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NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário
I - Para efeitos do conceito de nulidade de sentença/acórdão por omissão de pronúncia, há que não confundir “questões” com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes nos seus articulados, e aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada, sem com isso incorrer em omissão de pronúncia. II - Os argumentos e razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, não constituem questões no exato termo empregue pelo legislador no art. 379 nº1 al c) do CPC.
Texto Integral
Processo n.º 2910/17.7JAPRT.P2
A assistente A..., Lda. veio arguir a nulidade por omissão de pronúncia do Acórdão proferido na sessão da conferência de 25/09/2024 alegando em síntese o que consta das conclusões do seu requerimento entrado no sistema citius em 14/10/2024, que passamos a transcrever: «1. Por decisão datada de 25.09.2024 este Venerando Tribunal julgou improcedente o recurso interposto pela Recorrente. 2. Resultado da decisão objecto de reclamação que a prova produzida no decurso do inquérito e da instrução não permite concluir que o processo técnico esteja ferido por qualquer intencionalidade, inexistindo indícios de que os arguidos tinham conhecimento das condições das reais condições de escavabilidade por parte da contratante, para além que a previsibilidade do recurso a explosivos já estava prevista no projeto e seria inerente à natureza do terreno na zona em causa. 3. Na sua motivação de recurso, a ora Recorrente requereu que fossem dados como fortemente indiciados os pontos 56° e 59° do RAI. 4. Da analise da decisão ora em crise consta-se que a mesma é completamente omissa no que tange à prova indicada pela Recorrente para dever ser considerados como fortemente indiciados os referidos factos. 5. A decisão recorrida não contém qualquer referência ao relatório pericial elaborado no âmbito do Proc. n° 1677/17.1T8STS, ao orçamento apresentado pelas Recorridas e valores nele inscritos para a realização dos trabalhos de escavação e aterro, reclamação apresentada pela B... durante o procedimento concursal, contestação oferecida pelas sociedades recorridas no âmbito do Proc. N° 5827/16.9T8PRT, alegações de recurso oferecidas no âmbito do Proc. n° 1177/17.7T8STS, certidão das declarações prestadas pelo arguido AA no Proc. n° 461/17.9T9STS e declarações da testemunha BB. 6. Os elementos probatórios elencados em 5 infirmam, pelos motivos expostos nas alegações de recurso a conclusão extraída na decisão e que supra se transcreveu, e a falta de exame e de apreciação das mesmas constitui uma grave violação do direito da Recorrente a um processo justo e equitativo, plasmado no art. 20° da CRP e no art., 6° da CEDH. 7. Da analise da decisão ora em crise decorre que as conclusões extraídas por este Tribunal no que tange ao conteúdo da ... encontram respaldo na argumentação esgrimida pelos Recorrido, em vez de apoiar-se nas conclusões dos peritos sobre uma matéria muito especifica, e sobre as quais, desde já se refira, foram juntos 3 relatórios periciais concordantes sobre a existência de erros na elaboração do relatório geológico-geotecnico, erros esses que não se cingem a erros na forma como foram feitos os ensaios e recolha do material, mas também na feitura do mesmo cujas conclusões são dissonantes com o resto de relatório e nas próprias plantas que contem erros de legendagem. 8. Os erros existentes no relatório geológico-geotécnicos foram inclusive já admitidos, noutra sede, mais concretamente no Proc. n° 5827/16.9T8PRT pelo responsável da empresa que elaborou esses mesmos relatórios. 9. Na elaboração do estudo de impacto ambiental os respectivos autores consideraram como solo onde seria realizados os trabalhos tinham as características que constam das conclusões do relatório geológico-geotécnico, e não aquele que alegadamente resulta das plantas, as quais têm erros de legendagem detectados no processo civil acima identificado, pelo que não pode ser o subempreiteiro a arcar com as consequências da existência de erros nas peças processuais que instruem o caderno de encargos de uma obra posta a concurso publico. 10. Na decisão objecto de reclamação não é feita qualquer referência o quadro legal no âmbito do qual foi celebrado o contrato de subempreitada ora em crise nem à jurisprudência fixada nessa mesma matéria, nomeadamente art. 62°, n° 5, 63°, n° 3 e 4 do RJEOP/99 e ao AUJ do STA de 04.07.2019, Proc. n° 01054/05.9BESNT-S1, publicada em www.dgsi.pt. 11. Em nenhum momento do acórdão ora em crise, este Tribunal menciona o caracter imperativo do art. 63, n° 4, do RJEOP/99, sendo a mesma fundamental para aquilatar do comportamento das partes, nem sequer o referido acórdão de uniformização de jurisprudência. 12. Ao afastar-se da jurisprudência do STA, sem invocar qualquer razão justificativa para o efeito, este Tribunal violou os principio da certeza e segurança jurídica bem como o direito da Recorrida a um processo justo e equitativo (art. 6°, n° 1, da CEDH). 13. A imputação aos arguidos da prática do crime de burla qualificada em nada se prende com o processo técnico, mas com o conhecimento que os arguidos tinham das reais condições da escavabilidade do maciço no momento e a omissão dessa informação aos representantes da Recorrente, pois foi nesses mesmos termos que o Recorrente configurou o seu recurso. 14. Tendo os arguidos prévio conhecimento de que as conclusões do relatório geológico- geotécnico estavam erradas, impunha-se - lhes que informassem a Recorrente desse mesmo erro assim que a mesma apresentou o respectivo orçamento, uma vez que, as sociedades recorridas tinham apresentado um orçamento três vezes e meia superior ao da Recorrente. 15. Quando a Recorrente apresentou a sua lista de equipamento, as sociedades recorridas deveriam ter alertado a Recorrente para o facto de as máquinas com que a Recorrente se propunha executar os trabalhos não eram adequados à sua execução, o que não fizeram. 16. Ao não alertarem os representantes da Recorrente para os erros em que haviam incorrido, os arguidos violar o dever geral de boa-fé que deve nortear quer o momento das negociações, quer o momento da celebração quer o momento da execução do contrato. 17. O comportamento dos ora Recorridos levou a que a Recorrente tivesse celebrado um contrato que destruiu a sua capacidade financeira e que a mesma não celebraria caso os arguidos tivessem agido com a correção que lhes era exigida no momento das negociações que desembocaram na celebração do contrato de subempreitada ora em causa. 18. Atendendo a que a decisão ora em crise não examinou nem os argumentos nem as provas oferecidas pela recorrente, nem procedeu ao devido enquadramento dos mesmos, atento o quadro legal aplicável in casu, deve a decisão recorrida ser declarada nula, por omissão de pronuncia (art. 379°, n° 1, al c) do CPP, e consequentemente ser a mesma substituída por uma outra que julgue procedente o recurso interposto pela recorrida.
A esta reclamação responderam os arguidos e a Sr.ª Procuradora-geral-adjunta.
Na sua resposta o MP veio expressar a sua opinião de que o Acórdão ora posto em causa não padece da invocada nulidade ou de outra de que cumpra conhecer dado que o Tribunal não omitiu decisão sobre a concreta questão a apreciar no recurso.
Os arguidos também responderam ao incidente pugnando pela sem razão da reclamante atenta a clareza do Acórdão ora posto em crise.
Cumpre apreciar e decidir!
O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar, constantemente, que para efeitos de nulidade de sentença/acórdão há que não confundir “questões” com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes nos seus articulados, e aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada, sem com isso incorrer em omissão de pronúncia. Distinguem-se das questões a decidir os argumentos e razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista e estas não constituem questões no exato termo empregue pelo legislador no art. 379 nº1 al c) do CPC.
Sobre esta matéria, - do que deve ser considerado questões a decidir -, vejam-se entre outros os Acórdãos do STJ de 29/10/2014 e de 15/10/2024, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Face às conclusões do recurso interposto pela ora reclamante, a questão a decidir pelo Acórdão ora posto em crise, era que fossem considerados fortemente indiciados os factos constantes dos pontos 56 a 59 do RAI, os quais traduziam os elementos subjetivos do tipo legal de burla qualificada pelo qual a recorrente pretendia ver os arguidos pronunciados.
Não constituía objeto do recurso o quadro legal no âmbito do qual foi celebrado o contrato de subempreitada, concretamente os artigos 62 n° 5, 63 n° 3 e 4 do RJEOP/99, nem a aplicabilidade, ao caso concreto da jurisprudência fixada sobre a matéria no AUJ do STA de 04.07.2019; por isso, o Acórdão não se referiu a tais argumentos, nem se impunha legalmente que o fizesse.
Mas o Tribunal foi claro na apreciação do tema do recurso e da questão que cumpria apreciar.
Partindo dos factos que ficaram indiciados nos autos e fazendo uma resenha dos mesmos relevou-se a circunstância de a dona da obra (REN) ter recusado o pagamento dos sobrecustos alegando que o tipo de solo e a necessidade de utilização de explosivos para o efeito resultava do mapa com os perfis geológicos-geotécnicos e da respetiva legenda relativa a definição de horizontes geotécnicos, que de facto indiciava que no local as escavações necessitariam de um mínimo de 70% de recurso a explosivos e máximo superior a 80%.
Foi também tido em conta o documento denominado ... que se encontra junto a fls. 256 do 1º Volume -Anexo A e que contém o estudo geológico e geotécnico elaborado pela empresa C... a solicitação da REN e também junto a fls. 584 dos autos principais, no qual a dona da obra se baseia para recusar o pagamento dos sobrecustos da obra oportunamente reclamados, pela ora reclamante/assistente nos autos.
Tendo o Tribunal concluído que não se indiciava nos autos que os representantes do consórcio de empreiteiros D.../E... tivessem praticado quaisquer atos com a intenção de enganar a assistente no momento da celebração do contrato de subempreitada ou anteriormente ao mesmo, já que facultaram toda a documentação fornecida pela dona da obra.
Os arguidos conheciam o que o estudo da empresa C... revelava e transmitiram tal estudo e informação à assistente.
Nada, pois, permite afirmar com a necessária segurança, que o direito penal exige, que a atuação dos arguidos em todo o relacionamento pré-negocial estabelecido com a assistente seja de molde a considerar que tenham agido intencionalmente com o propósito de a enganar com vista a causar-lhe prejuízo patrimonial.
No caso concreto o estudo geológico e geotécnico ao qual se apontam divergências com a realidade foi solicitado pela dona da obra (REN), - e não pelos arguidos -, e nenhuma informação terá sido omitida à assistente/ora reclamante, que teve a oportunidade de diligenciar e averiguar se o estudo seria credível, como um contratante avisado faria, tanto mais que é notoriamente conhecida a morfologia geológica da região em causa.
Tudo visto e ponderado indefere-se a presente arguição de nulidade, por a mesma não se ter verificado, atento a que o Tribunal se pronunciou objetiva e por forma fundamentada, sobre a questão objeto do presente recurso.
Acordam, pelo exposto os Juízes na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em indeferir o presente incidente de arguição de nulidade.
Sem tributação.
Porto, 20/11/2024
Paula Guerreiro
Pedro Vaz Pato
Maria Luísa Arantes