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PRISÃO PREVENTIVA
PERIGO DE FUGA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário
I - A circunstância de os arguidos residirem fora de Portugal não pode, por si só, levar a concluir pelo perigo de fuga e pela necessidade da prisão preventiva para evitar esse perigo (tal conclusão seria contrária ao princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição), mas essa circunstância pode ser tida em conta, em termos objetivos e não discriminatórios, juntamente com outras, para aferir desse perigo. II – A previsibilidade de os arguidos virem a ser condenados em penas de prisão efetiva não pode, por si só, levar a concluir pelo perigo de fuga e pela necessidade da prisão preventiva para evitar esse perigo (isso traduzir-se-ia numa verdadeira condenação antecipada, o que contraria a função das medidas de coação); mas essa regra não impede que essa previsibilidade seja tida em consideração, juntamente com outras circunstâncias, para aferir desse perigo.
Texto Integral
Proc. nº 27/24.7SFPRT-A.P1
Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
I – AA e BB vieram interpor recursos do douto despacho do Juiz 4 do Juízo de Instrução Criminal do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que determinou que aguardassem em prisão preventiva os ulteriores termos do processo.
Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões:
a)Versa o presente recurso sobre a discordância dos arguidos, ora recorrentes, da medida de coação de prisão preventiva, designadamente, pela não verificação dos pressupostos gerais de aplicação das medidas de coação previstas nas alíneas a) e c) do n.º1 do artigo 204.º do CPP, designadamente “perigo de fuga”, “perigo de continuação da atividade criminosa” e de “perturbação da ordem pública”, bem como do Princípio da Igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP e Princípio da Subsidiariedade da Prisão Preventiva- 193.º, n.º 2, 202.º da CRP.
b) Ou seja, o Exmº Sr Juiz de Instrução Criminal assenta a existência de perigo de fuga no facto dos arguidos terem nacionalidade estrangeira e, também, não terem residência em Portugal, bem como das sanções que previsivelmente lhe venham a ser aplicadas.
c) Tendo ambos os arguidos prestado o termo de identidade e residência, onde indicaram as suas respectivas moradas em Espanha, forçoso será de concluir, ainda que absurdo, que a prisão preventiva de ambos os cidadãos, se deveu ao perigo que pudessem fugir para o local onde eles próprios indicaram como sendo a morada, e onde poderiam ser encontrados para efeitos processuais, se seguirmos a linha de raciocínio defendida no despacho, seremos obrigados a concluir que, no final, o Tribunal de Instrução Criminal considera que há perigo concreto de os arguidos fugirem para as suas próprias casas.
d) É evidente o erro de raciocínio que consta daquele despacho, ninguém foge à aplicação da justiça para a morada que o próprio indica para efeitos processuais, e que, ainda por cima, corresponde à sua própria residência.
e) O despacho recorrido faz uma interpretação sem qualquer apoio na letra da lei, nem na doutrina e, muito menos na jurisprudência. O perigo de fuga tem que resultar da realidade que o processo espelha naquele momento de forma real e eminente, e não no domínio das possibilidades e/ou probabilidades, com consta do despacho em crise.
f) Acresce ainda, que os fundamentos utilizados no despacho de aplicação das medidas de coação para fundamentar a existência do perigo de fuga, consubstanciam, em si mesmos, uma discriminação em razão da nacionalidade, violando o Princípio da Igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
g) Pois ao considerar que “…a circunstância de ambos serem de nacionalidade estrangeira, não terem residência em Portugal, o que eleva o perigo de fuga…” está a fazer uma descriminação negativa, sem qualquer justificação racional, pelo simples facto de os arguidos não serem de nacionalidade portuguesa, violando o disposto no artigo 13.º da CRP.
h) Importa ainda dizer que esse perigo de fuga, também não poderá certamente ter origem, sem mais, na tomada de consciência dos arguidos das sanções a aplicar pelos seus actos, como erradamente consta do despacho proferido, porque a jurisprudência tem vindo de forma, praticamente, unanime a considerar que esse confronto do arguido com as sanções a aplicar, não justifica em si mesmo a existência do necessário perigo de fuga.
i) Ainda para mais quando o crime em causa é, unanimemente, punido a título criminal em toda a Europa, incluindo, obviamente, o Reino de Espanha, sem que haja diferenças significativas ao nível do direito comparado.
j) O despacho em crise invoca, ainda, na sua fundamentação o perigo de continuação da atividade criminosa, mas, repete, por assim dizer os mesmos erros de raciocínio que teve com a verificação do pressuposto da alínea a). Uma vez que esquecer que o n.º 1 do artigo 204.º do C.P.P., obriga, a verificação em concreto, das necessidades cautelares invocadas.
k) Ora, não existe qualquer conexão no processo entre a prática do crime dos autos, com qualquer eventual continuação dessa atividade no futuro, pelo que não pode o Tribunal, com base num cenário, meramente, hipotético, considerar verificado, em concreto, aquele perigo e sujeitar os arguidos à mais grave das medidas de coação, a prisão preventiva.
l) A aplicação da medida de coação da prisão preventiva aos arguidos violou o Princípio de Subsidiariedade da Prisão Preventiva. Primeiro, porque, em concreto o Ex.º Sr.º Juiz de Instrução Criminal não fez sequer uma ponderação de entre as várias medidas de coação existentes, por forma a poder excluir a aplicação de qualquer uma delas em detrimento da prisão preventiva.
m) E, ainda mais visível fica a desadequação e desproporcionalidade da medida imposta, se tivermos em conta os motivos invocados no despacho, que basicamente se reconduzem ao facto dos arguidos serem cidadãos espanhóis e não terem residência em Portugal.
n) Na verdade, há já muito tempo que o nosso ordenamento jurídico tem instrumentos que permitem o reconhecimento e fiscalização de decisões sobre medidas de coação, na U.E., em alternativa à prisão preventiva, por forma a evitar situações como as dos autos.
o) É o caso da Lei 36/2015 de 4 de maio, que estabelece o regime especifico de fiscalização da execução da execução das decisões sobre medidas de coação em alternativa à prisão preventiva, bem como de incumprimento das medidas impostas, onde se transpor a Decisão-Quadro 2009/829/JAI do Conselho de 23 de Outubro de 2009.
p) Evitando-se, por esta via deste instrumento legislativo, a aplicação da mais grave das medidas de coação – prisão preventiva – garantindo, ainda assim todos os fins cautelares que se queria proteger.
q) A aplicação dos instrumentos resultantes da Lei 36/2015 de 4 de maio, permitiria afastar as necessidades cautelares invocadas, pois permitiria que as autoridades portuguesas conseguissem implementar em território espanhol, um controlo efetivo das medidas de coações impostas aos arguidos, em alternativa à prisão preventiva.
r) Tal solução, permitiria respeitar verdadeiramente a natureza de ultima rácio da prisão preventiva, além de ser, obviamente, mais justa na medida em que permitia respeitar todos os critérios legais. s) O despacho em causa violou o disposto nos artigos 13.º e 28.º da C.R.P; 191.º, 193.º n.º 2, 204º, nº 1, alínea a) e c), do C.P.P;»
O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tais motivações, pugnado pelo não provimento do recurso.
O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir
II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a de saber se a prisão preventiva a que os arguidos estão sujeitos deverá ser substituída por outra medida de coação, por aquela medida não ser necessária para evitar alguma das situações elencadas no artigo 204.º do Código de Processo Penal.
III – É o seguinte o teor do douto despacho recorrido:
«(…)
Indiciam fortemente os autos a prática pelos arguidos a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, do Dec. Lei 15/23, de 22/01, cuja moldura penal abstratamente aplicável a prisão de 4 a 12 anos.
Os arguidos optaram por não prestar declarações sobre os factos imputados, tendo-se remetido ao silêncio. Ora compulsando os elementos que constam dos autos, é de concluir sem margem para dúvidas, de que os arguidos praticaram o crime que lhes é imputado.
Não é possível deixar de ter em consideração que os arguidos foram intercetados com grandes quantidades de produto estupefaciente, tendo-lhe sido ainda apreendido, para além do telemóvel, a quantia de 1284,00 euros em notas ao arguido AA e 85 euros em notas ao arguido BB.
Os arguidos, através da defesa, procuram demonstrar que se trata de uma situação pontual, já que se encontram inseridos socialmente, não têm antecedentes criminais e o arguido BB exerce uma atividade certa e remunerada.
Pese embora estes argumentos, não é possível deixar de considerar a gravidade da conduta dos arguidos o que provoca grande alarme social, o perigo da continuação da actividade criminosa, face aos avultados lucros que esta actividade proporciona, e ainda a circunstância de ambos serem de nacionalidade estrangeira, não terem residência em Portugal o que eleva o perigo de fuga. Acresce que, a contrariar a argumentação dos arguidos, no sentido de se tratar de uma situação pontual, a grande quantidade de produto estupefaciente apreendida, o que denota já um grau de experiência e facilidade na forma como entram no nosso país, para proceder à distribuição do produto apreendido.
Feita a qualificação jurídica dos factos indiciados, bem como a justificação e fundamentação dessa mesma indiciação (como já referimos alicerçada nos elementos já recolhidos nos autos, cumpre agora determinar a aplicação ao arguido da(s) medida(s) de coacção, para além do TIR já prestado, e, em caso afirmativo, qual(is).
O crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º é um crime de extrema gravidade, gravidade esta patenteada desde logo na moldura penal, nas graves consequências que gera em sociedade, na destruição de vidas humanas e bem assim, na instabilidade familiar de quem é vitima, e obtenção de elevadas e estrondosas quantias monetárias para quem se aproveita da desgraça e vícios alheios.
Por outro lado, o facto de os arguidos terem alegadamente residência no estrangeiro e terem agora conhecimento dos factos bem como das sanções que previsivelmente lhes venham a ser aplicadas, é também forte o perigo de fuga.
Finalmente, cabe referir que apesar do facto de não terem antecedentes criminais, é também evidente o perigo de continuação da atividade criminosa pois não se tratou, contrariamente à versão dos arguidos de uma situação pontual. Tudo o que acaba de se deixar dito permite também concluir de forma objetiva por um concreto e elevado perigo de continuação da atividade criminosa não só natureza do crime, da personalidade dos arguidos e ainda, pela indiferença às regras vigentes pelo nosso ordenamento jurídico, na facilidade com que se opta pela violação da lei, nos meios utilizados para atingir os seus fins e na motivação dos arguidos (os elevados proventos económicos que a atividade de tráfico lhe proporciona).
Tendo presente tudo isto é possível avançar desde já, para a apreciação das medidas de coação a aplicar.
Neste aspeto, temos presente o que dispõe o art.º 193.º do C.P.P sob a epígrafe “princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
1 - as medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas;
2 - a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação;
3 - quando couber ao caso medida de coação privativa de liberdade nos termos do número anterior, deve dar-se preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.
“ Sendo consabido que “as medidas de coação são meios processuais de limitação da liberdade pessoal que têm por função acautelar a eficácia do procedimento criminal, quer no que respeita ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, pág. 154) e que a regra fundamental é a da liberdade, constitucional e legalmente garantida – art.º 27.º da C.R.P., e 191.º, n.º 1, do C.P.P. – não admira que o legislador ordinário tenha atribuído à prisão preventiva natureza excecional apenas podendo ser aplicada verificando-se determinados requisitos objetivos e se as outras medidas previstas na lei se mostrarem inadequadas ou insuficientes (princípio da subsidiariedade).
Assim, com a entrada em vigor das alterações introduzidas ao C.P.P. pela Lei 48/2007, de 29/08, a prisão preventiva apenas pode ser aplicada para além das situações previstas nos art.ºs 202.º, n.º 1, al. c) e 203.º, n.º 2, quando se mostre fortemente indiciada a prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a cinco anos e a crime doloso de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada punível com a pena de prisão de máximo superior a três anos – al.s a) e b), do n.º 1, do citado art.º 202.º.
No entanto, à semelhança das demais medidas de coação, com exceção do TIR, a prisão preventiva apenas pode ser aplicada se em concreto ocorrer alguma das seguintes hipóteses:
- fuga ou perigo de fuga;
- perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova;
- perigo em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e tranquilidade públicas – art.º 204.º, al.s a), b), e c).
Já referimos supra que é concreto e elevado, o perigo de continuação da atividade criminosa e também o perigo de fuga.
Afigura-se-nos serem insuficientes as medidas de coação não privativas da liberdade tipificadas no C.P.P., designadamente a medida de coação de permanência na habitação ainda que com vigilância eletrónica, até porque a mesma é inexequível já que os arguidos não têm residência no nosso país.
Qualquer outra medida coativa não detetiva mostra-se manifestamente insuficiente e inadequada por se revelar absolutamente ineficaz perante as exigências cautelares existentes. Neste quadro, a medida de prisão preventiva é a única que se mostra necessária, adequada e proporcional a aplicar porquanto as demais medidas do catálogo legal não se revelam aptas a prevenir, com eficácia, o perigo de continuação da atividade criminosa, de fuga e de perturbação da ordem e tranquilidade pública acima identificados e satisfazer as exigências cautelares.
Nesta fase, justifica-se assim a aplicação da prisão preventiva, sendo a mesma decorrência lógica da aplicação do disposto nos art.ºs 191.º, 202.º e 204.º, todos do C.P.P..
Pelo exposto, determino a aplicação, aos arguidos AA e BB a medida de prisão preventiva, para além do TIR já prestado (art.ºs 191.º a 193.º, 196.º, 202.º, n.º 1 al. a) e c) e 204.º al. a) e c), com referência a al. m) do art.º 1, todos do C.P.P.
(…)».
IV – Cumpre decidir
Vêm os arguidos alegar que a prisão preventiva a que estão sujeitos deverá ser substituída por outra medida de coação, por aquela não ser necessária para evitar alguma das situações elencadas no artigo 204.º do Código de Processo Penal. Alegam que não se verifica perigo de fuga e que, ao contrário do que se sustenta no despacho recorrido, não indiciam tal perigo nem o facto de terem nacionalidade estrangeira e não terem residência em Portugal, nem o facto de lhe poderem vir a ser aplicadas penas de prisão efetiva. Alegam que fundamentar a aplicação da prisão preventiva na circunstância de terem nacionalidade estrangeira e residirem fora de Portugal se traduz numa violação do princípio da igualdade consignado no artigo 13.º da Constituição, sendo certo que o nosso ordenamento jurídico tem instrumentos (designadamente, a Lei n.º 36/2015, de 4 de maio) que permitem a fiscalização noutros países da União Europeia de medidas de coação não privativas da liberdade. Alegam que a jurisprudência uniforme vai no sentido de que a previsão da aplicação de penas de prisão efetiva não é suficiente para concluir pelo perigo de fuga. Alegam que não se verifica em concreto qualquer circunstância que permita concluir pelo perigo de continuação da atividade criminosa. Alegam que a aplicação da prisão preventiva neste caso viola o princípio da subsidiariedade dessa medida de coação.
Vejamos.
Há que considerar os seguintes preceitos legais.
Nos termos do artigo 202.º, n.º 1, a) e b), do Código de Processo Penal, o juiz, se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, outras medidas de coação, pode impor ao arguido a prisão preventiva quando houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a cinco anos (é o que sucede com o nestes autos indiciado crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/23, de 22 de janeiro).
Nos termos do artigo 204.º do Código de Processo Penal, nenhuma medida de coação, à exceção do termo de identidade e residência, pode ser aplicada se, em concreto, se não verificar, no momento da aplicação da medida: a) fuga ou perigo de fuga; b) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou c) perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Nos termos dos artigos 193.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 202.º, n.º 1, do mesmo Código, a aplicação de medidas de coação, e em particular das medidas privativas da liberdade, está sujeita a critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade, sendo que, quando deva ser aplicada medida privativa da liberdade, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que esta se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares do caso em apreço.
É certo que não será a circunstância de os arguidos residirem fora de Portugal (neste caso, em Espanha) que, por si só e independentemente de qualquer outra circunstância, levará à conclusão da existência de perigo de fuga e, consequentemente, da necessidade da prisão preventiva. Tal raciocínio seria, na verdade, discriminatório e contrário ao princípio da igualdade consignado no artigo 13.º da Constituição. Também não pode ignorar-se a possibilidade legal de controlo da aplicação de medidas de coação noutros países da União Europeia que decorre da referida Lei n.º 36/2015, de 4 de maio. Há que considerar, porém, o seguinte.
No caso em apreço, a detenção dos arguidos em Portugal, fora do seu país de residência, não surge por acaso, surge porque a atividade de tráfico de estupefacientes a que indiciariamente se dedicam tem uma dimensão internacional. Essa dimensão denota que os arguidos, para além de residirem fora de Portugal, se deslocam com facilidade e não de forma ocasional entre vários países. Para aferir da existência de perigo de fuga, há que considerar este facto, e não apenas o da residência dos arguidos em Espanha.
Por outro lado, se é certo que não pode ignorar-se a possibilidade de fiscalização de medidas de coação a que estejam sujeitos arguidos residentes noutros países da União Europeia, também não pode ignorar-se que o acompanhamento dessa fiscalização é inevitavelmente mais complexo e menos célere do que quando se trata de uma medida aplicada a um arguido residente em Portugal. Este é um dado objetivo que, como tal, nada tem de discriminatório e que também não pode ser ignorado.
Em suma, a circunstância de os arguidos residirem fora de Portugal não pode, por si só, levar a concluir pelo perigo de fuga e pela necessidade da prisão preventiva para evitar esse perigo, mas essa circunstância pode ser tida em conta, em termos objetivos e não discriminatórios, juntamente com outras, para aferir desse perigo (ver, neste sentido, o acórdão da Relação de Lisboa de 26 de setembro de 2024, proc. n.º 283/24.0JELSB-A.L.1-9, relatado por Jorge Rosas de Castro, in www.dgsi.pt, onde é citada jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos).
O mesmo se diga, paralelamente, da previsibilidade de os arguidos virem a ser condenados em penas de prisão efetiva (que se verifica neste caso). Como é orientação uniforme da jurisprudência, essa circunstância não pode, por si só, levar a concluir pelo perigo de fuga e pela necessidade da prisão preventiva para evitar esse perigo (isso traduzir-se-ia numa verdadeira condenação antecipada, o que contraria a função das medidas de coação). Mas essa regra não impede que essa previsibilidade seja tida em consideração, juntamente com outras circunstâncias, para aferir desse perigo (ver, neste sentido, também o acórdão da Relação de Lisboa de 26 de setembro de 2024, proc. n.º 283/24.0JELSB-A.L.1-9, relatado por Jorge Rosas de Castro, in www.dgsi.pt, onde é citada jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos).
Verifica-se, por outro lado, como se afirma no acórdão recorrido, o perigo de continuação da atividade criminosa. Na verdade, a quantidade de produto estupefaciente apreendido (várias embalagens de haxixe com o peso de 30,435 kg), o valor do dinheiro apreendido (1.369€) com indícios claros de ser proveniente do tráfico desse produto, levam a concluir que não se tratará de uma conduta isolada e ocasional. Pelo contrário, tratar-se-á de uma conduta que se vem prolongando no tempo, como uma organização já montada e que proporciona elevados lucros. É de prever que os arguidos não prescindam da oportunidade de continuar a auferir tais lucros através dessa organização.
No caso em apreço, podemos dizer que o perigo de fuga e o perigo de continuação da atividade criminosa estão interligados: verifica-se o perigo de continuação da prática do tráfico de estupefacientes fora da área de residência dos arguidos e, consequentemente, fora de qualquer área onde possa ser controlada a atividade deles, num local onde eles possam atuar foragidos.
Podemos, assim, dizer que o perigo de fuga não se baseia apenas e por si só na circunstância de os arguidos residirem fora de Portugal, tal como não se baseia apenas e por si só na circunstância de ser previsível que venham a ser condenados em penas de prisão efetiva. Mas cada uma dessas circunstâncias não pode deixar de ser considerada, juntamente com outras, para aferir da existência de perigo de fuga e na necessidade da prisão preventiva para evitar esse perigo.
Podemos, pois, concluir, como conclui o despacho recorrido, que a prisão preventiva dos arguidos é necessária para evitar os perigos de fuga e de continuação da atividade criminosa (artigos 193.º, n.ºs 1, 2e 3; 202.º, n.º 1; e 204.º, a) e c), do Código de Processo Penal).
Deverá, assim, ser negado provimento ao recurso.
Cada um dos arguidos e recorrentes deverá ser condenado em taxa de justiça (artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, n.º 1, j), do Regulamento das Custas Processuais.
VI – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento aos recursos, mantendo-se o douto despacho recorrido que determinou a prisão preventiva a que os arguidos e recorrentes AA e BB estão sujeitos.
Condenam cada um dos arguidos e recorrentes em 3 (três) UCs de taxa de justiça, sem prejuízo do disposto no artigo 4º, nº 1, j), do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique.
Porto, 20 de novembro de 2024
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Amélia Carolina Teixeira
Nuno Pires Salpico