PROCESSO DE INVENTÁRIO
BENS COMUNS DO CASAL
BENS PRÓPRIOS
RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS
BENFEITORIAS
PRESUNÇÃO DO REGISTO DE PROPRIEDADE
CERTIFICADO DE AFORRO
Sumário

I. A prova de os bens terem sido adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, para efeitos da al. c) do artigo 1723.º do C.Civil, pode fazer-se por qualquer meio de prova admissível em direito, incluindo a prova testemunhal, desde que assuma sólida consistência que permita um alto grau de probabilidade do facto, de tal sorte que versão diversa possa, na prática, descartar-se.
II. Caso não seja lograda tal prova, vale a presunção de propriedade fundada no registo, quanto aos imóveis e móveis sujeitos a registo (artigo 7º do Código de Registo Predial, aplicável ao registo automóvel pelo Dec. Lei nº 55/75 de 12.2)
III. Tal presunção de propriedade prevalece sobre a presunção estabelecida pelo n.º 2 do artigo 1736.º do C.Civil.
IV. Não sendo esta última presunção aplicável aos certificados de aforro e certificados do tesouro, por se tratar de títulos de crédito, e não de bens móveis.
V. Dispondo o n.º 2 do artigo 1736.º do C.Civil que quando haja dúvidas sobre a propriedade exclusiva de um dos cônjuges os bens movem ter-se-ão como pertencentes em compropriedade de ambos os cônjuges, trata-se de disposição que tem como âmbito de aplicação bens móveis, como v.g. o mobiliário ou equipamento do recheio da habitação, que não têm qualquer referência à pessoa a quem pertencem, e daí as dúvidas sobre a propriedade comum ou exclusiva. O que não sucede com os títulos de crédito nominais, como os certificados de aforro e certificados do tesouro, que têm um sujeito perfeitamente identificado no título, a quem cabe o respectivo exercício.

Texto Integral

Processo n.º 6873/20.3T8VNG.P1– Apelação

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Sumário:
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Em inventário a que se procede por óbito de AA, veio o interessado BB deduzir reclamação à relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal CC, ambos com os sinais dos autos, requerendo a alteração da relação de bens nos seguintes termos:
- Seja aditada uma verba n.º 2, ao Ponto do n.º 1 do activo (bens imóveis): fracção autónoma designada pela letra "F" sita na Rua ...; - seja aditada uma verba n.° 3, ao activo (bens móveis sujeitos a registo): veículo automóvel marca Citroen;
- sejam aditadas as verbas n.os 4 a 7, ao activo (sob a designação de certificados de tesouro e de aforro);
- Seja determinada a exclusão da verba n.º 2 do passivo;
Mais reclama não ter sido relacionada qualquer peça em ouro, qualquer quantia depositada em contas bancárias, qualquer quantia em numerário guardada na habitação, alegando a sonegação de bens que, a serem identificados e descobertos, deverão ser aditados ao activo da relação de bens.
Respondeu o cabeça-de-casal, aceitando que a inventariada era proprietária do identificado imóvel no centro da cidade de V. N. de Gaia. Contudo, os bens adquiridos na constância do matrimónio entre a inventariada e o cabeça-de-casal foram pagos, única e exclusivamente, com capitais próprios deste. Por isso, os bens cujo aditamento se requer – imóvel, viatura e certificados de aforro e tesouro - não deverão ser incluídos na relação de bens, uma vez que são bens próprios do cabeça-de-casal. O dinheiro utilizado nos investimentos pertencia apenas ao cabeça-de-casal, a titularidade dos bens adquiridos na constância do matrimónio pertencia à inventariada apenas porque esta assim o exigia. Nega qualquer sonegação de bens, a existência de peças em ouro e quantias monetárias guardadas em casa.
Realizadas as diligências probatórias requeridas pelas partes, foi proferida decisão que relegou para o momento processual posterior a apreciação do passivo e julgou procedente a reclamação à relação de bens apresentada, determinando que se aditem à relação de bens os seguintes bens existentes em nome da inventariada à data da sua morte:
- Fracção Autónoma designada pela letra "F", sita na Rua ..., n.º ..., 2.º direito, ... ... e ..., Vila Nova de Gaia, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., e descrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...;
- Veículo automóvel marca Citroen, modelo ..., gasolina, com a matrícula ..-AL-..;
- Certificados de Aforro/Série C:
i. Subscrição n.º ... no valor de 6.601.08€;
ii. Subscrição n.° ... no valor de 9.403,57€;
iii. Subscrição n.° ... no valor de 29.602/10€;
iv. Subscrição n.° ... no valor de 1.562,66€;
- Certificados do Tesouro/CTPM:
v. Subscrição n.° ... no valor de 20.000,00€;
vi. Subscrição n.° ... no valor de 8.200,00€;
- Certificados do Tesouro/CTPC:
i. Subscrição n.° ... no valor de 25.000/00€;
ii. Subscrição n.° ... no valor de 50.000,00€, conforme declaração com a referência 29580754.
- Metade do saldo de 142.998,69€ da conta à ordem n.º ... da Banco 1..., S.A.;
Mais ordenou se notificassem-se os interessados para proposta de forma à partilha.
Inconformado, interpõe o cabeça de casal recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
A) A douta sentença padece de um lapso manifesto.
B) A Inventariada AA faleceu no passado dia 28-08-2020.
C) Apenas poderão integrar a relação de bens os bens existentes em nome da Inventariada AA à data da sua morte, isto é, à data de 28-08-2020.
D) Existe nos autos declaração emitida pelo IGCP à data de 28-08-2020, na qual se atestam os saldos existentes à data do óbito da Inventariada AA (vide Requerimento apresentado IGCP, EPE, datado de 27-07-2021 com Ref.ª Citius n.º 29580754).

E) Sendo que, naquele documento se menciona o seguinte:

F) Na decisão proferida o tribunal a quo determinou o aditamento à relação de bens de saldos existentes no IGCP anteriores à data da morte da Inventariada, mais concretamente à data de 28-02-2020 O que jamais pode ser aceite pelo aqui Recorrente!
G) Incorreu o tribunal a quo em lapso manifesto ao ordenar o aditamento de saldos que já não existiam à data do óbito da Inventariada.
H) Com efeito, são dois (2) os erros em que nesta parte o tribunal a quo incorreu na sentença proferida: ao indicar erroneamente o valor dos certificados de aforro e certificados do tesouro (por referência aos valores indicados na declaração datada de 28-02-2020, quando deveria ser por referência aos valores indicados na declaração datada de 28-08-2020); e, ao ordenar o erronamente o aditamento do certificado de tesouro/CTPM-subscrição n.º ... no valor €20.000,00 (vinte mil euros) - por referência à declaração de 28-02-2020 - quando à data do óbito da inventariada tal certificado de tesouro já não existia conforme se extrai da declaração datada de 28-08-2020.
I) O objecto da sucessão é delimitado como aquele conjunto de relações jurídicas existente na esfera jurídica da Inventariada à data do seu óbito passíveis de transmissão, o que, in casu, sucedeu a 28-08-2020.
J) O Tribunal "a quo" deu como provado o facto 9), o qual, por sua vez, no que se refere à apreciação crítica da prova que levou a cabo, foi sustentado no seguinte meio de prova: "Os factos descritos em 8) e 9) dos factos provador decorre do print e declaração junta com a referência 29580754 -figurando como titular a inventariada.".
K) E aqui reside o error in iudicando que o douto Tribunal "« quo" empreendeu em relação à matéria de facto que deu, erradamente, como provada (facto 9)), decorrente do erro na valoração da prova.
L) O douto Tribunal "a quo" pura e simplesmente ignorou a prova documental consubstanciada na declaração datada de 28-08-2020, junta aos autos pelo IGCP no seu requerimento datado de 27-07-2021 com referência Citius n.º 29580754, documento a que nenhuma referência se faz na sentença recorrida e de onde resulta, de forma mais actualizada por referência à data do óbito, valores diferentes dos indicados pelo tribunal a quo na sentença proferida, bem como se verifica a inexistência da tal subscrição n-º ... no valor €20.000,00 (vinte mil euros).
M) Cabia ao douto Tribunal "a quo”, levar em consideração aquela prova documental que mais fielmente trace o retrato da realidade do acervo existente à data do óbito, ou seja, aquela que se refere à realidade existente nesse mesmo dia 28-08-2020.
N) A total ausência de referência critica à declaração do IGCP relativa ao dia 28-08-2020 faz concluir que se estará perante um puro lapso do Tribunal "a quo".
O) A douta sentença terá indubitavelmente de ser alterada, devendo passar na sua parte dispositiva, no que diz respeito aos certificados de aforro/série C e certificados do tesouro/CTPM, a figurar o seguinte:
" Certificados de Aforro/Série C:
xiii. Subscrição n. º ... no valor de 6.601.08€;
xiv. ii. Subscrição n. ° ... no valor de 9.403,57€;
xv. iii. Subscrição n. °... no valor de 29.602,10€;
xvi. iv. Subscrição n. ° ... no valor de 1.562,66€;
• Certificados do Tesouro/CTPM:
xvii. Subscrição n. ° ... no valor de 20.000,00€;
xviii. vi. Subscrição n.° ... no valor de 8.200,00€;
Certificados do Tesouro/CTPC:
v. Subscrição n. ° ... no valor de 25.000,00€;
vi. ii. Subscrição n.° ... no valor de 50.000,00€, conforme declaração com a referência 29580754. "
P) Isto sem prejuízo de tais certificados de aforro e tesouro nem sequer deverem constar da relação de bens da Inventariada em virtude de tais bens não fazerem parte do acervo patrimonial desta, mas sim serem de propriedade exclusiva do cabeça-de-casal, conforme infra se irá demonstrar infra.
Q) Mal andou também o douto Tribunal "a quo" ao decidir (erradamente) na sentença recorrida que se deverá aditar à relação de bens da inventariada o Veículo automóvel, marca Citroen, modelo ..., gasolina, com a matrícula ..-AL-..; a fracção autónoma designada pela letra "F", sita na Rua ..., n.º ..., 2.º Drt., ... ... e ..., Vila Nova de Gaia, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., da freguesia ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia e distrito do Porto e descrita na 2.ª CRP de Vila Nova de Gaia sob o número ... e os Certificados de aforro e Certificados do Tesouro.
R) A este respeito cumpre ao Recorrente mencionar que, juntou prova documental e arrolou prova testemunhal que, capazes de inequivocamente demonstrar que os bens supra referenciados são propriedade exclusiva do Recorrente em virtude de terem sido adquiridos exclusivamente com capitais próprios do mesmo. E tal prova foi efetivamente realizada nos presentes autos!
S) Para que se entenda o porquê de o Recorrente considerar que, os bens supramencionados não podem ser aditados à relação de bens a partilhar nos presentes autos, mas antes têm de ser excluídos, cumpre ao mesmo esclarecer o modo como tais aquisições foram realizadas, bem como quem efetivamente contribuiu monetariamente para a aquisição das mesmas.
T) A respeito da viatura automóvel, reputa-se que mal andou o douto Tribunal "a quo" ao concluir como não provados o facto constante do ponto ii) "Viatura adquirida com o cabeça de casal e com recurso a capital próprio deste" e o facto constante do ponto x): "O veiculo acima identificado foi adquirido em Setembro de 2005 em nome do cabeça-de-casal e só posteriormente, em meados de Outubro de 2011, foi transmitida a propriedade a favor da inventariada, na sequência de um acidente de viação por aquele sofrido e que iria agravar consideravelmente o prémio do seguro automóvel;"
U) Mal andou também o douto Tribunal "a quo" ao concluir, com base no enunciado facto provados e factos não provados, que a referida viatura automóvel era um bem próprio da inventariada à data do seu óbito, i.e., que de facto era de sua propriedade.
V) O registo de propriedade automóvel não tem efeitos constitutivos, mas meramente declarativos.
W) Entende-se que a presunção de propriedade que resulta do art. 7.º do Código de Registo de Predial (aplicável por remissão) foi afastada.
X) E que a referida viatura automóvel foi adquirida única e exclusivamente com recurso a capitais próprios do Requerente e que era este quem exercia os respetivos actos de posse em relação à mesma.
Y) Certo é que que o veículo em questão foi adquirido em Setembro de 2005 pelo Recorrente.
Z) E só posteriormente, em meados de Outubro de 2011, foi registada a propriedade a favor da Inventariada, na sequência de um acidente de viação.
AA) E afim, de evitar o agravamento do prémio do seguro automóvel, não tendo existido qualquer intuito liberatório.
BB) Continuando o Recorrente a exercer todos os actos de posse em relação ao veículo automóvel.
CC) Tal resultou devidamente demostrado através do depoimento prestado pelas testemunhas DD, EE e FF que de forma clara, objectiva e desinteressada explicaram o que havia sucedido a este respeito.
DD) Como se pode extrair da audição dos depoimentos destas testemunhas e em particular do trecho transcrito nas alegações de Recurso infra, não só a mesma revela conhecimento directo dos factos relevantes, i.e., da propriedade das quantias utilizadas para a aquisição do veículo automóvel pelo seu pai, ora Recorrente, e das utilitárias razões inerentes à colocação do mesmo em nome da Inventariada, mas também releva segurança em tal conhecimento.
EE) Não podia também o douto Tribunal "a quo" descartar o depoimento da testemunha DD apenas pelo facto de este ser filho do cabeça-de-casal e muito menos que tenha um "Testemunho ajustado ao interesse do cabeça-de-casal nestes autos. ".
FF) Bem como, não podia o douto Tribunal "a quo" descartar também a relevância do testemunho do Exmo. Sr.º FF justificando que o mesmo: "...mostra-se inseguro e pouco escorreito. ".
GG) Quando em bom abono da verdade, o aludido depoimento foi capaz de demonstrar um conhecimento directo, seguro e sobretudo credível dos factos relativos à propriedade das quantias utilizadas para a aquisição do veículo automóvel pelo Recorrente, e das utilitárias razões inerentes à colocação do mesmo em nome da Inventariada.
HH) Tais depoimentos são congruentes entre si e confirmam a versão dos factos sustentada pelo Recorrente,
II) O aludido veículo foi adquirido em 2005 pelo Recorrente, exclusivamente com recurso a capitais próprios, sendo que apenas em 2011, foi registada a propriedade a favor da Inventariada, na sequência de um acidente de viação e somente com o fio utilitário de evitar o agravamento do prémio do seguro automóvel, tendo continuado, durante todos estes anos, a ser utilizado pelo Recorrente, como proprietário.
JJ) A decisão recorrida terá de ser parcialmente revogada de forma a excluir-se dos presentes autos de inventário o veículo automóvel marca Citroen, modelo ..., gasolina com a matricula ..-AL-.. em virtude de o mesmo não ser propriedade da Inventariada à data do óbito.
KK) O que se disse supra em relação à possibilidade de prova sobre a propriedade do veículo automóvel é perfeitamente transmissível para aquilatar a possibilidade de produção de prova da propriedade do imóvel já enunciado, isto porque, o imóvel sito na Rua ..., n.º ..., 2.º Drt., ... ... e ..., Vila Nova de Gaia, foi adquirido pelo preço de €65.000,00 (sessenta e cinco mil euros) com recurso exclusivo a capitais próprios do Recorrente, conforme profusa prova produzida nos autos de processo.
LL) A prova documental existente nos autos permite concluir que o valor relativo aos €15.000,00 (quinze mil euros) do sinal inerente à compra e vende de tal imóvel foi liquidado através de cheque bancário n.º ..., emitido pelo Recorrente a favor do promitente vendedor, o Exmo. Senhor GG e sacado sobre a Banco 1... em 08/12/2004.
MM) O mesmo sucede com o pagamento remanescente do preço no valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros).
NN) O valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros) - foi doado ao Requerente pelo seu progenitor, o Exmo. Senhor CC, através da entrega de um cheque no valor de €60.211,68 (sessenta mil duzentos e onze euros e sessenta e oito cêntimos), depositado na conta bancária da Inventariada para pagamento ao vendedor no dia de outorga da escritura pública de compra e venda.
OO) Tudo isto, encontra-se devidamente provadas via documental, mas também pela prova testemunhal produzida.
PP) Tal resultou devidamente demostrado através do depoimento prestado pelas testemunhas DD, EE e FF que de forma clara, objetiva e desinteressada explicaram o que havia sucedido a este respeito.
QQ) Todas as testemunhas supra identificadas demonstraram um conhecimento directo e seguro sobre a origem do dinheiro que foi utilizado para a aquisição do imóvel, bem como que a Inventariada não possuía património e capacidade financeira para, de per si, poder comprar a respectiva fracção autónoma.
RR) A prova a este respeito é abundante e inequívoca e demonstra que a fração Autónoma designada pela letra "F". sita na Rua ..., n.º ..., 2º direito, ... ... e ..., Vila Nova de Gaia, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., e descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ... foi adquirida exclusivamente com dinheiro próprio do Recorrente.
SS) Não existiu assim, qualquer intencionalidade liberatória relativamente a tais valores, tendo sido provado que o imóvel foi adquirido com a finalidade de constituir a casa do Recorrente e adquirido com dinheiro apenas deste.
TT) O douto Tribunal "a quo" incorreu também aqui num error in iudicando da matéria de facto por erro na valoração da prova produzida (quer documental, quer testemunhal).
UU) A decisão recorrida terá de ser parcialmente revogada de forma a excluir-se dos presentes autos de inventário a fracção autónoma designada pela letra "F". sita na Rua ..., n.º .... 2º direito. ... ... e ..., Vila Nova de Gaia, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., e descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ..., em virtude de a mesmo não ser propriedade da Inventariada à data do óbito, mas sim do Recorrente
VV) Caso assim não se entenda e apenas por mero dever de patrocínio sempre se dirá que: O tribunal a quo considerou que a conta bancária existente na Banco 1... tinha dois titulares e que por isso metade desse saldo tinha de ser aditado, no mínimo, impunha-se que o tribunal a quo determinasse que, apenas a meação da Inventariada relativamente ao imóvel em questão podia ser aditada à relação de bens!
WW) Encontra-se documentalmente provado que a aquisição de tal imóvel foi no mínimo efectuada com recurso aos capitais (depositados pelo Recorrente) existentes na conta titulada por ambos e por isso tendo tal imóvel sido adquirido com capitais de ambos os cônjuges, afastada está também a qualidade desse bem como bem próprio da Inventariada AA.
XX) No regime de bens supletivo da comunhão de adquiridos qualquer um dos cônjuges tem a faculdade de provar que o bem foi adquirido apenas com recurso a dinheiro ou bens próprios, não integrando desta forma tal bem a comunhão conjugal.
YY) Essa faculdade não pode ser negada a qualquer um dos cônjuges também no regime da separação de bens.
ZZ) A jurisprudência é unânime na interpretação da lei esclarecendo que a propriedade de um bem pertence a quem o efetivamente adquiriu e não a quem declaradamente o adquiriu, ou mesmo "presumidamente" o adquiriu.
AAA) A alínea c) do artigo 1723.º do Código Civil diz que conservam a qualidade de bens próprios "os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges... (negrito e itálico nosso).
BBB) Quando muito, a dever ser relacionada, a fração autónoma, apenas poderia ser a quota parte da Inventariada (que se presumiria igual à do Recorrente) e não a totalidade do direito de propriedade que sobre tal imóvel recai.
CCC) O tribunal a quo, incorreu ainda em erro no que aos certificados de tesouro e dos certificados de aforro diz respeito.
DDD) Incorreu em erro de não dar como provados os pontos iii) – “Subscrições do tesouro e certificado de aforro efectuados com recurso a capitais próprios do cabeça-de-casal;"), xii) - ("Por outro lado, ainda em vida do progenitor do cabeça-de-casal, CC, doou àquele diversos Certificados do Tesouro e de Aforro;" e xiii ("Os três Certificados de Tesouro (Subscrição n.º ... no valor de €8.200,00 em 15/12/2016; Subscrição n.º ... no valor de €25.000,00 em 26/02/2019 e Subscrição n.º ... no valor de €50.000,00 em 05/08/2019) e o Certificado de Aforro (n.º ... no valor de €6.000,00 em 18/09/2013).
EEE) A este respeito da valoração da prova produzida nos autos impunha-se decisão diversa.
FFF) Tais certificados são propriedade exclusiva do Recorrente, tendo sido apenas com dinheiro deste que foram adquiridos/constituídos.
GGG) Os capitais que deram origem a tais subscrições, advieram ao Recorrente quer de doações efectuadas pelo seu progenitor, o Exmo. Senhor CC ou, na sequência de partilha de herança por óbito dos progenitores do mesmo.
HHH) Em resultado da Habilitação e escritura de partilha por óbito dos seus progenitores outorgada em 14/12/2017, recebeu o Recorrente a quantia de €60.000,00 (sessenta mil euros) a título de tornas
III) Ainda em vida do progenitor do Recorrente, o Exmo. Senhor CC, doou àquele diversos Certificados do Tesouro e de Aforro.
JJJ) O tribunal a quo ignorou a este respeito a informação vertida nos autos pelo IGCP no seu email datado de 11-11-2021 com Ref.ª Citius n.º 30476888 no qual se menciona o seguinte: ' '-...- data da subscrição 26-02-2019- €10.211,00 - emitida na sequência de transferência bancária, da Banco 1..., de CC no valor de €50.000,00"
"-...- data da subscrição 05-08-2019- €50.000,00 - emitida na sequência de transferência bancária, da Banco 1...- de CC no valor de €100.000,00"
"os valores diferenciais ... das transferências foram utilizados para emissões noutra conta aforro.
...- data da subscrição 18-09-2013- €6.000,00 - numerário
...- data da subscrição 12-06-2014- €8.700,00 - numerário
...- data da subscrição 04-08-2014- €10.211,00 - numerário
... data da subscrição 15-12-2016- €10.211,00 - numerário''
KKK) De acordo com a informação vertida pelo IGCP encontra-se provado que as subscrições supramencionadas foram constituídas com recurso a capitais próprios de CC, através de duas transferências efetuadas para o IGCP um ano valor de €50.000.00 (cinquenta mil euros) e outra no valor de €100.000.00 (cem mil euros).
LLL) Tal resultou também demostrado através do depoimento prestado pelas testemunhas DD, EE e FF que de forma clara, objetiva e desinteressada explicaram o que havia sucedido a este respeito.
MMM) Da conjugação da prova documental e da prova testemunhal produzida nos autos atenta a sua congruência, resulta inequivocamente que os certificados de Aforro e Certificados de Tesouro são bens próprios exclusivos do Recorrente, que este adquiriu exclusivamente com dinheiro próprio, não existindo qualquer intenção liberatória em relação à Inventariada.
NNN) Ao dar como não provados os enunciados de factos constantes nos pontos iii) e xii) na sentença recorrida incorreu o douto Tribunal "a quo» mais uma vez num error in iudicando da matéria de facto por erro na valoração da prova produzida nos autos e que impunha outra conclusão e, consequentemente, decisão quanto à propriedade dos certificados de Aforro e Certificados do Tesouro como sendo do Recorrente.
OOO) Terá pois a este respeito a decisão recorrida de ser parcialmente revogada de forma a excluir-se dos presentes autos de inventário os certificados de aforro e certificados do tesouro em virtude de os mesmos não serem propriedade da Inventariada à data do óbito.
PPP) Caso assim se não entenda, o que desde já não se aceita, mas apenas por mera hipótese de patrocínio se concebe, sempre se dirá o seguinte:
QQQ) No regime da separação de bens é frequente a existência de bens pertencentes a ambos os cônjuges, quer móveis quer imóveis, em compropriedade.
RRR) Ter-se-ão no mínimo de considerar tais bens como pertencentes em compropriedade a ambos os cônjuges, isto é, Recorrente e Inventariada.
SSS) O n.º 2 do artigo 1736.º do Código Civil dispõe a este respeito que: "(...) quando haja duvidas sobre a propriedade exclusiva de um dos cônjuges os bens moveis ter-se-ão como pertencentes em compropriedade de ambos os cônjuges, "(itálico da nossa autoria).
TTT) Se o Recorrente não tivesse provado, como fez, que os certificados de aforro e certificados do tesouro são de sua exclusiva propriedade, sempre os mesmos se presumiriam pertencer a este e à inventariada em compropriedade e se presumiriam em quotas quantitativamente iguais (conforme parte final do n.º 2 do art. 1403.º do CC).
UUU) E aí apenas poderia ser relacionado a quota parte da Inventariada, que se presumiria igual à do Recorrente.
Termina pedindo a procedência do recurso, com a revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra que decida nos seguintes termos:
A) Eliminação da relação de bens da Inventariada da fracção autónoma designada pela letra "F" sita na Rua ..., Veículo automóvel marca Citroen, matrícula ..-AL-.., Certificados de Aforro e Certificados do Tesouro (todos já melhor identificados no presente recurso) em virtude de não se serem bens próprios da mesma mas sim do cabeça de casal, ora Recorrente;
B) Subsidiariamente e, se assim não se entender, a promover-se o aditamento à relação de bens da Inventariada, deverá sê-lo, no limite, até à quota-parte do direito desta em relação ao imóvel designada pela letra "F" sita na Rua ... e Certificados de Aforro e Tesouro (todos já melhor identificados no presente recurso).
C) Por último, e de forma cumulativa com o ponto B), deverão os Certificados de Aforro e de Tesouro (todos já melhor identificados no presente recurso), ter o respectivo valor corrigido para o enunciado na declaração emitida pelo IGCP e constante do Requerimento apresentado pela mesma entidade, datado de 27-07-2021 com Ref.ª Citius n.º 29580754, com referência ao dia 28-08-2020, bem como, em tal senda, suprimir o aditamento do certificado de tesouro/CTPM-subscrição n.º ... no valor €20.000,00 (vinte mil euros) uma vez que, á data do óbito o mesmo já não existia.

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O interessado BB apresentou contra alegações, sustentando a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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Sendo pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, são questões a resolver a reapreciação da prova, quanto a saber se são bens próprios do recorrente a fracção autónoma F, o veículo automóvel e os certificados de aforro e certificados do tesouro, e se tais bens se presumem comuns nos termos do n.º 2 do artigo 1736.º do C.Civil.
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A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
1) O cabeça-de-casal e a inventariada contraíram matrimónio civil no dia 03/10/2002, em segundas núpcias de ambos, no regime de separação de bens;
2) A inventariada faleceu no estado de casada com o cabeça-de-casal no dia 28/08/2020;
3) Sucedem-lhe como herdeiros:
O cabeça-de-casal CC; e
. BB, filho da inventariada, fruto do anterior casamento da mesma;
4) À data de 28/08/2020, a inventariada figurava como proprietária da Fracção Autónoma designada pela letra "F", sita na Rua ..., n.º ..., 1.º T, ... Vila Nova de Gaia, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., da União das freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, e descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...;
5) A aquisição do mencionado imóvel é anterior à data do casamento da inventariada com o cabeça-de-casal;
6) À data de 28/08/2020, a inventariada figurava como proprietária da Fracção Autónoma designada pela letra "F", sita na Rua ..., n.º ..., 2.º direito, ... ... e ..., Vila Nova de Gaia, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., e descrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...;
7) O imóvel mencionado em 6) foi objecto de compra e venda, pelo preço de 65.000,00€, através de escritura pública, datada de 12/04/2005, na qual figuram como vendedores GG e HH, figurando como compradora AA;
8) À data de 28/08/2020, a inventariada figurava no registo automóvel como proprietária do veículo automóvel marca Citroen, modelo ..., gasolina, com a matrícula ..-AL-..;
9) À data de 28/08/2020, a inventariada era titular da conta aforro n.º ... à qual está associado, em resumo, o seguinte:
. Certificados de Aforro/Série C:
i. Subscrição n.º ... no valor de 6.601.08€;
ii. Subscrição n.º ... no valor de 9.403,57€;
iii. Subscrição n.° ... no valor de 29.602/10€;
iv. Subscrição n.° ... no valor de 1.562,66€;
. Certificados do Tesouro/CTPM:
i. Subscrição n.° ... no valor de 20.000/00€; (eliminado pelas razões infra).
ii. Subscrição n.° ... no valor de 8.200,00€;
● Certificados do Tesouro/CTPC:
● Subscrição n.° ... no valor de 25.000,00€;
● Subscrição n.° ... no valor de 50.000,00€, conforme declaração com a referência 29580754.
10) São titulares da conta à ordem n.º ... da Banco 1..., S.A. CC e AA;
11) À data de 28/08/2020, a mencionada conta bancária apresentava o saldo de 142.998,69€, tendo sido efectuada uma transferência no valor de 70.000,00€, ficando o saldo de 72.898,69€;
12) São titulares da conta à ordem n.º ... do Banco 2..., S.A. CC e AA, estando a mesma saldada à data do óbito da inventariada.
Mais considerou não provados os seguintes factos:
i. O imóvel referido em 6) adquirido com o cabeça-de-casal e com recurso a capital próprio deste;
ii. Viatura adquirida com o cabeça-de-casal e com recurso a capital próprio deste;
iii. Subscrições do tesouro e certificado de aforro efectuados com recurso a capitais próprios do cabeça-de-casal;
iv. A inventariada foi funcionária da Câmara Municipal ... até 2002, sendo que o único rendimento de que dispunha era proveniente do seu trabalho;
v. Não possuindo quaisquer outros rendimentos, nem decorrentes de outros trabalhos, nem a título de indemnizações ou heranças;
vi. Após contrair matrimónio com o cabeça-de-casal, a inventariada deixou de trabalhar, passando o casal a viver única e exclusivamente dos rendimentos daquele;
vii. Rendimentos esses provenientes quer do seu salário como funcionário da A..., quer de doações do seu progenitor e posterior herança pelo óbito deste;
viii. Após o casamento da inventariada e do cabeça-de-casal, aquela apenas passou a auferir, a partir de Fevereiro de 2019, uma pensão de invalidez no valor aproximado de 300,006;
ix. Altura, em que a demência de que padecia lhe permitiu obter Incapacidade Multiusos para efeitos de reforma por invalidez;
x. O veículo acima identificado foi adquirido em Setembro de 2005 em nome do cabeça-de-casal e só posteriormente, em meados de Outubro de 2011, foi transmitida a propriedade a favor da inventariada, na sequência de um acidente de viação por aquele sofrido e que iria agravar consideravelmente o prémio do seguro automóvel;
xi. O remanescente do valor de compra 50.000,00€ foi doado ao cabeça-de-casal CC pelo seu progenitor, CC, através da entrega de um cheque no valor de 60.211,68€;
xii. Por outro lado, ainda em vida do progenitor do cabeça-de-casal, CC, doou àquele diversos Certificados do Tesouro e de Aforro;
xiii. Os três Certificados de Tesouro (Subscrição n.° ... no valor de €8.200,00 em 15/12/2016; Subscrição n.° ... no valor de €25.000,00 em 26/02/2019 e Subscrição n.° ... no valor de €50.000,00 em 05/08/2019) e o Certificado de Aforro (n.º ... no valor de €6.000,00 em 18/09/2013), foram constituídos em nome da inventariada, porquanto a mesma exigiu ter aplicações em seu nome;
xiv. Situação que o cabeça-de-casal acedeu de modo a evitar problemas conjugais, sendo que jamais pretenderia doar o que quer que fosse, permitindo apenas que a titular dos mesmos tenha sido a inventariada;
xv. A inventariada tinha peças em ouro que usava e guardava;
xvi. A inventariada arrendou o imóvel identificado em 4) durante quinze anos, amealhando com as rendas cerca de 100.000,00€.
***
A presente apelação tem como escopo principal a modificação do decidido pela 1.ª instância sobre matéria de facto, com inversão para “provada”, da matéria factual constante os itens i., ii., iii. e x., da factualidade considerada não provada, e eliminação no ponto 9) da factualidade considerada provada da alínea i. Subscrição n.° ... no valor de 20.000/00€; referente a “Certificados do Tesouro/CTPM”.
Nos termos do art. 662º, n.º 1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“(…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Tendo o cabeça de casal, ora recorrente, indicado e transcrito no corpo das alegações, com referência ao tempo de início e fim, as passagens dos depoimentos em que se baseia, cumpre os pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto. Em conformidade, e nos termos do art. 662º, n.º 1 CPC, a Relação reaprecia a prova, tendo, para tal, procedido à audição integral dos registos fonográficos.
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341.º do CCivil). A prova em processo comum não pressupõe uma certeza absoluta ou ontológica, mas, por outro lado, também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida (Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, p. 191). A livre apreciação da prova, consagrada no art.º 396.º do C. Civil, é uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves, da «liberdade para a objectividade» (Rev. Min. Pub. 19º, 40).
O A Mmo. Juiz fundamentou nos seguintes termos a sua convicção negativa quanto aos pontos sob impugnação:
“O testemunho de EE, filha do cabeça-de-casal, não convence, nem se mostra sustentável. Não tem conhecimento directo dos factos, nem dos motivos, afirmando "talvez" tenha ficado em nome da inventariada por achar que ia falecer primeiro. Refere-se genericamente a conversas ouvidas. Realidade, aliás, que a ser certa acrescentaria nova incongruência à posição do cabeça-de-casal nos autos, sobretudo, por comparação à alegação de que os certificados do tesouro ficaram em nome da inventariada por imposição desta, sob pena de sofrer "problemas conjugais".
Quisesse o cabeça-de-casal apenas garantir financeiramente a inventariada caso morresse primeiro do que ela, sem perder a propriedade do dinheiro, podia ter recorrido à outorga de testamento a favor daquela. Podiam inclusivamente, cabeça-de-casal e inventariada, ter feito testamento instituindo-se reciprocamente herdeiros um do outro, bastante comum nos usos em Portugal. Em relação ao imóvel, alegadamente pago com dinheiro seu, podia inclusivamente o cabeça-de-casal reservar para si o usufruto desse imóvel, ficando a inventariada com nua propriedade ou o contrário, opções igualmente comuns nos usos em Portugal.
O testemunho em apreço mostra-se interessado, afirmando ser dinheiro dos seus avós, evidenciando, assim, um interesse na causa, já que o interesse do seu pai nestes autos é o seu como herdeira deste.
Com efeito, se todo o dinheiro da compra do imóvel e dos certificados de aforro era propriedade do cabeça-de-casal e se este nunca quis dar, nem partilhar o que tinha com a sua mulher (a inventariada), temos que os a realidade contradiz essa hipótese. Na verdade, depositar dinheiro na conta da inventariada para que esta comprasse o imóvel, figurando como única compradora no acto notarial, e a subscrição de certificados de aforro apenas em nome da inventariada são actos que evidenciam que entregava na posse e na gestão da inventariada esses valores, fazendo-os seus. Nada que surpreenda o cidadão comum, se se considerar que não se tratava de capital exclusivo seu.
Inexiste prova que os certificados de aforro tenham sido constituídos com dinheiro herdado ou doado. O cabeça-de-casal parece fazer crer que a inventariada não tinha meios para amealhar aquele dinheiro, mas também não demonstra que os tivesse. Veja-se que além das aplicações financeiras em nome da inventariada, o cabeça-de-casal também dispunha de aplicações suas. Se fosse outra a sua vontade podia ter aplicado o dinheiro em seu nome ou conjuntamente com a sua mulher.
Aliás, ciente de que o dinheiro estava na posse da inventariada (porque titular das aplicações), o cabeça-de-casal optou, nesta parte, por alegar que lhe foi imposto pela inventariada.
Evidencia-se a incongruência na versão do cabeça-de-casal.
DD, filho do cabeça-de-casal, revela que não havia grande relação com o casal (pai e inventariada). Testemunho ajustado ao interesse do cabeça-de-casal nestes autos.
O testemunho de FF mostra-se inseguro e pouco escorreito.
Aqui chegados e ponderando a versão do cabeça-de-casal, que se respeita, importa concluir inexistir prova credível que sustente essa versão. Não está demonstrada a exclusividade dos capitais usados, nem que está sequer demonstrado que o cabeça-de-casal quis sempre manter a natureza própria dos bens (em litígio) no seio do casal.
Os de II e de JJ são genéricos, descrevendo a inventariada como uma pessoa poupada, trabalhadora e que gostava de ouro, em nada relevando na fundamentação de facto”.
Constata-se, com efeito, que as testemunhas EE, DD, e FF são respectivamente os dois filhos e o genro do cabeça-de-casal. Ou seja, são pessoas indirectamente interessadas na partilha, enquanto sucessíveis do cabeça de casal, e o cônjuge de uma delas. No interrogatório preliminar ao depoimento de FF constata-se que a testemunha responde negativamente à pergunta se tem relações familiares com o cabeça de casal e com o interessado BB, ao que respondeu ser apenas amigo de um e conhecido de outro. No decorrer do depoimento, estranhamente, acaba por revelar que é genro do recorrente: “o carro foi comprado propositadamente para o meu casamento” (coincidentemente a testemunha EE também menciona que o carro foi comprado na véspera do casamento dela), “O sr.sabe que ela não trazia esse dinheiro antes de ser casada com o seu sogro. – Sim”. Não surpreende que o Mmo. Juiz tenha conferido pouco crédito e desvalorizado semelhante prova testemunhal. É certo que a prova de os bens terem sido adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, para efeitos da al. c) do artigo 1723.º do C.Civil pode fazer-se por qualquer meio de prova admissível em direito, incluindo a prova testemunhal. E o AUJ nº 12/2015, de 2/07 uniformizou jurisprudência no sentido de que «Estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do art. 1723.º, c) do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo da comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo, prove por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão conjugal». No entanto, “A prova testemunhal, apesar de falível e precária, é aquela que, na prática, assume a maior importância, por ser a única a que pode recorrer-se na demonstração da realidade de muitos factos. O Tribunal, não podendo prescindir de tal meio de prova, deve ter «prudente senso crítico» no interrogatório e na ponderação do depoimento testemunhal, relembrando o vetusto brocardo do Digesto «testium fides diligenter examinanda”. “Em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova (342º Código Civil) é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. A traduzir-se para a parte a quem compete no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova” (Acórdão da Relação de Coimbra de 09-02-2021, Proc. 275/19.1T8TCS-A.C1, in dgsi.pt). No caso vertente, estava em questão uma espécie de prova ainda mais complexa que a da al. c) do artigo 1723.º, qual seja a de, em regime de separação, bens titulados por um dos cônjuges terem sido adquiridos com dinheiro ou valores próprios do outro. Em tese, não pode excluir-se para tal a relevância da prova testemunhal, mas deve exigir-se uma sólida consistência, que permita um alto grau de probabilidade do facto, de tal sorte que versão diversa possa, na prática, descartar-se. Ora, versão diversa foi veiculada pelas testemunhas II e JJ, que referiram que a inventariada foi pessoa que trabalhou e poupou toda a sua vida e teve um estabelecimento comercial, em termos de merecer crédito não inferior às testemunhas arroladas pelo recorrente. Tudo visto e ponderado, não se vêem razões para invalidar o non liquet expressado pelo Mmo. Juiz a quo, pelo que vai confirmada a não prova dos pontos i., ii., iii. e x. sob impugnação da factualidade considerada não provada.
Ressalva-se apenas a propugnada alteração ao ponto 9) da factualidade considerada provada. Da informação prestada pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, E.P.E. datada de 27-07-2021 (Ref.ª Citius n.º 29580754), não faz parte a Subscrição Certificados do Tesouro/CTPM n.° ... no valor de 20.000/00€ como subsistindo na data do óbito, de 28/8/2020. Surge, sim, com referência à data de 28-02-2020, subscrita em 18-08-2015, no valor de 20.000,00. Vai, nessa parte, eliminada a respectiva menção no ponto 9), fazendo-se a referência no local próprio.
Soçobram, em consequência, as pretensões do recorrente de ver declarada bem próprio do recorrente e não propriedade da inventariada à data do óbito, e como tal excluída do inventário, a fracção autónoma designada pela letra "F". sita na Rua .... 2º direito. ... ... e ..., Vila Nova de Gaia, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., e descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ..., bem como o veículo Citroen, modelo ..., gasolina, com a matrícula ..-AL-... Ou tão pouco de bens comuns a ambos os cônjuges. Vale, quanto a esses bens, a presunção expressa no artigo 7º do Código de Registo Predial aplicável ao registo automóvel pelo Dec. Lei nº 55/75, de 12.2) que e abrange apenas os factos jurídicos inscritos no registo. E tratando-se de presunção ilidível, ela não resultou, in casu, ilidida.
A presunção de propriedade fundada no registo prevalece, quanto aos móveis sujeitos a registo, sobre a presunção estabelecida pelo n.º 2 do artigo 1736.º do C.Civil. Não sendo ainda aplicável aos certificados de aforro e certificados do tesouro. Trata-se aqui de títulos de crédito, e não de bens móveis, Dispõe o citado normativo que que quando haja duvidas sobre a propriedade exclusiva de um dos cônjuges os bens moveis ter-se-ão como pertencentes em compropriedade de ambos os cônjuges". Trata-se de disposição que tem como âmbito de aplicação bens móveis, como v.g. o mobiliário ou equipamento do recheio da habitação, que não têm qualquer referência à pessoa a quem pertencem, e daí as dúvidas sobre a propriedade comum ou exclusiva. Ora, os títulos de crédito nominais, como os certificados de aforro e certificados do tesouro, têm um sujeito perfeitamente identificado, a quem cabe o respectivo exercício. São por isso, insusceptíveis de ser abrangidos pela presunção do n.º 2 do artigo 1736.º.
Procede, pelo exposto, a apelação quanto à eliminação da relação de bens da Inventariada do Certificado do Tesouro/CTPM com a subscrição n.° ..., no valor de €20.000/00, improcedendo quanto ao restante.

DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, determinando-se a eliminação da relação de bens da Inventariada do Certificado do Tesouro/CTPM com a subscrição n.° ..., no valor de €20.000/00 (vinte mil euros); improcedente quanto ao restante, confirmando-se, nessa medida, a sentença recorrida.
Custas pelo apelante e pelo apelado na proporção do decaimento.


Porto, 19/11/2024
João Proença
Márcia Portela
João Ramos Lopes