» a que alude a al. d) do mesmo preceito, que estabelece um prazo de prescrição de quatro anos.
Esse prazo conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 50.º, n.º 5 do CP), mas sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção do prazo de prescrição estabelecidas nos arts. 125.º e 126.º do CP, nomeadamente a da sua execução, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão.
Decorrido este período, só a pendência de incidente por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou do plano de reinserção, ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, poderão evitar a extinção da pena pelo decurso do prazo de suspensão.
Mas a revogação da suspensão da execução só poderá operar enquanto não tiver decorrido o referido prazo de prescrição da pena.
No caso sub judice, o acórdão proferido nestes autos em 31-10-2012, que condenou o ora recorrente na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova, transitou em julgado a 02-12-2012, pelo que nessa data se iniciou a execução da pena suspensa (art. 50.º, n.º 5, do CP) e começou a correr o prazo de prescrição da pena (cf. art. 122.º, n.º 2, do CP) que, como vimos, é de 4 (quatro) anos.
Este prazo de prescrição ficou, contudo, interrompido entre essa mesma data e o termo do período de suspensão da execução da pena, por força do disposto no art. 126.º, n.º 1, al. a), do CP, por se tratar do período de cinco anos durante o qual esteve a ser executada a pena suspensa, mediante regime de prova.
Ou seja, esteve interrompido até 02-12-2017, data a partir da qual se iniciou a contagem do referido prazo de prescrição de quatro anos.
E esse prazo prescricional completou-se em 02-12-2021, sem que entretanto, desde 02-12-2017 até essa data, se tenha verificado qualquer das causas de suspensão ou de suspensão da prescrição previstas, respectivamente, nos arts. 125.º e 126.º do CP[12].
Assim, à data da prolação do despacho recorrido, 24-02-2024, a pena de substituição há muito que se encontrava prescrita …
A igual conclusão chegaríamos por aplicação do art. 126.º, n.º 3, do CP, que determina que a prescrição da pena «tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.»
Prescrita a pena de substituição muito antes da prolação do despacho que procedeu à sua revogação, esta decisão não podia já produzir quaisquer efeitos, sendo, por conseguinte, destituída de qualquer utilidade e não podendo manter-se.
E, na procedência do recurso, mais não resta do que declarar extinta, por prescrição, a pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, aplicada ao arguido nestes autos, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra em, concedendo provimento ao recurso interposto …, declarar extinta, por prescrição, nos termos dos arts. 122.º, n.ºs 1, al. d), e 2, e 126.º, ambos do CP, a pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova, que lhe foi aplicada nos autos, determinando-se o respectivo arquivamento.
Sem tributação.
(Certifica-se, para os efeitos do disposto no art. 94.º, n.º 2, do CPP, que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, a primeira signatária, sendo ainda revisto pelos demais signatários, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20-09)
[1] Verificadas não só através da certidão que constitui os presentes autos mas também pela consulta do processo principal, através do sistema Citius.
[2] Cf. Acórdão do STJ de 04-02-2010, Proc. n.º 29/10.0YFLSB.S1, in www.dgsi.pt.
[3] Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 339, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, Verbo, 1999, págs. 88 e 206, e Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral II, Penas e Medidas de Segurança, Verbo, 1989, págs. 54-55 e 186-188; e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 01-06-2006, Proc. n.º 2055/06 - 5, in www.dgsi.pt, os acórdãos da Relação de Lisboa de 26-06-2008, Proc. n.º 4364/08 - 9, in www.pgdlisboa.pt, e de 26-10-2010, Proc. n.º 25/93.0TBSNT-A.L1 - 5, in www.dgsi.pt, e da Relação de Évora de 10-07-2007, Proc. n.º 912/07 - 1, ibidem.
[4] Só o trânsito em julgado da decisão judicial que revogue a pena de substituição e determine o seu cumprimento confere à sentença condenatória força de título executivo, nomeadamente para efeitos do disposto nos arts. 467º e 477º do CPP.
[5] Curiosamente, foi o Cons. Osório que propôs a alteração para a redacção que é, no essencial, a do actual art. 122º, nº2, com o argumento de que o preceito do projecto E. Correia de 1963, “…talvez deixasse de fora os casos de substituição, o que seria inconveniente”. O art. 113º do Projecto dizia: “A prescrição da pena conta-se desde o dia em que a respectiva decisão condenatória transitou em julgado.” O Cons. Osório propôs que se alterasse para, “…desde o dia em que transitou em julgado a decisão que a aplicou.” Cfr. Actas Parte Geral II, p. 237. Embora a completa dilucidação do sentido daquela observação, exigisse indagação mais ampla, é para nós significativa a preocupação da comissão pelo problema (prescrição da pena nos casos de substituição) e a necessidade de o resolver.
[6] Também no sentido de que «A pena de prisão aplicada na decisão condenatória tem um prazo de prescrição que se encontra necessariamente suspenso, pelo facto de o arguido estar a cumprir outra pena, ou seja a cumprir uma pena de substituição nomeadamente de suspensão de execução da pena de prisão, pelo que, só quando a pena de substituição deixou de estar a ser cumprida, devido à sua revogação, cessa a suspensão do prazo da prescrição da pena de prisão», cf., entre outros, o acórdão do STJ de 06-04-2016, Proc. n.º 135/04.0IDAVR-C.S1 - 3, in www.dgsi.pt.
[7] Ibidem.
[8] Assim, o acórdão da Relação do Porto de 30-03-2022, Proc. n.º 195/11.8GAFLG.P1, retomando e completando a ideia expressa, entre outros, no acórdão da Relação de Lisboa de 19-09-2017, Proc. n.º 86/12.5PGLRS-A.L1-5, ambos ibidem.
[9] Cf., nesse sentido, entre outros, e para além do já referido acórdão da Relação de Évora de 10-07-2007, Proc. n.º 912/07 - 1, os acórdãos do STJ de 13-02-2014, Proc. n.º 1069/01.6PCOER-B.S1 - 5, de 13-11-2014, Proc. n.º 464/07.1PCLSB-A.S1 - 5, de 05-08-2016, Proc. n.º 11/02.1PCPTS-A.S1 - 5, e de 05-07-2017, Proc. n.º 150/05.7IDPRT-D.S1 - 3; desta Relação de Coimbra de 04-06-2008, Proc. n.º 63/96.1TBVLF.C1, de 26-05-2009, Proc. n.º 651/00.3PBAVR-A.C1, e de 18-03-2020, Proc. n.º 359/03.8PBCVL.C1; da Relação de Lisboa de 26-10-2010, Proc. n.º 25/93.0TBSNT-A.L1 - 5, de 04-07-2013, Proc. n.º 5/07.0GELSB.L1 - 9, de 16-06-2015, Proc. n.º 1845/97.2PBCSC.L1 - 5, de 19-09-2017, Proc. n.º 86/12.5PGLRS-A.L1 – 5, de 22-01-2019, Proc. n.º 29/11.3IDLSB-A.L1-5, e de 11-01-2022, Proc. n.º 893/13.1IDLSB.L1 - 5; da Relação do Porto de 12-11-2014, Proc. n.º 436/98.5TBVRL.P1, de 08-11-2017, Proc. n.º 337/03.7PAVCD-A.P1, de 23-06-2021, Proc. n.º 141/11.9PDPRT-A.P1, e de 30-03-2022, Proc. n.º 195/11.8GAFLG.P1; da Relação de Évora de 10-05-2016, Proc. n.º 34/06.1GACUB.E1, e de 08-03-2022, Proc. n.º 65/12.2GAMCQ.E1, e ainda a decisão sumária de 18-06-2013, Proc. n.º 946/97.1TAFAR-D.E1; e da Relação de Guimarães de 20-02-2017, Proc. n.º 59/08.2IDVRL.G1, de 19-11-2018, Proc. n.º 273/06.5TAVLN.G3, e de 09-04-2024, Proc. n.º 1122/08.5TABRG.G1, todos ibidem.
[10] E que perfilham entendimento segundo o qual na al. d) do n.º 1 do art. 122.º do CP não cabem todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, mas as penas de prisão inferiores a dois anos de prisão, sejam ou não suspensas na sua execução, e que se a pena de prisão suspensa na sua execução for igual ou superior a dois anos e inferior a cinco anos, ou se for igual a cinco anos caberá, como caberia se não fosse suspensa na sua execução, respectivamente na al. c) desse número, a qual estabelece um prazo de prescrição de dez anos, ou na sua al. b), a qual estabelece um prazo de prescrição de quinze anos.
[11] Como no acórdão de 14-04-2011, Proc. n.º 901/93.0TBSXL.L1 - 9, que relatámos na Relação de Lisboa, não publicado mas referido nos acima mencionados acórdãos da Relação de Lisboa de 04-07-2013, Proc. n.º 5/07.0GELSB.L1 – 9, e da Relação do Porto de 12-11-2014, Proc. n.º 436/98.5TBVRL.P1.
[12] E isto apesar de o arguido ter estado desde 24-06-2021 a cumprir pena privativa da liberdade à ordem do Proc. n.º 362/15.5GCVIS, no qual foi condenado na pena de 7 anos de prisão, por acórdão de 13-07-2018, transitado em julgado a 15-06-2020. É que, como se conclui no acórdão da Relação de Évora de 20-09-2011, Proc. n.º 717/02.5GBABF-A.E1, «(…) de acordo com o art. 125º, nº 1, al. c), apenas a prescrição da pena privativa da liberdade se suspende durante o tempo em que o condenado estiver a cumprir outra pena privativa da liberdade.» No mesmo sentido, os acórdãos da Relação de Évora de 16-12-2014, Proc. n.º 354/07.8TAALR-B.E1, e de 26-09-2017, Proc. n.º 690/10.6GCFAR.E1, todos in www.dgsi.pt.