Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CONDIÇÃO DE PAGAMENTO DE REPARAÇÃO
Sumário
No geral, nos crimes contra o património e a propriedade, a pena de prisão suspensa na execução é mais eficaz, melhor satisfazendo as exigências de prevenção quando não se apresenta sob a forma simples, mas condicionada ao pagamento de uma reparação ao ofendido.
(Da responsabilidade da relatora)
Texto Integral
Processo 283/18.0T9MAI.P1
Comarca do Porto
Juízo Local Criminal ... – Juiz 2
Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
I.1 Por sentença proferida em 14.05.2024 foi a arguida AA condenada pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205°, n.ºs 1 e 5 do C. Penal por que vinha acusada, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, com a condição de a arguida pagar à ofendida "A..., S.A." a quantia de 2.963,34€ (dois mil, novecentos e sessenta e três euros e trinta e quatro cêntimos).
Mais foi julgado totalmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante “A..., S.A." e sido a demandada/arguida condenada a pagar-lhe a quantia de € 2.963,34€ (dois mil, novecentos e sessenta e três euros e trinta e quatro cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a notificação à arguida para contestar o pedido cível até efectivo e integral pagamento e foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo lesado BB e sido a demandada/arguida condenada a pagar-lhe a quantia de € 233,44 (duzentos e trinta e rês euros e quarenta e quatro cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a notificação à arguida para contestar o pedido cível até efectivo e integral pagamento.
**
I.2. Recurso da decisão
A arguida AA interpôs recurso da decisão, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição integral):
“1- A pena imposta à ora Recorrente é excessiva e deve ser reformada e reduzida para medida que se aproxime dos respetivos limites mínimos.
2- A pena suspensa aplicável não deverá ser condicionada ao pagamento de uma quantia à lesada "A..., S.A.", atento à situação económica e financeira da arguida, não sendo razoável a sua exigência.
3- A arguida não aufere qualquer rendimento, quer a título de pensão por invalidez ou pensão de velhice, nem beneficia de Rendimento Social de Inserção, subsistindo com o apoio económico das filhas e de um casal amigo, conforme resulta dos factos provados na douta sentença.
4- Deste modo, foi violado o disposto nos artigos 71° e 51° do Código Penal.
5- A condenação da arguida no pagamento à lesada "A..., S.A.", na quantia de 2 963,34€ (dois mil, novecentos e sessenta e três euros e trinta e quatro cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a notificação à arguida para contestar o pedido cível até efetivo e integral pagamento, deve ser reformulada.
6- Porquanto a ora Recorrente não se confunde com o Executado no âmbito do processo executivo, não podendo ser calculados juros e sanção pecuniária compulsória nos mesmos termos que no âmbito de um processo de execução.
7- Com efeito, de acordo com o artigo 805° n° 1 do Código Civil "O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir."
8- Pelo que, não pode a ora Recorrente ser condenada no pagamento de juros de mora desde a data de entrada do requerimento executivo, tendo em conta que nessa data a demandada não tinha penhorado qualquer quantia no âmbito do supra aludido processo de execução, inexistindo qualquer obrigação de entrega por parte desta à demandante.
9- Ademais, no que respeita ao pagamento de sanção pecuniária compulsória pela demandada, também não é devida qualquer quantia a este título, pois a obrigação de pagamento da sanção pecuniária compulsória é única e exclusivamente imputável ao Executado no âmbito do processo de execução.
10- Pois que, saliente-se, sobre a demandada poderá apenas recair a obrigação de entrega do montante recuperado no processo de execução, na medida da responsabilidade do executado calculada de acordo com a conta elaborada pela Agente de Execução substituta.
11- Pelo que, apenas se concebe a condenação da ora Recorrente no pagamento do pedido civil formulado, tendo como limite máximo o montante apurado na conta elaborada pela Senhora Agente de Execução substituta, constante de fls. 99 a 101 dos presentes autos, ou seja, no valor de €1.631,86 (mil seiscentos e trinta e um euros e oitenta e seis cêntimos), acrescido, somente, do valor dos juros de mora, à taxa legal aplicável, calculados desde a data da notificação à arguida para contestar o pedido civil até efetivo e integral pagamento.” Pugna pela revogação da sentença e a sua substituição por outra que se coadune com a pretensão recursiva.
**
I.3. Resposta ao recurso
O Ministério Público, na resposta ao recurso, pronunciou-se pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida, concluindo sucintamente nos seguintes termos:
“(…) 2. A condição estabelecida pelo Tribunal A Quo para o cumprimento da suspensão da prisão, apesar de exigir da arguida o pagamento duma quantia que esta - atentas as suas condições pessoais indicadas na matéria de facto assente na condenação - não possuirá no plano imediato, não viola o princípio da proporcionalidade ou legalidade, não havendo por isso qualquer tipo de ilegalidade associada à sua aplicação de onde pudesse retirar-se o desrespeito pela disciplina inscrita nos arts. 52° e 71° do Código Penal.
Vejamos então porquê:
3. Foi concedido à arguida um prazo de 3 anos para realizar o pagamento do valor em falta. Se tivermos em consideração o valor global dividido pelo período de 36 meses de prazo que esses 3 anos representam encontramos um valor mensal de cerca de € 83,00.
4. Durante este prazo de 3 anos, a arguida poderá, justificadamente, fazer chegar aos autos pequenas parcelas de pagamento - ainda que inferiores ao cálculo prestacional que atrás efectuamos - que, na medida das suas possibilidades, consiga realizar, o que a acontecer evidenciará a diminuição das exigências de prevenção e poderá evitar a revogação da suspensão.
5. O cumprimento ou incumprimento das obrigações imanentes à suspensão da execução da pena de prisão é avaliado caso a caso pelo juiz do processo e só levará, a nosso ver, à revogação da suspensão em caso de incumprimento culposo.
6. A condição económica da arguida pode, entretanto, melhorar com o decurso do tempo, sendo certo que se tal obrigação não fosse fixada esta poderia lograr eximir-se ao pagamento do valor em crise destinando o seu dinheiro a outros fins com vista a dar prevalência aos seus interesses pessoais.
7. Se não fosse aplicada uma condenação com os contornos da que nos autos foi fixada [sendo certo que no valor definido foi considerado apenas o valor do prejuízo sofrido por um dos ofendidos (neste caso mais alto)], passar-se-ia, a nosso ver, à comunidade a ideia de que o crime pode compensar por não ser aplicada em regime de condenação judicial uma medida sancionatória suficientemente dissuasora de futuras condutas idênticas.
8. Ou seja: quando um agente de crime comete um ilícito penal de onde resulta um desfalque num determinado valor económico não negligenciável, o Tribunal bastar-se-ia em condená-lo numa pena suspensa simples sem associar à sanção criminal qualquer obrigação indemnizatória!
9. Uma decisão deste teor não seria justa. Na realidade, representaria na nossa perspectiva um desequilíbrio demasiado pronunciado e injustificado no sentido de conferir uma maior protecção ao infractor em detrimento da posição da vítima e em prejuízo, quer da mesma, quer da comunidade onde esta se insere atento o potencial lesivo que resultará da futura ocorrência no seu seio de crime idêntico ao aqui julgado.”
**
I.4. Parecer do Ministério Público
No sentido da improcedência do recurso.
**
I.5. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP), tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
**
I.6. Foram colhidos os vistos e, de seguida, o processo foi à conferência.
*****
II- FUNDAMENTAÇÃO II.1. Objecto do Recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do CPP (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
Assim, da análise das conclusões da recorrente extraímos sequencialmente as seguintes questões que importam apreciar e decidir: A) Parte Criminal
1ª Medida concreta da pena de prisão por ser excessiva;
2ª Prazo de suspensão da execução da pena de prisão por ser excessivo;
3ª Condição de pagamento da suspensão da execução da pena de prisão por ser desproporcional ou irrazoável.
*
B) Parte Civil
1ª Juros de mora peticionados no âmbito do pedido de indemnização civil formulado pela demandante “A..., SA” por terem sido erradamente calculados;
2ª Sanção pecuniária compulsória peticionada no pedido de indemnização civil formulado pela demandante “A..., SA.” por o pagamento ser indevido.
*
Conheceremos os fundamentos do recurso pela sua ordem lógica das consequências da sua eventual procedência e influência preclusiva.
****
II.2. Sentença recorrida (que se transcreve na parte com relevo para apreciação do recurso)
“II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
II.1. FACTOS PROVADOS
Realizada a audiência de discussão e julgamento, dela resultaram provados os seguintes factos: DA ACUSAÇÃO:
1. Entre 25 de Setembro de 1997 e 8 de outubro de 2013, a arguida desempenhou funções de Agente de Execução, estando inscrita na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) com a cédula n.º ...12, encontrando-se suspensa do exercício de funções desde esta última data.
2. No exercício dessas suas funções, a arguida interveio em inúmeros processos judiciais de execução, cabendo-lhe efetuar diligências de execução, como penhoras, a fim de recuperar os valores monetários devidos aos credores/exequentes.
3. No dia 1 de outubro de 2004, a arguida foi nomeada para o exercício da atividade de Agente de Execução nos autos de Execução Comum n.° ..., que correram os seus termos no Juízo de Execução da Maia, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, nos quais figurava como exequente a sociedade "B..., S.A." e, como executado, BB.
4. No decurso de tal processo executivo, a arguida notificou a entidade patronal do executado, a sociedade "Transportes C..., Lda.", assim como o Centro Nacional de Pensões, da penhora do vencimento/salário/reforma/pensão do executado, para que procedessem ao devido desconto destinado ao pagamento da quantia exequenda, acrescida de juros e despesas prováveis, calculadas em 1800,00€.
5. Assim, no cumprimento dessas notificações para penhora, foram depositados 2.109,47€ à ordem do processo n.° ..., na conta bancária titulada pela arguida e associada a tal processo, domiciliada no Banco 1..., com o NIB ...05, designada "conta clientes Agente de Execução".
6. Tal quantia total correspondia ao depósito das quantias de 309,47€, efetuado pela entidade patronal do executado (debitada no salário deste), em 08 de janeiro de 2008, e ao depósito das seguintes quantias, efectuado mensalmente pelo Centro Nacional de Pensões:
- 98,29€ em 10 de janeiro de 2011;
- 98,29€ em 10 de fevereiro de 2011;
- 98,29€ em 10 de março de 2011;
- 98,29€ em 08 de abril de 2011;
- 98,29€ em 10 de maio de 2011;
- 98,29€ em 9 de junho de 2011;
- 98,29€ em 8 de julho de 2011;
- 98,29€ em 10 de agosto de 2011;
- 98,29€ em 09 de setembro de 2011;
- 98,29€ em 10 de outubro de 2011;
- 98,29€ em 10 de novembro de 2011;
- 98,29€ em 9 de dezembro de 2011;
- 98,29€ em 10 de janeiro de 2012;
- 98,29€ em 10 de fevereiro de 2012;
- 98,29€ em 09 de março de 2012;
- 98,29€ em 10 de abril de 2012:
- 98,29€ em 10 de maio de 2012
- 98,29€ em 8 de junho de 2012;
- 30,78€ em 10 de julho de 2012.
7. Em 23 de Junho de 2015, e já após as interpelações efetuadas pela exequente à arguida solicitando o pagamento das quantias penhoradas, foi judicialmente determinada, no processo executivo, a notificação da arguida para proceder à entrega, ao exequente, do saldo resultante da penhora do salário e da pensão do executado, nunca tendo a arguida entregado tais valores, que fez seus, utilizando-os em proveito próprio.
8. A arguida, enquanto Agente de Execução nos sobreditos autos de execução, estava obrigada a entregar aqueles 2.109,47€ ao credor do executado, a "B..., S.A", não podendo utilizá-lo para outros fins.
9. Essa conduta da arguida inseriu-se num quadro de atuação que esta vinha adotando pelo menos desde o ano de 2010, pois à semelhança do ocorrido nos autos de execução n.° ..., a arguida reteve para si e utilizou em seu benefício diversas quantias penhoradas e depositadas na referida conta- clientes do Banco 1... com o NIB ...05, a partir da qual efetuava regularmente transferências bancárias para outras contas por si tituladas, como se provou no âmbito dos processos comuns singulares n.° ... e ..., nos quais foi já condenada.
10. A arguida sabia que os montantes depositados na referida conta-cliente deviam ser utilizados para pagamento da quantia exequenda, despesas e encargos relacionados com o processo executivo que lhe fora distribuído, que apenas lhe eram acessíveis em razão das suas funções profissionais de agente de execução e agiu com intenção de não os entregar ao credor para satisfação do seu crédito.
11. Sabia a arguida que, ao assim agir, o fazia sem o consentimento, contra a vontade e à custa do empobrecimento no património do dito credor e executado naqueles autos, a quem tais quantias pertenciam, e que não lhe assistia qualquer direito a, por essa forma, fazer aumentar o seu património, agindo contra os deveres inerentes às suas funções.
12. A arguida actuou de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL DEDUZIDO PELA ASSISTENTE "A..., S.A."
13. A ora demandada deu entrada de requerimento executivo em 09/06/2014, tendo o processo corrido termos com o n° 4702/03.4TBMAI no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízos de Execução da Maia - Juiz 1, onde era executado BB.
14. No referido processo foi nomeada como Agente de Execução, a arguida que usava o nome profissional de AA, com a cédula profissional nº ...12, que veio a aceitar a referida nomeação em 01-10-2004.
15. No âmbito das diligências com vista à penhora de bens, porque nos autos não havia lugar a citação prévia, foi notificada não só a entidade patronal do executado - Transportes C..., Lda., como também o Centro Nacional de Pensões a fim de procederem à penhora do vencimento/ pensão do executado através dos descontos necessários ao pagamento da quantia exequenda, acrescida de juros e despesas prováveis.
16. Notificações estas onde era indicado o valor calculado provisoriamente de 1.800€ e indicado também que os valores penhorados deviam ser depositados na conta cliente da arguida com o NIB ...05 (Banco 1...), com a indicação da referência PE/252/2004.
17. Após o que foram efetuados depósitos na conta supra indicada, no valor total de 2.109,47€.
18. O total que se indica corresponde à soma de 309,47€ transferidos pela entidade patronal do então executado, em Maio de 2008, e a 19 descontos por parte da Caixa Nacional de Pensões efetuados entre Dezembro de 2010 e Junho de 2012 (num total 1.800€).
19. Valor este que a ora arguida nunca transferiu para a A..., S.A., ainda que interpelada para o efeito.
20. O valor que se encontrava na sua posse não lhe pertencia e bem sabia a arguida que o teria que entregar à exequente, na medida da conta final que viesse a elaborar, o que também nunca sucedeu.
21. Teve a exequente que requerer a substituição da agente de execução nos referidos autos de execução, o que veio a suceder em 1 de Julho de 2014, suportando novamente os custos relativos a honorários no montante de 105,17€.
22. E é já com a Agente de Execução CC, nomeada no processo executivo 4702/03.4TBMAI, em substituição da arguida, que vem a ser elaborada a referida nota justificativa e discriminativa e extinto o processo executivo.
23. Da mesma resulta um valor apurado devido nessa altura à então Exequente de 1.631,86€, em 04/10/2015.
24. Valor este que já era devido, pelo menos desde 31.12.2013, data da 1a interpelação por parte da ora demandante à arguida para transferência dos valores que recebera.
25. Não obstante a extinção do processo executivo, a ora demandante, mantém-se lesada no valor que lhe era devido enquanto exequente, ou seja, no valor pedido na execução, juros de mora, juros compulsórios devidos à exequente, custas e despesas e honorários de AE.
-Quantia exequenda ……….…………………. 1.014,53€;
- Taxa de justiça paga pela execução ………..22,25€;
- Provisão paga à nova agende de execução CC……….105,17€;
- Provisão adiantada à agente de execução arguida …………….95,20€;
- Juros de mora sobre a quantia exequenda calculados desde a entrada da acção executiva em 14/06/2004 até à presente data ............896,00€;
- Sanção pecuniária compulsória calculada desde a aposição da força executiva em 09/11/2001 até à presente ……………………..830,19€.
26. Deste valor 415,10€ serão entregues ao Estado a título de juros compulsórios (50%) e o restante valor é devido à ora demandante.
DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL DEDUZIDO PELO DEMANDANTE BB
27. O ofendido era executado no processo ..., que correu termos no Juízo de Execução de Maia, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto e, no decurso do processo executivo a arguida notificou a entidade patronal, a sociedade "Transportes C... LDA.", assim como o Centro Nacional de Pensões, da penhora do vencimento /salário /reforma /pensão do executado, acrescida de juros e despesas prováveis, calculadas em €1.800.00 euros.
28. Porém, a quantia penhorada ao ofendido à ordem dos autos, foi de 2.109,47 euros.
29. Devendo a arguida ter procedido à devolução ao ofendido da quantia penhorada em excesso.
30. Quantia esta de que a arguida se apropriou, fazendo-a sua, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia, e que agia contra a vontade do ofendido.
DA CONTESTAÇÃO
31. A arguida tem episódios de perturbações mentais e comportamentais desde 2006/2007, os quais resultaram em várias idas às urgências.
32. Com efeito, a arguida foi acompanhada por médico psiquiatra no Hospital ... entre o período de 28.05.2008 e 28.11.2016.
33. E, pelo menos desde 09.04.2014, que se encontra em tratamento psicológico, sendo acompanhada em Consulta de Psiquiatria no Hospital ..., no Porto
34. Sendo que, somente em agosto de 2019 - após mais um episódio de características maniformes que levou ao internamento da arguida em psiquiatria, no suprarreferido Centro Hospitalar ... -, lhe foi diagnosticada uma Perturbação Afetiva Bipolar.
35. Estando prescrita à arguida medicação de forma a controlar os episódios de características maniformes (Mania Bipolar) que a mesma padece.
36. A Perturbação Afetiva Bipolar é uma doença psiquiátrica considerada grave, caracterizada por variações acentuadas do humor, com crises repetidas de depressão e «mania».
37. As mudanças do humor, num sentido ou noutro têm importantes repercussões nas sensações, nas emoções, nas ideias e no comportamento da arguida.
38. Associados a esta doença estão sintomas como a perda de noção da realidade, o pensamento lento, esquecimentos e dificuldade de concentração.
39. Pelo que, o referido episódio de internamento e a medicação prescrita na sequência do diagnóstico da doença de Perturbação Afetiva Bipolar afetaram gravemente a capacidade da arguida se recordar de acontecimentos passados da sua vida profissional, bem como pessoal e social.
40. Em suma, o historial clínico de foro psiquiátrico da arguida é extenso, sendo que os episódios perturbações mentais e comportamentais já se vêm manifestando desde 2006/2007, anos antes do diagnóstico em 2019,
41. E, na presente data, a arguida já está medicada para tratamento da sua doença de Perturbação Afetiva Bipolar e é acompanhada, com regularidade, pelo médico psiquiatra, Dr. DD, no Hospital ....
42. A arguida começou a ter episódios cada vez mais frequentes da doença de Perturbação Afetiva Bipolar que afetaram o seu trabalho como agente de execução de tal forma que esta deixou de conseguir acompanhar o desenvolvimento dos processos de execução dos quais era titular.
43. Motivo pelo qual foi objeto de investigação pela Comissão para Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça, a qual concluiu que o saldo das contas-cliente era insuficiente para garantir o cumprimento das obrigações assumidas pela arguida no exercício das funções de agente de execução.
44. A arguida ainda que quisesse restituir as quantias penhoradas no âmbito do referido processo de execução não teria como o fazer, pois eram muitos os processos com restituições pendentes.
45. Acresce que, a arguida devido aos problemas de saúde supra descritos, a partir de 2013, data da suspensão do exercício das suas funções como agente de execução, nunca mais conseguiu trabalhar.
46. A arguida não recebe qualquer quantia a título de pensão por invalidez ou pensão de velhice.
47. Nem beneficia de Rendimento Social de Inserção.
48. A arguida vive em casa da filha EE, e se não fosse a ajuda financeira das filhas e de outros familiares a arguida não conseguiria suportar as despesas com a sua alimentação e medicamentos.
**
49. AAreside só, encontra-se divorciada desde 2014 e tem duas filhas, a mais velha a residir por razões profissionais na região do ... e a filha mais nova (EE) a residir no concelho ..., constituindo-se como principal suporte da mãe.
50. À data dos factos, a arguida residia juntamente com as suas duas filhas do casal. Ainda se encontrava casada, no entanto, o seu marido, estava emigrado.
51. Residia num andar moradia, na zona central, com condições de habitabilidade (condições de saneamento básico e conforto, privacidade):
52. Tem o bacharelato em solicitadoria, formação profissional certificada e o curso para agente de execução; curso profissional de geriatria no IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional).
53. AA encontra-se inativa desde 2015, por motivos de saúde. Refere que manteve o exercício laboral de forma regular até 2013, momento em que cessou atividade como agente de execução, em consequência de esgotamento. Menciona que posteriormente, em 2015, por poucos meses, exerceu atividade laboral como consultora imobiliária, tendo cessado esta por questões de saúde.
54. À data dos factos, AA desenvolvia atividade laboral como agente de execução.
55. No presente a economia da arguida é suportada fundamentalmente pela ajuda das filhas e de um casal amigo a residir no estrangeiro. É descrita situação económica difícil.
56. Relativamente à data dos factos constantes nos autos AA auferia o salário médio mensal no valor de 400€ e o seu marido era responsável pelo pagamento da prestação do empréstimo bancário da casa.
57. A arguida ocupa maioritariamente o seu tempo na sua residência e no convívio com familiares, principalmente com a sua filha mais nova, não assegurando a realização das tarefas domésticas, observando as suas limitações por questões de saúde.
58. Desde setembro de 2022, através do serviço de Psiquiatria do Centro Hospital ..., no Porto, frequenta um atelier de pintura e de ginástica, localizado também no Porto.
59. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a arguida conciliava o exercício laboral com as suas responsabilidades familiares e domésticas e conhecia inserção residencial no contexto onde residia.
60. Foi-lhe diagnosticada Perturbação Afetiva Bipolar, pela qual realiza terapêutica medicamentosa, sendo acompanhada pelo serviço de Psiquiatria do Centro Hospital .... Pelo que nos é transmitido, esta doença tem implicações na vida da arguida, não conseguindo desempenhar atividade laboral, nem assegurar a realização de tarefas domésticas.
61. À data dos factos a arguida não detinha o atual quadro de saúde, sendo que este diagnóstico surgiu em 2019, no entanto, em anos anteriores, registou vários episódios que classificou de esgotamento, que culminou com a cessação da sua atividade profissional como agente de execução, em 2013.
62. AA refere que o envolvimento no presente processo é encarado com ansiedade e preocupação face às possíveis consequências que poderão advir do mesmo. A nível familiar, social e laboral, o presente processo não tem impacto, atenta a sua situação de saúde que, segundo a mesma, a impossibilita de exercer qualquer tipo de atividade profissional e no meio social, não é conhecido o envolvimento desta no presente processo.
63. AA, de 62 anos de idade, divorciada, reside só. Apresenta trajectória de vida conforme com os padrões sócio normativos vigentes, tendo estruturado percurso suportado na constituição de família própria e no desenvolvimento de atividade laboral de forma continuada, evidenciando investimento ao concluir formação superior.
64. Desde 2013 cessou funções de agente de execução por motivos de saúde e desde então permanece desempregada à exceção de alguns meses em 2015, em que trabalhou como consultora imobiliária.
65. Não detém rendimentos próprios, subsistindo através do apoio económico das filhas e de um casal amigo.
66. A arguida tem diagnóstico de doença Perturbação Afetiva Bipolar, e segundo a mesma, a impossibilita de exercer qualquer tipo de atividade profissional e de realizar as tarefas domésticas, mantendo-se em acompanhamento clínico especializado.
DO RELATÓRIO DE PSIQUIATRIA FORENSE resulta que:
67. Do exame psiquiátrico directo resulta que a examinanda, tendo diagnostico de Perturbação afectiva bipolar, se encontra compensada, tem capacidade de entendimento e discernimento que lhe permitem a avaliação da ilicitude e a autodeterminação face a essa avaliação, não existindo por tal doença psiquiátrica que pressuponha alteração da sua imputabilidade, por anomalia psíquica.
68. A análise da informação sobre a forma e tipo de ilicitude, conjugada com a informação psiquiátrica prévia, não apura pressupostos para alteração de imputabilidade para os factos em apreço; sendo que o único episódio psiquiátrico prévio com características de potencial impacto nas capacidades de avaliação e autodeterminação apenas ocorreu no Verão de 2019.~
69. À data dos factos, a informação analisada não indica que existisse alteração dessa capacidade e como tal seria imputável.
70. Demonstrou ter capacidade, não prejudicada por anomalia psíquica, de compreender que se encontra a ser julgada e os efeitos desse julgamento para a sua vida futura.
71. A arguida tem as seguintes condenações:
a) por sentença de 06.11.2013, proferida no processo comum singularn.° ..., foi a arguida condenada pela prática de umcrime de abuso de confiança, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, porfactos praticados em 20.06.2007, extinta pelo cumprimento por despacho de 30.10.2015;
b) por sentença de 26.10.2017, proferida no processo comum singularn.° ..., foi a arguida condenada pela prática de umcrime de abuso de confiança, na pena de 1 ano e 1 mês de prisão, suspensa na sua execução por igual período, porfactos praticados no ano de 2007, extinta pelo cumprimento por despacho de 09.05.2019.
**
II.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem factos não provados.
(…)
III.2. A ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
(…)
Ao nível das exigências de prevenção geral positiva, cumpre desde logo acentuar que não se trata de crime praticado com muita frequência, sendo certo que o montante em causa assume já algum relevo e não foi ainda devolvido.
Já no domínio das exigências de prevenção especial positiva, as mesmas situam-se a um nível médio, pois que ainda que conte com antecedentes criminais, dizem os mesmos respeito a factos posteriores, não se olvidando os problemas de saúde de que padece e a sua aparente inserção familiar.
**
Apreciando os critérios do artigo 71.°, n.° 2, do Código Penal, que influenciam a pena pela via da culpa, sendo certo que a ilicitude também releva por essa via, deve considerar-se que:
- a ilicitude é média, tendo em conta o montante do prejuízo sofrido pela ofendida;
- o dolo é directo e por isso intenso;
- a arguida não devolveu ainda o valor em causa;
- a arguida tem antecedentes criminais.
Ponderando todos estes elementos, as necessidades de prevenção geral e especial, o tribunal decide condenar a arguida na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão.
(…)
O crime em causa assume gravidade, causando prejuízo a outrem, não se olvidando que foi praticado no exercício das funções da arguida e por causa delas, aproveitando-se desse seu múnus para não entregar o dinheiro que havia recuperado.
O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos, de acordo com o n.° 5 do citado normativo legal.
Tudo conjugado tem que se concluir que ainda é possível fazer um juízo de prognose favorável em ordem a que se acredite bastarem a censura do facto e a ameaça da pena para afastar a arguida da criminalidade, tanto mais que a mesma não exerce mais as funções de agente de execução e padece de uma doença sem cura, que a impossibilita de trabalhar.
Suspenderemos por isso a execução da pena de prisão pelo período de 3 (três) anos.
**
Nos termos do n.° 1 do artigo 51° do Código Penal, pode o Tribunal subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime.
Nessa óptica, o pagamento ao lesado de uma indemnização pelos prejuízos causados resultantes da não restituição do valor penhorado poderá contribuir de alguma forma para reparação do mal causado.
Assim, deverá a arguida no prazo da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de €2 963, 34 (dois mil, novecentos e sessenta e três euros e trinta e quatro cêntimos), à lesada "NOS" correspondente ao valor do prejuízo causado.”
****
II.3. Apreciação do recurso penal II.3.1. Da medida concreta da pena de prisão §1. De acordo com os quadros normativos relativos à finalidade das penas (a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum poderá ultrapassar a medida da culpa -artigo 40º, nºs 1e 2, do CP) e determinação da sua medida (em função da culpa e das exigências de prevenção – artigo 71º, nº1, do CP) deve à pena (destinada a proteger o mínimo ético-jurídico fundamental) ser imputada uma dinâmica para que cumpra o seu especial dever de prevenção.
Entre aquele limite mínimo de garantia da prevenção e máximo da culpa do agente, a pena é determinada em concreto por todos os factores do caso, previstos nomeadamente no nº 2 do referido artigo 71º, que relevem para a adequar tanto quanto possível à ilicitude da acção e culpa do agente.
Neste sentido, a culpa (pressuposto-fundamento da pena que constitui o princípio ético-retributivo), a prevenção geral (negativa, de intimidação ou dissuasão, e positiva, de integração ou interiorização) e a prevenção especial (de ressocialização, reinserção social, reeducação mas que também apresenta uma dimensão negativa, de dissuasão individual) representam três exigências atendíveis na escolha da pena, principio este tendencial uma vez que podem apresentar incompatibilidade.
*
§2. Importa referir que o recurso dirigido à concretização da medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. Deste modo, a intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada, só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada.
Neste sentido, o acórdão do TRP de 02.10.2013, relatado por Joaquim Gomes (acessível em www.dgsi.pt/jtrp) escreveu que “o recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso” e o acórdão do STJ de 18.05.2022, relatado por Helena Fazenda (acessível em www.dgsi.pt/jstj) consignou que “A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP, As consequências Jurídicas do Crime, 1993, §254, p. 197)”.
*
§3. O crime praticado pela arguida AA – crime de abuso de confiança – é punido com pena de prisão de 1 (um) a 8 (oito) anos (artigo 205º, n.ºs 1 e 4 do CP).
A arguida AA foi condenada pelo tribunal recorrido na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão.
A recorrente considera ser excessiva a pena concreta que lhe foi aplicada por o tribunal a quo não ter valorado devidamente o facto de não exercer as funções de agente de execução e padecer de uma doença sem cura, que a impossibilita de trabalhar e o facto de estar inserida familiarmente.
As circunstâncias invocadas pela recorrente foram todas elas sopesadas pelo tribunal recorrido.
Assim, tendo em consideração que a moldura penal aplicável é de 1 (um) ano a 8 (oito) anos de prisão para o crime pelo qual a recorrente foi condenada e que nos termos do artigo 40º, nºs 1 e 2 do CP a aplicação de uma pena visa a “protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente da sociedade” e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” e tendo ainda em vista que nos termos do artigo 71º do mesmo diploma legal a pena concreta é encontrada em função da culpa e das exigências de prevenção e atendendo também a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra a arguida/recorrente, cremos que o conjunto dos factores com relevo na determinação da medida concreta da fixada na decisão recorrida nos termos acima transcritos e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos foram objecto de ponderada valoração pelo tribunal a quo. Uma pena inferior à aplicada, mormente situada no seu limite mínimo como pretendido pela arguida, revelar-se-ia manifestamente insuficiente face às necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir. Improcede, nesta parte, o recurso.
***
II.3.2. Do regime da suspensão da execução da pena de prisão II.3.2.1. Da sujeição à imposição de deveres §.1. A recorrente entende que a suspensão da execução da pena de prisão não deve ser subordinada ao dever fixado pelo tribunal recorrido por não se revelar razoável nem proporcional atenta a sua actual situação económica.
*
§2. Nos termos do disposto no artigo 50º, n.º 2 do CP “O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova”.
Por sua vez, o artigo 51º, n.º 1, al. a) do CP prevê (na parte que aqui releva) que “A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente: a) Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado (…)”.
A aplicação da suspensão da pena de prisão implica uma ponderação sobre a personalidade do agente, as condições de vida de que dispõe, a sua conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias do mesmo, e mais pressupõe que tal aplicação sustenta e viabiliza os desígnios de prevenção, apoiando e promovendo a reinserção social do condenado e assegurando que a comunidade não encare a suspensão como um sinal de impunidade.
Donde, a imposição de deveres surge como coadjuvante na satisfação das preditas finalidades subjacentes à suspensão da execução da pena. Porém, não poderemos perder de vistaque a exigibilidade de deveres deve ser ponderada tendo em conta a sua adequação e proporcionalidade em relação com o fim preventivo visado e com as circunstâncias particulares do caso, mormente as condições pessoais do arguido como decorre do artigo 51º, n.º 2 do CP.
No geral, nos crimes contra o património e a propriedade, a pena suspensa na execução é mais eficaz, melhor satisfazendo as exigências de prevenção quando não se apresenta sob a forma simples, mas condicionada ao pagamento de uma reparação ao ofendido.
*
§3. Revertendo ao caso dos autos, importa termos presente que, por um lado, a conduta da arguida traduziu-se na produção de um resultado danoso de natureza patrimonial e, por outro lado, atenta a natureza do crime pelo qual a arguida foi condenada cremos que o pagamento de uma quantia indemnizatória pelo menos à lesada que sofreu o prejuízo mais elevado acrescenta de forma preponderante em termos de reparação«do mal do crime», salvaguardando as exigências preventivas que cumpre acautelar in casu, designadamente no que concerne às vertentes de defesa do ordenamento jurídico (protecção de bens jurídicos) e de reintegração social da arguida.
Nestes termos, julgamos ser adequado condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento de uma quantia a favor pelo menos da lesada A..., SA a título de reparação dos danos sofridos.
*
§4. Importa agora aferir se o valor da indemnização fixada pelo tribunal recorrido é irrazoável (como defende a recorrente), violando o disposto no artigo 51º, n.º 2 do CP.
O pagamento da indemnização, na medida em que representa um esforço ou implica até um sacrifício para o arguido, no sentido de reparar as consequências danosas da sua conduta, funciona não só como reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição, mas também como elemento pacificador, neutralizando o efeito negativo do crime e apresentando-se, assim, como meio idóneo para dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo, nomeadamente, à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade (Cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/1999, proc. n.º 665/99, sumariado por Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos, Código Penal Anotado, 3.ª Edição, 1.º Volume, Editora Rei dos Livros, 2002, p. 681).
A obrigação deve responder à ideia da exigibilidade e ao princípio da proporcionalidade que são conceitos básicos do Estado de Direito.
Conexionando esta obrigação com a cláusula de exigibilidade e o princípio da proporcionalidade, estabelece o artigo 51.º, n.º 2, do CP que “os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”.
Dos factos dados como provados constata-se que a arguida, enquanto agente de execução, se apropriou da quantia global de € 2.109,47 pertencente à demandante A..., SA, que não devolveu até à presente data.
Consta ainda da factualidade provada que a arguida, com 62 anos de idade, encontra-se inactiva desde 2015 por motivos de saúde, vive sozinha, não detém rendimentos próprios, subsistindo com o apoio económico das filhas e de um casal amigo.
Sucede que consta também da factualidade dada como provada que ainda não recebe qualquer quantia a título de pensão por invalidez ou pensão de velhice, nem beneficia de rendimento social de inserção, o que quer dizer que tal situação poderá alterar-se a qualquer momento desde logo atenta a sua idade e a doença de que padece.
Por outro lado, embora se admita que poderá não ser fácil, atento o período de suspensão fixado pelo tribunal a quo, a arguida ainda poderá reunir condições para angariar os rendimentos necessários para reparar a lesada.
Donde, tudo ponderado afigura-se-nos adequado à realização das finalidades da punição, necessário para reforçar a reintegração da arguida na sociedade e proporcional exigir à arguida o pagamento à lesada A... SA apenas do montante de € 2.109,47 (correspondente ao valor que foi de facto apropriado pela arguida) como condição de suspensão da execução da pena de prisão. Procede, em parte, neste segmento o recurso.
**
II.3.6.2. Do prazo de suspensão da execução da pena de prisão §1. A recorrente entende que o prazo de 3 anos é excessivo, devendo ser fixado no limite mínimo.
*
§2. Nos termos do artigo 50º, n.º 5 do CP “O período de suspensão é fixado entre um a cinco anos.”
Tendo em conta o montante ora fixado como condição de suspensão da execução da pena de prisão e os critérios apontados para essa fixação, consideramos adequado manter o período de suspensão em três anos conforme decidido na 1ª Instância de modo a permitir à arguida, durante esse período, obter os rendimentos necessários para pagar à lesada o montante acima arbitrado (equivalente a uma prestação mensal de € 58,59). Improcede, nesta parte, o recurso.
***
II.4. Apreciação do recurso cível II.4.1. Da inadmissibilidade do recurso §1. A demandante A..., SA peticionou a condenação da recorrente no pagamento de € 2.963,34, a título de danos patrimoniais.
Tal pedido de indemnização civil foi julgado totalmente procedente, tendo a arguida/demandada sido condenada no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais no montante peticionado de € 2.963,34, acrescido dos respectivos juros de mora.
No presente recurso a demandada insurge-se contra a condenação no pagamento da quantia relativa aos juros de mora contados desde a data da entrada do requerimento executivo e da sanção pecuniária compulsória.
Nos termos do artigo 400º, n.º 2 do CPP (com sublinhado aposto) “o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em metade desta alçada.”
O artigo44.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26.08 estipula que “Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euro) 30 000 e a dos tribunais de primeira instância é de (euro) 5000.”
Revertendo ao caso em apreço, o valor do pedido é claramente inferior à alçada do tribunal a quo, pelo que, a decisão sobre o pedido cível é irrecorrível.
Assim, nos termos do disposto nos artigos 414.º, n.ºs 2 e 3 e 420º, n.º 1, al. b), ambos do CPP rejeita-se o recurso do pedido de indemnização civil da demandante A..., SA por inadmissibilidade.
*****
III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) Rejeitar o recurso na parte do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante A..., SA;
b) Conceder provimento parcial ao recurso criminal interposto pelaarguida AA e, em consequência:
i) Alterar a sentença recorrida no que respeita à condição de suspensão da execução da pena de prisão em que a arguida AA foi condenada, que passa a ser de € 2.109,47 (dois mil cento e nove euros e quarenta e sete cêntimos), montante que deverá ser pago pela arguida/recorrente à lesada A..., SA durante o período de suspensão da execução da pena de prisão;
ii) Manter, no mais, tudo o decidido na sentença recorrida.
*
Sem custas criminais (artigo 513º, nº 1 do CPP).
Sem custas cíveis atento o disposto na al. n) do n.º 1 do artigo 4º do RCP.
*
Porto, 20.11.2024
Maria do Rosário Martins (Relatora)
Paula Natércia Rocha (1ª Adjunta)
José Quaresma (2º Adjunto)