FALTA E DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA ALTERAÇÃO DA TIPIFICAÇÃO DOS FACTOS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA APLICAÇÃO DA PRISÃO DOMICILIÁRIA
APRECIAÇÃO CRÍTICA DA PROVA
PROVA RESULTANTE DO RELATÓRIO SOCIAL
Sumário

I - A falta de fundamentação da sentença constitui nulidade, que deve ser arguida e conhecida em sede de recurso.
II - A deficiência da fundamentação só constitui nulidade quando for de tal forma relevante que impeça o conhecimento da razão para determinado facto ter sido dado como provado ou não provado, ou dos raciocínios subjacentes à qualificação jurídica dos factos ou à determinação das medidas das penas.
III - Padece de falta de fundamentação o acórdão que condena pelo crime de ofensa à integridade física simples o arguido acusado do crime de violência doméstica, sem explicar as razões da alteração da tipificação.
IV - Padece de falta de fundamentação o acórdão que, na fundamentação da aplicação de prisão domiciliária, apenas diz «Entende assim, este Tribunal que o arguido deverá cumprir a pena de um ano em Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica, por desta forma se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de execução da pena de prisão …», sem invocar outras razões para o decidido, apesar dos extensos antecedentes criminais do arguido que integram, nomeadamente, a condenação por um crime de homicídio tentado, por um crime de ameaça, por um crime de ofensa à integridade física qualificada e por dois crimes de violência doméstica, e do terror que infunde à ofendida.
V - Está sujeita a livre apreciação a prova veiculada pelo relatório social.
VI - Não constitui apreciação crítica da prova a mera reprodução dos depoimentos e declarações prestadas em audiência.
VII - Padece de nulidade, derivada da falta de apreciação crítica da prova e por falta de enumeração dos factos provados, a decisão que, quanto às condições pessoais do arguido e à sua situação económica, se limita a transcrever o teor do relatório social.

Texto Integral

Relator: João Abrunhosa
Adjuntos: Cândida Martinho
Isabel Cristina Gaio Ferreira de Castro

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foi o Arg.[1] , absolvido e condenado, para além do mais, nos seguintes termos :

“... Face ao exposto, julgo a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:

Absolver o arguido … da imputada prática de 1 (um) crime de violência doméstica agravado, …

Absolver o arguido … da imputada prática de 2 (dois) crimes de violação agravados, …

Absolver o arguido … da imputada prática de 2 (dois) crimes de sequestro agravados, …

Declarar extinto o procedimento criminal pelo crime de injuria, por falta de observância dos indicados pressupostos processuais.

Condenar o arguido … pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de ofensas à integridade física p. e p. pelo artº 145º nº 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão a cumprir em Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica, por desta forma se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de execução da pena de prisão, nos termos do artº 43º, nº 1 al. a) e nº 2 do Código Penal.


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Julgar totalmente improcedente, o pedido de indemnização civil formulado pela demandante … e, em consequência, absolver o demandado … do pedido.

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Julgar totalmente improcedente, o pedido de indemnização civil formulado pelo Ministério Publico e, em consequência, absolver o demandado … do pedido.

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Condenar o arguido, na parte crime, no pagamento da taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UC´s (art.ºs 513º nº 1 do CPP e 8º nº9 do RCP); ...”.

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Não se conformando, a Exm.ª Magistrada do MP[2], interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação, com as seguintes conclusões:

“... 1. O presente recurso visa a impugnação da decisão proferida pelo Tribunal a quo de absolver o arguido … da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1, al, b) e n.º 2, 4 e 5, do Código Penal.

2. O Tribunal a quo convolou o crime imputado ao arguido, no crime de ofensa à integridade física, previsto e punível pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, condenando na pena de 1 ano de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação.

3. Todavia, ao proceder a tal convolação no acórdão, o Tribunal a quo incorreu na nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal.

4. No fundo, com o devido respeito por entendimento diverso, não se alcança porque o Tribunal Colectivo procedeu à convolação do crime de violência doméstica, no crime de ofensa à integridade física.

5. Da matéria de facto provada resulta que o arguido e a vítima viviam um com o outro, como se fossem marido e mulher, partilhando casa, mesa e cama.

6. Resulta que durante esse relacionamento com coabitação houve pelo menos uma agressão física.

7. No mesmo período, as discussões entre arguido e vítima eram comuns (conforme decorre das declarações da testemunha …), relacionadas com o desagrado do arguido com as roupas usadas pela vítima.

8. Decorre ainda da matéria de facto provada, que após o fim do relacionamento, no dia 06 de Janeiro de 2024, o arguido voltou a abordar a vítima e apelidando-a de “vadia”.

9. Porém, limitou-se o Tribunal a afirmar que o tipo de crime não estava verificado, sem que se perceba se tal se ficou a dever ao não preenchimento do conceito de maus-tratos, ao facto de se tratar de apenas uma agressão e um insulto.

10. Porque se verifica a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, deverá o acórdão ser declarado nulo e revogado, substituindo-se por outro que supra tal nulidade.

Sem prejuízo, atenta a matéria de facto provada,

12. A qualificação de uma concreta conduta como mau trato não depende da sua aptidão para preencher um determinado tipo de ilícito, designadamente, uma ofensa à integridade física, da mesma forma que a aptidão de determinada acção para preencher este tipo legal não significa, per se, a verificação do crime de violência doméstica, tudo dependendo da «respectiva situação ambiente e da imagem global do facto».

13. O arguido e a vítima mantiveram um relacionamento entre si, como se fossem marido e mulher, vivendo na mesma casa e partilhando mesa e cama.

14. Foi no contexto deste relacionamento familiar e amoroso que a agressão teve lugar.

15. Foi neste contexto que o insulto ocorre, quando a relação já estava terminada, por via da vontade da vítima, mas contra o que o arguido pretendia.

16. É, em circunstâncias públicas, num supermercado, à vista de todos, que o arguido se dirige à vítima, a insulta e levanta a bengala na sua direcção como se lhe fosse para bater.

17. Este acto apenas pode ser interpretado como demonstrativo do desrespeito do arguido pela vítima, da falta de controlo dos seus impulsos, quando confrontado com a vontade da vítima em terminar o relacionamento.

18. Os factos dados como provados, o circunstancialismo apurado, integram a prática do crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b), n.º 2,  4 e 5, do Código Penal, pelo qual o arguido deveria ter sido condenado, pelo que ao ter decidido de modo diverso, com a convolação do tipo de crime, o Tribunal Colectivo violou os referidos normativos legais.

20. O arguido já foi condenado em duas ocasiões diferentes pela prática do crime de violência doméstica, em penas de prisão efectivas e ainda assim volta a incorrer na prática do mesmo crime, mostrando-se imune ao efeito punitivo e ressocializador das penas.

21. Atento o disposto no artigo 152.º, n.º 4 e 5, do Código Penal, decidindo-se a condenação do arguido pela prática do crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, deverá o mesmo ser condenado na pena acessória de proibição de contactos com a vítima, bem como de a contactar, desde logo considerando a personalidade do arguido vertida nos factos, devendo a mesma ser fixada em idêntico período à da pena principal.

22. Considerando a natureza dos factos, as consequências para a vítima e as condições socioeconómicas do arguido, entende-se que a quantia a título de indemnização deverá ser fixada entre os 1500,00€ e os 2000,00€, nos termos dos artigos 21.º, n.º 1, da Lei 112/2009, de 16/09 e 82.º-A, do Código Penal.

Ainda assim, sem, no entanto, conceder,

23. Mesmo que esse Venerando Tribunal venha a entender que a condenação do arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física se deve manter e, nessas circunstâncias a pena de um ano de prisão em que o arguido foi condenado, sempre se dirá que tal pena não deverá ser cumprida em regime de permanência na habitação, por a isso se oporem, de forma premente, as exigências de prevenção.


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Também inconformado, o Arg., interpôs recurso da referida decisão, … com as seguintes conclusões[3]:

3. Entende o recorrente da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, o facto n,º 4 devia ser dado por não provado, ou seja, que o arguido desferiu uma chapada na cara da AA, no âmbito de uma discussão entre o casal, provocando-lhe dores.

4. Ora, o arguido negou a prática do facto dado como provado n.º 4.

5. E a testemunha …, não soube concretizar o mês, dia, da ocorrência dos factos, alegando que foi no verão do ano de 2023.

6. Por outro lado, a ofendida não prestou declarações nos presentes autos.

9. Entende ainda o recorrente, se não fosse absolvido pelo princípio in dúbio pro reu, sempre se dirá que à luz da cláusula de adequação social, tal conduta possa ser considerada como típica por relevância, no que tange ao crime do artigo 143º do C.P.


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A Exm.ª Magistrada do MP respondeu ao recurso do Arg., …

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O Arg. respondeu ao recurso do MP, …

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Neste tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, …

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A sentença (ou acórdão) proferida em processo penal integra três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. A fundamentação abrange a enumeração dos factos provados e não provados relevantes para a decisão e que o tribunal podia e devia investigar; expõe os motivos de facto e de direito que fundamentam a mesma decisão e indica, procedendo ao seu exame crítico e explanando o processo de formação da sua convicção, as provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal.

Tais provas terão de ser produzidas de acordo com os princípios fundamentais aplicáveis, ou seja, os princípios da verdade material, da livre apreciação da prova e “in dubio pro reo”. Tendo a prova sido produzida em sede de audiência de julgamento, está ainda sujeita aos princípios da publicidade, da oralidade e da imediação.

O tribunal recorrido fixou da seguinte forma a matéria de facto:

“... Produzida a prova e discutida a causa, com interesse para a decisão da causa provaram-se os seguintes factos:

1. No início de agosto de 2023, … e o arguido passaram a viver juntos, como se de marido e mulher se tratasse, partilhando cama, mesa e habitação.

2. O casal morava na residência da …

3. Do agregado familiar, fazia  ainda parte uma das filhas da …, com 13 anos de idade.

4. Em dia não concretamente apurada do verão de 2023, no … o arguido desferiu uma chapada na cara da …, no âmbito de uma discussão entre o casal, provocando-lhe dores.

5. No dia 8.8.2023 a … saiu de um carro a discutir com o condutor dessa viatura e pediu auxílio a duas pessoas.

6. No dia 21.11.2023 a … apresentava as seguintes lesões:

7. Tais lesões causaram mal psicológico e dores à vítima … e foram causa direta e necessária de um período de doença fixável em 12 (doze) dias, 8 (oito) dos quais com afetação da capacidade de trabalho geral.

8. No dia 06/01/2024, cerca das 12H45m, a … dirigiu-se ao café do …, acompanhada da sua filha ….

9. A dada altura, sem que nada o fizesse prever, o arguido apareceu no local e, de imediato, dirigiu-se na sua direção, e chamou-lhe “vadia”.

12.  Do certificado de registo criminal do arguido constam as seguintes condenações:

a) Por sentença proferida … no dia 24/01/03, pela prática de um crime desobediência, praticado em 1/01/01, na pena de 60 dias de multa e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, …

b) Por sentença proferida … no dia 1/10/04, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, …

c) Por acórdão proferido … no dia 19/03/07, pela prática de um crime de homicídio tentado e de arma proibida, na pena única de 5 anos e 9 meses de prisão;

d) Por sentença proferida … no dia 28/05/08, pela prática de um crime de ameaça, …

e) Por sentença proferida … no dia 4/12/09, pela prática de um crime de injúria agravada, … e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, …

f) Por acórdão proferido … no dia 3/03/09, pela prática de um crime de tráfico e de arma proibida, …

g) Por sentença … transitada em 16/02/2015, pela prática no dia 9/01/2015, de um crime de condução sem habilitação legal, …

h) Por sentença … transitada em 28/08/2017, pela prática no dia 9/07/2016, de um crime de violência doméstica …

i) Por sentença … transitada em 27/03/2019, pela prática de quatro crimes de condução sem habilitação legal, …

j) Por sentença … transitada em 29/05/2019, pela prática no dia 1/09/2016, de um crime de violência doméstica … em cúmulo jurídico veio o arguido a ser condenado nestes autos na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

13. Do relatório social do arguido consta o seguinte:

“…”.

14. No dia 19.11.2023  … foi assistida no serviço de urgência … tendo os encargos com essa assistência o valor de 238,06€.

Matéria de facto não provada


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Como dissemos, o art.º 374º/2 do CPP[4] determina que, na sentença, ao relatório se segue a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

A redacção deste preceito inculca a ideia, que a obediência a regras de bom senso, clareza e precisão apoiam, de que a fundamentação da decisão se repartirá pela enumeração dos factos provados, depois dos não provados e, seguidamente, pela exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão com o exame crítico das provas.

Necessário e imprescindível é que o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado.

No cumprimento desse dever, o tribunal recorrido fundamentou a sua decisão de facto da seguinte forma:


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Isto posto, é pacífica a jurisprudência do STJ[5] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[6], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.

Da leitura dessas conclusões e tendo em conta as questões de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que as questões fundamentais a decidir no recurso são as seguintes:

I – Lapso da decisão recorrida;

II - Nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação (ambos os recursos);

III - Impugnação da matéria de facto (recurso do Arg.);

IV – Tipificação da conduta do Arg. (recurso do MP);

V – Medida da pena e forma de cumprimento (recurso do MP).


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Cumpre decidir.

I – Verificamos, na decisão recorrida, que a condenação do Arg. pelo crime “... p. e p. pelo artº 145º nº 1 do Código Penal ...” corresponde a um mero lapso de escrita, umas vez que da fundamentação resulta, sem margem para dúvidas que se pretendeu condenar por um crime p. e p. pelo art.º 143º/1 do CP.

Nos termos do art.º 380º/2 do CPP, a correcção do lapso pode ser feita pelo tribunal de recurso, mas tal não se justifica no presente caso, uma vez que, como veremos, anularemos a decisão recorrida, podendo e devendo, na nova decisão, o tribunal recorrido corrigir o lapso, se for caso disso.


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II – O MP imputa à decisão recorrida o vício de falta de fundamentação, porque “... não se alcança porque o Tribunal Colectivo procedeu à convolação do crime de violência doméstica, no crime de ofensa à integridade física ...” e “... o Tribunal Colectivo não explica como é que o regime de cumprimento da pena de prisão em obrigação de permanência na habitação asseguraria tais exigências, como também, não fundamentou o juízo de que seja expectável que, em resultado da sua aplicação, o agente não volte a cometer novos crimes ...”.

A  falta de fundamentação da sentença constitui nulidade (art.ºs 374º/2 e 379º/1-a) do CPP).

Essa nulidade deve ser arguida e conhecida em sede de recurso (art.º 379º/2 do CPP).

A função da fundamentação é a de “…legitimar a decisão perante as partes e também coram populo, neutralizando as suspeitas de arbítrio; e, por outro lado, de emprestar à decisão os coeficientes indispensáveis de racionalidade e de objectividade, que a tornam objectivamente sindicável e controlável por terceiros, maxime pelos tribunais superiores. O consenso comunica-se também à compreensão normativa da fundamentação: ela deve assegurar a consistência lógico-racional capaz não só de tornar a decisão vinculativa no horizonte subjectivo de quem a proferiu, mas também de lhe emprestar a indispensável plausibilidade intersubjectiva em relação a terceiros. Face aos quais terá de despertar a mesma convicção, a mesma “certeza”.[7].

A deficiência da fundamentação só constitui esta nulidade, quando for de tal forma relevante que impeça o conhecimento da razão para determinado facto ter sido dado como provado ou não provado, ou os raciocínios subjacentes à qualificação jurídica da conduta do Arg., ou à determinação das medidas das penas.

É precisamente o que se passa no presente caso, em que o tribunal recorrido, citando diversa jurisprudência sobre a violência doméstica, acaba por tipificar a conduta do Arg. como ofensa simples à integridade física, sem que, concretamente, explique esta alteração da tipificação.

Para além disso, também não explica[8], porque considera que a prisão domiciliária cumpre as finalidades da punição, questão muito relevante, dados os antecedentes criminais do Arg. e o terror que o mesmo parece infundir à Ofendida.

Por sua vez, o Arg. imputa este vício à decisão recorrida, porque “... o Tribunal ad quo, omite por completo a forma como analisa as declarações prestadas pelo arguido e pela testemunha ...”.

O que corresponde à verdade, uma vez que o tribunal recorrido não fez qualquer apreciação crítica da prova que elencou, limitando-se a referir o teor dos depoimentos e declarações.

Acresce que a decisão recorrida não contém qualquer fundamentação para que se tenham dado como provados os factos 10. e 11.

Por outro lado, na decisão recorrida, quanto às condições pessoais do Arg. e à sua situação económica, limita-se a transcrever o respectivo relatório social.

Ora, não existindo disposição legal em contrário, a prova veiculada pelo relatório social é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção pela entidade competente[9].

A transcrição do teor do relatório social, sem a sua apreciação crítica constitui nulidade por falta de enumeração dos factos provados[10].

São, assim, procedentes ambos os recursos, nesta parte, pelo que anularemos a decisão recorrida.


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Esta anulação prejudica a apreciação das restantes questões suscitadas.

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Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos parcialmente providos os recursos e, consequentemente, nos termos do art.º 379º/1-a) do CPP, anulamos a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra, que supra as apontadas faltas de fundamentação.

Sem custas.


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Notifique.

D.N..


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(Elaborado em computador e integralmente revisto pelo subscritor (art.º 94º/2 do CPP).

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[1] Arguido/a/s.
[2] Ministério Público.
[3] Novas conclusões, juntas em resposta ao despacho de 16-10-2024.
[4] Código de Processo Penal.
[5] Supremo Tribunal de Justiça.
[6]Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).” (com a devida vénia, reproduzimos a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt).
[7] Manuel da Costa Andrade, em parecer datado de Março de 2009, junto ao, processo n.º 263/06.8JFLSB.L1, por nós relatado na Relação de Lisboa.
[8] Para além da generalidade “... Entende assim, este Tribunal que o arguido deverá cumprir a pena de um ano em Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica, por desta forma se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de execução da pena de prisão, nos termos do artº 43º, nº 1 al. a)  e nº 2 do Código Penal. ...”.
[9] Tiago Caiado Milheiro, , in “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo I, Almedina, 2ª ed., 2022, pág. 68.
[10] Nesse sentido, ver acórdão do STJ de 08-09-2022, relatado por António Gama, no proc. 469/21.0GACSC.S1, in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:
I – O relatório está limitado em tema de objeto de prova à matéria atinente à inserção familiar e socioprofissional do arguido, tendo como finalidade auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade daquele, não podendo ser um veículo de prova que viole as regras dos meios de prova e de obtenção de prova.
II – O relatório tem uma valoração autónoma face à prova testemunhal ou por declarações. O silêncio do arguido em audiência, não impede que o tribunal valore esses instrumentos, no tocante à inserção familiar, socioprofissional e personalidade do arguido, mesmo que levados a cabo com base, também, em declarações do arguido. Imprescindível é a possibilidade de um efetivo contraditório em audiência.
III – Não existindo disposição legal em contrário, não constituindo prova tarifada, a prova veiculada pelo relatório é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção pela entidade competente em regra o juiz ou tribunal.
IV – Os factos provados com origem no Relatório devem ser elencados de modo claro e inequívoco. Mas só os factos relevantes. E os factos relevantes que transitam do relatório para os factos provados não podem ser subtraídos ao contraditório, os sujeitos processuais devem poder, caso pretendam, exercer o contraditório, incumbindo ao tribunal a garantia da sua efetivação.
V – Não devem ser levados aos factos provados trechos do relatório, mas os concretos factos. Consignar nos factos provados que “do relatório social consta”, seguindo-se uma transcrição, ou, como no caso, que o arguido referiu à DGRSP que está no Programa de Metadona, não tem valor probatório como facto provado, apenas se prova que no relatório consta essa afirmação. Sabemos o que disse à DGRSP, não sabemos o que considerou o tribunal provado, pelo que, este elenco não representa a enumeração dos factos provados exigida para a sentença.”.