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CRIME DE PERSEGUIÇÃO
INSTRUÇÃO
INDÍCIOS DE CRIME
CARÁTER SUBSIDIÁRIO DO DIREITO PENAL
Sumário
I - A letra da lei, contemplando a incriminação de quem «por qualquer meio» e «de forma adequada» «a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação» «assediar outra pessoa» não exclui a possibilidade de a ação típica se desenrolar em ambiente laboral ou por causa deste, sendo possível compatibilizar a conduta criminalmente relevante com a previsão do ilícito de mera ordenação social. II - Nem todos os conflitos no local de trabalho são consubstanciadores e expressão de uma situação de mobbing, assédio ou perseguição. III - Ao Direito Penal – devido ao seu carácter subsidiário – só deve recorrer-se, como instrumento de tutela de bens jurídicos fundamentais que é, quando a incriminação for, não só necessária, mas também adequada pelo que, para que se isole um comportamento ético-penalmente reprovável, não basta o exercício de poderes de direção de forma desadequada, prepotente, assertiva, pouco empática, ou que, por injustificada suscetibilidade do destinatário, a sujeição aos comandos lhe possa provocar o resultado contemplado na norma, impondo-se, antes, uma avaliação criteriosa de cada caso, mesmo ante os de potencial abuso daqueles poderes de direção.
Texto Integral
Processo n.º 501/19.7T9STS.P1
Acordam em conferência na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. I.1
Nos autos de instrução n.º 501/19.7T9STS, que correu termos no Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, realizado o competente debate, foi proferido, em 19.02.2024, despacho final que decidiu não pronunciar o arguido AA, pela prática de seis crimes de perseguição, p. e p. pelo art.º 154.º-A do C.P., por que vinha acusado.
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I.2
Inconformados, vieram os assistentes BB, CC, DD, EE, FF e GG interpor, conjuntamente, recurso (Ref.º 38568032) referindo, em conclusões, o que a seguir se transcreve: 1. Vem, o presente recurso interposto da Douta Decisão Instrutória de 21.02.2024 nos autos de processo á margem identificados, que não pronuncia o arguido AA, pela prática dos seis crimes de perseguição, p. e p. pelo artigo 154º.-A do Código Penal, por que vinha acusado. 2. Os recorrentes, não podem discordar mais, estão inconformados, pois tal decisão consubstancia-se em erro notório na apreciação da prova, tal é a impossibilidade lógica e probatória da decisão proferida pelo Sr. Juiz. 3. Inconformados ainda, pela apreciação de prova proferida pelo Sr. Juiz quando suportada pelos depoimentos com declarações falsas, omissões e falsos testemunhos prestados pelas testemunhas indicadas pelo arguido e pelo próprio arguido durante as diligências de instrução no Tribunal, com claras contradições de fundamentação para todos os indícios carreados para os autos, abaixo objetivadas. 4. Não trazendo as testemunhas indicadas pelo arguido uma versão diferente deste, mas manifestando-se pela refutação da acusação, respeitosamente, o Sr. Juiz não podia simplesmente afastar a existência de indícios confirmada pelos factos, nem a prova testemunhal reunida na fase de instrução poderia afastar ou comprometer a referida indiciação em sede de inquérito. 5. O arguido atuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, e, sabemos agora, pelas declarações do próprio, em evidente conluio com o Sr. Padre HH (o que se pode concluir pelas afirmações de ambos) que de forma premeditada, pretendiam afastar o assistente BB, com recurso ao assédio laboral e moral, sabendo que as suas descritas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei, mas cujos indícios dessas condutas estariam escondidos (e por isso protegidos) ao abrigo de um voto de obediência religiosa (deturpado pelos próprios) que veio a consentir a violação das mais elementares regras de convivência social, laboral, profissional e administrativa de um Estado de Direito Democrático. 6. O juízo formulado pelo tribunal a quo, sobre os indícios, foi incorreto e muito pouco criterioso, não ponderando judiciosamente as provas produzidas em inquérito e na instrução, e por isso, os recorrentes não podem subscrever a fundamentação apresentada, pois entendem haver indiciação suficiente da prática pelo arguido dos factos que lhe eram imputados no despacho de acusação e que aperfeiçoam a prática do crime p.p. pelo arº 154 -A do Código Penal. 7. O Sr. Juiz considerou, muito mal, que a matéria constante nos pontos 8, 9, 13, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 25, 26, 27, 28, 46, 56, 62, 97, 100, 101, 140, 142, 153, 177 da acusação consubstanciam imputações genéricas e/ou conclusivas, sendo utilizadas expressões de conteúdo vago e indefinido, sem referência a datas ou circunstancialismos concretos tratando-se assim de imputações que, não traduzindo qualquer episódio devidamente circunstanciado, tornam impossível o exercício cabal do direito de defesa, pelo que devem ser alteradas no sentido de serem consideradas indiciadas 8. E a matéria constante dos pontos 41, 94, 95, 96, 102, 104, 117,136,137,138, 139 como inócua para a decisão a proferir, em nada contribuindo para a eventual responsabilização criminal do arguido, de igual modo erradamente, devendo ser também dada como indicada. 9. O critério normativo da concretização dos factos colhe-se no art. 283.º/3/b do CPP. 10. Lida e relida a factualidade apurada, não se descortina onde residem as imputações genéricas e/ou conclusivas, sendo utilizadas expressões de conteúdo vago e indefinido, sem referência a datam ou circunstancialismos concretos dos pontos identificados pelo Sr. Juiz e o arguido, como lhe competia, não as refutou, pelo contrário, confirmou a sua factualidade. 11. A matéria constante do facto enunciado do ponto 8 decorre diretamente das afirmações do arguido na reunião ocorrida a 4 de outubro de 2018 (acta do conselho de direção de fls 118 a 122 da PROVA, DR1), da carta de 30 de outubro de 2018 (doc 88 do processo de despedimento de BB de fls 233 a 385, DR2) dos depoimentos dos Prof. Dr. Padre II, enquanto Diretor Geral do Colégio ... e de todos os Institutos, bem como do Padre JJ, enquanto Superior da Comunidade Religiosa ..., a quem o arguido, respetivamente, devia deveres hierárquicos e subordinação religiosa 12. A matéria constante do facto enunciado do ponto 9 decorre diretamente das afirmações do arguido na reunião ocorrida a 4 de outubro de 2018 (acta do conselho de direção de fls 118 a 122 da PROVA, DR1), da carta de 30 de outubro de 2018 (doc 88 do processo de despedimento de BB de fls233 a 385, DR2) do Prof. Dr. Padre II, enquanto Diretor Geral do Colégio ... e de todos os Institutos, bem como do Padre JJ, enquanto Superior da Comunidade Religiosa ..., a quem o arguido, respetivamente, devia deveres hierárquicos e subordinação religiosa. 13. A matéria constante do facto enunciado do ponto 13 e 177 são coincidentes. Toda a Prova reporta abundantemente estes factos. O Sr. Juiz deu como facto indiciado o email constante do ponto 12. O email do ponto 13 é o mesmo que consta no ponto 12. Ambos resultam das afirmações do próprio arguido. Não se espera que apurem no Tribunal declarações escritas do arguido, que no sentido literal, enunciem as palavras proferidas pelo arguido com as intenções que lhe são atribuídas, mas que são claras e confirmáveis. Tal confirma-se das afirmações do arguido na reunião ocorrida a 4 de outubro de 2018 (ata do conselho de direção de fls 118 a 122 da PROVA), da carta de 30 de outubro de 2018 (doc 88 do processo de despedimento de BB de fls 233 a 385) do Prof. Dr. Padre II, enquanto Diretor Geral do Colégio ... e de todos os Institutos, bem como do Padre JJ, enquanto Superior da Comunidade Religiosa ..., a quem o arguido, respetivamente, devia deveres hierárquicos e subordinação religiosa 14. A matéria constante dos factos enunciados dos pontos 14, 15, 16, 19 é por demais evidente. São insofismáveis a ocorrência de reuniões e trocas de mensagens eletrónicas constantes da prova documental do processo principal, apenso C e apenso D. Tal como não há, nem houve qualquer função especifica atribuída pelo Diretor Geral P. KK ao arguido. Precisamente por estes factos constantes do ponto 14 e 15, no dia 2 novembro de 2018, foi enviada uma carta denunciadora dos comportamentos considerados abusivos ao Padre Geral da Companhia de Jesus – 15. O Sr. Juiz indicou o ponto 3 da acusação como também sendo um facto indiciado. 16. Ora, não é razoável desviar o facto constante do ponto 18 dos factos constantes dos pontos 14, 15, 16 e 19. Todos estes factos constam da Prova Documental, carta enviada para Roma, estão descriminados no período temporal, por quem foram realizados e onde se verificaram. 17. A matéria constante dos factos enunciados no ponto 20 é também objetiva e concreta. 18. A matéria constante dos factos enunciados no ponto 21 está plasmada nas declarações proferidas pelo próprio arguido, expressas no teor da ata do Conselho de Direção do Colégio ... 19. A matéria constante dos factos enunciados dos pontos 25, 26 confirma-se pelos certificados de incapacidade temporária para o trabalho existentes nas entidades 20. A matéria constante dos factos enunciados dos pontos 27 foi de tal forma em avalanche, que o assistente não conseguiu compatibilizar as metas e objetivos impossíveis de atingir ou com prazos inexequíveis que o forçou ao seu isolamento face a outros colegas com queixas sucessivas junto da ACT, mesmos após a divulgação de rumores comentários maliciosos e críticas reiteradas junto da organização escolar, 21. A matéria constante dos factos enunciados dos pontos 41 traduz um episódio devidamente circunstanciado nos autos a 4 de janeiro de 2019. 22. A matéria constante do ponto 28 é completamente clara. O arguido acusa o assistente de forma genérica e não demonstrada de prejudicar duas instituições nas quais o arguido não tinha qualquer cargo ou função, e o assistente era o diretor financeiro. 23. Quanto à matéria constante do facto enunciado do ponto 46. O arguido AA confirma o facto. 24. A matéria constante do facto enunciado do ponto 56, vem na sequência direta dos factos apreciados como factos indiciados pelo Sr. Juiz nos pontos 48 a 55. Estamos perante uma total usurpação e excesso de controlo por parte do arguido, e em total conduta de assédio que se reflete na perseguição contínua. 25. A matéria constante do facto enunciado do ponto 62, é flagrante quanto à objetividade e intenção do arguido. Resulta dos factos de todos os pontos anteriores a este que não traduzem expressões genéricas que não encontrem no texto o limiar de indispensável concretização, pelo contrário, são abundantes os factos concretos com delimitação positiva sobre as condutas do arguido e os ilícitos incorridos 26. A matéria constante do facto enunciado do ponto 94, 95 e 96 é descritiva e factual da conduta encetada pelo arguido AA, que como se demonstra adiante, procurou desde cedo manipular todos os acontecimentos na IPSS Associação ..., concertado com o Padre HH e alguns pais que se renderam à missão de afastar pessoas, custe o que custar, seja quais forem as consequências. 27. O crime de perseguição, como crime de mera atividade, não pressupõe uma lesão efetiva, um resultado, mas sim uma série de comportamentos que, por si e no contexto envolvente, visam lesar a liberdade de outrem, vertidos na apreciação dos indícios constantes da prova e na sua globalidade. 28. Todos os elementos do dolo, estão descritos na acusação. 29. O Sr. Juiz não explorou todos os conhecimentos dos intervenientes, dos acontecimentos, do ordenamento jurídico das instituições onde os assistentes exerciam o seu posto de trabalho, nem esclareceu as dúvidas que levantou, como suporte da sua decisão, baseando-se apenas em presunções, com base nos testemunhos arrolados pelo arguido e sempre em benefício do arguido. 30. Estamos perante um erro de julgamento da matéria de facto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto 31. O Tribunal indiciou os factos constantes da decisão instrutória. 1, 2, 3, 7,10, 11, 1, 13, 16, 17, 18, 23, 23 a), 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 36, 37, 38, 39, 40, 42, 44, 45, 46, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 63, 64, 65, 68, 69, 70, 71, 75, 81, 93, 97, 98, 99, 100, 105, 106, 107, 109, 111, 112, 113, 114, 116, 118, 119, 120, 121, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 132, 133, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 175, 166, 167, 169 e 170. 32. O Tribunal não indiciou os seguintes factos, relativamente ao assistente BB: a). 4.; b) 5. ;c) 6. ; d)22. .; e) 24.. ; g)27. .; h)31. . ; i) 33. ; j) 34.; k) 38.; l)42 .; n) 43.; o) 47.; p) 48.; q)57.; s) 58,: t) 59.; U) 60.; y) 61; x) 62.; z) 66.; aa). 67.; bb) 71.; cc) 73.; dd) 74.;ee) 75.; ff) 76 e 77.; gg) 78.; hh) 79.; ii) 80.; kk) 82.; ll) 83.;mm)84.; nn) 85.; oo)86.; pp) 87.; qq) 88.; rr) 89.; ss) 90.; tt)91.; uu) 91.; vv) 97.; xx) 103.; zz) 106.; aaa) 108.; bbb) 109.; ccc) 110.; ddd) 115.; eee) 122.; fff) 131.; ggg) 134.; hhh) 135.; iii) 141.; jjj) 143.; kkk) 144.; lll) 146.; mmm) 163.; nnn) 163.; ooo) 167.; ppp) 168.; qqq) 170.; rrr) 171.; sss) 172.; ttt) 173.; uuu) 174.; vvv) 175.; xxx) 176.; zzz) 178.; aaaa) 179.; bbbb) 180.; cccc) 181.; dddd) 182.; dddd) 182.; eeee) 183.; ffff) 184.; APENSO D Assistente – FF 146, 154, 161, 163, 168. APENSO B Assistentes – CC e DD 66, 67, 71, 73, 74, 75,76,77,78,79,80, 82, 83, 84, 95, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92 APENSO C Assistente – EE, 94, 95, 96, 97,101, 102, 103, 104, 108, 110, 115, 117, 122, 131, 134, 135,136, 137, 138, 139, 141, 143, 14 APENSO E Assistente – GG 171, 172, 173, 174, 175, 176, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 184, da matéria de facto dada como não indiciados, devendo os mesmos serem dados como indiciados, e que, por outro lado, foi produzida prova bastante relativamente a esses pontos para que sejam dados como indiciados; 33. Vão Impugnados todos os factos não indiciados pelo Sr. Juiz na decisão instrutória, pois ainda que transposição da soma de probabilidades que dá a convergência dos factos indiciados para a certeza sobre o facto, e que consubstanciam a responsabilidade criminal do arguido AA é uma operação em que a lógica se interliga com o domínio da livre convicção do Sr. juiz., devendo os mesmos serem dados como indiciados. 34. A matéria de facto do ponto 24 da acusação está diretamente relacionada com o ponto 23. O Sr. Juiz considerou a matéria de facto do ponto 23 indiciada. Todavia, aprecia como não indiciado a evidente desvalorização da posição do assistente BB quando lhe apresenta estas exigências, ainda que o arguido não tenha qualquer cargo ou função instituída à data. 35. Este facto vem juntar-se a outros comportamentos, designadamente, o ocorrido a 4 de setembro de 2018, sem qualquer relação institucional definida, no seu email de 04.09.2018 - 01:54 da manhã, denominado “Compasso 36. com a matéria constante do ponto 33 da acusação, pelas 08:36 para “compra de material”, como se desconhecesse as funções do Administrador do Colégio, ou ainda, 37. a matéria constante do ponto 34 da acusação, quando o arguido AA comunica ao assistente BB que “Deixo na tua "caixa de correio", num envelope, a fatura”, ou ainda que “Finalmente, estes dias usei um aquecedor a óleo de outro lado, mas precisarei também de um, se possível de 2500 W. Podes sff verificar se existe algum disponível na casa? Ou ainda que foi adquirir material para o Colégio ... com cartão de outra entidade: “De forma a equipar o gabinete do Diretor Geral, comprei no dia 31. Dez no A... duas carpetes e um móvel montável, no valor de 249,97€ e com o cartão do ...”? 38. a matéria de facto constante do ponto 27 está claramente indiciada pelos pontos seguintes 28 a 62 da acusação. Com tal sequencialidade, sistemáticas instruções de trabalho confusas e imprecisas, trabalhos urgentes sem necessidade, situações objetivas de stresse, metas e objetivos impossíveis de atingir ou estabelecer prazos inexequíveis, difamação perante os colegas de trabalho, se toda esta sequencialidade não é tortura psíquica, assédio moral e perseguição, o que era preciso mais para que o fosse. 39. à matéria do ponto 31 da acusação, não indiciada pelo Sr. Juiz que discordamos frontalmente, pois, que propósito teria o arguido em produzir tais comentários dirigidos a um Administrador e Director Financeiro (acusando-o de falta de atitude) com quase duas décadas de colaboração e exercício de cargo ao serviço das obras canónicas da Companhia de Jesus em Portugal 40. a testemunha Padre LL já tinha declarado que sabia que o arguido estava de baixa medica desde o dia 3 de janeiro. 41. Daí que a matéria constante do ponto 35 da acusação com a alegada “reunião” do dia 2.1.2019 alegada em 30º da NC não tenha tido valor legal algum, a não ser como atuação abusiva e assediante por parte do arguido AA. 42. O mesmo sucede com o ponto 42 e 43 da acusação. 43. A matéria de facto constante do ponto 47 traduz mais um exemplo das declarações falsas do arguido ao Tribunal. Atente-se nas declarações da testemunha Padre LL que declara que sabe que o arguido esteve de baixa medica desde o dia 3 de janeiro. 44. Quanto ao ponto 48, 49 e 50 da acusação que o Sr. Juiz não indicia algumas partes dos factos apresentados. Entendemos que e ainda que a máxima da experiência seja uma regra e, assim, não pertence ao mundo dos factos, consequentemente origina um juízo de probabilidade e não de certeza. As inferências lógicas aptas a propiciar a prova indiciária podem, também, consistir em conhecimentos técnicos que fazem parte da cultura media ou leis científicas aceites como válidas sem restrição. 45. A sequencialidade dos pontos descritos 76 a 92 consubstancia-se no contexto e teor carta de 23 de janeiro de 2019 pelas 10:18 que o assistente BB dirigiu, onde pode ler-se no seu primeiro paragrafo “Senhor Padre MM, Senhor Padre AA, A pressão, a humilhação e o assédio moral e laboral têm que se conter dentro dos limites do tolerável, sem o que, passam a configurar crime de perseguição. Foi o que se passou e sinto, também e de novo, neste momento. Agora, também o Senhor Padre MM, de forma totalmente incompreensível, aceitou, em perfeita sintonia com o Senhor Diretor Geral, reforçar o assédio insuportável que me vinha sendo feito e que está a dar cabo da minha saúde e a pôr a minha família com os nervos em “franja”. Os relatórios dos meus médicos já o atestam de forma exuberante 46. Oficiosamente ou a requerimento, o Sr. juiz poderia proceder, durante a instrução, à inquirição de testemunhas, à tomada de declarações dos assistentes, e até acareações. Mas entendeu a tal não proceder. 47. O Ministério Público dirigiu a recolha probatória a factos instrumentais, obtidos por prova direta, plurais e que conjugados entre si que permitiram obter uma imagem global da conduta criminosa do arguido, dos seus efeitos, passível de fundamentar a suficiência de indícios, tal como está descrita no seu ponto 57. 48. O Tribunal sabe bem a posição do arguido quanto ao seu entendimento e para que serve a “democracia”, pois o arguido confirmou o teor das suas declarações a 4 de outubro de 2018. “isto não é uma democracia” ou ao Padre NN “A Companhia é uma monarquia e não uma democracia” (aos autos. Prova Documental – Acusação 49. É o arguido AA que sustenta os indícios constantes do facto 59 (Registo áudio 20231011101746_15558453_2871537 min, 01:03:54 a Registo áudio 20231011101746_15558453_2871537 min 01:05:52) e mais uma falsidade para as suas condutas. 50. Como decorre do esclarecimento publico para os pontos 59 e 60 que foi remetido a todos os pais pelos pais subscritores da dita providencia cautelar, estranhamente, só se sentiram “suspensos”, para pagarem os salários do mês de abril à equipa educativa da ..., atirando as culpas dessa sua “perrice ou birra caloteira” para os requerentes da Providência, enganando nessa manipulação dos factos o próprio padre OO que, caído nas ... e nesta “trapalhada” no dia 2.5, passou a acreditar na patranha que lhe impingiram de que bastava o “sim” do nosso advogado para que se pagassem os salários; (DR13 - Vencimentos Abril - Esclarecimentos Abril). 51. Ora neste pressuposto, não podem ser as declarações vagas, descontextualizadas e infundadas das testemunhas do arguido a suportar novas afirmações falsas sobre um processo que correu judicialmente e cujos efeitos são públicos e contundentes. 52. O ponto 62 é um epilogo dos factos constantes da acusação publica. 53. Todos os atos praticados pelo Arguido AA direta ou indiretamente ao assistente BB, culminando com um violento, súbito, injustificado e progressiva ordem de esvaziamento de funções laborais na reunião de janeiro de 2019, e consubstanciadas em diversas singulares correspondências e ordens de trabalho (a maioria usurpada), de forma reiterada e prolongada no tempo, sabendo que intimidava, diminuía, humilhava (como sucedeu à frente da Secretária de Direção, o Superior Religioso, a Diretora Pedagógica do ..., ou o Diretor Pedagógico da OFICINA e o Diretor ainda em funções) e segregava profissionalmente, molestava a dignidade pessoal e a saúde psíquica, causando-lhe receios constantes e inquietações, incorporando o crime de perseguição, previsto no artigo n.º 154º-A do Código Penal. 54. O dever de fundamentação que resulta da decisão instrutória apenas se considera com perfeição satisfeito com a apresentação, discriminada e autónoma, de cada um dos factos que se consideram indiciados e de cada um dos que não se consideram, com referência aos respetivos meios de prova. 55. Este especial dever de fundamentação do despacho de não pronúncia impõe assim que se determine em concreto quais os factos provados que se individualizam como indícios e que se explicite a relação entre os indícios e o delito, demonstrando que a conclusão que se retira não é arbitrária, caprichosa ou passível de explicação válida alternativa favorável ao arguido. 56. Nos pontos seguintes reiteram-se os motivos pelos quais todos os factos constantes da acusação demonstram a conclusão lógica da atuação do arguido, e a apreciação do Sr. Juiz é uma clara violação das regras de experiência comum. 57. O que está em causa é a atuação de um número reduzido de elementos da Companhia de Jesus (e não a Companhia de Jesus e tantos outros padres jesuítas com comportamentos exemplares) que foi arrastada e protagonizada pelo P. AA, com comportamentos intoleráveis e inadmissíveis que através de uma preparada maquinação (desde 2015, confirmada em ... pela Padre JJ) pretenderam destruir a pessoa do assistente, de forma gratuita e maldosa, conduzindo-o a um pesadelo com uma situação profissional, pessoal e familiar de instabilidade extrema. (O P. JJ muito antes de chegar ao Colégio, já sabia que nem que fosse preciso 1 milhão de euros o BB tinha de ser “saneado”. APENSO D Assistente – FF 58. Impugna-se a decisão do Sr. Juiz quando não considera indiciados os seguintes factos 146, 154, 161, 163, 168. 59. Já aqui demonstramos pelos factos relativos ao assistente BB que de forma completa, credível e firme que o arguido AA tinha uma missão, que consistia em afastar por qualquer modo, todas as pessoas que tivessem uma opinião contrária à sua, recorrendo a todos os expedientes possíveis, ilícitos ou ilegais, desde que o assunto ficasse no segredo da “obediência” que impunha junto dos seus companheiros Jesuítas. 60. Como alguns desses companheiros, nomeadamente, o Prof. Dr. Padre KK, o Padre JJ, o Padre PP, o Prof. Dr. Padre NN ou o Padre QQ, Padres Jesuítas, entre muitos outros padres jesuítas, não compactuam, nem toleram ofensas à dignidade humana, a missão do arguido, tem sido sujeita ao escrutínio judicial, como um reduto para se poder descobrir a verdade e com ela, a realização de justiça. 61. Seria estranho e de certa forma até insólito, se o arguido viesse em inquirição (solicitada pelo próprio), confirmar a culpabilidade dos factos que confirma mas cuja motivação não se revê. 62. Esta perspetiva do arguido, que confirma os factos, mas não se revê na intencionalidade dolosa dos mesmos, é em si mesmo, uma clara obstrução da busca verdade e em último de realização de justiça. 63. Os juízos de probabilidade e apoiados na experiência do homem medio, auxiliam, objetivamente, e em certa medida, a dissipar algumas destas dúvidas. 64. As declarações do arguido são as seguintes sobre este facto: “Portanto, sim, lembro-me dessa cena. Recordo que no dia anterior e nessas alturas... o Sr. FF algumas alturas não está no posto de trabalho e ninguém sabe onde está e porquê e não responde ao telefone. Eu tento começar... Tive a mesma experiência com a Dra. RR, de não dar respostas às minhas questões, o Sr. FF diz-me que só me dá por escrito... Enfim, eu sou diretor-geral, creio que tenho a legitimidade de lhe pedir, mesmo que seja oralmente, ainda assim, mando por escrito, também para a coisa ficar registada, para minha defesa, e acompanho-o, porque eu não sei se depois de lhe fazer a pergunta o Sr. FF volta a desaparecer. É isso. Não sei se era o hábito da casa, se era o hábito da secretaria ou se era do Sr. FF...” (Registo áudio 20231107120915_15558453_2871537 min 00:06:18) 65. Com esta “marcação cerrada” pelo arguido AA, contrariamente ao que o arguido declara e afirma, o que faz aos “olhos de todos” é provocar vexame no assistente FF, ali, quando publicamente se coloca ao lado do trabalhador mais antigo da casa em “modo de fiscalização e pressão”. Esta encenação, com esta confirmação, reveste-se com um fim assediante tal como é percebido pelos trabalhadores. 66. Um fim assediante, que neste e noutros acontecimentos o arguido refere que não se revê, mesmo que tenha sido prevenido para tal pelo assistente FF ou pelos seus companheiros jesuítas, atrás referidos. Ainda assim, pela cultura de ausência de diálogo consensual e pela imposição à força das suas ordens (que não se confundem com conflitos laborais), não tolerando críticas ou comentários, mesmo que fundamentadas e ajuizadas, criando sistematicamente situações objetivas de stresse e provocadores de descontrolo, não é de estranhar que o Prof. Dr. Padre KK tenha classificado o P. AA como um “tirano”. 67. Na carta que o Prof. Dr. Padre KK remeteu ao Padre Assistente de Roma, P. SS: “Em relação a serem 4 ou 5 pessoas que estão descontentes, não é verdade. O medo grassa no Colégio. O ambiente de desconfianças que se gerou é terrível. As pessoas calam e, por enquanto consentem, porque têm famílias e um emprego a defender. Mas está instalada a desconfiança e a divisão entre os Educadores e na própria Comunidade sj. É evidente que o P. Provincial tenta passar para Roma uma imagem de vitimização dele e do P. AA. Não se compreende como ele não consegue ser isento em toda esta situação! Depois, desde que o P. AA lhe mentiu a si e ao P. JJ, afirmando a pés juntos que era mentira aquela situação das "garras", colocando em causa outras pessoas que ouviram e presenciaram a situação, eu não o posso admitir. Um erro qualquer um faz, agora, para se defender colocar os outros em mentira, sendo ele o mentiroso, é inacreditável! Por outro lado, porque esconde o P. Provincial as situações de assédio laboral que o P. AA tem feito por onde tem passado? Mesmo que só alguns o manifestem, isto é recorrente. O P. AA não tem inteligência relacional. Temna noutras vertentes, mas a nível de relações humanas não tem. Infelizmente, o Colégio, especialmente o ..., está numa situação muito frágil. Nós precisávamos ali alguém sensato, que unisse, que percebesse os problemas, que quisesse servir e ajudar. O Provincial não é isento e tem o poder de decisão neste momento. O P. AA, desculpe, mas é um tirano. O P. Provincial sabe-o. Porque o defende tanto não sei! (Prova Documental - DR28 - JMML a HH - 15 janeiro 2019) APENSO B Assistentes – CC e DD; Impugna-se a decisão do Sr. Juiz quando não considera indiciados os seguintes factos 66, 67, 71, 73, 74, 75,76,77,78,79,80, 82, 83, 84, 95, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92 68. Impugnamos que considerando a idoneidade do arguido AA, evidentemente colocada em causa, pelos seus próprios Padres companheiros, da mesma ordem religiosa (não vá dizer-se que o testemunho dos assistentes é exíguo ou inconsistente), seja agora atribuído uma valoração contrária, quando está em causa a sua explicita culpabilidade e dolo. São as próprias declarações do arguido que o implicam quando pretende, ao arrepio da lei, “mandar chamar a direção para demitir” violando os princípios consagrados eleição do regime democrático. Um ilícito flagrante, um dolo confirmado, uma ilegalidade ultrapassada 66, 67, 71, 73, 74, 75,76,77,78,79,80, 82, 83, 84, 95, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92 APENSO C Assistente – EE 69. Impugna-se a decisão do Sr. Juiz quando não considera indiciados os seguintes factos 94, 95, 96, 97,101, 102, 103, 104, 108, 110, 115, 117, 122, 131, 134, 135,136, 137, 138, 139, 141, 143, 144 APENSO E Assistente – GG 70. Impugna-se a decisão do Sr. Juiz quando não considera indiciados os factos 171, 172, 173, 174, 175, 176, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 184 71. A prova testemunhal e as declarações dos assistentes CC, DD, EE, GG e do arguido convergem no sentido de se mostrar indiciado terem ocorrido todos os factos e nas circunstâncias indicadas na acusação. 72. Factos e indícios, que ao longo de toda a fase de instrução e inquirição constante na transcrição fiel dos depoimentos prestados pelo arguido, este confirma a existência dos mesmos, também como seria de esperar, não se revê na sua interpretação. 73. Não conseguimos compreender uma análise aos indícios realizada pelo Sr. Juiz, que não tenha como ponto de partida os factos que constam na acusação, e que esta análise tenha sido desviada, parcializada e até excedida, através de considerações infundadas, com recurso a premissas inexistentes ou irregulares, e que se aproveitem estas últimas para a criação de novos factos durante a fase instrutória, e finalmente ser valorados como um juízo provável, suportado e até credível. 74. Assim, atentemos a resposta do arguido na inquirição a propósito da aceitação do arguido que poderá ter dito o que consta do ponto 70 e a existência da reunião a que alude o ponto 81. 75. Estes dois factos são reveladores de um certo desconhecimento do Sr. Juiz do contexto de um jardim de infância, com normalidade e um ambiente são, com a promoção de direitos e obrigações, desconhecimento que assim condiciona, inevitavelmente, um qualquer juízo probabilístico à luz da experiência do homem médio. 76. A 12 de fevereiro de 2020, pelas 9h, na sala dos 5 anos, onde se encontrava a educadora EE, a ofendida CC e o arguido AA, as crianças estavam a interagir com o arguido fazendo o gesto de quem o pontapeavam. 77. A Educadora EE disse às crianças para pararem com esses gestos o que elas acataram. 78. Mas logo de seguida, o arguido AA disse às crianças, em tom alto: “vão dar pontapés à CC que ela é grande” 79. “e tê-lo-á dito em tom humorístico, refere o arguido em instrução, declaração que soou sincera ao Sr. Juiz. 80. Ora, com a mesma veemência, impugnamos tal apreciação, pois é mesmo incompreensível precisamente pela descrição da situação em causa, que em ambiente escolar, um jardim de infância, se verbalize tais considerações sem qualquer aproveitamento pedagógico e sempre condenado pela pedagogia universal seja a que titulo for. 81. A instrução serve exatamente para evitar uma precipitação do processo na fase do julgamento somente com fundamento na acusação; isto é, para permitir ao arguido, em contraditório, um debate sobre as provas da acusação e um julgamento sobre a sua força indiciária. 82. Impugnamos que considerando a idoneidade do arguido AA, evidentemente colocada em causa, pelos seus próprios Padres companheiros, da mesma ordem religiosa (não vá dizer-se que o testemunho dos assistentes é exíguo ou inconsistente), seja agora atribuído uma valoração contrária, quando está em causa a sua explicita culpabilidade e dolo. 83. São as próprias declarações do arguido que o implicam quando pretende, ao arrepio da lei, “mandar chamar a direção para demitir” violando os princípios consagrados eleição do regime democrático. Um ilícito flagrante, um dolo confirmado, uma ilegalidade ultrapassada 84. O crime de perseguição, como crime de mera atividade, não pressupõe uma lesão efetiva, um resultado, mas sim uma série de comportamentos que, por si e no contexto envolvente, visam lesar a liberdade de outrem. 85. A conduta típica do crime de perseguição consiste em reiteradamente perseguir ou assediar outra pessoa, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, apelando-se à objetividade do homem médio para aferir se a conduta em causa é adequada a produzir a lesão, invocando-se, ainda, a individualidade das circunstâncias concretas que norteiam o ilícito, mormente as personalidades de agressor e vítimas (assistentes nos autos) e o relacionamento entre ambos. 86. O injustificado e progressivo esvaziamento de funções laborais pelo superior hierárquico, de forma reiterada e prolongada no tempo, sabendo que intimidava, diminuía, humilhava, segregava profissionalmente, molestava a dignidade pessoal e a saúde psíquica do trabalhador, causando-lhe assim medo e inquietação, integra o crime de perseguição, previsto no artigo n.º 154º-A do Código Penal. 87. Como já impugnamos, as ilações do Sr. Juiz relativamente às declarações do arguido na fase de instrução e das testemunhas indicadas por este, denotam uma certa imponderação e até alguma precipitação na apreciação dos indícios que decorrem dos factos, pois é desde logo evidente que, tratando-se de atos ilícitos, os mesmos não seriam assumidos diretamente pelo arguido nem estariam assumidos em documentos e, de forma habitual, as testemunhas indicadas pelos arguidos não vêm trazer uma versão diferente da deste. Mesmo assim, a gravidade das declarações constantes em determinados documentos vertidos na acusação publica, impunha que o Sr. Juiz apreciasse a prova na sua globalidade e não em meros fragmentos de parte. 88. Acresce que o Sr. Juiz não teve qualquer validação quanto aos requisitos e premissas regulamentares instituídas no ordenamento jurídico das entidades onde os Assistentes desempenhavam serviço, e nesta ausência, nem sequer uma simples indagação dos compromissos jurídicos e financeiros comunitários e nacionais sobre os quais, nomeadamente, o assistente BB estava obrigado, seja no quadro da implementação dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI), no quadro do Orçamento de Estado, seja ainda nas competências estatutárias das entidades onde participava. 89. O crime de perseguição, como crime de mera atividade, não pressupõe uma lesão efetiva, um resultado, mas sim uma série de comportamentos que, por si e no contexto envolvente, visam lesar a liberdade de outrem. 90. A conduta típica do crime de perseguição consiste em reiteradamente perseguir ou assediar outra pessoa, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, apelando-se à objetividade do homem médio para aferir se a conduta em causa é adequada a produzir a lesão, invocando-se, ainda, a individualidade das circunstâncias concretas que norteiam o ilícito, mormente as personalidades de agressor e vítimas (assistentes nos autos) e o relacionamento entre ambos. 91. O injustificado e progressivo esvaziamento de funções laborais pelo superior hierárquico, de forma reiterada e prolongada no tempo, sabendo que intimidava, diminuía, humilhava, segregava profissionalmente, molestava a dignidade pessoal e a saúde psíquica do trabalhador, causando-lhe assim medo e inquietação, integra o crime de perseguição, previsto no artigo n.º 154º-A do Código Penal. 92. Como já impugnamos, as ilações do Sr. Juiz relativamente às declarações do arguido na fase de instrução e das testemunhas indicadas por este, denotam uma certa imponderação e até alguma precipitação na apreciação dos indícios que decorrem dos factos, pois é desde logo evidente que, tratando-se de atos ilícitos, os mesmos não seriam assumidos diretamente pelo arguido nem estariam assumidos em documentos e, de forma habitual, as testemunhas indicadas pelos arguidos não vêm trazer uma versão diferente da deste. Mesmo assim, a gravidade das declarações constantes em determinados documentos vertidos na acusação publica, impunha que o Sr. Juiz apreciasse a prova na sua globalidade e não em meros fragmentos de parte. 93. Acresce que o Sr. Juiz não teve qualquer validação quanto aos requisitos e premissas regulamentares instituídas no ordenamento jurídico das entidades onde os Assistentes desempenhavam serviço, e nesta ausência, nem sequer uma simples indagação dos compromissos jurídicos e financeiros comunitários e nacionais sobre os quais, nomeadamente, o assistente BB estava obrigado, seja no quadro da implementação dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI), no quadro do Orçamento de Estado, seja ainda nas competências estatutárias das entidades onde participava. 94. A prova deveria ser toda avaliada de acordo com os mesmos critérios; na fase de instrução, onde a produção de prova é, por norma, parcial, não podia o Sr. Juiz avaliar parte da prova de acordo com a imediação e a oralidade, porque a produziu nessa fase, e a restante apenas com base na credibilidade objetiva da mesma, face às regras da experiência comum, e em resultado do que ficou consignado nos autos de inquirição respetivos; o Sr. Juiz deveria avaliar tudo de acordo com este último critério de pura objetividade e não mera probabilidade subjetiva. 95. A tese da “resistência” sobre o arguido é resultado de uma narrativa que foi criada pelo próprio, e que vem sendo sustentada somente através de um apoio de alguns jesuítas (e a isso obrigados) ao abrigo de uma propalada obediência religiosa (cega e sem atender aos valores humanos e de dignidade humana), como justificação para os seus atos abusivos, que acolhe o raciocínio apresentado na instrução, mas que, parte de uma premissa totalmente falsa e sem qualquer adesão à realidade fática e empírica. 96. Ora qualquer raciocínio lógico que parta de uma premissa falsa, terá sempre um raciocínio (tese/narrativa) até possivelmente correto, mas necessariamente falso, sem adesão à realidade. E sendo falso não pode ser verdadeiro. Não sendo verdadeiro nunca trará justiça. Mais fundamentou o meritíssimo juiz que A incriminação em apreço foi positivada no Código Penal mediante aditamento constante do artº 1º da Lei nº. 83/2015, de 5 de Agosto. Como se pode ler neste diploma, que operou a trigésima oitava alteração Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 400/82, de 23 de setembro, nele se autonomizou o crime de mutilação genital feminina, “criando os crimes de perseguição e casamento forçado e alterando os crimes de violação, coação sexual e importunação sexual, em cumprimento do disposto na Convenção de Istambul” A Convenção de Istambul (CI), em rigor Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, foi adoptada em Isatmbul em 11 de Maio de 2011 e entretanto aprovada e ratificada internamente (Resolução da Assembleia da República nº. 4/2013, de 21 de janeiro e Decreto do Presidente da República nº. 13/2013, de 21 de janeiro). No seu artº 1º, são estabelecidos os objetivos da Convenção: “ a- proteger as mulheres contra todas as formas de violência, e prevenir, processar criminalmente e eliminar a violência contra as mulheres e a violência doméstica: b- contribuir para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres e promover a igualdade real entre mulheres e homens, incluindo o empoderamento das mulheres: c- conceber um quadro global, políticas e medidas de proteção e assistência para todas as vítimas de violência contra as mulheres e violência doméstica; d- promover a cooperação internacional, tendo em vista eliminar a violência contra as mulheres e a violência doméstica; e – apoiar e assistir organizações e organismos responsáveis pela aplicação da lei para que cooperem de maneira eficaz, a fim de adotar uma abordagem integrada visando eliminar a violência contra as mulheres e a violência doméstica.” No seu art.2º, estabelece-se o âmbito da aplicação da Convenção: 4. “A presente Convenção aplica-se a todas as formas de violência contra as mulheres, incluindo a violência doméstica, que afecta desproporcionalmente as mulheres. 5. As partes são encorajadas a aplicar a presente Convenção a todas as vítimas de violência doméstica. As partes deverão dar uma atenção particular às mulheres vítimas da violência baseada no género na implementação das disposições da presente Convenção. 6. A presente Convenção aplica-se em tempos de paz e em situações de conflito armado” Da CI resulta a obrigação, para os Estados – membros do Conselho da Europa e para os outros signatários da mesma, criminalizarem a perseguição, impondo o seu artº 34º, sob a epígrafe “Perseguição”: “As Partes deverão adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para assegurar a criminalização da conduta de quem intencionalmente ameaçar repetidamente outra pessoa, levando-a a temer pela sua segurança.” Tendo o crime imputado ao arguido, como vimos, sido criado “em cumprimento do disposto na Convenção de Istambul”, que tem os objetivos e o âmbito nela definidos e acima transcritos, parece-nos evidente que aquele não visou punir as situações de assedio no seio laboral (que seria, eventualmente, o caso dos autos), mas apenas criminalizar as condutas conhecidas por stalking. “Aliás, a criminalização do assédio moral no seio de organizações esteve tão arredia da mente do legislador que este nem sequer previu a responsabilidade criminal das pessoas coletivas” (aqui citamos, com o devido respeito, pela sua pertinência, o douto despacho que o arguido juntou a fls. 1688 e segs.) Como se pode ler na exposição de motivos do projetos de lei nº. 647/XII (sendo de salientar que a proposta de redação do mesmo constante corresponde à do artigo 154º-A do C. Penal), “(a) perseguição – ou stalking – é um padrão de comportamentos persistentes, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo. Estes comportamentos podem consistir em ações rotineiras e aparentemente inofensivas (como oferecer presentes, telefonar insistentemente) ou e ações inequivocamente intimidatórias (por exemplo, perseguição, mensagens ameaçadoras).” E ali se escreveu, ainda, que, “(P)ela sua persistência e contexto de ocorrência este padrão de conduta pode escalar em frequência e severidade o que, muitas vezes, afeta o bem estar das vítimas, que são sobretudo mulheres e jovens. A perseguição consiste na vitimação de alguém que é alvo, por parte de outrem (o assediante), de um interesse e atenção continuados e indesejados (vigilância, perseguição), os quais são suscetíveis de gerar ansiedade e medo na pessoa-alvo”. Quanto ao assédio no seio laboral, está o mesmo expressamente previsto no artº 29º do Código do Trabalho, norma que tem a seguinte redação. 551. Nada mais errado que isso. 552. Na verdade tal entendimento não pode ser aceite. 553. Nesse sentido e no sentido que a declaração de Istambul se aplica ao caso em concreto veja-se o acórdão da Relação de Coimbra. Verifica-se assim a violação da Convenção de Istambul e o art.º 154.º-A do Código Penal. Pelo exposto Deve o presente recurso ser procedente por provado e ser o arguido pronunciado pelos crimes de que vem acusado, assim se fazendo inteira Justiça.
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I.3
Também o Ministério Público, igualmente inconformado, interpôs recurso do sobredito despacho (Ref.º 38637873), concluindo: 1. Foi proferida decisão de não pronúncia do arguido AA pela prática de seis crimes de perseguição, p. e p. pelo artigo 154°-A do Código Penal, por que vinha acusado. 2. Foi considerado pelo Juiz a quo, que o libelo acusatório era manifestamente infundado tal acusação, atendendo a que os factos elencados, parte dos mesmos consubstanciam imputações genéricas, de conteúdo vago e indefinido, sem referência a datas ou a circunstancialismos concretos, colocando em causa o exercício cabal do direto de defesa do arguido bem como, 3. os factos imputados ao arguido não consubstanciavam a pática de um facto ilícito típico. 4. A acusação deduzida contra o arguido AA com a imputação de seis crimes de perseguição do artigo 154-A do Código Penal contém a descrição dos factos que fundadamente permitem imputar ao arguido a prática dos supra referidos crimes cumprindo o disposto no artigo 283. ° do Código de Processo Penal. 5. Quanto às imputações genéricas de conteúdo vago e indefinido estará certamente equivocado o Mm.° Juiz porquanto os factos contêm em si, uma concretização possível atenta a enormidade de factos relatados e o período temporal definido pois contêm data e local, não se podendo afirmar como afirma, sem fundamento, que a factualidade é em si não concretizada, vaga ou indeterminado. 6. Dos factos elencados, numa apreciação holística, é possível retirar o dia e/ou o local, e ainda a ocasião onde tal factualidade ocorreu, sendo perfeitamente determinados os circunstancialismos de facto, a participação do arguido, os interlocutores do arguido. 7. Devem, assim, serem considerados a totalidade dos factos elencados, porquanto apenas uma apreciação holística e profunda dos mesmos é que permitirá a apreciação integral e completa, sem parcialidade de qualquer tipo, da realidade subjacente ao libelo acusatório. 8. Quanto à matéria de facto, ficou patente uma sobrevalorização inaudita das declarações do arguido por parte do Juiz a quo tomando-as como sérias e como a única verdade dos factos, tendo inclusive a virtualidade de até dar como não indiciados sentimentos/estados de espírito dos assistentes resultantes factualidade ilícita típica descrita, sem sequer inquirir as testemunhas elencadas na acusação ou tomar as declarações dos assistentes em sede de instrução. 9. O Juiz a quo, infirma a acusação de falta de imparcialidade e das testemunhas aí indicadas bem como do depoimento dos assistentes, desvalorizando os mesmos, atacando de parcialidade e por seu turno considerar e valorar também plenamente o depoimento da testemunha TT que se afirma amiga do assistente BB, e diz que "o caminho dele não era da verdade, transparência e da honestidade" assumindo in totum o seu depoimento como credível não dando ao assistente a possibilidade de referir, primeiro se esta testemunha é de facto amiga dela e se de facto disse tal expressão ao assistente, assistente que não foi ouvido em sede de instrução e no entanto foi totalmente descredibilizado pelo Juiz a quo. 10. Quanto a matéria de Direito, a criminalização do assédio moral em contexto laboral é hoje possível por via da aplicação da Lei n.° 83/2015. 11. O processo legislativo que esteve na base desta norma fundamentou-se em diversas iniciativas legislativas que se conjugaram numa discussão conjunta e na aprovação da Lei n.° 83/ 2015, de 5 de agosto. 12. Trata-se de uma criminalização de carácter genérico, a todos os comportamentos e contextos susceptíveis de se subsumirem à previsão normativa em análise, conforme resulta da Doutrina e da Jurisprudência. 13. É no n.° 1 do artigo 154.°-A do Código Penal Português, aditado pela lei referida anteriormente, que está tipificado o crime de "Perseguição", o qual, nos termos gerais pode integrar condutas comummente designadas como pertencendo ao quadro comportamental do "assédio moral". 14. Ora em lado nenhum é referido na lei, nem sequer na própria sistematização do código Penal que este crime de perseguição apenas é aplicável no contexto de violência contra as mulheres ou de violência doméstica. 15. Não deve o tribunal diferenciar o que o legislador expressamente não quis, como é possível apurar não só pelo elemento literal, elemento histórico bem como pela interpretação doutrinária e jurisprudencial nessa matéria, revelando-se na decisão agora em crise, um isolamento jurídico, confrontado na valoração desmedida das declarações do arguido por parte do Juiz de Instrução. 16. A letra da lei, que nos art.° 154.° A prevê a incriminação de quem «por qualquer meio» e «de forma adequada» «a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação» «assediar outra pessoa». 17. Não podemos deixar de referir que o artigo 29.° do Código de Trabalho onde é prevista a contra-ordenação, não amputa o artigo 154.°-A aos crimes contra as mulheres, como faz o JIC numa interpretação restritiva derrogante do artigo em questão, catalogando-o apenas como um ilícito criminal contra as mulheres ou no âmbito de relação pessoal amorosa. 18. Na descrição do libelo acusatório, e nos factos aí constantes resulta, em apertada síntese, que o aqui arguido, como superior hierárquico dos assistentes teve comportamentos exagerados e exacerbados, proferindo afirmações ofensivas das suas honras e dignidades, exigindo trabalho muito para além do horário de expediente, com um constante envio de mensagens de correio eletrónico a horas impróprias, exigindo resposta imediata, sempre com pressão expressa. 19. A conduta do arguido, dada como indiciada, constituiu um verdadeiro assédio (em contexto laboral) sobre os aqui assistentes e foi adequada a provocar medo e inquietação nos assistentes e limitar as suas liberdades de determinação, nomeadamente por os assistentes se verem coagidos a cumprir um horário de trabalho além do legalmente permitido, executarem funções abaixo daquelas para que foram admitidos, sob pena de poderem incorrer em sanções disciplinares, sentindo-se os assistentes intimidados por isso pelo arguido este última ser seu superior hierárquico e por isso terem os seus empregos em risco. Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, sendo o despacho judicial aqui em causa revogado e substituído por outro que ordene a continuação dos autos, do procedimento criminal contra o arguido AA pela prática de seis crimes de perseguição do artigo 154-A do Código Penal, designando-se dia para julgamento nos legais termos do art° 313° do Código de Processo Penal. assim se fazendo JUSTIÇA.
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I.4
Admitidos os recursos, por tempestivos e legais, o arguido apresentou resposta (Ref.ª 38960631), referindo, em apertada síntese, que o recurso do Ministério Público tem por base, essencialmente, a discórdia relativa à não valorização da prova produzida em sede de inquérito e o diferente tratamento que recebeu aquela que se produziu em sede de instrução. Os assistentes abordam a mesma questão, concluindo pela suficiência de indícios para a pronuncia.
No caso, para além de os assistentes extravasarem a matéria da própria acusação e pretenderem a junção de documentos não considerados, importará reter que o recurso da matéria de facto não é de todo uma preterição do princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador pelo que, quem alegue e pretenda usar tal possibilidade em sede de recurso, deverá trazer e invocar elementos que infirmem, com segurança e verosimilhança e a mesma consistência, a decisão impugnada.
A fundamentação do Juiz a quo, no entender do arguido, é cabal, clara e a correta, sendo elencados os depoimentos prestados e as conclusões que daí foram retiradas, permitindo cabalmente perceber o iter cognitivo desenvolvido para concluir do modo como o fez, sendo que as referências, em contrário, alinhadas pelos assistentes, se atêm a elementos parciais e descontextualizados.
Analisada a prova produzida, conclui o arguido pela correção do decidido e pela preservação do despacho impugnado.
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I.5
Neste Tribunal a Digna Procuradora-Geral Adjunto teve vista nos autos, tendo emitido parecer (Ref.ª 18140783), manifestando-se pela procedência do recurso, aderindo à motivação do Ministério Público em primeira instância.
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I.6
Deu-se cumprimento ao disposto no art.º 417.º n.º 2 do C.P.P., não tendo os recorrentes exercido contraditório.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à conferência, importando, pois, apreciar e decidir.
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II.
Questões a decidir:
Conforme jurisprudência recorrente e pacífica, o âmbito de qualquer recurso é delimitado pelas conclusões que sobrevêm às alegações do recorrente, sem prejuízo do conhecimento, ainda que oficioso, dos vícios da decisão a que se alude no n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P. (cfr. art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2 e 410.º, n.º 2, als. a) a c) do C.P.P. e Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19.10).
No caso, vistas as conclusões apresentadas e considerando ambas as pretensões recursórias, constitui objeto do presente recurso apreciar:
a) – Dos factos desconsiderados
b) – Da existência de indícios
c) – Do preenchimento do tipo
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III. III.1
Por facilidade de exposição, retenha-se o teor do despacho posto em crise, na parte relevante: (…)
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O M.P. deduziu nos presentes autos acusação contra o arguido AA, id. a fls. 1468, pelos factos constantes de fls. 1468 verso e segs., imputando-lhe a prática 6 (seis) crimes de perseguição, p. e p. pelo artigo 154.º-A do Código Penal.
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Inconformado com a acusação, veio o arguido requerer a abertura de instrução, alegando, em síntese, que as testemunhas indicadas na acusação não revelaram conhecimento directo de factos relevantes, não havendo sido recolhidos no inquérito indícios de condutas do arguido que possam preencher o tipo legal de crime de que vem acusado, antes contendo a acusação imputações falsas, descontextualizadas e desprovidas de relevância criminal. Conclui pugnando pela prolação de despacho de não pronúncia.
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Declarada aberta a instrução, procedeu-se a interrogatório do arguido e inquirição de parte das testemunhas pelo mesmo arroladas, realizando-se, a final, o competente debate instrutório, o qual viria a decorrer com observância estrita das formalidades legais.
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O Tribunal é competente.
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Questão prévia Consta da acusação pública, além do mais, o seguinte: «8. Nessa mesma reunião ficou claro que o arguido AA vinha com a autoridade que trazia do Padre Provincial e que este lhe teria confiado uma “missão” resultante da entrega que lhe fez da Avaliação Apostólica de 2015 e dos Memorandos das suas Visitas ao Colégio ..., traduzindo-se essa missão em afastar os trabalhadores que mostrassem uma opinião diferente da sua. 9. O arguido AA continuou a convocar inúmeras pessoas de diferentes serviços do Colégio e vários responsáveis, designadamente CC, DD, EE, GG e FF, para supostas reuniões, sujeitando-as a interrogatórios inquisitoriais, com questões inusitadas e absurdas de ordem pessoal e profissional, deixando-as confusas e até temerosas pelo seu futuro, tal é o modo como o fez, e dizendo que quem não estiver com ele e não fizesse o que ele mandar, teria de “procurar outro caminho”, insinuando e apontando mesmo o “olho da rua”, mas tendo o cuidado de referir sempre, em jeito de justificação, que “traz uma missão e atribuição especifica do Padre Provincial HH” e que não havia por aqui “ninguém indispensável” 13. (…) dando-lhe a entender que caso não concordasse seria despedido. 14. Acresce que estas reuniões e troca de mensagens de correio eletrónico com os trabalhadores ocorreram ainda o arguido não estava investido, validamente, em qualquer cargo no Colégio, e sem que o Diretor Geral P. KK, ao menos, lhe tivesse atribuído quaisquer funções específicas. 15. Na verdade, o arguido AA andava e atuava em “roda livre” sem qualquer regra ou critério conhecido, lançando a maior confusão, estupefação e pânico entre os educadores leigos, inclusive os ofendidos BB, DD, CC, GG, FF e EE, que não sabiam se o verdadeiro Diretor Geral era ele ou o padre KK. 16. Perante o desnorte geral provocado pela atuação do arguido AA a que no Complexo Educativo do Colégio ... não estavam acostumados (…). 19. Com efeito, o arguido AA não se coibiu de dizer, mesmo em reuniões de Direção do Colégio que, quando iniciasse as funções de Director Geral do Colégio as “coisas” se fariam como ele quisesse e que quem não estivesse “de acordo”, teria que ser encontrada uma "solução em paz", o que obviamente passaria por despedimentos a “eito” e arbitrários dos trabalhadores. 20. Desde a sua chegada, AA tem questionado intensivamente os educadores e trabalhadores do Colégio com questões e mais questões, seja através de correio eletrónico, seja de reuniões, seja de encontros, seja de conversas e interrogatórios com desrespeito completo pelos horários de trabalho e descanso, com atropelos constantes, interrupções de fim de semana e durante a noite, alta madrugada, com mensagens de correio eletrónico e mensagens escritas para o telemóvel, com observações totalmente desconexas e absurdas acerca das funções que as pessoas desempenham, sempre com a questão do despedimento iminente caso não respondam da forma como o arguido deseja. 21. Porquanto o arguido não se coibia de comentar em diversos locais que “isto” não é uma democracia e que quem manda é ele, que se quiser pode despedir as pessoas, que quem não estiver do “lado” dele tem de “encontrar outro caminho”, que já esteve no “...” no Porto e também fez assim. 25. O comportamento do arguido AA agravou-se a partir de 19 de dezembro de 2018, quando foi nomeado como Diretor Geral do Colégio .... 26. A partir de 20.12.2018, todos os atos intimidatórios, de perturbação e de perseguição do arguido AA sobre os trabalhadores, sobretudo do ..., foram elevados à máxima potência e intensidade, tornando-se intoleráveis e insuportáveis, ao ponto de deixar vários educadores com esgotamentos nervosos, em consultas de psiquiatria, com crises de choro, ansiedade, depressão e sofrendo de stress pós-traumático, e com pesadas prescrições medicamentosas, criando uma onda de baixas médicas generalizada. 27. A partir de então as mensagens de correio eletrónico enviadas para o ofendido BB passaram a ser constantes, não lhe dando sequer tempo para responder ao solicitado, e sempre a pressionar (…) 28. (…) repetiu e manteve, de forma vaga, genérica, e falsa (…) 41. Nesse dia, o arguido AA, antes de sair, porta fora, ainda disse: “ouve, eu sou o teu superior hierárquico e de todas as pessoas desta casa, é a minha responsabilidade, sim, dei essa instrução para reter a minuta da ata à TT até minha indicação”. 46. “(…) sobrecarregando-o com tarefas desadequadas que caem, claramente, fora da descrição da função, tratando-o como “moço de recados”, em lugar de remeter o assunto aos serviços administrativos.” 56. Deste modo, retirando-lhe a autonomia estatutária própria de Director Financeiro que sempre teve e lhe foi reconhecida (…). 62. (…) como sejam exigir metas e objetivos impossíveis de atingir ou estabelecer prazos impraticáveis; acusar insistentemente o ofendido BB de não ser capaz de realizar as suas tarefas, de prejudicar as escolas e de não cumprir ordens, retirar-lhe as competências estatutárias que antes tinha; atribuir-lhe, sistematicamente, tarefas ou funções desajustadas ou desadequadas ao seu estatuto de titular de órgão de Direção; desprezar, ignorar ou humilhar o ofendido, forçando o seu isolamento; pedir-lhe sistematicamente urgência nas tarefas sem necessidade; divulgar sistematicamente comentários depreciativos obre o Director Financeiro; criar, continuamente, situações objetivas de stress (…); invocando, invocou, sistematicamente, a sua condição de superior hierárquico deste (…). 94. Em dezembro de 2018, a Diretora Técnico Pedagógica, a Dra. UU teve um acidente de trabalho o que a impossibilitou de ir trabalhar durante um período longo. 95. Durante esse tempo, a direção em vigência delegou na depoente essas funções. Era notório, já no ano letivo de 2018 que alguns pais, sem motivos aparentes iam mostrando algum descontentamento, manifestando nos finais do ano letivo interesse em destituir a direção e eleger uma nova, percebendo-se que era o arguido AA que apoiava esta insurgência, chegando a depoente a ouvir diretamente de um pai que não conhecia o Padre AA de lado nenhum mas que o mesmo tinha-se mostrado muito interessado, disponível para os ouvir, atender e até ceder espaços para reunirem. 96. No seguimento destas intenções, os pais pediram para o Presidente da mesa, VV marcar uma Assembleia extraordinária, a qual decorreu em Fevereiro de 2019 e contou com a presença do arguido AA, na qualidade de Diretor Geral do Colégio e nessa reunião ocorreram várias mudanças, destituição da Direção, pessoas que estavam dentro da Assembleia foram expulsas da reunião e naquela hora surgiu do nada um grupo de pais que se apresentavam como solução e com interesse em assumir a direção o que não foi permitido pela assembleia geral e foi criada uma comissão de gestão, composta por cinco elementos – todos pais de crianças que frequentavam a escola e os quais tinham manifestado interesse em assumir a direção. 97. (…) e a partir dessa data começou a estar mais presente, a intervir e a entrar nas decisões da própria comissão, da própria Escola. 100. O arguido AA fez uma chamada de atenção que depois nem concretizou nem contextualizou, como se fosse um exemplo/recalcamento para intimidar quem o quisesse contrariar ou ter ideia diferente (…). 101. (…) e a partir dali causou muita tensão, passando a perturbar o funcionamento da Instituição, pois volta e meia surgiam uma "novidade" por parte do arguido AA. 102. No início dessa reunião, ia entrar uma criança nova na creche a qual já estava agenda anteriormente à reunião e como era habitual as boas práticas de quando entra uma nova criança recebê-la assim como os pais, por parte da Educadora responsável e neste caso a ofendida EE também esteve presente porque a Educadora era recente na Instituição e quis por isso apoiá-la, e nesse momento o WW saiu da reunião e veio junto da depoente e da GG chamá-las, mesmo sabendo o que estavam a fazer, mas que tinham que iniciar a reunião, apressando-as. 104. Em finais de Março/Abril de 2019 a comissão de gestão veio dar conhecimento que tinham reunião com o Técnico da Segurança Social ..., Dr. OO o qual está ligado à Associação por ser uma IPSS dizendo que a Escola estava irregular, no sentido de que deveriam ter um diretor técnico que tivesse afetação à creche e outro ao pré-escolar e por isso a depoente deveria ser só diretora pedagógica e no momento nomearam outra pessoa para diretora técnica, tendo sido nomeada a Dra. XX, que aceitou o cargo, o que muito estranhou a EE pois quando a Dra UU teve o acidente foi-lhe proposto assumir as suas funções e a mesma recusou, tendo por isso sido nomeada a depoente. 117. Acresce que havia uma lista em papel com pessoas a manter e a “abater” da Associação e com o que aconteceu às colegas educadoras YY e ZZ, despedidas, e à diretora técnica/pedagógica UU e as ameaças constantes de despedimento ou processos, todos passaram a temer o que lhe iria acontece 136. Em julho de 2020, a ofendida EE foi convocada para uma reunião no próprio dia, ao final da manhã, pelas 11h, pela diretora pedagógica no gabinete com a mesma e o arguido AA. 137. Ao dirigir-se ao gabinete, a ofendida EE apercebeu-se que a colega GG estava lá com os directores (P. AA e a XX) e viu o arguido AA a apontar para uma folha que estava em cima da mesa. 138. A ofendida EE afastou-se para aguardar a sua vez, esperando que a mesma saísse para depois entrar. 139. Quando a mesma saiu passou pela ofendida EE no corredor e só disse de uma forma assustada: “falaram na carta”, era notório que estava inquieta, nervosa e alterada 140. Mais tarde, a GG falou com a ofendida EE e estava aterrorizada com a pressão que lhe foi imposta na reunião, supra referida e estava muito triste e assustada pois queriam que a mesma dissesse quem tinha elaborado a carta, se alguém a obrigou a assinar ou se foi por vontade própria, mas sempre de forma intimidatória e nessa reunião a XX falou aconselhando a GG a falar porque não estavam ali para a prejudicar, mas para ajudar, mas em momento algum quiseram perceber ou ouvir quais as motivações do porquê dos funcionários terem subscrito aquela missiva – era notório que apenas queriam incriminar alguém, saber quem tinha sido o autor principal. 142. Acresce que, esta situação de perseguição, controladora, sistemática que pouco contribuiu para o bom funcionamento, mas sim para destabilizar a equipas de trabalho e sobretudo os seus colaboradores que tanto dão à Instituição, já perdura há cerca de 3 anos. 153. O arguido AA fez um enxame de perguntas intrusivas da vida pessoal de muitos trabalhadores, na parte financeira e médica, nomeadamente de AAA, RR, BBB e de BB, sem ter qualquer legitimidade nem representação legal por parte do Director Geral. 177. Era frequente o arguido AA dizer-lhe “tem que fazer aquilo que eu digo senão cada um trata da sua vida em paz”. A matéria supra transcrita consubstancia imputações genéricas e/ou conclusivas, sendo utilizadas expressões de conteúdo vago e indefinido, sem referência a datas ou circunstancialismos concretos (pontos 8, 9, 13, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 25, 26, 27, 28, 46, 56, 62, 97, 100, 101, 140, 142, 153, 177), tratando-se assim de imputações que, não traduzindo qualquer episódio devidamente circunstanciado, tornam impossível o exercício cabal do direito de defesa. Já no douto Ac. TRE de 22/11/2018 (disponível em www.dgsi.pt), escreveu-se que “importa não olvidar que se nos afigura dominante a jurisprudência dos Tribunais Superiores de acordo com a qual não são factos susceptíveis de fundamentar um juízo de censura jurídico-penal as imputações genéricas em que não se indica ou concretiza o lugar, o tempo, a motivação, o grau de participação ou as circunstâncias relevantes à tipificação da acção, mas, outrossim, apenas ou tão só um conjunto fáctico não concretizado, vago ou indeterminado”, indicando-se de seguida no Acórdão citado resenha jurisprudencial neste sentido. No Ac. TRP de 15/6/2016 (disponível em www.dgsi.pt e cujas considerações entendemos aplicarem-se, com as devidas adaptações, no caso dos crimes em apreço), pode ler-se, em citação, que «neste tipo de crimes onde a reiteração e intensidade do agir humano está no centro da definição de um tipo penal muito amplo (maus-tratos, violência doméstica, tráfico de droga), a precisa indicação e concretude dos factos necessários à integração no tipo é elemento essencial do julgamento. E é, na sequência, o cerne do direito de defesa. Se a alegação factual – em qualquer imputação penal - não pode ser facilitada pelo uso de formas gerais, imprecisas, sem individualização de cada um dos factos, com utilização de fórmulas “vagas, imprecisas, nebulosas, difusas, obscuras”, neste tipo de crime a exigência é muito maior dada a amplitude do tipo penal. Aliás, a jurisprudência do STJ neste campo é clara e insofismável, quer a propósito do crime de tráfico de droga, quer a propósito de crimes de maus-tratos e violência doméstica, sempre onde se pretende ultrapassar a dificuldade de prova de múltiplos factos pela imputação genérica e, logo, por presunção. Porque a isso se resume esta prática: acusa-se por presunção factual, pretendendo-se a condenação por presunção factual.”» E, como se pode ler no Ac. TRP de 30-09-2015, “As imputações genéricas, sem uma precisa especificação das condutas e do tempo e lugar em que ocorreram, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado no art. 32.º, n.º1, da CRP, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente.[2]». Assim, como conclui o Acórdão citado (e pensamos que as considerações citadas se aplicam, com as devidas adaptações, à matéria concernente ao crime em causa nos autos), as supra transcritas imputações genéricas e sem concretização minimamente precisa do tempo em que ocorreram, inviabilizando um efectivo direito de defesa, serão tidas por não escritas, não fazendo parte dos factos com relevo para a decisão instrutória, e como tal não constam do elenco factual a cuja indiciação (ou sua falta) nos referiremos abaixo. Quanto à matéria do ponto 41, constata-se que a mesma consubstancia repetição da matéria do ponto 40, sendo que a matéria dos pontos 94 a 96, 102, 104, 117 e 136 a 140 (esta, como vimos, em parte também conclusiva), é inócua para a decisão a proferir, em nada contribuindo para a eventual responsabilização criminal do arguido. Em especial, refira-se que a matéria dos pontos 136 a 140 não diz respeito à ofendida EE, mas à ofendida GG (sendo matéria tratada na acusação – cfr. factos 170 e segs.), sendo inócua relativamente à eventual responsabilização criminal do arguido quanto à mesma e veiculando, não propriamente factos, mas o relato de outra ofendida –GG – e conclusões dele retiradas. Assim, a matéria dos pontos que vimos de referir será também tida por não escrita, não fazendo parte dos factos com relevo para a decisão instrutória, e como tal não constam do elenco factual a cuja indiciação (ou sua falta) nos referiremos abaixo.
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Não há nulidades ou outras questões prévias que cumpra conhecer.
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Os indícios: Nos termos do disposto pelo art. 286.º, nº1, do Código de Processo Penal, a instrução visa comprovar judicialmente a decisão de acusar ou de arquivar o inquérito, com a formulação de um juízo de probabilidade para legitimar a sujeição do arguido a julgamento. Assim, se até ao encerramento da instrução forem recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação, em julgamento, de uma pena ou uma medida de segurança, o juiz profere despacho de pronúncia, caso contrário, profere despacho de não pronúncia – cf. art. 308.º, nº1, do Código de Processo Penal. Segundo dispõe o art. 283º, nº 2 do Código de Processo Penal “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”. Embora existam divergências na doutrina e jurisprudência quanto a saber quando é que os indícios são suficientes. Diremos que, com a posição maioritária, entendemos ser necessário que dos indícios resulte uma forte ou séria possibilidade de condenação em julgamento. Nesta linha de orientação se posiciona o Professor Figueiredo Dias (“Direito Processual Penal”, I, 1984, pág. 133) que se pronuncia nos seguintes termos: “os indícios só serão suficientes e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando seja mais provável do que a absolvição”. Assim também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.10.2005, publicado em www.dgsi.pt/jstj, onde pode ler-se que “aquela «possibilidade razoável» de condenação é uma possibilidade mais razoável, mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é (mais) provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido ou os indícios são os suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição”. No mesmo sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/9/11, publicado no mesmo local, decidiu que “a suficiência dos indícios (…) pressupõe a formação de uma verdadeira convicção de probabilidade: Indícios suficientes são assim, «os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que (o arguido) virá a ser condenado. Eles constituem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado”.
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Factos indiciados Com interesse para a decisão instrutória, indiciaram-se suficientemente os seguintes factos (não se pronunciando aqui o tribunal, para além daquela a que já supra aludimos, sobre o que constitui matéria conclusiva ou inócua para tal decisão), indicados com referência da numeração constante da acusação, para mais fácil entendimento: 1. BB foi, até 2019, administrador do Colégio ..., com sede em ..., freguesia ..., concelho de Santo Tirso, na Rua ..., ... – ... ... ..., Santo Tirso. 2. Desempenhou, ainda, funções de Director Financeiro do ..., do ... e do ... (...), todos com sede em ..., freguesia ..., concelho de Santo Tirso, à Rua ..., ... – ... ... ... Santo Tirso. 3. O arguido AA é padre jesuíta e foi nomeado, em 20.12.2018, Director Geral do Colégio ... pelo Provincial da Companhia de Jesus em Portugal ao abrigo dos estatutos da supra referida entidade, nos quais se estabelece, além do mais, que: “O Colégio ... (…), enquanto obra da Província Portuguesa da Companhia de Jesus, é uma pessoa jurídica privada de direito canónico (…)” (art. 1.º, nº1); “O Director-geral é o órgão superior de direcção e administração do Colégio” (art. 7.º, nº1, a), a-1)); “O Director-geral do Colégio é nomeado pelo Padre Provincial da Província Portuguesa da Companhia de Jesus, perante o qual é responsável, por mandatos de três anos, renováveis” (art. 8.º, nº1); “A gestão administrativa e financeira do Colégio é exercida por um Administrador, nomeado pelo Director-geral, do qual depende hierarquicamente” (art. 9.º, nº1). 7. No dia 4 de outubro de 2018, o Diretor Geral em funções, P. II, convocou uma reunião de Conselho de Direção do Colégio ..., da qual foi lavrada pela secretária uma ata, de onde se extraem as seguintes intervenções produzidas pelo arguido AA: “O P. AA referiu, ainda, que tem indicações do P. Provincial de que, no Colégio ..., existem falhas nas estruturas de participação.” “O P. AA observou que os Pais são embaixadores do Colégio e que o Colégio não pode estar refém de quem o dirige.” “Afirmou ainda que a Companhia de Jesus não é uma organização democrática”. “O P. AA esclareceu que tem uma missão” 10. O arguido AA, a 3 de Setembro de 2018, escreveu na rede social Facebook, a propósito de ter aceite o cargo para dirigir o Colégio ..., que coordena várias escolas, dizendo, em resposta a “CCC”, que lhe tinha perguntado nessa rede se tinha deixado Lisboa, “Sim, o Provincial achou que me estava a fazer falta o Norte” (…) “Cá estamos já, na área da educação da qual não sei quase nada, mas disposto a arregaçar as mangas. Onde há empenho inteiro, aí há Alegria”. 11. O arguido AA, dando conhecimento ao P. KK, escreveu uma mensagem de correio eletrónico ao ofendido BB no dia 7 de outubro de 2018 onde a dada altura escreve: “Pois foi a primeira vez que vivi a experiência de ser "acusado" por alguém que não me conhece, de factos que soube não em primeira mão, e que fez juízos sobre eles sem contrastar com a própria pessoa envolvida. Foi a primeira vez, e confio que tenha sido a última”. 12. E ainda, “Depois, não sei, mas imagino que ao menos parte dos factos (e críticas) a que ele se referiu lhe tenham sido passadas por ti (se estou enganado, peço-te o favor de me corrigires).” 13. No mesmo email pode ler-se: “É por isso peço-te abertura e confiança nesta fase, mesmo que à partida possas não concordar (e agradeço que me o digas se for caso disso, é mais um dado para quem exerce a liderança). Se mais tarde vires que não te identificas de todo, pois falaremos com paz e veremos que solução lhe dar”. 16. No dia 6 de Novembro foi remetida uma carta datada de 2 de novembro de 2018, dirigida ao Padre Geral da Companhia de Jesus, subscrita por quatro diretores pedagógicos das escolas e dois administradores, um dos quais o ofendido BB, relativos a quatro escolas distintas integrantes do complexo educativo do Colégio .... 17. Nesta carta foi comunicado que o arguido AA tem vindo a ignorar “todas as recomendações e conselhos, nomeadamente, do atual Diretor Geral do Colégio ..., o Senhor Padre KK SJ e do Superior da Comunidade, Senhor Padre JJ SJ,” 18. que “o Senhor Padre AA SJ, mal se apresentou no Colégio ..., a 3 de setembro, desencadeou à sua imagem e modelo, como o próprio gosta de ressaltar, uma peculiar aproximação às pessoas, no nosso entender desadequada ou mesmo imprópria, e iniciou e mantém, por sua única, exclusiva e arbitrária vontade, procedimentos que incluem convocatória individual e direta com inúmeras pessoas de diferentes serviços e escolas para reuniões pessoais, inquirindo as pessoas assim convocadas sobre diversas questões de ordem especifica, seja do ponto de vista pessoal, seja do ponto de vista do exercício da sua profissão, umas mais inesperadas do que outras, mas inusitadas no seu propósito.” 23. No dia 8 de novembro de 2018, o arguido AA escreveu por e-mail ao BB “venho pedir-te sff que providencies para que o meu telefone, no meu gabinete, seja arranjado ou substituído assim que possível, pois faz um ruído de fundo muito grande (quase não se ouve quem está do outro lado). 23 a) A 8 de Novembro, pelas 20h20, o ofendido BB respondeu ao e-mail do arguido, dizendo que os problemas estão a ser ultrapassados e que “As ocorrências deste tipo são diretamente reportadas e acompanhados junto do responsável pela manutenção, Sr. DDD”, ao que o arguido respondeu, também por e-mail (de 9 de Novembro, pelas 01h23), perguntando ao ofendido se já falou com o DDD e acrescentando “Se não, então falo eu, não há problema”. 27. O arguido, a 21/12/2018, pelas 13h22, enviou uma mensagem escrita para o telemóvel de BB, dizendo “Caro BB, espero que estejas bem. Acabei de te enviar mail urgente, que te peço sff que vejas. Obrigado, e bom Natal se não falarmos antes”, tendo enviado, pelas 13h24 do mesmo dia, mensagem escrita para o telemóvel de BB, dizendo: “Ps. Recebi indicação do teu mail institucional que já estás ausente, se for preciso envio para o teu mail pessoal. São questões a tratar ainda hoje ou estes dias. Obrigado.” 28. O arguido AA enviou diversas mensagens de correio eletrónico, nos dias 26.12.2018 – 11,03h, 29.12.2018 -09:06h, e 2/01/2019, na madrugada, pelas 00:28h, dirigidas a BB, sendo que naquela primeira data o arguido AA, com conhecimento a EEE, pediu ao ofendido BB para responder “sff ao mail abaixo assim que possível, dentro do horário de trabalho que praticas”, dizendo-lhe que “já pedi ao EEE (…) elencar todos os assuntos que pude perceber ao longo destes meses que estão à espera de resposta do Administrador e cuja falta de resposta prejudica o bom funcionamento das escolas. Falaremos então de tudo isto logo no recomeço do ano.” 29. No dia 29 de dezembro de 2018, pelas 9:06h, o arguido AA escreveu ao ofendido BB dizendo que: “Envio este mail em dia de Sábado, mas não te preocupes em ver ou responder fora do teu horário de trabalho. Esta é aliás regras que te peço para adoptares para a nossa relação profissional, como já pude escrever em mails anteriores”. 30. O arguido AA na mensagem de correio eletrónico enviada a BB escreveu que “pedir-te-ei a descrição completa das tuas funções atuais. Existe a possibilidade de te pedir que deixes alguns "dossiers", nomeadamente para que possas ter mais tempo de descanso, para que eu possa acompanhar alguns assuntos mais de perto e para que o traalho do Colégio possa ser distribuído por mais pessoas”. 31. O arguido AA, na mesma mensagem de correio eletrónico escreveu ainda “Espero que estes dias sejam de descanso, para que regresses ao trabalho descansado e com uma atitude francamente colaborativa, de quem quer ajudar a resolver as muitas questões que vão surgindo, e não dificultá-las. Nos mails trocados estes dias pareceu-me pressentir alguma falta desta atitude. Espero que tenha sido só impressão minha, e que as coisas se possam simplificar.” 32. No dia 2 janeiro de 2019, pelas 00:04h, no seguimento de e-mail enviado pelo ofendido BB no dia 1 de Janeiro de 2019, às 23h16, o arguido AA enviou uma mensagem de correio eletrónico a ofendido BB onde escreve: “já te pedi para, nos mails respeitantes a assuntos das ... em que estou em CC, me mantenhas sff em CC. Falei com o EEE ao telefone, e ele disse-me que já lhe tinhas respondido (só a ele) sobre o tema em assunto. Não há qualquer dificuldade legal com isso, são assuntos do colégio”, escrevendo, ainda, “Reiterares o incumprimento desta indicação é recusares cumprir uma indicação explicita do teu superior hierárquico”, e ainda que “para além de não promoveres a diligência e melhoria de produtividade a que és devido (estes e outros assuntos, em diálogo mail a 3, resolvem-se muito mais rapidamente)”. 33. Ainda a 2 de janeiro de 2019, o arguido AA envia nova mensagem de correio eletrónico para o ofendido BB com o assunto “compra de material”. 34. Nessa mensagem, o arguido escreveu que “Deixo na tua "caixa de correio", num envelope, a fatura”, e “Finalmente, estes dias usei um aquecedor a óleo de outro lado, mas precisarei também de um, se possível de 2500 W. Podes sff verificar se existe algum disponível na casa?”, 35. No dia 2 de Janeiro de 2019, em reunião por si convocada, na presença da secretária da Direção, Dr.ª TT, que chamou para fazer a acta da reunião, a partir das 14h30 e durante cerca de três horas (tendo o arguido durante a reunião perguntado várias vezes se queriam uma pausa, se queriam ir à casa de banho), 36. o arguido AA, designadamente: - comunicou ao ofendido BB “que todos os assuntos são confidenciais”; - pediu ao ofendido BB “reuniões de acompanhamento semanal”, “sendo que um dos pontos a abordar será as reuniões a ter com os parceiros externos e a síntese as reuniões tidas com parceiros externos na semana anterior” - pediu ao ofendido BB “para que todas as suas marcações sejam sempre colocadas na agenda para facilitar a orientação do serviço e reuniões”. - indicou ao ofendido que, de futuro, sempre que BB precisar de pedir ao Dr. EEE, Diretor Pedagógico da Oficina, qualquer informação, terá de fazê-lo através do arguido; - “clarificou que vê como desejável” que o trabalho entre os Diretores Pedagógicos e o BB “seja próximo e o mais transparente possível”; - solicitou “prioridade máxima ao Dr. BB, quando solicitada, no que concerne ao emails do Diretor Geral”, e “combinou-se que P. AA reforçaria o envio dos emails ls com um telefonema ao Dr. BB se vir necessário fazê-lo”; - mencionou que “gostaria de ter um organograma dos serviços centrais e descrição de funções”, sendo que, “Quanto à descrição de funções do Administrador, clarificou-se que está nos estatutos”; 37. No dia 3 de Janeiro de 2019, pelas 10h12, quando o ofendido BB estava no seu gabinete de trabalho, com a porta fechada, a terminar reunião de trabalho com a secretária Dr.ª TT, o arguido AA, porque precisava daquela para o secretariar numa reunião com a Dra. FFF, e tendo ouvido vozes no gabinete do ofendido BB, bateu à porta e, não tendo ouvido nada, abriu a porta, vendo lá a Dr.ª TT, ordenou-lhe que ela saísse do gabinete e, apesar do ofendido BB se ter oposto a que ela saísse, de imediato, o arguido AA retorquiu dizendo “BB, desculpa, eu sou o Director Geral”, dizendo à Dra. TT que saísse. Após, fechou-lhe a porta do gabinete. 38. No dia 4.1.2019, já pela madrugada fora, às 00,51h, o arguido AA mandou ao ofendido BB uma mensagem de correio eletrónico com conhecimento ao Profº EEE, dizendo-lhe: “BB, reforço mais uma vez a instrução que já dei várias vezes, de forma oral e nos mails por escrito, de me manteres em CC nos mails trocados. Ao não o fazeres, colocas-te em situação de incumprimento reiterado. É forma de trabalho que como Diretor Geral tenho a faculdade de decidir, com o objetivo do meu maior conhecimento e o maior bem da escola. Tratando-se de questões da escola, todas as questões legais estão salvaguardadas. É para mim totalmente incompreensível e inexplicada a tua recusa.” 39. No dia 4.1.2019, pelas 10,40h, o ofendido BB dirigiu-se ao gabinete da secretária, Dr.ª TT, e lá se deparou com a presença do P. KK, anterior Diretor Geral do Colégio ... e ainda Diretor dos Institutos do Complexo Educativo, e tendo perguntado à Dr. TT, porque motivo ainda não lhe tinha enviado a acta da reunião do dia 2.1.19 com o arguido AA, como lhe tinha pedido para correção e validação final, depois de muita insistência, a Drª TT, disse-lhe, que “após o envio do email do Dr. BB, AA deu-me instruções para reter o documento, e não fazer nada até novas instruções dele”. 40. Na sequência desta resposta, o ofendido BB interpelou diretamente o arguido AA que lhe respondeu: “Sim, eu sou o teu superior hierárquico e dei essa instrução para reter a minuta da ata”, e acrescentou: “sim, eu sou o teu superior hierárquico, sou o superior hierárquico da TT e sou o superior hierárquico de todas as pessoas desta casa e dei essa instrução para reter a minuta da ata até minha indicação”. 42. No dia 7 de janeiro, já de madrugada, pelas 00:44h, o arguido AA envia nova mensagem de correio eletrónico ao ofendido BB, com o conhecimento ao Diretor Pedagógico da OFICINA, e diz: “Caro BB, volto a dar‐te, pela 4a vez nestes dias, a instrução que me mantenhas em CC nos mails em que estou anteriormente em CC”. 44. No dia 10 de janeiro, o arguido AA envia nova mensagem de correio eletrónico a BB, dizendo “Caro BB, alerto-te, pela 5a vez, que estás em incumprimento de uma instrução minha, de manter-me em CC nos mails em que eu estava em CC. 45. No dia 15 de janeiro de 2019, o arguido AA envia nova mensagem de texto para o telemóvel do ofendido BB, escrevendo entre outras coisas que “nas coisas que estão em atraso, muitas das quais já te pedi e outras tenho para pedir”. 46. No dia 15 de janeiro de 2019, o arguido AA enviou uma mensagem de correio eletrónico ao ofendido BB com indicações de pagamento “Pagamento ...”, 48. No dia 21 de janeiro de 2019 o arguido AA enviou ao ofendido BB uma mensagem de correio eletrónico, pelas 04:37h, dirigido a múltiplos endereços eletrónicos do ofendido, com o assunto de “Dr. BB – Pedidos”, dizendo que esteve reunido com o padre MM, com uma lista de pedidos de documentos. ”. 49. No dia 22 de janeiro de 2019, o arguido AA, em seu nome e do padre MM, cujo nome colocou no final do texto do email, insistiu na lista de pedidos ao ofendido BB, e escreveu: “espero que estejas bem, e já não haja sinais das questões de saúde que te afectaram”, mais uma vez dirigido a múltiplos endereços eletrónicos do queixoso, insistindo que “continuamos à espera de todas as informações que te pedimos com urgência para ontem”. 50. No dia 22 de janeiro de 2019, o arguido AA, acompanhado do P. MM, entrou no gabinete do ofendido BB e ordenou-lhe que abrisse a “caixa de correio eletrónico” no seu computador para ver os mails que lhe tinham enviado. 51. No dia 28 de janeiro, pelas 10:03h, o arguido AA enviou nova mensagem de correio eletrónico para todos os endereços de BB, assinada também pelo padre MM, dizendo que “espero que estejas bem”, “Para o recomeço do nosso trabalho conjunto, vimos então recordar alguns dos pedidos sobre os quais teríamos urgência (e deixando outros para mais tarde)”, novamente com listas de pedidos. 52. No dia 1 de fevereiro de 2019, o arguido AA enviou ao ofendido BB nova mensagem de correio eletrónico com o assunto “Pedidos / Indicações / Marcação de reunião” para os já habituais endereços múltiplos do mesmo, assinada também pelo P. MM, com o pedido de uma lista de relatórios e de documentos em arquivo, evocando novamente a reunião do dia 2 de Janeiro, sendo-lhe solicitadas entre outras coisas: “1. PDFs dos contratos celebrados com os diretores pedagógicos, Administrador, Dr. GGG e Dr. AAA (e outros acordos, nomeações e comissões de serviço; já o tinha pedido ao Sr. FF, que me disse que os contratos estão na posse do Administrador); 2. Execução orçamental 2018 das .../escolas/..., e orçamento 2019, mapas de tesouraria / financeiros / contabilísticos, e estruturas de receitas e custos de cada um (já o tinha pedido à Dra. RR, mas que disse seres tu a pessoa que os tem); 3. Plano (o que já exista) de comunicação e divulgação da oferta educativa do ..., ... prof. e Oficina para 2018/19, com a informação da(s) empresa(s) envolvida(s); Plano (o que já exista) de reestruturação dos sites das .../escolas/..., com a informação da(s) empresa(s) envolvida(s); 4.Elenco de situações RH pendentes a resolver nas .../escolas (contratos por assinar/passar a escrito, passagem de recibos verdes a contratos, propostas de rescisões pendentes, acertos de horas, etc.); 5. Vestuário ... - Lista do material já vendido e em stock, despesas e receitas envolvidas, n. pedidos de devolução.” 53. Com prazo de cumprimento de 10 dias, é ainda solicitado ao ofendido BB que forneça “outras informações, abaixo indicadas, a maioria das quais (de 1 a 4) já foram também pedidas na referida reunião de 02/01/2019: 1. Lista (em Excel ou outra forma simples) dos contratos de prestação de serviços com as .../institutos/..., com a informação de data, valor e tipo de renovação (e saber onde fisicamente estão) 2. Lista (em Excel ou outra forma simples) dos contratos com pessoas singulares com as .../institutos/..., com a informação de data inicial, tipo de contrato (a termo, sem termo ou prestação de serviços; e se tempo inteiro ou parcial, e quantas horas nesse caso), e valor (e saber onde fisicamente estão) 3.Descrição de receitas e custos do serviço de transportes das .../institutos/... 4.Organigrama dos "serviços partilhados" de secretaria / contabilidade/ controlo financeiro/ tesouraria/ manutenção/ jardinagem, etc., com pessoas, horários, imputação de custos por instituto e descrições de funções (se houver) 5. Plano e cronograma de recuperação do pavilhão 6. Plano e cronograma de recuperação do bosque 7. Procedimentos de substituição quando falta algum não-docente, e organização do serviço de portaria entre as 17.00 e as 19.00” 53. E com prazo de 3 dias ordenou: Peço-te sff que lhes respondas, nesse mesmo prazo útil de 3 dias: Mail de 07/01/2019 às 15.24; Mail de 15/01/2019 às 15.03; Mail de 28/01/2019 às 16.09; Mail de 28/01/2019 às 16.25; E ainda um mail da ..., comigo em CC, a 18/01/2019 às 12.47 (com questões relativas a pagamentos em atraso e às condições do pavilhão).” 54. E recordou indicações que disse que o ofendido já havia recebido na referida reunião de 02/01/2019, relativas a ele, “e depois da nomeação do P. MM como Diretor dos institutos, a 14/01/2019: “Tornar, com urgência, o Diretor Geral e o Diretor os institutos, titulares de todas as contas bancárias pertinentes, com Netbanking”. 55. E ainda: “Passares para o Prof. EEE, diretor pedagógico da Oficina, toda a informação para ele passar a gerir o site do B...; Colocares em CC os Diretor Geral e Diretor da Oficina, em todos os mails trocados com o Prof. EEE”. 56. Bem como: “Avisares previamente o Diretor Geral e o Diretor dos institutos das reuniões a ter com parceiros externos, para vermos da pertinência de podermos estar presentes”. Apenso B 63. CC e DD eram funcionárias da instituição “Colégio ...”, já supra identificado, desempenhando funções de auxiliares de ação educativa. 64. No dia 30 de janeiro de 2020, pelas 12h, o arguido AA enviou uma mensagem de correio eletrónico para CC e DD a convocá-las para uma reunião no mesmo dia às 15h30. 65. Nessa reunião, que se iniciou as 15h40m, no gabinete da direção pedagógica, estavam presentes o arguido AA e seis auxiliares de ação educativa a exercer funções no colégio. 68. e 69. O arguido, nessa reunião, referiu-se ao facto de as ofendidas terem assinado um abaixo-assinado contra si, dizendo que havia um elefante sobre o qual tinham de falar, que as pessoas deviam saber pedir desculpas e perdoar e seguirem todos o mesmo caminho. 70. Mais tarde, a 12 de fevereiro de 2020, pelas 9h, no Colégio ..., na sala dos 5 anos, onde se encontrava a educadora EE, a ofendida CC e o arguido AA. Nisto, as crianças estavam a interagir com o arguido fazendo o gesto de quem o pontapeavam tendo a educadora EE dito às crianças para pararem com esses gestos o que elas acataram. Logo de seguida, o arguido AA disse às crianças, em tom alto: “vão dar pontapés à CC que ela é grande”. 71. e 72. No dia 14 de julho de 2020, pelas 15h25, a ofendida CC teve uma reunião com o arguido AA, no gabinete deste, onde estavam presentes XX e o arguido AA, que lhe falou sobre o abaixo-assinado que a mesma subscreveu. 75. No dia 14 de julho de 2020, pelas 15h15, a ofendida DD teve uma reunião com o arguido AA, no gabinete deste, onde estavam presentes XX e o arguido AA, que lhe falou sobre o abaixo-assinado que a mesma subscreveu. 81. Em data não apurada julho de 2020, todas as assistentes educativas da ... estiveram numa reunião com o arguido AA. Apenso C 93. EE é educadora de infância na instituição “Colégio ...”, já supra identificado, sendo, à data dos factos, a responsável pedagógica da sala das crianças dos 5 anos de idade, identificada como a “sala vermelha”. 97. Em março 2019 foi agendada uma reunião geral com educadores docentes, com o objetivo de falar acerca da assuntos do interesse da ...; nessa reunião também esteve presente o arguido AA e foi ele quem conduziu a reunião. 98. Quando a ofendida EE chegou à reunião estariam cerca de 17 pessoas, e o arguido AA, no uso da palavra, chamou a atenção à ofendida EE, dizendo em voz alta, para todos ouvirem, virado para aquela "EE, desculpe particularizar mas qualquer decisão da escola não é decidida unilateralmente, a diretora pedagógica não tinha esse poder e quem estava acima era quem mandava e a Dra UU quando a mesma regressar também lhe vou dizer o mesmo.” 99. Nessa reunião estavam a comissão, os colegas de trabalho docentes da ofendida e estavam funcionários de outros departamentos do colégio, como secretaria, gabinete social, informático, o responsável pela Pastoral, Padre WW, a secretária da Direção. 100. O arguido AA disse ainda "eu sou Diretor Geral sou eu que mando e o WW está ali na comissão como Presidente, está ali mas depois pode não estar...". 105. Após reunião ocorrida em finais de Março/Abril de 2019, foi proposto todas as semanas após o horário de trabalho serem realizadas reuniões de acompanhamento, onde estaria presente o arguido AA, na qualidade Diretor Delegado da .... 106. As reuniões semanais continuaram até ao final do ano letivo e ao longo das mesmas, o arguido AA ia dizendo que não sabia muito bem como era trabalhar com crianças e na área da educação, que estava ali também para ouvir e numa dessas reuniões à frente de todos disse que sabia da existência de um abaixo assinado contra ele, falando em assédio moral ascendente. 107. Numa das reuniões chamou atenção da ofendida EE à frente de todos, por causa de um relatório elaborado após a visita do Dr. OO, Técnico de Seg. Social, porquanto quando questionada EE respondeu que não sabia porque não tinha estado na reunião na totalidade e naquele momento não podia responder com exatidão, e ao ser presente aquele relatório o arguido AA disse-lhe que ..."assim não se faz caminho, não andamos para a frente e não se constrói a confiança..:". 109. Por tal motivo, a ofendida EE pediu para falar com o arguido AA, a fim de esclarecer o mal entendido e que a forma como falou consigo perante todos não a achou mais correta, ao qual o mesmo acedeu, pediu desculpa, mas voltou a referir, ..."se continuar assim não vamos fazer caminho, não há confiança.” 111. No dia 12 de Julho de 2019, de tarde, a ofendida EE foi chamada para uma reunião pelo WW, tendo largado o que estava a fazer e acompanhou-o, encontrando no gabinete, o arguido AA e o VV. 112. Nessa reunião informaram a ofendida EE que tinham reunido com as educadoras GG e YY e que iam ser despedidas, trabalhando até final do mês de agosto. 113. Essa notícia foi uma total surpresa para a ofendida EE, pois estavam a precisar de uma educadora, para substituir a educadora ZZ, que se encontrava de baixa por gravidez de risco e além do mais, enquanto diretora pedagógica, não a informaram. 114. Nessa mesma reunião, o arguido AA mostrou interesse em estar presente na reunião de pais de final de ano da sala da ofendida EE, mesmo após lhe ter dito que não faria grande sentido estar nesta reunião, insistiu dizendo “Eu só quero assistir e aprender”. 116. Em 17 de julho de 2019, realizaram uma reunião de pais, no período do gozo de férias de ofendida EE, tendo sido decidido como iria funcionar a nível de equipa de apoio da sala, sem a presença e o conhecimento formal da desta, tendo sido avisada por mensagem pela Colega XX (Diretora Técnica) e uma vez mais o arguido AA esteve presente. 118. Em julho de 2019 foi informada verbalmente, pelo WW, que a direção técnica ficaria ao encargo do arguido AA e a direção pedagógica à educadora XX no ano letivo seguinte. 119. Ao assumir a direção técnica, o arguido AA passou a coordenar e a controlar tudo na vida da associação, as reuniões passaram a ser convocadas e dirigidas por ele, qualquer pedido, recado, aviso teria que passar pelo arguido AA, até as atas teriam que ser enviadas com antecedência para si. 120. A 30 de Março de 2020, através de uma mensagem de correio eletrónico, o arguido AA comunicou às educadoras de infância, com conhecimento da educadora XX, que iam recorrer ao “layoff” por um mês, podendo ir até três meses, permitindo assim poupanças na ordem de 8 mil euros/mês e uma eventual diminuição da mensalidade-base dos pais. 121. As assistentes iam ficar todas em lay-off e as educadoras ZZ e UU também. 123. A 5 de Maio de 2020 e já com as trabalhadoras em lay-off há já um mês, o arguido enviou uma mensagem de correio electrónico a todos os pais a informar a boa noticia da aprovação do Layoff, informando-os que não há mensalidade a pagar em maio (devido ao dinheiro poupado em abril). 124. No dia seguinte, 6 de maio de 2020, pelas 22h54m, o arguido AA enviou mensagem de correio eletrónico à ofendida EE questionando-a porque não preencheu o ficheiro com o recurso partilhados. 125. E que tal pedido estava numa mensagem enviada no dia de ontem à noite (5 de maio) e esperava que “o tivesse visto de manhã a partir das 9:00 e ainda teria pelos menos 4 horas de trabalho até à nossa reunião as 14h30 para o preencher. Porque não o fez?”” 126. “Falamos consigo porque não é primeira vez que acontece. Aconteceu quando pedimos opinião à equipa sobre o mail enviado aos pais sobre a gestão financeiro da ..., em que todas se pronunciaram (e bem) sobre ele menos a EE. A EE disse que “não tinha tido tempo”, quando todas as demais tiveram. De novo, não estamos a pedir a ninguém que se dedique ao trabalho da ... mais do que o tempo legalmente previsto. O que pedimos é que avalie da mesma forma que todas as demais colegas, e priorize aquele que é pedido e deixando outras questões não-urgentes para mais tarde. Parece-nos que esta forma de pensar e trabalhar é sensata e razoável. Não lhe parece também?” 127. “Finalmente, gostaríamos de lhe pedir então, para além da resposta Às duas questões anteriores, ainda a sua opinião sobre o documento da gestão financeira da escola. Com que impressão ficou? Como acha que os pais o receberam? Temos tentado trabalhar cada vez em comum, é bom haver partilhas entre todas, mesmo com opiniões diferentes, e por isso, a sua opinião é importante que seja dada, com verdade e lealdade. Esperamos então a sua resposta, sff até ao final desta semana.” 128. No dia 18 de Maio de 2020 pelas 12:35, EE comunica a baixa médica à diretora pedagógica XX e pelas 14:02, o arguido AA envia mensagem de correio eletrónico a EE onde lhe diz que embora formalmente “seja o director técnico da creche e a XX seja directora pedagógica do pré-escolar”, “as indicações que a XX dá às técnicas da creche é como se fosse eu a dar”. “nesse sentido, vimos pedir-lhe que os seus mails continuem a vir sff para os dois, e não irem só para a XX (como fez esta manhã). Muito obrigado.” 129. A ofendida EE recorreu a apoio médico, tendo-lhe sido prescrito baixa médica. 130. A ofendida EE, a 11 junho de 2020, quando regressou ao trabalho, após baixa médica, foi para a sala onde desempenhava as suas funções de educadora. 132. Ao final da manhã, o arguido AA chamou-a para uma reunião, onde também esteve presente a Colega XX (directora pedagógica,) dirige-se à ofendida EE dizendo-lhe que não tinha agido de forma correta, que deveria ter ido falar com eles. 133. Após esta conversa, o arguido AA redigiu uma mensagem de correio eletrónico para, “fechar a questão” e que encaminhado para a ofendida EE e com o conhecimento da directora pedagógica (XX), referindo que “Pareceu-nos um comportamento, desculpe a transparência, não só falto de educação como nos limites da responsabilidade (mesmo havendo documentos escritos sobre esse regresso, há sempre questões de aprofundamento, explicação, etc.)”, mas referindo que a conversa decorreu num “tom sereno”. Apenso D 145. FF desempenhava funções de chefe de serviços de Tesouraria do estabelecimento de ensino denominado “...” (vulgarmente conhecido por ...) pertencente ao ... (NIPC ...), pessoa colectiva religiosa, sem fins lucrativos, criada pela Arquidiocese de Braga. 146. No dia 16 de janeiro de 2019, FF é convocado para uma reunião tendo sido deixado um cartão com a convocatória. Às 8:35, apareceu TT, secretária da Direcção, que disse que FF tinha que ir consigo naquele momento, tendo sido acompanhado até ao gabinete do arguido AA. 147. Desde logo, o arguido AA questionou FF sobre os motivos pelos quais no dia anterior não estava no seu local de trabalho, tendo referido que “fui várias vezes lá baixo e não o encontrei, telefonei para o seu telemóvel e não me atendeu, e deixei um cartão junto ao seu computador.” E logo de seguida, disse-lhe que “tem que registar no seu telemóvel pessoal o número do colégio no caso de ser necessário eu contactá-lo”. 148. O ofendido FF começou por explicar ao arguido AA o que tinha feito no dia anterior e que o seu horário aceite pelo Padre KK era de 30 horas semanais, sendo certo que sempre fez mais de 40 horas por razões de necessidade dos serviços e daquela casa e que de facto podia ter optado por descontar nas suas férias os dois dias de ausência mas não seria responsável da sua parte não ir de manhã orientar os serviços. 149. De imediato, o arguido AA interrompe o ofendido FF dizendo que as férias só podem ser gozadas quando acordadas com a entidade patronal. 150. E mantendo-se no tema das faltas, o arguido interpelou o ofendido FF e perguntou-lhe quem estava de baixa. 151. E pergunta diretamente: “O Dr. BB está de baixa? A Professora AAA está de baixa? A Dr.ª RR está de baixa?” O ofendido respondeu ao que sabia, tendo o arguido insistido se sabia até quando é que a RR estava de baixa e qual o motivo de baixa, terminando “Quero ver a baixa”. 152. Depois questionou o ofendido FF “o Dr. AAA é funcionário do Colégio e continua a ter salário? Sabe há quantos dias não recebe o Dr. AAA? Sabe há quanto tempo não recebe ou se tenho possibilidade de saber? 154. O arguido AA questionou o ofendido FF sobre qual era o salário de BB, ao que o ofendido solicitou que o arguido AA fizesse tal pedido por escrito, através de mensagem de correio electrónico ou SMS. 155. Ao que o arguido AA lhe respondeu “Eu sou o Director Geral. Eu vou consigo lá baixo para o senhor me dar esta informação, tenho muito urgência em obter estes dados”. 156. O ofendido FF referiu ao arguido AA que lhe prestaria os esclarecimentos necessários se fosse solicitado por escrito. 157. Seguindo na mesma senda, o arguido AA voltou a questionar o ofendido se havia contas em atraso, se a Dra. RR fazia pagamentos e se o P. KK costumava entrar nos processos de pagamento. 158. Questionou ainda os motivos pelos quais sendo director Geral não era preciso a sua assinatura para processar os pagamentos. 159. No final, o arguido AA disse que ia enviar a mensagem de correio eletrónico a pedir os elementos dada a urgência de obter esses dados. 160. E logo de seguida diz que já enviou e que acompanha o ofendido ao seu gabinete para garantir que o mesmo respondia de imediato ao seu pedido, o que fez, ficando ao lado do ofendido FF até ser satisfeita a sua pretensão, sempre fazendo mais perguntas sobre os vencimentos de BB, de AAA, o comprovativo da RR. 161. No seguimento dessa reunião, o ofendido FF recebeu diversas solicitações, via correio eletrónico, a solicitar acessos às contas bancárias, à segurança Social, à Autoridade tributária. 162. A 17 de Janeiro de 2020, da parte da manhã e para pesquisar uns documentos no arquivo, o ofendido FF solicitou a HHH (antigo colaborador com 48 anos de serviço no ..., agraciado em 2015/2016 com o prémio Padre III e sobrinho do falecido Ir. HHH-Jesuíta) ajuda para ir ao arquivo pois era a pessoa que melhor conhecia o arquivo. 163. Quando já estavam no arquivo, o ofendido FF e HHH são abordados por JJJ que convidou HHH a sair das instalações, acompanhando-o até à porta de saída. 164. De seguida, o ofendido FF é chamado ao gabinete do arguido que lhe questionou com que autorização estava HHH nas instalações e se tais visitas eram frequentes. 165. O ofendido replicou dizendo que as visitas eram frequentes tanto mais que HHH era um antigo colaborador com 48 anos de serviço prestado ao .... 166. O arguido disse ao FF que estava proibido de receber visitas no seu gabinete e que ele tinha dificuldade de reconhecer hierarquias, sendo que em diversas mensagens de correio electrónico, ao longo do ano de 2019, foi o ofendido FF avisado e alertado para obedecer às indicações recebidas de JJJ, devendo dar sempre a conhecer todas as mensagens que envia com conhecimento a JJJ, 167. O arguido AA terminou a conversa com o ofendido FF, chamando a atenção, quer verbalmente quer por escrito, aos deveres do trabalhador para com a sua entidade patronal. Apenso E 169. A ofendida GG é funcionária do Colégio ..., desempenhando as funções de educadora de infância nas instalações da Associação .... 170. Assim, e na sequência do exercício das suas funções, numa reunião com o arguido AA em 1 de Julho de 2020, que ocorreu na presença da educadora de infância XX, o arguido perguntou-lhe porque tinha assinado um abaixo-assinado que tinha na mão.
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Factos não indiciados Com interesse para a decisão instrutória, nenhum outro facto se indiciou. Em especial, não se indiciaram suficientemente os seguintes factos (não se pronunciando aqui o tribunal, para além daquela a que já supra aludimos, sobre o que constitui matéria conclusiva ou inócua para tal decisão), indicados com referência também da numeração constante da acusação que lhes corresponde, para mais fácil entendimento: a) 4. Ao ser nomeado como Director Geral do Colégio ... pelo Provincial da Companhia de Jesus, o arguido delineou uma forma de atuação, que o próprio arguido denominou como sendo a “...” e que consistia, no domínio total e absoluto de todos os poderes nos institutos e escolas, designadamente junto dos trabalhadores que exerciam as suas funções há anos de forma exemplar. b) 5. Para atingir estes objetivos, o arguido sentiu necessidade de afastar de qualquer forma e por todos os meios, todos aqueles que, nestas entidades, lhe levantassem qualquer objeção, lhe desagradassem ou desobedecem em qualquer das suas exigências, por mais caprichosas e ilícitas ou anómalas que fossem, recorrendo de forma sistemática à humilhação, às ameaças veladas ou explícitas de procedimentos disciplinares e de despedimento, e à perseguição de várias pessoas, colaboradores das escolas e das instituições canónicas, designadamente BB, DD, CC, GG, FF e EE. c) 6. Assim, e no exercício das suas funções como diretor, a partir do dia 4 de setembro de 2018 o arguido AA, começou a convocar educadores, sem qualquer concertação previa com os responsáveis diretos dos mesmos, para uma reunião individual, colocando-lhes questões de forma inquisitorial e agressiva, referindo que até 31 de dezembro seria “assim” mas a partir de 1 janeiro de 2019 seria como ele queria e que as pessoas se teriam que sujeitar, deixando-os assustados. d) 22. No prossecução da “...”, o arguido AA deu ordem ao Engº KKK, informático do ..., para manipular e controlar as comunicações informáticas a partir do servidor do Colégio/... por onde passam os emails de e para os educadores, incluindo barrar/filtrar/censurar o acesso dos diretores pedagógicos à lista geral de mails para envio de correspondência electrónica, a que o trabalhador prontamente acedeu com receio de ser despedido. e) 24. O arguido AA apresentou os pedidos referidos no ponto 23 dos factos indiciados ao ofendido BB como forma de o amesquinhar, desvalorizar a sua posição de órgão de direção e de o pressionar moralmente. g) 27. A mensagem escrita enviada para o telemóvel de BB, dizendo “se for preciso envio para o teu mail pessoal”, deveu-se ao facto de este não haver respondido ao correio eletrónico recebido dois minutos antes. h) 31. O arguido AA escreveu ao ofendido BB no dia 29 de dezembro de 2018 sabendo do estado de doença do ofendido, com o propósito de exercer pressão psicológica e moral sobre ele, para o desestabilizar. i) 33. A mensagem de correio eletrónico enviada pelo arguido para o ofendido BB a 02/01/2019, com o assunto “compra de material”, foi com conhecimento a terceiros e para o rebaixar perante a instituição. j) 34. Ao remeter a mensagem de correio eletrónico ao ofendido BB a 02/01/2019, com o assunto “compra de material”, o arguido pretendeu desqualificá-lo, apoucá-lo, tratá-lo como um mero serviçal. k) 38. Ao mandar-lhe mensagem de correio eletrónico no dia 4.1.2019, às 00,51h, o arguido AA pretendeu acordar BB do seu descanso. l) 42. O arguido enviou ao ofendido BB mensagem de correio eletrónico, no dia 7 de janeiro, pelas 00:44h, com o fito de novamente o perturbar e desestabilizar. n) 43. Acordado subitamente do seu descanso sobressaltado com o aviso de correio eletrónico no seu telemóvel, e perturbado, o ofendido BB sentiu-se indisposto e ficou incapacitado para o trabalho, com repercussões na sua saúde psicológica e física. o) 47. Ora, sabia o arguido AA que o ofendido BB se encontrava de baixa médica e mesmo assim continuava a importuná-lo com mensagens de correio eletrónico e mensagens escritas para o seu telemóvel, com assuntos relacionados com trabalho, tendo para o efeito enviado a 16 de janeiro de 2019 por mensagem de correio eletrónico cópia do certificado para o trabalho, embora o arguido já tivesse sido informado da ausência de BB e dos motivos da mesma. p) 48. No dia 21 de janeiro de 2019, ao enviar uma mensagem de correio eletrónico, pelas 04:37h, ao ofendido BB, o arguido quis importunar e assustar este, para o pressionar e abalar, acordando-o estremunhado e aflito julgando ser alguma emergência de algum familiar. q) 57. Entretanto, e em data não concretamente apurada, mas durante o mês de janeiro de 2019, o arguido AA proibiu os jesuítas da Comunidade do Colégio ... de dirigirem a palavra ou privarem com ofendido BB, para o fazer sentir isolado e ostracizado na instituição, como foi o caso dos padres PP e JJ, tendo o padre PP, que não se aguentou pela pressão psicológica de tamanho assédio e prepotência, quando celebrava uma missa, desatado a chorar e saiu porta fora do templo, para espanto dos alunos que assistiam à missa. s) 58. Quando o ofendido BB foi destituído da Direcção, em 13.2.2019, alguns pais, designados para uma “comissão de gestão da ...”, em conjunto com o arguido AA, passaram, desde então, a denegrir a imagem e o bom nome do BB, acusando-o junto dos pais e educadoras do infantário, de ser o causador de “todos” os males. t) 59. Indo ao ponto de, no final passado mês de Abril, suspenderem o pagamento dos salários às funcionárias do infantário, dizendo os da tal “comissão”, tal como o arguido AA, que o culpado pelos salários em atraso era o próprio BB e os outros associados que intentaram uma providência cautelar para suspensão das deliberações dessa Assembleia Geral. u) 60. Criando assim, junto dos restantes pais, das educadoras do infantário e das demais pessoas relacionadas, a falsa convicção de que se as trabalhadoras não recebiam salários tal se devia à ação do ofendido BB, criando, nestas pessoas grande animosidade para consigo. v) 61. Acresce que durante este período o ofendido BB foi proibido pelo arguido AA de entrar no recinto escolar, local onde tinha a sua filha a frequentar a escola e não podia, como pai, ter acesso à mesma. x) 62. Com as condutas supra descritas, o arguido agiu com o objetivo de provocar intencionalmente no BB o seu descontrolo e humilhá-lo perante outros colaboradores dos Institutos e na presença de outros jesuítas, os Padres JJ e KK. Apenso B z) 66. Na reunião de 30 de janeiro de 2020, pelas 12h, o arguido AA disse que o BB e o P. KK tiveram de corrigir as suas quotas de forma ilegal e que se recusaram mostrar as contas ao conselho fiscal e que algumas mães (identificando-as pelo nome) foram testemunhar ao tribunal de trabalho e foram fazer “figuras tristes”, não sendo pessoas sérias. aa) 67. A dada altura, o arguido apontou diretamente o dedo indicador para as ofendidas CC e DD. bb) 71. No dia 14 de julho de 2020, pelas 15h25, a ofendida CC encontrava-se na sua sala com as crianças quando é convocada para uma reunião muito urgente, às 15h30 com o arguido AA, cujo assunto seria sobre as actividades do próximo ano letivo. cc) 73. Na reunião do dia 14 de julho de 2020, pelas 15h25, o arguido anunciou o aviso de medidas disciplinares e despedimento, aclamando sempre para a ofendida CC pedir desculpa, fazendo referência diversas e variadas vezes ao código de trabalho e as medidas disciplinares dizendo “repreensão verbal até a um despedimento com justa causa.” dd) 74. O arguido AA, em monólogo em tom grave e sério, dirigia-se a CC para que esta lhe dissesse porque que assinou a referida carta, que “meteu a pata na poça” e que tinha que pedir desculpa pois “aquilo não ia ficar assim”, terminando sempre com as insinuações do código de trabalho e as medidas disciplinares que podia aplicar. ee) 75. No dia que se encontrava na sua sala com as crianças é chamada por XX para uma reunião às 16h, com o arguido AA, no gabinete da direção, num assunto relacionado com o próximo ano letivo. ff) 76. e 77. Na reunião que a ofendida DD teve com o arguido e XX no dia 14 de julho de 2020, pelas 15h15, o arguido AA anunciou o aviso de medidas disciplinar e despedimento, aclamando sempre para que a ofendida DD viesse pedir desculpa com o seu dono legítimo, dizendo expressamente “tem que pedir desculpa” para com o seu “dono legítimo” e “quando os donos vêm tomar conta do que é seu, ninguém vai impedir”. gg) 78. O arguido AA não ficou por aqui e continuou o seu monólogo virando-se para a ofendida DD dizendo que podia usar aquela carta para a mandar para tribunal e que seria obrigada a falar. E as pessoas podem meter a pata na poça mas estão a tempo de pedir desculpa e que o assunto ia ser abordado novamente pois “há um elefante no meio da sala e que tinham de falar sobre ele”. hh) 79. Durante meia-hora, o arguido AA não parou de falar e de mencionar sempre as medidas disciplinares e aviso de despedimento (fazendo sempre referência ao despedimento de BB, “um despedimento que fez com justa causa”), sempre associando à carta que tinha na mão ao pedido de desculpa forçando a ofendida DD a pedir desculpa, sob pena de ter muitos problemas se o não fizesse. ii) 80. No final do seu discurso, o arguido mandou a ofendida DD sair dizendo: “ Só haverá paz e vou continuar até reconhecer os seus erros.” kk) 82. O arguido AA inicia a reunião dizendo que “Jesus diz que a verdade liberta. A mentira tem patas curtas. A gente mais cedo ou mais tarde vem a saber. O pecado esconde-se sempre”. ll) 83. Depois, no meio do seu monólogo, dirigindo-se para as ofendidas DD e CC, em tom agressivo disse: “não concordo e não me faça acreditar que não percebe o que eu estou a dizer porque somos todos adultos e não podemos brincar às carochinhas. Todos temos mães, e espero que as vossas mães tenham ensinado coisas éticas diferentes do que se passa aqui”. mm) 84. “O Padre KK, anterior director geral e presidente da Direcção ... era um incapaz e que por isso fui colocado no colégio para pôr tudo em ordem a mando do provincial” para de seguida, continuando com o clima de medo e ameaça laboral, ironizou e fez troça da situação do ofendido BB, dizendo em tom alto: “O Dr. BB foi despedido de muitas entidades e não vai receber nada e foi despedimento com justa causa e por isso nem sequer recebe sequer subsídio de desemprego, é assim!” nn) 85. Mantendo o seu monólogo, referiu que alguém das pessoas presentes tinha escrita para Segurança Social e para a ACT que tinha pensado reunir toda a gente e “obrigar a dizer quem foi que escreveu para estas entidades” pois, e olhando diretamente para a ofendida CC, disse “o processo de paz da ETA da Espanha, no Pais Basco, depois na Irlanda, África do Sul, têm várias fazes e que têm que pedir desculpa. Não há outra hipótese”. oo) 86. De seguida, e olhando para a ofendida DD, o arguido disso em tom agressivo: “Humilhação e humildades tem a mesma origem, faz parte do perdão e do erro, porque o pedido de perdão liberta quem faz mal. E agora como é que a gente vai resolver isto? Enquanto não falamos disto a gente não vai resolver.” pp) 87. Continuou o seu monologo disruptivo e agressivo dizendo: “olhem, a gente fala nisto para outras núpcias, e para aqueles que dizem que não têm outra hipótese porque têm que aceitar o patrão porque tenho filhos em casa, e etc, e tenho de ganhar dinheiro. Não se compreende isto e que isto não é verdade, pois as pessoas podem sempre despedir-se dos seus empregos, aceitar as consequências e, se precisarem até podem ir depois pedir dinheiro emprestado.” qq) 88. Continuando na sua senda agressiva, disse ainda que “quem quiser estar no barco e todas as pessoas que estão aqui e quem quiser estar no barco é bem-vindo, tem é que reconhecer o mal feito, pedir desculpa e alinhar. As pessoas aqui não estão a fazer um favor à instituição. Quando achar que está a fazer um favor à Instituição avise, porque há muito gente que quer o seu lugar”. rr) 89. E logo de seguida, o arguido AA vira-se diretamente para a ofendida CC dizendo “Na altura, CC, que a gente teve aqui a reunião há um ano, e depois não vim atrás da pista, mas deu-me conta. Eu fiz aqui uma piada qualquer sobre as crianças lá em cima na secretaria e a piada chegou lá a cima. E eu tenho vontade de vos juntar a todas e perguntar quem é… o que nos falamos aqui, é para ficar aqui, mas sou eu, que mando.” ss) 90. Ao longo do seu longo monólogo o arguido AA fez sempre menção de que é o Chefe e que “todos têm que alinhar e de obedecer”, proibindo todos os presentes de comentar o que se passava na reunião com terceiros e proibindo-os de falar por qualquer meio com UU, BB e AAA, apelidando-os de inimigos e acusando-os de mentirosos, pois “o código de trabalho tem várias medidas, repreensão oral, escrita, processos disciplinares e processo disciplinar para despedimento. Outra coisa para pensarem: as coisas no campo laboral no campo laboral serão tratados. Ou seja no limite é, a pena mais grave, é o despedimento ok? Mas se quiserem depois impugnem no tribunal que eu tenho advogados a tratar disso. tt) 91. O arguido AA terminou o seu longo discurso dizendo: “quem se mantiver nesta linha e não pedir desculpa, vai cair e não é que eu seja vingativo, isto não é uma ameaça, mas é uma leitura do que vai acontecer, mais cedo ou mais tarde, cai. O caso do BB por despedimento por justa causa que não dá direito a subsídio de desemprego, volto a repetir.” uu) 92. O arguido AA pretendeu e consegui, atemorizar as ofendidas CC e DD, causando-lhe medo, inquietação e restrições na sua liberdade de determinação, ao revelar que sabia que tinham assinado uma denúncia contra si, humilhandoas à frente de todos os seus colegas e acenando com represálias disciplinares e despedimento com justa causa. Apenso C vv) 97. Na reunião geral com educadores docentes, em março 2019, o arguido disse as palavras dadas como indiciadas de forma a intimidar a ofendida EE. xx) 103. Quando as ofendidas GG e EE entraram na dita reunião, o arguido AA disse: "isto é muito bonito receber as crianças e as famílias, mas tem que obedecer às ordens os nossos postos de trabalho estavam em causa". zz) 106. Numa das reuniões semanais o arguido AA disse "que a seu tempo falaria com a depoente” e que “as pessoas estavam a viver o síndrome de estocolmo". aaa) 108. Após a conversa dada como indicada no ponto 107, a ofendida EE sentiu-se humilhada, revoltada. bbb) 109. O arguido AA disse à ofendida EE “o seu histórico dá direito a despedimento, a escola não é do Dr. BB nem é do Padre KK". ccc) 110. A partir de Junho de 2019, o arguido AA determinou que todos os contactos entre todos os trabalhadores passavam por si, bem como todas as marcações de reuniões de acompanhamento, quer requisições. ddd) 115. Deixando-a nervosa e ansiosa com a sua presença. eee) 122. No dia 07 de Abril 2020 a equipa pedagógica, como é habitual, reuniu e o arguido AA volta a falar do “elefante que está no meio da mesa” e dirige-se à ofendida EE e à colega GG, de uma forma agressiva, questionando a nossa dignidade e o nosso futuro na .... fff) 131. Logo no início da manhã, a ofendida EE encontrou a diretora pedagógica e conversaram sobre o seu regresso e à qual a ofendida EE pediu que a informasse sobre alguma medida que pudesse não estar inteirada devido ao covid, a qual respondeu, de forma tranquila, que, entretanto, falaria consigo. ggg) 134. Em Junho de 2020, numa situação pandémica, pós confinamento recebeu quatro crianças novas na sala, o que não é uma situação comum. A entrada de uma criança, cuja família tinha celeridade no processo, foi motivo para mais uma vez, o arguido AA, exercer a sua autoridade sobre a ofendida EE uma vez que mandou uma mensagem de correio eletrónico, que esta não viu de imediato e não respondeu com a celeridade que o arguido AA exigia. hhh) 135. Insatisfeito com a pouca celeridade da ofendida EE, o arguido AA enviou-lhe nova mensagem, com conhecimento da diretora pedagógica e do gabinete social, dizendo que não estava estava agir corretamente e a “não dar uma imagem cuidada da escola”. iii) 141. Ainda em julho de 2020, numa reunião de educadoras, de avaliação de final de ano, o arguido AA falou em pessoas pertencem ao “grupo negro” e que “vão cair”, poderá existir processos disciplinares. jjj) 143. Com todas estas situações, a ofendida EE sentiu-se perseguida, observada, com medo e a sua honra e pessoa posta em causa. kkk) 144. O arguido AA pretendeu e conseguiu atemorizar a ofendida EE causando-lhe medo, inquietação e restrições na sua liberdade de determinação, humilhando-a à frente de todos os seus colegas e acenando com represálias disciplinares e despedimento com justa causa. Apenso D lll) 146. O arguido AA bem sabia que nessa data, 16-1-2019, ainda não tinha sido nomeado como director-geral. mmm) 161. O arguido retirou o acesso a todas as credenciais do ofendido FF, impedindo-o, desde 26 de Fevereiro de 2019, enquanto Tesoureiro de proceder ao pagamento dos salários, apenas as recebendo mais tarde. nnn) 163. A 17 de Janeiro de 2020., JJJ convidou HHH a sair das instalações por ordem do arguido AA. ooo) 167. O arguido AA terminou a conversa com o ofendido FF chamando a atenção, quer verbalmente quer por escrito, para as medidas disciplinares existentes (repreensão escrita até despedimento por justa causa), invocando os artigos legais do Código de Trabalho. ppp) 168. O arguido AA pretendeu e conseguir inquietar e intimidar o ofendido FF causando-lhe medo, inquietação e restrições na sua liberdade de determinação, ao revelar que sabia que tinham assinado uma denúncia contra si, humilhando à frente de todos os seus colegas e acenando com represálias disciplinares e despedimento com justa causa. Apenso E qqq) 170. No dia 1 de julho de 2020 foi abordada pelo arguido AA que a intimou para uma reunião dali a 30 minutos sem lhe indicar qual o assunto sobre que versaria a mesma rrr) 171. A reunião e começou com o arguido AA a questiona-la sobre se tinha assinado um abaixo-assinado que tinha na mão sss) 172. Em seguida e para amedrontar a ofendida GG disse-lhe que “uma juíza lhe deu razão, que se ler o documento do tribunal pode verificar, quem perde paga as custas do tribunal”. ttt) 173. No decurso da reunião, o arguido insistia com a ofendida GG questionando-a do porquê de ter assinado tal documento, dizendo “as pessoas erram e podem meter a pata na poça”. uuu) 174. A conversação continuou e o arguido AA questionou GG se sabia que o jesuíta Padre PP havia sido afastado do Colégio porque não agia da forma correta, questionando-a sobre se tinha estado em encontros ou reuniões com a Dra. UU, sempre a questiona-a sobre se a ofendida fosse o Padre AA e tivesse naquela posição e tivesse lido aquele abaixo assinado, pressionando-a para dar mais dados sobre a elaboração do mesmo, designadamente se tinha sido forçada a assina-lo. vvv) 175. Como a ofendida GG nada disse, o arguido AA voltava a perguntar e a insistir no assunto, dizendo “devemos falar do tal elefante”. xxx) 176. O arguido insistiu novamente com ofendida GG para que esta justificasse o ter assinado o documento, referindo, inclusive que houve gente que pediu desculpas e que seguiu o seu caminho e que para haver reconciliação, tem que haver desculpas. zzz) 178. No dia 7 de abril de 2021, o arguido AA numa reunião pedagógica da equipa educativa, e sem que nada o fizesse prever disse que tinha que falar do elefante que estava na sala e que tinha pena de não ver as caras de jesus, referindo-se a as ofendidas EE e a GG. aaaa) 179. No decurso da reunião, voltou a dirigir-se a ofendida EE dizendo “isto não vai acabar bem. Este processo não vai acabar bem”, terminado dizendo “tenho pena. Estão sempre a tempo de alinhar. Se não estão alinhadas…”, “estão a encontrar um lugar para sair daqui para fora, é isso? e pronto, isto vai acabar mal, se não der a volta, isto vai acabar mal, é só isto”. bbbb) 180. Desde então, a ofendida GG tem andado com medo, receio, coartada na sua liberdade de auto-determinação, sendo colocada de lado em situações laborais, agindo o arguido com o intuito de ter fundamento para a despedirem ou esta se despedir por não aguentar a pressão. cccc) 181. O arguido AA pretendeu e conseguiu, atemorizar a ofendida GG causando-lhe medo, inquietação e restrições na sua liberdade de determinação, ao revelar que sabia que tinham assinado uma denúncia contra si, humilhando-as à frente de todos os seus colegas e acenando com represálias disciplinares e despedimento com justa causa.
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dddd) 182. O arguido AA ao dirigir-se aos ofendidos, no tom agressivo e grave, de forma constante e intimidatória, anunciando constantemente medidas disciplinares de despedimento com justa causa, agiu com o propósito concretizado de anunciar um mal sobre a vida pessoal e laboral dos ofendidos, sempre de forma adequada a provocar-lhes medo, insegurança, inquietação, e a prejudicar-lhes a liberdade de determinação, bem sabendo igualmente que a sua conduta era adequada a causar tal resultado, não se abstendo de agir do modo descrito. eeee) 183. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, assumindo sempre uma postura de agressão laboral e completo controlo sobre a actividade profissional dos ofendidos, perturbando-os a todas as horas dentro e fora do horário laboral, dando ordens constantes, exigindo respostas imediatas sobre assuntos que extravasavam as suas funções, desse modo, atingir na saúde física, psíquica e dignidade pessoal dos ofendidos, o que conseguiu. ffff) 184. O arguido actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei.
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Motivação O tribunal baseou a sua convicção na análise crítica e conjugada, à luz das regras da experiência, de toda a prova constante dos autos, recolhida em sede de inquérito e instrução. No que respeita aos factos indiciados, considerou-se que os factos 1 a 3, 63, 93, 145 e 169 não foram propriamente postos em causa em sede de instrução, sendo confirmados pelos depoimentos e documentos constantes dos autos (veja-se, em especial, o documento de fls. 39, sobre a nomeação do arguido). Resultou ainda indiciada a matéria factual que se encontra reflectida nos documentos juntos aos autos, como é o caso dos pontos 7 (acta de fls. 118 e segs.), 10 (print a fls. 123), 11 a 13 (e-mail de fls. 126 e 127), 16 a18 (carta de fls. 132 e segs.), 23 e 23 a) (e-mails de fls. 151 a 154), 27 (print de fls. 173), 28 (e-mails a fls. 175 a 180), 29 a 31 (e-mail a fls. 176 e seg.), 32 (e-mails de fls. 178 e segs., e 199), 33 e 34 (e-mail de fls. 200), 38 (e-mail de fls. 205), 42 (e-mail de fls. 208), 44 (e-mail de fls. 211), 45 (e-mail de fls. 212), 48 (e-mail de fls. 217), 49 (e-mail de fls. 218), 51 (e-mail de fls. 224), 52 a 56 (e-mail de fls. 226 e 227), 65 (acta de fls. 1765), 120 e 121 (e-mail de fls. 5 do apenso C), 123 (e-mail a fls. 6 do apenso C), 124 a 127 (e-mail a fls. 7 do apenso C), 128 e 129 (e-mails de fls. 10 e 11 do apenso C), 133 (e-mail de fls. 1769), 161 (e-mails constantes do “anexo 8” do 2º volume do apenso D - “Anexo do Inquérito ... Dossier entregue pelo ofendido”). No que concerne aos factos dos pontos 35 a 37, 39 e 40, tiveram-se em consideração, de forma conjugada, o “Memorando” de fls. 1762 a 1764 e as declarações do arguido e de TT (mencionada na própria factualidade e que, como dela resulta, esteve presente na reunião e nos factos do dia 04/01/2019, sendo secretária da direcção do Colégio ... desde 2003), que se mostraram circunstanciadas e coerentes entre si, tendo aquela última referido que o arguido lhe pediu para fazer o memorando da reunião, aludindo às questões que este pôs ao assistente BB, confirmando o que consta de tais pontos, mais afirmando que, no final, fizeram-se correcções ao memorando e pediu para assinarem no dia seguinte, para ainda fazer correcções de frases. Aqui chegados, e antes de mais, importa referir que as declarações do arguido, ao longo do extenso período de tempo em que foi inquirido em sede de instrução, soaram sinceras, fundamentadas e coerentes, não se vislumbrando nelas contradições ou inconsistências. Além disso, as mesmas não são, de forma alguma, contrariadas pelas mensagens de correio electrónico, SMS (juntas por print) e demais documentos que supra mencionamos (que, pensamos, antes lhes dão sustentação, pelo seu conteúdo, tom e forma), encontrando respaldo, ainda, na prova testemunhal produzida em sede de instrução, a que abaixo mais extensamente nos referiremos. Tudo conjugado, apenas podemos concluir que as declarações do arguido merecem credibilidade, e daí que a indiciação de vários factos resulte (ainda que não só) de por ele terem resultado admitidos, e na medida em que o foram, sendo que, quanto à factualidade ora em apreço, deu-se como indiciada a matéria que resulta confirmada de tais declarações e da aludida TT, a que abaixo novamente nos referiremos. De notar, ainda, e desde já, que também o depoimento da testemunha TT soou absolutamente sincero e fundamentado, explicando que tinha profunda admiração e estima pelo assistente BB, e só não pôde ficar ao lado dele quando percebeu que ele não estava a ser correcto, o caminho dele não era de verdade, transparência e honestidade. Esclareceu ainda que o assistente BB deixou de confiar em si porque percebeu que não ia alinhar na resistência que estava a fazer ao arguido, de quem a testemunha disse ser um homem sozinho, a quem todas as portas eram fechadas (mais uma vez, em concordância com as declarações do mesmo). Aliás, ainda sobre a aludida reunião, e para melhor retratar o que verdadeiramente se passou, aquela, em consonância com as declarações do arguido, referiu que o mesmo, durante a reunião, perguntou várias vezes se queriam uma pausa, se queriam ir à casa de banho, sendo o tom da reunião absolutamente educado e cordial, com pedidos contextualizados, e, embora se sentisse que o ambiente era constrangedor (face à própria temática da mesma e a tudo o que a antecedia, tal é compreensível – veja-se, a título de exemplo, o teor da acta de fls. 118 e segs. e e-mail subsequente de fls. 126 e seg., bem como a carta, subscrita também pelo assistente BB, de fls. 132 e segs., que retratam bem a tensão nas relações entre este e o arguido), não era um ambiente hostil. Mais referiu, sobre os factos do dia 04/01/2019, que a situação era tensa, e que o arguido esclareceu que era o superior hierárquico, pensa que em relação a todos os presentes, porque a situação requeria assertividade. Por último, temos de sublinhar ter afirmado que o arguido pedia ao assistente BB colaboração, dizia que sabia que ele tinha a filha no colégio e pretendia saber como podiam reunir sem afectar a sua vida pessoal. Ou seja, a antítese de todo o tom que perpassa pelos factos imputados ao arguido, designadamente os que resultam (quase ipsis verbis) do teor da queixa (fls. 2 e segs.) apresentada pelo assistente. Quanto aos factos dos pontos 46 e 50, baseou-se o tribunal nas declarações do arguido, que os admitiu, explicando que a actuação descrita no ponto 50 se deveu ao facto de o assistente não responder aos e-mails que lhe tinham enviado. Já quanto à matéria dos pontos 64, 65 e 68, resultou a mesma indiciada com base nas declarações do arguido, da testemunha LLL (que esteve também presente na reunião em causa, sendo assistente educativa da ...), da acta de fls. 1765 e, naquilo que com tais elementos se coadunam, dos depoimentos das assistentes CC (fls. 1282) e DD (fls. 1466, confirmando, essencialmente, o teor da queixa apresentada). O arguido admitiu também que poderá dito (e tê-lo-á dito em tom humorístico, como é compreensível pela descrição da situação em causa) o que consta do ponto 70 e a existência da reunião a que alude o ponto 81, matéria também mencionada pelas assistentes CC e DD nos seus depoimentos, assim dada como indiciada. A matéria dos pontos 71 e 75 resultou indiciada com base nas declarações do arguido e da testemunha XX (que esteve também presente nas reuniões em causa, sendo directora pedagógica do pré-escolar no Colégio ...) – que confirmaram a existência das reuniões e o tema em questão –, e, naquilo que com tais elementos se coadunam, nos depoimentos, já referidos, das assistentes CC e DD. No que respeita à factualidade dos pontos 97 a 100, 107 e 109, resultou a mesma da consideração do depoimento da assistente EE (fls. 1286, 1287), não sendo a mesma negada pelo arguido, que afirmou que, efectivamente, quem mandava era o WW (pois era o presidente da comissão de gestão) e que a assistente não colaborava dando informação à comissão de gestão, tendo ainda admitido a matéria dada como indiciada nos pontos 105 e 106. Relativamente aos factos dos pontos 111 a 119, considerou-se que, não tendo sido negados pelo arguido, são relatados no depoimento da assistente EE (fls. 1290, 1291). Quanto aos factos dos pontos 130 e 132, mais uma vez se considerou o depoimento de EE, na medida em que corresponde ao declarado pelo arguido em sede de instrução, tendo explicado que se estava em época de pós-confinamento, pelo que, ao regressar ao trabalho, a assistente deveria ter falado consigo ou com a XX, para saber se havia procedimentos novos ligados à Covid-19, já que estavam a receber indicações da DGS, que mudavam com frequência. No que concerne aos factos 145 a 160, baseou-se o tribunal, para a sua indiciação, no “anexo 3” do 2º volume do apenso D (“Anexo do Inquérito ... Dossier entregue pelo ofendido”), conjugado com o depoimento de fls. 10 e 11 do apenso D, não negando o arguido a existência do diálogo, nem das solicitações, dados como indiciados, confirmando ter enviado as solicitações por escrito, ter acompanhado o assistente FF e ter-se mantido ao seu lado enquanto ele escrevia as informações pedidas. Em relação aos factos indiciados sob os pontos 162 a 167, considerou-se que o arguido e a testemunha JJJ (ouvido em sede de instrução), aludindo ao incidente, não põem em causa tal factualidade, relevando ainda os e-mails de fls. 23 e 25 do apenso D (sendo de notar que, em resposta a alerta para manter JJJ em CC, que lhe teria escapado, o assistente FF responde a dizer que tal foi mesmo lapso da sua parte, em nada se mostrando incomodado com o assunto) e os que constam do “anexo 14” do 2º volume do apenso D (“Anexo do Inquérito ... Dossier entregue pelo ofendido”). Por último, quanto ao ponto, 170, a matéria indiciada resultou, na ausência de depoimento da assistente GG, das declarações que o arguido prestou em sede de instrução, apenas se dando como indiciado aquilo que, com alguma segurança, delas se retira. Aqui chegados, cumpre esclarecer que a consideração conjugada de toda a prova produzida nos autos levou a que o tribunal concluísse, com segurança, que a forma como os assistentes se referiram (confirmando as queixas apresentadas, no caso dos assistentes BB, FF e DD, pois que pouco mais do que isso se retira dos seus autos de inquirição; nas queixas apresentadas, no caso da assistente GG, que não foi sequer inquirida; nos seus depoimentos, no caso das assistentes EE e CC) ao arguido AA denota uma visão da actuação do mesmo, enquanto Director Geral do Colégio ..., antes de o ser e quando passou a ser Director Adjunto, que não coincide com a que resulta da demais prova produzida nos autos, mostrando-se parcial e subjectiva, reflectindo óbvia hostilidade e intolerância para com a sua forma de exercer as funções de que tinha sido incumbido, o que lhes retira, obviamente, a necessária credibilidade. Assim, não pôde o tribunal considerar indiciados, apenas com base no que os assistentes “afirmaram” no inquérito (pela forma que referimos supra, no que respeita aos assistentes BB, FF, DD e GG, e nos depoimentos mais extensamente prestados, também já supra aludidos, no que se refere às assistentes CC e EE), a factualidade imputada ao arguido, e designadamente as expressões (frases inteiras relatadas em discurso directo e feitas constar entre aspas, mesmo referindo-se a factos ocorridos há períodos de tempo mais ou menos longos) imputadas, apenas quedando indiciado, a tal respeito, aquilo que, não estando plasmado em qualquer documento, nas declarações daquele (cuja credibilidade já justificamos, mas a que ainda voltaremos) e de testemunhas ouvidas em sede de instrução encontrou respaldo (e daí a não indiciação da matéria que extravasa o que, como supra apontamos, teve nesses elementos de prova sustentação). Assim, foi patente que o arguido, em sede de instrução não se revendo em grande parte das expressões que lhe vinham imputadas (mais uma vez, repita-se, apenas pelos assistentes, não tendo sido ouvidas no inquérito quaisquer testemunhas que tenham presenciado as reuniões a que os factos dos autos se referem), admitiu ter confrontado em várias ocasiões as pessoas que (como as assistentes CC, EE, GG e DD – veja-se, designadamente, o teor de fls. 149) tinham assinado cartas com acusações relativas à a sua actuação no Colégio .... Porém, admitiu tal confrontação, e a alusão à expressão do “elefante”, explicando que entendia haver algo a esclarecer com tais pessoas, mas pela positiva, num esforço de clarificação para seguir em frente, de levar as pessoas a “fazer caminho”. E as testemunhas – presentes em reuniões com os vários assistentes, como resulta do já exposto – ouvidas em sede instrução corroboraram, de forma circunstanciada e coerente, a postura que o arguido disse ser a sua. Com efeito, a testemunha XX (já supra mencionada), ouvida sobre as reuniões com as assistentes CC e DD, explicou que as mesmas se destinavam a saber as razões do que se passava e seguir em frente, num novo caminho, dizendo que o arguido era transparente e frontal, contextualizava a reunião e pretendia comunicar, dar oportunidade para as pessoas se pronunciarem, entendendo não haver razões de queixa dele por perseguição ou autoritarismo. Também a já referida LLL (assistente educativa na ... desde Outubro de 2018) afirmou que teve reuniões com o arguido e as auxiliares, dizendo que o mesmo era transparente, sempre as pondo a par de tudo, falando abertamente, num tom explicativo, nunca tendo sido agressivo ou ríspido. Além disso, referiu que o arguido perguntou mesmo qual o caminho para reestruturar a ..., quais as mudanças para seguir num bom caminho. Aliás, a acta de fls. 1765 (referente à reunião de 30 de Janeiro de 2020) reflecte isso mesmo, e não, de forma alguma, os factos que ao arguido eram imputados (com base no que foi veiculado pelas assistentes DD e CC, que, diga-se, assinaram a acta) a tal respeito e que foram dados como não indiciados. TT, por sua vez, e como já vimos, sobre a reunião do arguido com o assistente BB, referiu que a mesma foi absolutamente educada e cordial, os pedidos feitos ao último eram contextualizados, querendo o arguido inteirar-se sobre os assuntos do Colégio, e o assistente ia respondendo. Mais afirmou que o arguido nunca desrespeitou ninguém durante a reunião, sendo que, como também já vimos, sobre o episódio de 4/1/2019, em que o arguido invocou a sua autoridade de superior hierárquico, afirmou que a situação requeria assertividade. A este respeito, EEE (director pedagógico das oficinas, tendo entrado no Colégio ... em 1987, onde esteve até 1993, voltou em 2003 e continua até hoje) afirmou que não teve qualquer dificuldade com o arguido, dizendo que ele tinha uma forma clara e assertiva na identificação e resolução dos assuntos, forma de trabalhar que não terá caído bem no assistente BB. Veja-se, além do que vimos de expor, que a prova recolhida indicada na acusação em sustentação da “tese” dos assistentes, plasmada nos factos ali imputados e agora dados, em grande parte, como não indiciados, é exígua e inconsistente. Assim, para além de documentos relativos a nomeações e Estatutos, cuja fidedignidade não está em causa e servem apenas para enquadrar a actuação do arguido, são indicadas várias mensagens de correio electrónico (vulgo, e-mails), não sendo posto em causa o seu teor, como tal tendo resultado o mesmo indiciado, nos termos já supra expostos. No entanto, sobre os mesmos importará tecer algumas considerações, pois que deles se retira, a nosso ver, não a visão da actuação do arguido dada pela “tese” dos assistentes e que a acusação reflecte, mas uma bem diferente, ao que se chega pela devida contextualização de tais mensagens, e bem assim pela consideração do seu teor de forma mais completa (tal como se verteu, em algumas situações, nos factos indiciados). Assim, no que respeita às mensagens de correio eletrónico enviadas pelo arguido ao assistente BB, podemos ver, desde logo, o tom cordial daquele nas que constam a fls. 115 a 117. A fls. 151 a 154, podemos ver, lendo os e-mails trocados pelo arguido com o assistente BB sobre o problema com o telefone do primeiro, que o mesmo justifica o porquê de fazer o pedido àquele (“seguindo a indicação recebida do P. KK, de tratar contigo das coisas praticas”), fazendo-o num tom cordial e dizendo que se o assistente ainda não falou com a pessoa que poderá tratar do problema, ele mesmo falará. É evidente, a nosso ver, que desta troca de e-mails não decorre qualquer amesquinhamento ou desvalorização do assistente, assim de dando como não indiciado o facto da al. e). No que respeita ao facto da al. g), decorre do teor das mensagens que constam do print de fls. 169 que a mensagem enviada para o telemóvel de BB, dizendo “se for preciso envio para o teu mail pessoal”, deveu-se, não ao facto de este não haver respondido ao correio eletrónico recebido dois minutos antes, mas ao facto de o arguido ter recebido indicação do mail institucional do assistente de que o mesmo já estaria ausente. Relativamente ao facto da al. h), não se percebe de onde se extrai que o arguido sabia do “estado de doença do ofendido”, pois que não se vislumbra que este o tenha manifestado, nem até então se vislumbra que tenha estado de baixa médica (esteve, mas posteriormente, com data de início de 07/01/2019 – cfr. certificado de fls. 210), sendo certo que ao e-mail do arguido o assistente respondeu, extensamente, a 1 de Janeiro (dia feriado), e às 23h16; quanto ao propósito de exercer pressão psicológica e moral sobre o assistente e de o desestabilizar, não se vê também de onde se extrai a indiciação do mesmo: o arguido dirige solicitações compreensíveis, fá-lo de forma urbana e aberta, pede colaboração ao assistente, não se vendo como às solicitações do arguido possa ser assacado tal propósito. Veja-se que o assistente inicia mesmo a resposta à solicitação de manutenção do arguido em Cc, nos e-mails em que estiver em Cc, com a expressão “Embora o P. AA o diga com bons propósitos (…)”. Quanto à matéria da al. i), decorre do e-mail de fls. 200 que o mesmo é enviado apenas a “BB ...”, sem qualquer conhecimento a terceiros, sendo que, estando em causa assuntos do Colégio, tratados pelo arguido, que era o seu Director Geral, não vemos como possa concluir-se que tal mensagem de correio eletrónico possa ter sido enviada para rebaixar um outro funcionário da instituição perante a mesma, desqualificá-lo, apoucá-lo ou tratá-lo como um mero serviçal (e veja-se que o arguido, como vimos supra, já antes havia justificado perante o assistente o tratamento de determinadas matérias com o mesmo). Já no que concerne às matérias das als. k), l), n) e p), pensamos ser evidente, à luz das mais elementares regras da experiência relativas à utilização de dispositivos informáticos (incluindo telemóveis com tecnologia que os tornam aptos a enviar e receber e-mails), que o envio de mensagens de correio electrónico não é apto a perturbar o descanso ou acordar quem quer que seja, a não ser que o destinatário da mensagem o queira. E como pode o assistente pretender que se tenha do envio de tal tipo de mensagens a ideia de que poderão perturbar o descanso de quem quer que seja, quando o mesmo também as enviou às 00h14 a EEE (fls. 1758) – este, aliás, afirmou em sede de instrução que o assistente BB mandava e-mails fora do horário de trabalho, à noite por exemplo, de forma relativamente frequente, sendo normal mandarem e-mails fora de horário de trabalho –, sendo certo que, como vimos, respondeu a e-mail do arguido às 23h16 de um dia feriado? No que respeita à matéria da al. o), verifica-se que, tendo o arguido afirmado desconhecer que o assistente estava de baixa (pois que este nada informou e no Colégio não lhe sabiam dizer se ele estava de baixa), também a testemunha TT referiu que aquele não lhe comunicou ter entrado de baixa, sendo que o arguido lhe perguntou por ele e só sabia que o mesmo não estava pela ausência, mas não sabia se estava de baixa, ele desapareceu e não sabia porquê. Aliás, a mensagem constante do print de fls. 212 traduz isso mesmo, pois o arguido diz ao assistente BB que não sabe onde ele anda ao não vir ao local de trabalho desde 4 de Janeiro, nem sabe se ele está de baixa e quanto tempo vai estar, nem quem o está a substituir nas coisas que estão em atraso. O mesmo acontece nos e-mails enviados 11 e 14 de Janeiro de 2020 (fls. 214, in fine, e 215), sendo que o assistente apenas responde, e sente necessidade de enviar documento médico para comprovar o seu estado de doença, a 16 de Janeiro (fls. 214), sendo patente o tom hostil com que se dirige ao arguido, terminando a dizer-lhe que “não precisa de se preocupar pois, neste momento, tudo o que é decisivo e realmente importante nas áreas administrativa e financeira das várias entidades está devidamente acautelado e assim continuará, contanto que me seja permitido fazer o meu trabalho”. Torna-se assim evidente que o assistente não pretendia “dar contas” ao arguido do que era “realmente importante” (no seu entender) nas aludidas áreas, apesar de este ser, há menos de um mês, o Director Geral do Colégio ... (e por isso seu superior hierárquico, ao que abaixo voltaremos), naturalmente pretendendo inteirar-se dos assuntos relevantes da instituição. Quanto à matéria da al. q), negada peremptoriamente pelo arguido (que esclareceu não ser o superior da comunidade, não tendo qualquer poder para proibir, nem proibiu), constata-se que os padres em causa não foram ouvidos, não sendo indicadas testemunhas, na acusação, com conhecimento dos factos em causa. E, a ter acontecido o que ali é descrito, quem poderia saber as razões do Padre WW senão o próprio? De forma semelhante se concluiu pela não indiciação da matéria das als. s) a u), negada pelo arguido e em relação à qual não há prova testemunhal (ou outra) que possa sustentar, de forma cabal, o que quer que seja. Relativamente à matéria da al. v), também negada pelo arguido, que remeteu para os textos relativos à comunicação da suspensão ao assistente (e esclareceu que o assistente não podia entrar onde exercia funções em relação às quais estava suspenso), verifica-se que naqueles (atinentes a cada instituição escolar onde o assistente exercia funções – cfr. fls. 232 e segs.), consta apenas que “não deve V. Exa. aceder às instalações institucionais, nem praticar qualquer acto de cariz funcional.” E, não tendo sido aquele suspenso na Artave, viu-o o arguido nas instalações da mesma. A não indiciação da matéria da al. x), mostrando-se já fundamentada no que vimos de expor, é frontalmente contrariada pelo teor das mensagens de correio electrónico e SMS enviados pelo arguido, e pelas respostas às mesmas dadas pelo assistente, a que supra já aludimos, e bem assim pelos depoimentos, também já analisados, das testemunhas ouvidas em sede de instrução, acrescentando-se apenas uma ou duas notas. Assim, caracterizando a atitude geral do assistente BB, no sentido de não responder às solicitações do arguido e do Padre MM (mais exactamente LL, que em 2018/2019 foi para as ..., inicialmente num cargo pastoral de ajuda e acompanhamento de alunos, sendo depois nomeado pelo arguido para vários cargos – cfr. fls. 40 e segs.), pode ver-se o e-mail de fls. 178 e segs., enviado pelo assistente, mas também a ausência de qualquer resposta, referida pelo arguido e pelo Padre MM, aos vários e-mails enviados; a 4 de Fevereiro (fls. 228), o assistente responde apenas sobre o assunto “salas do colégio”, começando logo por lembrar que o faz “apesar” do seu “fortíssimo condicionamento de disponibilidade de tempo em face das complexas e primordiais tarefas” que tem em mãos. E, segundo o primeiro, apenas por uma vez o assistente alegou estar ocupado com algo que em concreto não lhe permitia responder ao solicitado, referindo-se ao e-mail de fls. 231, onde o assistente alude à necessidade de cumprimento de deveres de prestação de contas, como a apresentação, até 15 de Fevereiro, de pedidos de reembolso e saldos intermédios. Veja-se que, em resposta, o arguido e o Padre MM dizem ficar “então a aguardar o envio da documentação solicitada”, referindo mesmo que o assistente poderá “naturalmente pedir aos serviços da instituição que lhe prestem todo o apoio necessário”. Mais uma vez se tem de perguntar: onde se vislumbra a actuação provocatória, humilhante e rebaixadora do arguido a que se refere a acusação? Mas também as testemunhas ouvidas em sede de instrução foram claras e inequívocas na infirmação de tal tipo de actuação. Para além do já exposto acerca de vários dos factos em causa nos autos, e muito sinteticamente, HH (padre, foi superior provincial da Companhia de Jesus com competência para nomear Director Geral para o Colégio ..., tendo nomeado o arguido em 2018, substituindo o padre KK, que estava lá há 7 anos.), ouvido em sede de instrução, referiu que as resistências começaram antes de o arguido chegar, já a criticar a escolha do mesmo e a dizer que não era o momento de mudar o director-geral: veja-se que as críticas ao arguido ocorreram bem antes de ser efectivamente nomeado, quando apenas tentava inteirar-se dos assuntos do Colégio, como se depreende, desde logo, dos documentos de fls. 118 e segs. (de 4 de Outubro de 2018, quando o arguido tinha cerca de um mês de estadia no Colégio) e 132 e segs., de 2 de Novembro de 2018, subscrito pelo assistente BB, entre outras pessoas. Mais referiu tal testemunha que não lhe pareceram razoáveis as resistências, durante os 3 meses antes da tomada de posse, nem lhe parecia razoável que o futuro Director Geral não conseguisse obter informações, designadamente económicas e financeiras, para poder gerir o colégio, não compreendendo os motivos disso a não ser para que ele não assumisse as funções. E nomeou outro Director Geral porque a tensão era de tal nível que lhe pareceu que o melhor era distender o ambiente e encontrar outro Director Geral, passando o arguido a Director Adjunto. Mais afirmou que as queixas que lhe chegavam não eram objectivas, e que nos inquéritos internos os acusadores não se mostraram disponíveis para responder, não havendo base factual para retirar autoridade ao arguido e, por inerência, à Companhia de Jesus. E, de forma que nos parece compreensível, concluiu que, se fosse outro o Director Geral a fazer as perguntas que o arguido fez, o desfecho seria o mesmo Ou seja, como já compreendemos, a resistência era à chegada de um Director Geral que quisesse exercer realmente as suas funções, o que implicava, obviamente, inteirar-se de todos os assuntos do Colégio e impor a sua autoridade: como disse a testemunha, quem mandava no Colégio era o Director Geral. Tal é o que decorre, efectivamente, dos estatutos do Colégio ..., constantes de fls. 43 e segs.: veja-se o disposto pelos seus artigos 7º a 9º. Neste último estabelece-se que “A gestão administrativa e financeira do Colégio é exercida por um Administrador, nomeado pelo Director-geral, do qual depende hierarquicamente”. Perante isto, que sentido faz retirar, de qualquer frase alusiva à superioridade hierárquica do arguido, um qualquer intuito de humilhar ou rebaixar: o arguido apenas estaria a relembrar (porque a sua autoridade estava a ser contestada), mais do que o óbvio e evidente, o estatutariamente estabelecido. Também o padre LL referiu que o arguido ainda nem Director Geral era quando se iniciaram as queixas, que não correspondiam à sua percepção das coisas, caracterizando o arguido como trabalhador, workaholic, incisivo, podendo chocar com outras personalidades, por força de feitios e formas de trabalhar diferentes, mas nada do que via naquelas lhe parecia justo. Mais aludiu aos e-mails que também subscreveu, referindo que eram pedidos de coisas que precisavam de ter para a gestão da casa e que não tiveram resposta, sendo que a administração estava incrivelmente centralizada no assistente BB, nem uma cadeira se podia mudar sem autorização dele. E esclareceu que o assistente podia ter dito para falarem com outra pessoa, mas não disse. A testemunha, já aludida, EEE, afirmou também que não se identificava com o que estava a acontecer relativamente ao arguido, havendo pessoas com dificuldade na relação com ele. Aliás, no depoimento prestado no processo de averiguações (cfr. fls. 527 e segs.), tal testemunha criticou o estado de coisas do passado, afirmando que há anos que a direção se recusava a partilhar informação, sendo que a direcção administrativa sempre se opôs à existência de reuniões conjuntas de Direcção (fls. 615), aludindo ao controlo absoluto da organização pela Direcção, estando aquele concentrado em duas ou três pessoas, sendo que a administração “não admite ser questionada, ela e que sabe que informação quer e pode dar” (fls. 617 e 618). E, sobre aquilo que foi veiculado sobre a actuação do arguido – e que constatamos que passou para o texto da acusação –, diz em tal depoimento (de forma inteiramente coincidente com a leitura que o tribunal faz da mesma a partir da análise de toda a prova dos autos) que “Os comportamentos do Pe AA que tem sido amplamente criticados são a parte mais clara e evidente da lógica manipuladora da administração. O P AA se disser uma piada, a piada tem em sentido duplos, ou possíveis, isso é que é uma piada, a administração explora-a ao máximo nos múltiplos sentidos nas ações, atitudes, palavras, tentando ir buscar o lado negro dessas ações, atitudes e palavras. Estão a atacar uma pessoa a que podem recorrer, vão detetando sentidos na maneira de ser dele, e exploram-nos como uma âncora para afirmações mentirosas. Há muita mentira deliberadamente provocada, intencionalmente provocada, de situações que acontecem. São mentiras em parte, que partem de um facto que correu, uma expressão qualquer do Diretor Geral.” E perguntado sobre se o P. AA foi assediativo, humilhatório, vexatório e abusivo, respondeu ser tudo falso, “criado para obter o fim que se pretende alcançar”, sendo que “com outro clima e outras pessoas estaria tudo bem com o P AA. Eu penso assim eu posso não ter empatia com alguém mas há que distinguir o que é assédio do que é o modo diferente de funcionar”. Face ao que vimos de transcrever, pensamos não ter sido dada a devida importância ao processo de averiguações (e ao que dele consta em contrário à tese dos assistentes), apresentado pela acusação como prova. Neste ponto, e de forma a ilustrar como, efectivamente, decorre dos autos a manipulação (ou, pelo menos, a tentativa) de factos no sentido de ancorar afirmações, sem fundamento, que prejudicavam o arguido, veja-se o que resulta do depoimento, em sede de instrução, de MMM, professora de biologia e geologia no Colégio ... desde 2001. Esta testemunha afirmou que, no âmbito de uma actividade do Colégio, o arguido fez um qualquer comentário de comparação entre as garras de uma águia e as suas unhas, que nem sequer valorizou. Ora, passado um mês e uns dias, estando presentes o assistente BB e outras pessoas, perguntaram-lhe se não se tinha passado recentemente algo que a tivesse magoado, recordando-a daquele dia, e propuseram-lhe fazer uma denúncia, uma queixa anónima em relação à actuação do arguido, ao que respondeu negativamente. Este depoimento está em total consonância com o que disse no processo de averiguações (fls. 562 e segs.), onde disse que refutou a frase que o Padre WW (que estava presente, juntamente com o assistente BB e a prof. FFF) lhe disse ter sido dita pelo arguido no aludido episódio, sendo que ainda acrescentou que não se sentiu minimamente lesada com a frase (de que já não se lembrava) que o arguido teria dito e, dirigindo-se ao Padre WW, ainda lhe notou que “tu em brincadeiras connosco, dizes coisas bem piores”. Ora, este episódio (que, não constando da acusação, entendemos ser extremamente impressivo no que toca ao que realmente se passou com o arguido) é relatado na carta dirigida ao “prepósito Geral da Companhia de Jesus Reverendíssimo Padre NNN” (fls. 132 e segs.), subscrita, entre outros, pelo assistente BB e pela prof. FFF, sendo apresentado sob a epígrafe “Um episódio gravíssimo entre muitos episódios”, ali se dizendo que os presentes ficaram “atónitos e petrificados”, estando em causa “linguagem sexualizada, agressiva, humilhante e ofensiva”, referindo-se à aludida testemunha como a “professora ofendida e humilhada” (lembre-se, a testemunha MMM, que desvalorizou completamente o ocorrido), concluindo que a resolução da questão “passa, pelo menos, pelo afastamento imediato do autor de tão grave acontecimento”. E não podemos deixar de referir aqui a menção, essa sim constante da acusação (e também ela constante da carta de fls. 132 e segs.), ao que o arguido escreveu no Facebook. Como consta do ponto 10 dos factos indiciados, o arguido AA, a 3 de Setembro de 2018, escreveu na rede social Facebook, a propósito de ter aceite o cargo para dirigir o Colégio ..., que coordena várias escolas, dizendo, em resposta a “CCC”, que lhe tinha perguntado nessa rede se tinha deixado Lisboa, “Sim, o Provincial achou que me estava a fazer falta o Norte” (…) “Cá estamos já, na área da educação da qual não sei quase nada, mas disposto a arregaçar as mangas. Onde há empenho inteiro, aí há Alegria”. Ora, tal singelo comentário numa rede social, donde se retira uma nota de humor e disponibilidade para o trabalho, mesmo numa área quase desconhecida (reflectindo até alguma humildade), foi motivo para, na aludida carta, se escrever que “Perante tais afirmações, não seria de admirar o início de uma onde perplexidade que se instalou em inúmeras pessoas (…), perplexidade essa que se tem alastrado até ao dia de hoje e que, a continuar, poderá ter consequências imprevisíveis pelas piores razões”. Por aqui se vê a forma como aquilo que o arguido pudesse dizer ou escrever iria ser, de uma forma ou de outra, adulterado, descontextualizado, usado contra ele (aliás, isso mesmo decorre das declarações do arguido em sede de instrução), o que nos parece ser o caso, também, do episódio do ponto 70 dos factos indiciados, em que um comentário em tom humorístico (numa situação de verdadeira brincadeira de crianças) se tornou matéria de acusação. A carta em questão, como já referido, é de 2 de Novembro de 2018. O comentário no Facebook (ali referido como “O anúncio nas redes sociais”) é de 3 de Setembro de 2018. Parece óbvio que não era desejado, designadamente pelo assistente BB, que o arguido chegasse a ser Director Geral do Colégio .... E a procura de, depois de o ser, fazer com que dali saísse, está bem presente nas cartas de fls. 145 e segs., sendo a de fls. 149 subscrita (entre outras) pelas assistentes EE, CC, GG e DD, onde aludem a rumores (“soubemos de alguns encontros (…)”), a “comportamentos e modos de proceder” do arguido e a “situações que verificamos serem totalmente inapropriadas para um jesuíta nesta Casa”, para concluir que «o P. AA não reúne quaisquer condições para ficar nesta casa, sob pena de, em caso contrário, nos deixar entregues às insegurança, instabilidade e sem qualquer futuro para a ... e a sua “escola infantil” a não ser o descalabro e o encerramento». Ou seja, de juízos de valor se parte para se chegar, sempre, à expressão do desiderato de exoneração do arguido, baseada em inseguranças e temores desprovidos de base factual. Especialmente impressivo no sentido de esclarecer o que verdadeiramente aconteceu no Colégio ... com a chegada do arguido, no sentido de não ser desejado que alguém, ademais sendo Director Geral, quisesse saber dos assuntos da Instituição, foi o depoimento da testemunha, já aludida, TT, secretária da direcção do Colégio ..., desde 2003. Além do que já se expôs sobre o seu depoimento, importa salientar que a mesma afirmou que também era secretária do assistente BB, e que o mesmo e a Prof. FFF (também subscritora da carta de fls. 132 e segs.) deixaram de confiar em si, porque perceberam que não ia alinhar na resistência que estavam a fazer ao arguido (resistência essa que disse dever-se ao modo de trabalhar deste, que queria saber das coisas, estar em CC nos e-mails, o que lhe pareceu normal). E disse mais, esclarecendo (sempre com notória sinceridade, e diríamos mesmo com pena de que as coisas se tivessem passado como relatou) que tinha profunda admiração e estima pelo assistente BB, e só não pôde ficar ao lado dele quando percebeu que ele não estava a ser correcto, o caminho dele não era de verdade, transparência e honestidade. E referiu, o que queremos por último notar, que as portas eram todas fechadas ao arguido, que era então um homem sozinho. Para além do que resulta do já exposto sobre o constante do processo de averiguações de fls. 528 a 701, onde o visado é o arguido (lembre-se, apresentado na acusação como elemento de prova), será de salientar que no mesmo (tal como acontece com as mensagens de correio electrónico e prints de SMS mencionados na acusação) se constata que vários dos inquiridos contrariam frontalmente a tese da acusação, antes resultando dos seus depoimentos (alguns já supra mencionados) uma visão positiva do arguido e bastante negativa do estado de coisas anterior. A título de exemplo, veja-se o depoimento de OOO (fls. 606 e segs.), que a fls. 608, sobre a carta, descrevendo negativamente o arguido, enviada aos Reverendíssimos Padres SS, NNN e HH, que diz ter-lhe sido lida, afirmou que não tinha fundamento: “não tínhamos contacto com ele para saber isso, não nos apresentaram factos”. E disse do arguido que está “sempre bem-disposto, cumprimenta toda a gente, está presente na Sala dos Professores, ele sempre foi cordial”, fazendo sempre um esforço para estar presente, “e não é retribuído na mesma forma por algumas pessoas”. Por sua vez, PPP (fls. 626 e segs.) interroga-se sobre como eram possíveis as atitudes contra o arguido quando este tinha acabado de chegar, dizendo (fls. 637) mesmo que ouviu “o Pe AA desde o início a dizer que queria trabalhar com transparência, que queria ajustar a forma de trabalhar com quem está na escola, que queria conhecer toda a gente. Parece-me normal que queiram saber o que fazemos, a mim só me descansa, que queiram acompanhar as reuniões, por isso não consegui perceber porque não queriam aqui o Pe AA. Aliás, arrisco-me a dizer que finalmente alguém quer trabalhar nesta casa com transparência porque até agora, em vários assuntos, não havia diálogo, partilha e envolvimento de todos”. Veja-se que aquilo que PPP entende como normal, e até elogia, é o que, na acusação, se imputa como sendo actuação com intenção de pressionar, humilhar e rebaixar os assistentes. De referir, ainda, o depoimento do Padre JJ (fls. 638 e segs.), o qual, para além de teses conspiratórias e alusão a coisas que ouviu dizer, apenas revela conhecimento directo do episodio dos pontos 39 e 40 dos factos indiciados; no entanto, sobre o mesmo alude a que, após a saída do arguido do gabinete, “a Dra. TT fica num pranto”. Ora, não estando em causa a veracidade de tal ocorrência, será de remeter para o depoimento, já descrito, que prestou em sede de instrução: se ficou num pranto, não se vê que impute ao arguido o seu mal-estar. Além de que o próprio Padre JJ (fls. 640) critica a centralização dos aspectos financeiros no assistente BB (tal como foi referindo o arguido ao longo das suas declarações na instrução), de quem diz que “A nível da instituição havia muitas queixas” (pondo em causa o elogio que as testemunhas indicadas na acusação lhe fizeram, como abaixo veremos). Não é de estranhar, assim, que tal processo de averiguações tenha culminado com considerações finais onde se arrasa a tese das acusações e se conclui (fls. 690) pela “inexistência de fundamento das acusações e ou denúncias apresentadas contra o Senhor Padre AA”, sendo arquivado por HH, na qualidade de Superior Provincial da Província Portuguesa da Companhia de Jesus, a 17 de Maio de 2019 (fls. 701). Percorridos os demais documentos, ainda não mencionados, a que alude a acusação, não vemos que os mesmos tenham qualquer aptidão probatória dos factos imputados ao arguido, sendo patente que o depoimento escrito de Dom QQQ, Arcebispo Emérito ... (fls.1435 e segs.), é absolutamente inócuo quanto àqueles. E que dizer dos depoimentos das únicas 4 (quatro) testemunhas (aqui se excluindo os assistentes) que a acusação apresenta como prova dos factos imputados? O Padre II (fls. 416 e segs.) apenas refere generalidades, formas de estar do arguido, sem factos concretos, além do que ouviu dizer a outros. Além disso, faz o elogio das virtudes do assistente BB e tece comentários conclusivos (alguns necessariamente a partir do que lhe disse tal assistente), negativos, sobre o arguido. Nada que fundamente, de forma minimamente cabal, os factos imputados ao arguido. O Padre QQ (fls. 454 e segs), por sua vez, num depoimento que parece muito pouco espontâneo, antes soando a texto pré-concebido, “começa por referir” que “a raiz dos problemas é a personalidade do P. AA e seus comportamentos, com grau elevado de desequilíbrio, que conduzem a procedimentos na linha da perseguição e da injustiça”. E concretiza tal juízo de valor em factos concretos de que tenha real conhecimento? Não. De forma semelhante ao Padre KK, fala das queixas que foram feitas sobre o arguido, e alude ao que lhe relataram: assédio laboral e psicológico, por parte do P. AA em relação a alguns funcionários, com graves consequências, pois precisaram de tratamento neurológico/psiquiátrico. E concretiza com episódios concretos, identifica os funcionários? Não. A seguir, faz também o elogio do assistente BB, classificando a sua suspensão e demissão como “uma clara injustiça”. Para além da clara parcialidade nos juízos que faz, nada diz de concreto que releve para a prova dos factos em causa nos autos. O Padre NN (fls. 467 e segs.), também num depoimento desprovido de qualquer espontaneidade, correspondendo claramente a um texto pré-concebido (com frases a “negrito”, por exemplo), começa por fazer o elogio do assistente BB, para depois criticar o arguido, nitidamente com base no que lhe foi relatado por outros, não deixando de fazer alusão aos emails enviados “a altas horas da madrugada” (já supra analisados os factos correspondentes), sempre recorrendo à “descrição da situação por parte de alguns colaboradores” em quem deposita confiança, aludindo a «“pressão e bullying psíquico”» e a pedidos, por parte do arguido, que “violavam a lei”. Factos concretos? Nada. E vai por ali fora, expondo a sua tese, no sentido de que o arguido foi para o Colégio com a missão, de que foi incumbido pelo Provincial (que o teria investido de uma «“autoridade quase divina”»), de mudar substancialmente o modo de proceder e trabalhar nos colégios, mudança essa considerada necessária após um processo de avaliação apostólica das obras da Companha de Jesus. E aqui temos de perguntar. Se foi isto que se passou, o arguido não agiu como lhe era pedido pelo Provincial, HH (a que já supra aludimos e que depôs em sede de instrução), ou seja, em obediência à hierarquia da própria Companhia de Jesus? Veja-se o que resulta do teor dos Estatutos do Colégio ... (fls. 43 e segs.), parcialmente transcritos no facto 3: o Colégio ... é uma obra da Província Portuguesa da Companhia de Jesus e o seu Director-Geral é responsável perante o Padre Provincial da mesma, por quem é nomeado. Veja-se também que, como vimos, do depoimento do Provincial que nomeou o arguido, o já supra aludido HH, nada consta no sentido de o arguido se ter desviado daquilo que seriam as suas incumbências. A testemunha prossegue então com um relato que nada tem a ver com os factos dos autos, mas destinado a ilustrar que o arguido estaria num estado de “grande doença psíquica” (assim mesmo, a “negrito”), que levou a que por ele sentisse (“subiu pelo meu corpo um sentimento”) compaixão. Termina reiterando a “situação de tremenda injustiça a que foram, e continuam a ser, sujeitos o Dr. BB e outros colaboradores do Colégio ...”, profetizando que “a solução para tão grave situação de diferendo criado entre as duas partes conflituantes só poderá, nesta altura, em minha opinião, ser alcançada em sede judicial civil”. Mais uma vez, para além da clara parcialidade nos juízos que faz, nada diz esta testemunha de concreto que releve para a prova dos factos em causa nos autos. Por último, RRR (fls. 493 e segs.), para não fugir à regra, fala essencialmente do que ouviu dizer, alude ao já analisado comentário do arguido no Facebook (para criticar a sua atitude), refere que o arguido disse numa reunião que tinha que haver hierarquia, havia quem mandava e quem obedecia, do que a testemunha terá discordado, dizendo-lhe que tinha que respeitar o processo democrático na gestão dos diversos institutos do Colégio ..., ao que o arguido nada terá retorquido. Terminou opinando que “Os senhores Padres (…) têm pouca noção do que é a gestão do dinheiro”. Nada de relevante, portanto, a não ser um singelo contributo para a imagem de autoritarismo assacada ao arguido. Sendo esta a prova testemunhal da acusação, cuja parcialidade e falta de conhecimento de factos concretos nos parece patente, considerando a também inconsistente e falha de credibilidade prova que as declarações dos assistentes consubstanciam, nos termos já expostos, e retirando-se dos documentos juntos aos autos, como resulta também das considerações acerca deles tecidas, apenas a confirmação do seu objectivo conteúdo, dado como indiciado (designadamente, das mensagens de correio electrónico e SMS), pensamos ser claro que apenas se podia concluir, ponderada a prova resultante da instrução, pela falta de indiciação dos factos nessa qualidade elencados. Mas uma testemunha mais devemos mencionar, dada a sua relevância, ouvida em sede de instrução. Assim, o Padre OO, que foi Director Geral do Colégio ... de 2019 a 2022, tendo substituído o arguido em tal cargo, passando este a Director Adjunto, referiu que, conhecendo o arguido há muitos anos, sempre trabalharam com a maior lealdade, apreciando a sua eficácia e rigor. E afirmou que havia uma resistência fortíssima, de um pequeno grupo de educadores, a um projecto, ao modelo que representava, resistências essas que não o surpreenderam, já que no âmbito da avaliação apostólica de 2015 havia alertas para práticas que se sobrepunham à pedagogia do Colégio. Mais disse que o arguido ia para o Colégio para implementar as medidas que a síntese final do relatório da avaliação dizia serem necessárias, medidas que, independentemente da pessoa que fosse para lá, iam provocar reacções. A título de exemplo, referiu que a forma administrativa como o colégio estava a ser gerido tinha de ser mais partilhada e transparente, subsidiária das questões pedagógicas e não o inverso. Tinha de haver mudanças de métodos de trabalho, de formas de ser e fazer. Sobre as queixas relativas ao arguido, classificou-as mesmo como alucinações ou invenções: alguém que diz estar a ser atacado porque lhe mandam fazer aquilo que são as suas atribuições. Esclareceu, ainda, que a avaliação apostólica de 2015 concluiu que havia centralização no departamento do assistente BB (a isto, como vimos, se referiram testemunhas ouvidas no processo de averiguações), havendo um mistério sobre a forma económica e financeira como o Colégio era governado, sendo que o arguido fez o que era normal e sensato fazer para saber o estado económico e das finanças, tendo encontrado uma resistência que o surpreendeu, não sendo as contas prestadas. E, em concreto sobre factos relativos ao assistente FF, confirmou que o mesmo era subalterno do JJJ, não percebendo a resistência a isso, pois era necessário que os responsáveis dos serviços tivessem coordenação, isso trazia benefícios de organização, fazendo sentido que o JJJ tomasse conhecimento de tudo o que acontecia, através do correio electrónico, além do contacto pessoal e conversa. Perante este depoimento, de quem efectivamente teve conhecimento da realidade do Colégio, desempenhando funções de Director Geral, pensamos só poder sair reforçada a falta de credibilidade dos assistentes e dos juízos veiculados pelas testemunhas arroladas na acusação, podendo concluir-se, conjugada a prova que vimos de expor na sua globalidade, que os factos imputados ao arguido e dados como não indiciados se devem, não à verdade, mas a uma estratégia de resistência a este, pelo que representava: autoridade superior – estatutariamente reconhecida, mas só agora efectivamente exercida –, procura de conhecimento de todas as vertentes e assuntos do Colégio ... (designadamente os administrativos, financeiros, pedagógicos, salariais e funcionais), implementação de novas regras destinadas a permitir esse conhecimento (designadamente, com o conhecimento das mensagens de correio electrónico trocadas sobre assuntos considerados relevantes), atribuição de cargos de coordenação. De qualquer forma, completando o que já vimos de expor, e de forma sucinta, diremos ainda, sobre os factos não indiciados, o seguinte (sempre tendo em mente a falta de consistência e credibilidade do veiculado pelos assistentes e o que já se disse sobre algumas das situações em causa): - a matéria das als. z) e aa) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, nem pelo depoimento da testemunha LLL, nem pela acta de fls. 1765; - a matéria das als. bb) a dd) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, nem pelo depoimento da testemunha XX, sendo que o depoimento de fls. 1282 da ofendida CC também não confirma as palavras em causa; - a matéria das als. ee) a ii) não resulta confirmada pelas declarações do arguido e pela testemunha XX; - a matéria das als. kk) a uu) não resulta confirmada pelas declarações do arguido; - a matéria das als. xx) e zz) não resulta confirmada pelas declarações do arguido; - a matéria da al. aaa) quedou não indiciada por não haver razões, à luz das regras da experiência, para que a ofendida EE se sentisse como ali descrito após a conversa em causa; - a matéria da al. bbb) não resulta confirmada pelas declarações do arguido; - a matéria da al. ccc), referente a uma ordem genérica, não pode considerar-se sustentada apenas com base no depoimento de uma só educadora, a assistente EE, que a fls. 1289 não diz que sequer que o arguido determinou o que quer que seja, só diz que “todos os contactos passavam” por ele. - a matéria da al. ddd) não faz sentido, refere-se a uma consequência de um evento ainda futuro, mencionado no facto 114, não se vendo como a eventual presença do arguido numa reunião de pais pudesse perturbar a assistente EE; - a matéria da al. eee) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, nem pelo teor do depoimento da testemunha XX, nem consta da acta de fls. 1767, não se mostrando compatível com o teor da mesma; - a matéria da al. fff) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, que relatou que a directora pedagógica (XX) lhe transmitiu que a mesma e a assistente só se cumprimentaram quando se viram na manhã em causa; - a matéria das als. ggg) e hhh) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, nem consta dos autos qualquer e-mail que lhe dê sustentação; - a matéria da al. iii) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, sendo que, à luz dos elementos dos autos já expostos e dos factos que se deram como indiciados, não há razões para concluir que a ofendida EE se sentiu da forma descrita como resultado de conduta do arguido; - a matéria da al. lll) é contrariada pelo próprio depoimento de FF a fls. 11 do apenso D, que menciona o dia 20 de dezembro de 2018 como data de nomeação do arguido, documentada a fls. 39; - a matéria da al. mmm) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, que disse que o assistente FF não tinha credenciais para fazer pagamentos e que apenas alterou as credenciais porque havia novos titulares das contas, com a mudança de Director Geral; além disso, o anexo 7 do 2º volume do apenso D (“Anexo do Inquérito ... Dossier entregue pelo ofendido”) não sustenta esta factualidade, pois o arguido diz ao assistente FF (em e-mail de 27 de Fevereiro de 2019) que ainda não tem os acessos necessários aos pagamentos e que será “necessário fazer os pedidos de pagamento por escrito a cada banco”, dizendo-lhe que, “se precisar de ajuda, fale sff com o Dr. SSS”, e ainda termina dizendo «aproveito para lhe agradecer a disponibilidade em comlaborar com o Dr. SSS, e pedir-lhe facultar toda a informação e ajuda que ele lhe peça, para que possa ir conhecendo os “dossiers”. Muito obrigado». - a matéria da al. nnn) resultou contrariada pelo depoimento da própria testemunha JJJ, que diz que só depois da situação em causa contou o ocorrido ao arguido – veja-se o teor do anexo 14 junto pelo próprio assistente FF, donde decorre que o arguido não estava sequer presente em tal situação; - a matéria da al. ooo) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, sendo que não há qualquer menção a ela no teor do Anexo 14, em que o assistente FF foi bastante pormenorizado, tendo o arguido referido em sede de instrução que o mesmo não tinha sequer contrato de trabalho, era prestador de serviços, não fazendo sentido a menção do que consta na alínea em causa; - a matéria das als. qqq) a xxx) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, sendo que a assistente GG não foi inquirida no inquérito e o depoimento da testemunha XX não corroborou (antes pelo contrário), de forma alguma, que o arguido, nas reuniões efectuadas, tivesse o tipo de abordagem ali descrito - a matéria das als. zzz) e aaaa), tratando-se da mesma reunião em causa na al. eee), não resulta confirmada pelas declarações do arguido, nem pelo teor do depoimento da testemunha XX, nem consta da acta de fls. 1767, não se mostrando compatível com o teor da mesma; - a matéria da al. bbbb) quedou não indiciada por não haver razões para que a ofendida GG se sentisse como ali descrito por força de actuação do arguido dada como indiciada. Aliás, a matéria dada como não indiciada relativa ao dolo, à intenção com que o arguido actuou em relação a cada um dos assistentes (que não motivamos especificamente) e a todos – als. dddd) e eeee) –, bem como a constante da al. ffff), resultou obviamente não indiciada face a tudo que vimos de expor nesta motivação, e designadamente na apreciação dos factos não indiciados, não se vislumbrando, na indiciada conduta daquele, factualidade donde se retire que tenha agido tal como nessa matéria descrito, nem que possa ter causado aos assistentes os estados também naquela descritos. Diremos apenas, reforçando o que já se expôs, que o arguido, ao longo das suas declarações, corroboradas pelas testemunhas ouvidas na instrução (e longe de serem infirmadas pela prova do inquérito, supra analisada, não tendo o veiculado pelos assistentes, dada a sua inconsistência e falta da necessária credibilidade, aptidão para cabalmente sustentar a matéria não indiciada), explicou, de forma sincera, objectiva e coerente, à luz das regras da experiência, toda a sua actuação dada como indiciada, circunstanciando-a através do quadro de falta de colaboração e resistência que encontrou desde que chegou ao Colégio ..., aliás bem patente nas cartas enviadas às entidades eclesiásticas com queixas da sua pessoa (antes – bem antes – e depois de ser Director Geral) e e-mails trocados com alguns dos assistentes (tudo conforme resulta do já exposto). Assim, tudo visto e ponderado, e em suma, apenas se pôde dar como indiciado aquilo que o arguido e as testemunhas ouvidas em sede de instrução de alguma forma confirmaram, além do que resulta, de forma objectiva, dos elementos documentais juntos.
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Enquadramento jurídico-penal dos factos É imputada ao arguido a prática de 6 (seis) crimes de perseguição, p. e p. pelo artigo 154º.-A do Código Penal, norma que dispõe o seguinte: “1 - Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. 2 - A tentativa é punível. 3 - Nos casos previstos no n.º 1, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição. 4 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. 5 - O procedimento criminal depende de queixa.” Este tipo de crime tem, assim, como seus elementos constitutivos: - a acção do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, directo ou indirecto; - a adequação da acção a provocar naquela medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; - a reiteração da acção; - subjectivamente, o dolo, em qualquer das modalidades previstas no art. 14.º do C. Penal. A incriminação em apreço foi positivada no Código Penal mediante aditamento constante do art. 1.º da Lei n.º 83/2015, de 5 de Agosto. Como se pode ler neste diploma, que operou a trigésima oitava alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, nele se autonomizou o crime de mutilação genital feminina, “criando os crimes de perseguição e casamento forçado e alterando os crimes de violação, coação sexual e importunação sexual, em cumprimento do disposto na Convenção de Istambul” (sublinhado nosso). A Convenção de Istambul (CI), em rigor Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, foi adoptada em Istambul em 11 de Maio de 2011 e entretanto aprovada e ratificada internamente (Resolução da Assembleia da República n.º 4/2013, de 21 de janeiro e Decreto do Presidente da República n.º 13/2013, de 21 de janeiro). No seu art. 1.º, são estabelecidos os objectivos da Convenção: “a proteger as mulheres contra todas as formas de violência, e prevenir, processar criminalmente e eliminar a violência contra as mulheres e a violência doméstica; b contribuir para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres e promover a igualdade real entre mulheres e homens, incluindo o empoderamento das mulheres; c conceber um quadro global, políticas e medidas de protecção e assistência para todas as vítimas de violência contra as mulheres e violência doméstica; d promover a cooperação internacional, tendo em vista eliminar a violência contra as mulheres e a violência doméstica; e apoiar e assistir organizações e organismos responsáveis pela aplicação da lei para que cooperem de maneira eficaz, a fim de adoptar uma abordagem integrada visando eliminar a violência contra as mulheres e a violência doméstica.” No seu art. 2.º, estabelece-se o âmbito de aplicação da Convenção: “1 A presente Convenção aplica-se a todas as formas de violência contra as mulheres, incluindo a violência doméstica, que afecta desproporcionalmente as mulheres. 2 As Partes são encorajadas a aplicar a presente Convenção a todas as vítimas de violência doméstica. As Partes deverão dar uma atenção particular às mulheres vítimas da violência baseada no género na implementação das disposições da presente Convenção. 3 A presente Convenção aplica-se em tempos de paz e em situações de conflito armado.” Da CI resulta a obrigação, para os Estados-membros do Conselho da Europa e para os outros signatários da mesma, criminalizarem a perseguição, impondo o seu art. 34.º, sob a epígrafe “Perseguição”: “As Partes deverão adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para assegurar a criminalização da conduta de quem intencionalmente ameaçar repetidamente outra pessoa, levando-a a temer pela sua segurança.” Tendo o crime imputado ao arguido, como vimos, sido criado “em cumprimento do disposto na Convenção de Istambul”, que tem os objectivos e o âmbito nela definidos e acima transcritos, parece-nos evidente que aquele não visou punir as situações de assédio no seio laboral (que seria, eventualmente, o caso dos autos), mas apenas criminalizar as condutas conhecidas por stalking. “Aliás, a criminalização do assédio moral no seio de organizações esteve tão arredia da mente do legislador que este nem sequer previu a responsabilidade criminal das pessoas colectivas” (aqui citamos, com o devido respeito, pela sua pertinência, o douto despacho que o arguido juntou a fls. 1688 e segs.). Como se pode ler na exposição de motivos do projecto de lei nº 647/XII (sendo de salientar que a proposta de redacção do mesmo constante corresponde à do artigo 154.º-A do C. Penal), “[a] perseguição — ou stalking — é um padrão de comportamentos persistentes, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo. Estes comportamentos podem consistir em ações rotineiras e aparentemente inofensivas (como oferecer presentes, telefonar insistentemente) ou em ações inequivocamente intimidatórias (por exemplo, perseguição, mensagens ameaçadoras).” E ali se escreveu, ainda, que, “[p]ela sua persistência e contexto de ocorrência, este padrão de conduta pode escalar em frequência e severidade o que, muitas vezes, afeta o bem-estar das vítimas, que são sobretudo mulheres e jovens. A perseguição consiste na vitimação de alguém que é alvo, por parte de outrem (o assediante), de um interesse e atenção continuados e indesejados (vigilância, perseguição), os quais são suscetíveis de gerar ansiedade e medo na pessoa-alvo.” Quanto ao assédio no seio laboral, está o mesmo expressamente previsto no art. 29.º do Cód. do Trabalho, norma que tem a seguinte redacção: “1 - É proibida a prática de assédio. 2 - Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. 3 - Constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior. 4 - A prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização, aplicando-se o disposto no artigo anterior. 5 - A prática de assédio constitui contraordenação muito grave, sem prejuízo da eventual responsabilidade penal prevista nos termos da lei. 6 - O denunciante e as testemunhas por si indicadas não podem ser sancionados disciplinarmente, a menos que atuem com dolo, com base em declarações ou factos constantes dos autos de processo, judicial ou contraordenacional, desencadeado por assédio até decisão final, transitada em julgado, sem prejuízo do exercício do direito ao contraditório.” Transcrevemos ainda o disposto pelo artigo 127.º, nº1, al. a), do C. Trabalho, que estabelece o seguinte, sob a epígrafe “Deveres do empregador”: “1 - O empregador deve, nomeadamente: a) Respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade, afastando quaisquer atos que possam afetar a dignidade do trabalhador, que sejam discriminatórios, lesivos, intimidatórios, hostis ou humilhantes para o trabalhador, nomeadamente assédio”. A propósito dos diferentes âmbitos normativos do crime de perseguição e da proibição do assédio laboral, seguiremos de perto a exposição (disponível em https://ciencia.ucp.pt/ws/portalfiles/portal/37878646/As_virtualidades_do_crime_de_persegui _o.pdf) de Sandra Tavares (Professora Auxiliar da Universidade Católica Portuguesa, CEID - Centro de Estudos e Investigação em Direito), onde se pode ler que “[o] direito penal e o direito de mera ordenação social preenchem espaços normativos diferenciados. Seja por ausência de dignidade penal, seja por carência de tutela que indicia desnecessidade penal, alguns comportamentos punidos como contraordenações não podem ou não devem aceder ao patamar da punição penal, donde decorre a autonomia material do direito de mera ordenação social, vantajosa a vários títulos, designadamente a nível do procedimento de aplicação da respetiva sanção.” Como ali se pode também ler e supra já afloramos, “[d]ecorre da análise da CI que a questão da violência laboral é matéria alheia às preocupações evidenciadas por este normativo internacional. Tudo o que na CI diz respeito à violência doméstica fica por definição arredado do âmbito da violência laboral. E, quanto à violência contra as mulheres, só incidentalmente se podem reconhecer eventuais áreas de sobreposição entre a violência contra as mulheres e a violência laboral que possam redundar na prática do crime de perseguição previsto no art.º 154.º-A CP, via assédio, enquanto comportamento proibido no âmbito laboral. Áreas de sobreposição que, obviamente, nunca esgotarão o âmbito dos normativos portugueses, ocupados da proteção indistinta de homens e mulheres. Assim, e voltando à CI, o assédio sexual (sinalizado no preâmbulo) ou o direito a viver sem violência na esfera pública (artigo 4.º n.º 1 CI), podem, de facto, ter valia não só mas também no âmbito laboral. Desta génese poderão decorrer questões interpretativas que limitem a aplicação prática do tipo legal de perseguição. Sendo certo que o texto legal está desvinculado da CI, o elemento hermenêutico racional histórico do tipo legal de crime poderá impor um reenvio àquela que crie obstáculos a uma vigência generalizada do tipo legal em causa” (sublinhado nosso). Em conclusão, ali se escreveu que “não nos parece rigoroso tomar o crime de perseguição como o modo de punir criminalmente o assédio laboral. Este está expressamente previsto como contraordenação e é nesse âmbito que deve ser, à partida, equacionado. Claro que por vezes um qualquer comportamento de assédio laboral pode, como em tantas outras situações do quotidiano, configurar um qualquer ilícito penal, seja a perseguição ou outro, e tal eventual relevância penal do assédio laboral fica até patente com a nova versão do CT. Mas pode muito bem um qualquer comportamento gerador de punição a título de contraordenação não atingir o patamar da punição penal, Ou pode, pelo contrário, atingir esse patamar e nem sequer configurar um crime de perseguição mas um outro de maior gravidade. Por outro lado, e reflexamente, muitos crimes de perseguição em nada se relacionam com o assédio laboral, pois nem sequer ocorrem no âmbito do trabalho. Assim, em rigor, a punição segura do assédio laboral como crime implicaria a criação de um crime especificamente pensado para esse efeito, o que remete para as tradicionais questões da dignidade e da necessidade penal. E, mesmo dando como adquirida a dignidade do bem jurídico subjacente, impõe-se a consideração das vantagens do direito das contraordenações, designadamente em termos de procedimento” (sublinhados nossos). A este propósito, não podemos esquecer que, como escreve Figueiredo Dias (“Direito Penal Parte Geral”, tomo I, 3ª edição, pág. 129), “o conceito material de crime vem assim a resultar da função atribuída ao direito penal de tutela subsidiária (ou de ultima ratio) de bens jurídicos dotados de dignidade penal (de “bens jurídico-penais”); ou, o que é dizer o mesmo, de bens jurídicos cuja lesão se revela digna e necessitada de pena” (negritos e itálicos no original). E ensina ainda tal Autor (ob. cit., pág. 147) que “[u]ma vez que o direito penal utiliza, com o arsenal das suas sanções específicas, os meios mais onerosos para os direitos e as liberdades das pessoas, ele só pode intervir nos casos em que todos os outros meios da política social, em particular da política jurídica não penal, se revelem insuficientes ou inadequados. Quando assim não aconteça, aquela intervenção pode e deve ser acusada de contrariedade ao princípio da proporcionalidade, sob a precisa forma de violação dos princípios da subsidiariedade e da proibição de excesso. Tal sucederá, p. ex., quando se determine a intervenção penal para proteção de bens jurídicos que podem ser suficientemente tutelados pela intervenção dos meios civis (a legitimidade ou ilegitimidade de criminalização do cheque sem provisão, quando não constitua um crime de burla, constitui, a este propósito, um exemplo instrutivo), pelas sanções do direito administrativo (entrando aqui, de pleno, toda a controvérsia sobre as fronteiras que devem separar o direito penal do direito de mera ordenação social ou das contraordenações ou do direito disciplinar: infra, 7° Cap., I e II).” Pensamos que, perante a abertura do tipo legal de crime em apreço, que remete para conceitos não expressamente definidos, como “perseguir” ou “assediar”, apenas por recurso ao quadro normativo e considerações doutrinais supra expostas poderemos equacionar a subsunção de uma determinada conduta àquele. E revertendo ao caso dos autos à luz do exposto, diremos, desde logo, que a indiciada conduta do arguido não ultrapassa, em momento algum, o âmbito laboral. Com efeito, os factos imputados ao arguido relacionam-se sempre com o ambiente laboral do Colégio ..., em várias vertentes do mesmo, dadas as diferentes funções exercidas pelos assistentes. E, lidos os mesmos, dúvidas não há de que se relacionam com o exercício de funções por parte do arguido, tudo se passando no quadro da sua actuação como Director do Colégio ou na preparação para o ser. Assim, e analisadas as condutas em questão à luz das considerações supra expostas, longe estamos de ver nas mesmas algo que se possa considerar subsumível ao tipo legal de perseguição, tributário, como vimos, de preocupações com a criminalização da violência contra as mulheres (embora, obviamente, aí se não esgotando). Para além de matéria absolutamente inócua (vejam-se, por exemplo, os pontos 16 a 18, cujo conteúdo reflecte apenas o teor de carta enviada ao Padre Geral da Companhia de Jesus com queixas, de teor conclusivo, relativamente ao arguido, não estando em causa a indiciação de factos concretos praticados pelo mesmo), encontramos inúmeras comunicações, designadamente através de correio electrónico e SMS, e frases oralmente proferidas do arguido, onde, atentando ao próprio contexto que delas mesmas se extrai, nada se vislumbra que possa considerar-se, sequer, falho de educação ou urbanidade muito menos intimidatório e humilhante, mesmo quando o arguido, como Director Geral e superior hierárquico, nota falhas na actuação dos assistentes, confrontando-os com as mesmas. Será que o arguido, ainda que sendo Director Geral do Colégio ..., ou por sê-lo, não podia dirigir aos assistentes críticas ou reparos, de forma educada e urbana, ainda que frontal? Não é isso que, no dia-a-dia de qualquer instituição, acontece, para não dizer que, por vezes, é mesmo o que se espera de quem dirige? Será que não podia invocar a sua qualidade de Director Geral e superior hierárquico, designadamente em situações de tensão no seio da instituição, por forma a fazer prevalecer autoridade que lhe é estatutariamente reconhecida? Veja-se o que está estabelecido nos estatutos do Colégio, conforme consta do facto 3 Será que não podia confrontar as pessoas com os abaixo-assinados que subscreveram? Veja-se que está em causa instituição em que alguns dos seus funcionários se dirigem a terceiros para se queixarem do seu Director Geral, obviamente assim se deteriorando o ambiente laboral naquela e minando a autoridade deste. Será que não podia fazer solicitações relativas aos assuntos do Colégio a fim de se inteirar dos mesmos? Veja-se que todas as que constam dos factos indiciados respeitam a tais assuntos, nada havendo nelas de benefício pessoal para o arguido, nem nelas se vislumbrando pedidos inusitados, ilegais ou que fossem efectuados por mero capricho do mesmo. Será que não podia reiterar as solicitações, quando não correspondidas? Veja-se que em lado algum está indiciado que o fez após satisfeito o solicitado ou pedido prazo para se diligenciar pela satisfação, ou que o fez ainda que remetido para terceira pessoa que fosse mais apropriado procurar para resolver o assunto em questão. Aliás, o contrário é que resulta do teor do facto 23 a). Será que não podia enviar e-mails fora do horário de trabalho, ainda que deixando claro que não havia qualquer obrigação de os ler ou a eles responder fora do mesmo? Não é isto absolutamente normal nos dias que correm? Veja-se que resulta dos factos indiciados nos pontos 23 a) e 32 que também o assistente BB enviou e-mails fora de tal horário. Será errado que pretendesse participar, o mais possível, na vida do Colégio, e designadamente nas reuniões com pais dos alunos? Tal é motivo de qualquer tipo de censura? Será que não podia proibir visitas particulares de terceiros (ainda que antigos funcionários) às instalações do Colégio, ou relembrar aos funcionários os seus deveres, designadamente a necessidade de respeitar a hierarquia? Que norma viola tal proibição? E o que se pode extrair de negativo, para qualquer assistente, do teor das expressões constantes do ponto 7? Nada, obviamente. Como já vimos, no ponto 10 dos factos indiciados está apenas em causa um singelo comentário numa rede social, dele se extraindo não mais que uma nota de humor e disponibilidade para o trabalho. E no ponto 70 está um comentário dirigido a crianças, num tom nitidamente humorístico. Nada mais. A matéria relativa ao lay-off, regime jurídico previsto nos arts. 298.º e segs. do C. Trabalho, também é evidentemente inócua, não se vislumbrando o que dela se possa retirar em desabono do arguido. Face às interrogações que formulamos, de forma a melhor ilustrar que o que resulta dos factos indiciados nenhuma relevância criminal tem (e, dizemos isto com toda a convicção, nem sequer contraordenacional, não se vislumbrando neles qualquer assédio laboral), apenas podemos concluir não serem as condutas do arguido, porque não integradoras dos conceitos de assédio ou perseguição, subsumíveis à tipicidade enunciada na norma incriminadora. E, concomitantemente, nelas não se descortina, ainda que remotamente, adequação a provocar medo ou inquietação, ou a prejudicar a liberdade de determinação de qualquer dos assistentes, tal como pressuposto pelo tipo legal em apreço. Para que mais claro se torne o nosso entendimento, temos por certo que o legislador, fundando o crime de perseguição nas exigências internacionais de protecção contra a violência daqueles que são mais vulneráveis, não pretendeu referir-se ao medo ou inquietação subjectivamente sentidos por razões de maior susceptibilidade às exigências ou modos de ser das entidades patronais ou superiores hierárquicos, mas apenas às actuações (que podem provir, é certo, de entidades patronais ou superiores hierárquicos) que, de forma objectiva, consubstanciam a vitimização dos mais fracos através de interesse e atenção continuados e indesejados, transformando-se em verdadeira vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo. Só relativamente a tais actuações, estamos certos, deverá fazer-se intervir o direito penal, sob pena de (como nos parece ter acontecido nos presentes autos) se fazer letra vã da tutela subsidiária (ou de ultima ratio) que àquele se atribui. Assim sendo, e quedando ainda por indiciar, por completo, a factualidade atinente ao dolo, terá de concluir-se, inelutavelmente, pela não pronúncia do arguido, face à inexistência de indícios de que tenha praticado qualquer dos crimes de perseguição imputados, sendo despiciendas ulteriores considerações.
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Decisão Face ao exposto, ao abrigo do disposto pelo art. 308.º, nº1, parte final, do Código de Processo Penal, não pronuncio o arguido AA, pela prática dos seis crimes de perseguição, p. e p. pelo artigo 154º.-A do Código Penal, por que vinha acusado. (…)
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III.2
Das finalidades da instrução
A decisão instrutória, no sentido da pronúncia, depende da existência de indícios suficientes, obtidos por via do inquérito e da instrução, que preencham os pressupostos de que depende a aplicação, ao arguido, de uma pena ou de uma medida de segurança (cfr. art.º 308.º, n.º. 1 do C.P.P.).
Os indícios são suficientes, na perspetiva do normativo invocado, quando, em face dos mesmos, seja, em termos de prognose, muito provável a futura condenação do arguido, sendo então esta, necessariamente, seja mais provável que a sua absolvição (cfr. art.º 283.º, n.º 1 ex vi do art.º 308.º, n.º. 2, ambos do C.P.P.)[Vd. José Mouraz Lopes, Garantia Judiciária no Processo Penal – Do Juiz e da Instrução, Coimbra, 2000, pág. 68 v. e ss.].
A concretização do que sejam “indícios suficientes” assume fulcral importância nos ulteriores desenvolvimentos e metodologia empregues na apreciação do processado em fase de instrução. Assim, referia-se Cavaleiro Ferreira aos indícios, por aproximação às presunções naturais civis, nos seguintes termos: - “A prova indiciária é prova indirecta. Os factos probatórios indiciários são os que permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos por meio de raciocínio em regras da experiência comum, ou da ciência, ou da técnica” [Curso de Processo Penal, vol. II, pág. 237.].
A instrução não é, contudo, constituída apenas por prova indiciária. Como refere Germano Marques da Silva [Do Processo Penal..., pág. 347.], o indício é um meio de prova e todas as provas são indícios “enquanto são causas, ou consequências morais ou materiais, recordações e sinais do crime”. É neste sentido e segundo este autor que se deve interpretar o disposto no art.º 308.º do C.P.P..
Chama-se também a atenção para o facto de, nesta fase preliminar do processo, não se visar “alcançar a demonstração da realidade dos factos” [João de Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, citado por Germano Marques da Silva, op. e loc. cit.], mas, apenas, sinais de que o crime se verificou, praticado por determinado arguido. Como conclui Germano Marques da Silva [Op. e loc. cit.], “As provas recolhidas nas fases preliminares do processo não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas de mera decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase de julgamento”.
Interpretando o exposto, na fase preliminar que é a instrução, não se pretende uma espécie de “julgamento antecipado” nem um juízo de certeza moral e de verdade que é pressuposto da condenação, mas, tão só, a verificação de existência de indícios de que determinado crime se verificou e que existe uma probabilidade séria, aferida pela positiva e objetivamente, de que o mesmo foi praticado por um ou mais arguidos, e assim se apreciando a decisão do Ministério Público de acusar. Nessa verificação deverá, no entanto, o julgador interpretar criticamente e no seu prudente arbítrio os indícios recolhidos em sede de inquérito e de instrução.
Em qualquer dos casos essa verificação da suficiência de indícios não implica a apreciação do mérito da acusação, no mesmo sentido em que tal ocorre na audiência de julgamento, mas apenas se julga da verificação dos pressupostos de que depende a abertura da fase de julgamento, evitando os efeitos da submissão do arguido a julgamento ante uma acusação cuja verosimilhança e sustento não permite perspetivar o seu sucesso.
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III.3
Da desconsideração de factos constantes da acusação
Insurgem-se os recorrentes relativamente ao segmento do despacho recorrido no qual o Mm. Juiz a quo desconsidera trechos da acusação por considera-los irrelevantes e/ou conclusivos.
Vejamos.
Depois de transcrever os trechos em causa, refere-se na decisão recorrida que o conteúdo constante dos pontos 8, 9, 13, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 25, 26, 27, 28, 46, 56, 62, 97, 100, 101, 140, 142, 153, 177 da acusação consubstancia imputações genéricas e/ou conclusivas, sendo utilizadas expressões de conteúdo vago e indefinido, sem referência a datas ou circunstancialismos concretos, tratando-se, assim, de imputações que, não traduzindo qualquer episódio devidamente circunstanciado, tornam impossível o exercício cabal do direito de defesa.
Mais se refere que “[q]uanto à matéria do ponto 41, constata-se que a mesma consubstancia repetição da matéria do ponto 40, sendo que a matéria dos pontos 94 a 96, 102, 104, 117 e 136 a 140 (esta, como vimos, em parte também conclusiva), é inócua para a decisão a proferir, em nada contribuindo para a eventual responsabilização criminal do arguido. Em especial, refira-se que a matéria dos pontos 136 a 140 não diz respeito à ofendida EE, mas à ofendida GG (sendo matéria tratada na acusação – cfr. factos 170 e segs.), sendo inócua relativamente à eventual responsabilização criminal do arguido quanto à mesma e veiculando, não propriamente factos, mas o relato de outra ofendida –GG – e conclusões dele retiradas.”.
Em defluência, o Tribunal a quo considerou a sobredita matéria não escrita, arredando-a da ulterior referência à sua putativa indiciação.
Vejamos, pois.
A acusação contém, sob pena de nulidade, inter alia, a narração dos factos que fundamentam a aplicação, ao arguido, de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deva ser aplicada.
Esta exigência de conveniente e objetiva descrição factual é corolário da estrutura acusatória do processo penal, sendo o objeto do processo fixado pela acusação (e no caso também pelo RAI), que delimita, então, o poder de cognição do Tribunal e que permite, correlativamente, a tomada de posição por parte da defesa.
Como refere sobre o assunto Maia Costa [Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 992] “A narração dos factos deve ser tanto quanto possível concreta, em termos de tempo e lugar e, havendo vários agentes, quanto à intervenção particular de cada um, sendo irrelevantes imputações genéricas ou coletivas, a não ser como enquadramento de factos devidamente individualizados.”.
Em concretização, os factos a imputar ao arguido devem estar objetiva e cabalmente descritos na acusação, não sendo, pois, admissíveis quaisquer imputações por exemplificação, de teor conclusivo ou contendo juízos, morais, de caráter ou de qualquer outra natureza, porque inócuos e estranhos à finalidade da peça processual em causa.
Se os factos imputados devem ser claros e precisos, não podem ser utilizados conceitos vagos e indefinidos, genéricos e conclusivos porquanto, para além de tal não habilitar um eficaz exercício do direito de defesa e ao contraditório, constitucionalmente garantido (cfr. art.º 32.º, n.º 1 da C.R.P.), identificando o “pedaço de vida” em discussão, por outro, não raras vezes, o mesmo tipo de construção narrativa revela-se, do ponto de vista subsuntivo, inócuo. Ao arguido deverão ser imputados factos, ações, com significância jurídico-penal, e não “a opinião” adjetivada do narrador sobre determinadas circunstâncias.
Em pano de fundo, o nosso ordenamento jurídico acolheu o princípio do processo justo e equitativo, que por imposição constitucional decorre dos art.ºs 20.º, n.º 4 e 32.º, n.ºs 1 e 5 da C.R.P., consubstanciado em princípios fundamentais do processo penal, como seja o contraditório, do acusatório e da igualdade de armas, traduzidos no C.P.P. e na defluência, também, dos instrumentos de direito internacional, cfr. v.g. art.º 6º da C.E.D.H., que, enquanto tal, fazem parte do direito português por integração - cfr. art.º 8.º da C.R.P.
Não obstante o exposto, em contraponto, dir-se-á, também, que para a perfetibilização da construção factual da narrativa da acusação a lei não exige, para cada facto, ou segmento da descrição, que seja indicado o dia, hora e local a que se reportam. Efetivamente e como consta do art.º 283.º, n.º 3, al. a), do C.P.P., a acusação deve conter a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.
Efetivamente, nem sempre será possível uma concretização precisa do entorno espácio-temporal da ação do agente, podendo aqueles elementos surgir na construção frásica de forma mais fluída ou indeterminada, conquanto sejam determináveis em determinado espartilho delimitador, aqui por forma a permitir o exercício do direito de defesa e a acomodação, com a certeza necessária, do pedaço de vida em discussão, por forma a consentir a fixação dos limites do caso julgado.
No que tange a imputações de cariz conclusivo (v.g. expressões como injuriar, constranger, agredir, condicionar, atemorizar) deverá seguir-se a estas a expressa referência aos atos concretamente praticados e conducentes a tal resultado, por forma a habilitar o exercício do contraditório.
Revertendo ao caso em apreço, considerou-se no despacho posto em crise que: 8. Nessa mesma reunião ficou claro que o arguido AA vinha com a autoridade que trazia do Padre Provincial e que este lhe teria confiado uma “missão” resultante da entrega que lhe fez da Avaliação Apostólica de 2015 e dos Memorandos das suas Visitas ao Colégio ..., traduzindo-se essa missão em afastar os trabalhadores que mostrassem uma opinião diferente da sua. 9. O arguido AA continuou a convocar inúmeras pessoas de diferentes serviços do Colégio e vários responsáveis, designadamente CC, DD, EE, GG e FF, para supostas reuniões, sujeitando-as a interrogatórios inquisitoriais, com questões inusitadas e absurdas de ordem pessoal e profissional, deixando-as confusas e até temerosas pelo seu futuro, tal é o modo como o fez, e dizendo que quem não estiver com ele e não fizesse o que ele mandar, teria de “procurar outro caminho”, insinuando e apontando mesmo o “olho da rua”, mas tendo o cuidado de referir sempre, em jeito de justificação, que “traz uma missão e atribuição especifica do Padre Provincial HH” e que não havia por aqui “ninguém indispensável” 13. (…) dando-lhe a entender que caso não concordasse seria despedido. 14. Acresce que estas reuniões e troca de mensagens de correio eletrónico com os trabalhadores ocorreram ainda o arguido não estava investido, validamente, em qualquer cargo no Colégio, e sem que o Diretor Geral P. KK, ao menos, lhe tivesse atribuído quaisquer funções específicas. 15. Na verdade, o arguido AA andava e atuava em “roda livre” sem qualquer regra ou critério conhecido, lançando a maior confusão, estupefação e pânico entre os educadores leigos, inclusive os ofendidos BB, DD, CC, GG, FF e EE, que não sabiam se o verdadeiro Diretor Geral era ele ou o padre KK. 16. Perante o desnorte geral provocado pela atuação do arguido AA a que no Complexo Educativo do Colégio ... não estavam acostumados (…). 19. Com efeito, o arguido AA não se coibiu de dizer, mesmo em reuniões de Direção do Colégio que, quando iniciasse as funções de Director Geral do Colégio as “coisas” se fariam como ele quisesse e que quem não estivesse “de acordo”, teria que ser encontrada uma "solução em paz", o que obviamente passaria por despedimentos a “eito” e arbitrários dos trabalhadores. 20. Desde a sua chegada, AA tem questionado intensivamente os educadores e trabalhadores do Colégio com questões e mais questões, seja através de correio eletrónico, seja de reuniões, seja de encontros, seja de conversas e interrogatórios com desrespeito completo pelos horários de trabalho e descanso, com atropelos constantes, interrupções de fim de semana e durante a noite, alta madrugada, com mensagens de correio eletrónico e mensagens escritas para o telemóvel, com observações totalmente desconexas e absurdas acerca das funções que as pessoas desempenham, sempre com a questão do despedimento iminente caso não respondam da forma como o arguido deseja. 21. Porquanto o arguido não se coibia de comentar em diversos locais que “isto” não é uma democracia e que quem manda é ele, que se quiser pode despedir as pessoas, que quem não estiver do “lado” dele tem de “encontrar outro caminho”, que já esteve no “...” no Porto e também fez assim. 25. O comportamento do arguido AA agravou-se a partir de 19 de dezembro de 2018, quando foi nomeado como Diretor Geral do Colégio .... 26. A partir de 20.12.2018, todos os atos intimidatórios, de perturbação e de perseguição do arguido AA sobre os trabalhadores, sobretudo do ..., foram elevados à máxima potência e intensidade, tornando-se intoleráveis e insuportáveis, ao ponto de deixar vários educadores com esgotamentos nervosos, em consultas de psiquiatria, com crises de choro, ansiedade, depressão e sofrendo de stress pós-traumático, e com pesadas prescrições medicamentosas, criando uma onda de baixas médicas generalizada. 27. A partir de então as mensagens de correio eletrónico enviadas para o ofendido BB passaram a ser constantes, não lhe dando sequer tempo para responder ao solicitado, e sempre a pressionar (…) 28. (…) repetiu e manteve, de forma vaga, genérica, e falsa (…) 41. Nesse dia, o arguido AA, antes de sair, porta fora, ainda disse: “ouve, eu sou o teu superior hierárquico e de todas as pessoas desta casa, é a minha responsabilidade, sim, dei essa instrução para reter a minuta da ata à TT até minha indicação”. 46. “(…) sobrecarregando-o com tarefas desadequadas que caem, claramente, fora da descrição da função, tratando-o como “moço de recados”, em lugar de remeter o assunto aos serviços administrativos.” 56. Deste modo, retirando-lhe a autonomia estatutária própria de Director Financeiro que sempre teve e lhe foi reconhecida (…). 62. (…) como sejam exigir metas e objetivos impossíveis de atingir ou estabelecer prazos impraticáveis; acusar insistentemente o ofendido BB de não ser capaz de realizar as suas tarefas, de prejudicar as escolas e de não cumprir ordens, retirar-lhe as competências estatutárias que antes tinha; atribuir-lhe, sistematicamente, tarefas ou funções desajustadas ou desadequadas ao seu estatuto de titular de órgão de Direção; desprezar, ignorar ou humilhar o ofendido, forçando o seu isolamento; pedir-lhe sistematicamente urgência nas tarefas sem necessidade; divulgar sistematicamente comentários depreciativos obre o Director Financeiro; criar, continuamente, situações objetivas de stress (…); invocando, invocou, sistematicamente, a sua condição de superior hierárquico deste (…). 94. Em dezembro de 2018, a Diretora Técnico Pedagógica, a Dra. UU teve um acidente de trabalho o que a impossibilitou de ir trabalhar durante um período longo. 95. Durante esse tempo, a direção em vigência delegou na depoente essas funções. Era notório, já no ano letivo de 2018 que alguns pais, sem motivos aparentes iam mostrando algum descontentamento, manifestando nos finais do ano letivo interesse em destituir a direção e eleger uma nova, percebendo-se que era o arguido AA que apoiava esta insurgência, chegando a depoente a ouvir diretamente de um pai que não conhecia o Padre AA de lado nenhum mas que o mesmo tinha-se mostrado muito interessado, disponível para os ouvir, atender e até ceder espaços para reunirem. 96. No seguimento destas intenções, os pais pediram para o Presidente da mesa, VV marcar uma Assembleia extraordinária, a qual decorreu em Fevereiro de 2019 e contou com a presença do arguido AA, na qualidade de Diretor Geral do Colégio e nessa reunião ocorreram várias mudanças, destituição da Direção, pessoas que estavam dentro da Assembleia foram expulsas da reunião e naquela hora surgiu do nada um grupo de pais que se apresentavam como solução e com interesse em assumir a direção o que não foi permitido pela assembleia geral e foi criada uma comissão de gestão, composta por cinco elementos – todos pais de crianças que frequentavam a escola e os quais tinham manifestado interesse em assumir a direção. 97. (…) e a partir dessa data começou a estar mais presente, a intervir e a entrar nas decisões da própria comissão, da própria Escola. 100. O arguido AA fez uma chamada de atenção que depois nem concretizou nem contextualizou, como se fosse um exemplo/recalcamento para intimidar quem o quisesse contrariar ou ter ideia diferente (…). 101. (…) e a partir dali causou muita tensão, passando a perturbar o funcionamento da Instituição, pois volta e meia surgiam uma "novidade" por parte do arguido AA. 102. No início dessa reunião, ia entrar uma criança nova na creche a qual já estava agenda anteriormente à reunião e como era habitual as boas práticas de quando entra uma nova criança recebê-la assim como os pais, por parte da Educadora responsável e neste caso a ofendida EE também esteve presente porque a Educadora era recente na Instituição e quis por isso apoiá-la, e nesse momento o WW saiu da reunião e veio junto da depoente e da GG chamá-las, mesmo sabendo o que estavam a fazer, mas que tinham que iniciar a reunião, apressando-as. 104. Em finais de Março/Abril de 2019 a comissão de gestão veio dar conhecimento que tinham reunião com o Técnico da Segurança Social ..., Dr. OO o qual está ligado à Associação por ser uma IPSS dizendo que a Escola estava irregular, no sentido de que deveriam ter um diretor técnico que tivesse afetação à creche e outro ao pré-escolar e por isso a depoente deveria ser só diretora pedagógica e no momento nomearam outra pessoa para diretora técnica, tendo sido nomeada a Dra. XX, que aceitou o cargo, o que muito estranhou a EE pois quando a Dra UU teve o acidente foi-lhe proposto assumir as suas funções e a mesma recusou, tendo por isso sido nomeada a depoente. 117. Acresce que havia uma lista em papel com pessoas a manter e a “abater” da Associação e com o que aconteceu às colegas educadoras YY e ZZ, despedidas, e à diretora técnica/pedagógica UU e as ameaças constantes de despedimento ou processos, todos passaram a temer o que lhe iria acontece 136. Em julho de 2020, a ofendida EE foi convocada para uma reunião no próprio dia, ao final da manhã, pelas 11h, pela diretora pedagógica no gabinete com a mesma e o arguido AA. 137. Ao dirigir-se ao gabinete, a ofendida EE apercebeu-se que a colega GG estava lá com os directores (P. AA e a XX) e viu o arguido AA a apontar para uma folha que estava em cima da mesa. 138. A ofendida EE afastou-se para aguardar a sua vez, esperando que a mesma saísse para depois entrar. 139. Quando a mesma saiu passou pela ofendida EE no corredor e só disse de uma forma assustada: “falaram na carta”, era notório que estava inquieta, nervosa e alterada 140. Mais tarde, a GG falou com a ofendida EE e estava aterrorizada com a pressão que lhe foi imposta na reunião, supra referida e estava muito triste e assustada pois queriam que a mesma dissesse quem tinha elaborado a carta, se alguém a obrigou a assinar ou se foi por vontade própria, mas sempre de forma intimidatória e nessa reunião a XX falou aconselhando a GG a falar porque não estavam ali para a prejudicar, mas para ajudar, mas em momento algum quiseram perceber ou ouvir quais as motivações do porquê dos funcionários terem subscrito aquela missiva – era notório que apenas queriam incriminar alguém, saber quem tinha sido o autor principal. 142. Acresce que, esta situação de perseguição, controladora, sistemática que pouco contribuiu para o bom funcionamento, mas sim para destabilizar a equipas de trabalho e sobretudo os seus colaboradores que tanto dão à Instituição, já perdura há cerca de 3 anos. 153. O arguido AA fez um enxame de perguntas intrusivas da vida pessoal de muitos trabalhadores, na parte financeira e médica, nomeadamente de AAA, RR, BBB e de BB, sem ter qualquer legitimidade nem representação legal por parte do Director Geral. 177. Era frequente o arguido AA dizer-lhe “tem que fazer aquilo que eu digo senão cada um trata da sua vida em paz”.
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Relativamente aos sobreditos pontos, considerou o Mm. Juiz a quo que se trata de imputações genéricas e/ou conclusivas, sendo utilizadas expressões de conteúdo vago ou indefinido e sem referência a datas ou circunstâncias concretas(no que concerne ao constante dos pontos 8, 9, 13, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 25, 26, 27, 28, 46, 56, 62, 97, 100, 101, 140, 142, 153, 177), sendo, por isso, irrelevantes ou impossibilitantes do exercício cabal do direito de defesa.
Já no que diz respeito à matéria do ponto 41, entendeu-se que a mesma consubstanciava a repetição da matéria do ponto 40, sendo que a matéria dos pontos 94 a 96, 102, 104, 117 e 136 a 140 (esta também em parte julgada conclusiva), seria inócua para a decisão a proferir, em nada contribuindo para a eventual responsabilização criminal do arguido. Em especial, a matéria dos pontos 136 a 140 não diria, se quer, respeito à ofendida EE, mas à ofendida GG (sendo matéria tratada na acusação – cfr. factos 170 e segs.), sendo inócua relativamente à eventual responsabilização criminal do arguido quanto à mesma e veiculando, não propriamente factos, mas o relato de outra ofendida –GG – e conclusões dele retiradas.
Dito isto e retendo o teor dos pontos elencados, concordamos com o decidido.
Relendo os sobreditos factos constatamos que as expressões desconsideradas são, essencialmente, conjeturas, adjetivações, construções de pendor subjetivo ou afirmação de intenções veladas, sem definição temporal precisa e que, na verdade, são, para a construção da acusação, irrelevantes. Esta peça – e no caso a pronúncia – deve narrar os factos concretamente verificados, deixando o plano das intenções para o elemento subjetivo, sendo pelo teor concreto do alegadamente afirmado pelo arguido, pelas suas ações individualizadas e pela reiteração das mesmas, que se retirarão os elementos objetivos e subjetivos do tipo convocado.
A título de exemplo, a referência “Nessa mesma reunião ficou claro que o arguido AA vinha com a autoridade que trazia do Padre Provincial e que este lhe teria confiado uma “missão” resultante da entrega que lhe fez da Avaliação Apostólica de 2015 e dos Memorandos das suas Visitas ao Colégio ..., traduzindo-se essa missão em afastar os trabalhadores que mostrassem uma opinião diferente da sua” traduz, tão só, a “opinião” do narrador. O que é relevante é a explanação de factos concretos que tenham ocorrido na sobredita reunião para, a final, o julgador poder extrair as suas próprias conclusões sobre elementos relevantes para o preenchimento do tipo concretamente convocado.
Na mesma linha “O arguido AA continuou a convocar inúmeras pessoas (…) para supostas [afirmação da responsabilidade do narrador] reuniões, sujeitando-as a interrogatórios inquisitoriais [adjetivação], com questões inusitadas e absurdas de ordem pessoal e profissional [a adjetivação é estranha às finalidades de um despacho de pronúncia ou equivalente. Seria relevante indicar quais as questões concretas para, a final, se perceber se são inusitadas ou absurdas], deixando-as confusas e até temerosas pelo seu futuro, [consequência não apreensível por falta de concretização das premissas]”.
A mesma vacuidade ou irrelevância vem expressa em “100. O arguido AA fez uma chamada de atenção que depois nem concretizou nem contextualizou [o mesmo aqui sucedendo, pois não há concretização sobre o conteúdo da “chamada de atenção”, para que se perceba da sua relevância ou justificação], como se fosse um exemplo/recalcamento para intimidar quem o quisesse contrariar ou ter ideia diferente (…) [mera opinião, subjetiva]. 101. (…) e a partir dali causou muita tensão, passando a perturbar o funcionamento da Instituição [como, porquê, em que medida afetando os assistentes?], pois volta e meia surgiam uma "novidade" [o quê?] por parte do arguido AA.”.
Outro exemplo.
Insurgem-se os assistentes contra o facto de o Mm. Juiz a quo ter considerado indiciada a matéria constante do ponto 12, sendo que o e-mail aí mencionado é o mesmo, pelo que, também aqui, seriam factos a considerar e com o estatuto de indiciados.
Ora, o constante de 11 a 13 dos factos considerados indiciados são objetivos e reportam-se ao teor do e-mail remetido e constante dos autos. O segmento extraído de 13 e que não foi considerado é, meramente, um juízo conclusivo (dando-lhe a entender que caso não concordasse seria despedido) e, nesta medida, estranho.
Concordamos, pois, com o decidido na decisão impugnada, pois a apreciação da suficiência instrutória far-se-á sobre factos, com a concretização possível e, de entre estes, apenas os que forem relevantes para a responsabilização criminal do arguido, num corpo de texto enxuto, objetivo, alijado de “considerandos” laterais, opiniões (necessariamente subjetivas) ou adjetivações superlativas.
Na parte em que existe alguma concretização temporal, por outro lado, os factos ali contidos não assumem qualquer relevância criminal, sendo, por isso, excrescentes às finalidades precípuas de uma acusação.
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III.4
Da (in)existência de indícios
Mantendo-se, pois, o decidido, passemos à questão central da suficiência indiciária.
A análise que nos propormos fazer convoca, novamente, o exposto supra a propósito das finalidades da instrução (III.2) e a sua conjugação com os conceitos de indícios suficientes e da presunção de inocência.
Dispõe o n.º 1 do art.º 308.º do C.P.P. que, se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação, ao arguido, de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.
Do exposto resulta que o critério aferidor da existência (ou não) de indícios se revela na constatação, no momento da prolação do despacho final, da existência de indícios – com apreciação da sua “suficiência” – da verificação dos pressupostos de que depende a aplicação, ao arguido, de uma pena ou de uma medida de segurança, por preenchimento, ainda que indiciário, dos elementos típicos de um ou mais crimes.
Se assim é, não define a lei, no entanto, qual o critério referencial para a adjetivação da “suficiência” dos indícios recolhidos. Para tanto, refere o n.º 2 do mesmo artigo ser correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto nos n.ºs 2 […] do art.º 283.º […].
Prescreve, pois, o sobredito n.º 2 do art.º 283.º que «[c]onsideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança».
Do exposto deflui que o critério da suficiência se integra e conjuga com a existência de uma “possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”. É, pois, coincidente, o mesmo critério a presidir às decisões de encerramento do inquérito e de encerramento da instrução.
Ainda assim, a conclusão pela existência e suficiência indiciária não se pode bastar com a mera “probabilidade” da superveniência de uma condenação. Antes – e porque o arguido beneficia da presunção de inocência e, em caso de dúvida, deverá esta ser derrogada a seu favor – da prova indiciária recolhida deverá perspetivar-se, para além de qualquer dúvida razoável, [Para Castanheira Neves(Sumários de processo criminal, Coimbra, “policopiado”, 1968, pp. 38-39), «na suficiência de indícios está contida a mesma exigência de “verdade” requerida pelo julgamento final» já que «à apreciação da suficiência da prova […] não se trate de aceitar um grau menor de comprovação, uma mera presunção ou uma probabilidade insegura […] antes de se impõe também aqui uma comprovação acabada e objectiva».] que houve crime(s) e que o(s) arguido(s) foi(am) o(s) seu(s) agente(s).
Neste juízo, necessariamente prospetivo, deverá estar presente a mesma exigência e critério do julgamento, i.e., que aquela possibilidade está isenta e vai para além de qualquer dúvida razoável.
Se, ainda que em sede indiciária, forem reveladas dúvidas, sobre os factos, que sejam insanáveis - como tal persistentes, mesmo após exaurimento de todas as diligências necessárias ao esclarecimento - e razoáveis – assentes, por isso, na razão, na lógica, na defluência do normal acontecer, de pendor objetivo – então deverá concluir-se pela não pronúncia e não, acolhendo a dúvida, esperar a sua ulterior resolução em julgamento.
Em acrescento, a conclusão pela suficiência deverá ainda perspetivar, em raciocínio necessariamente prognóstico, a consistência dos indícios recolhidos, quando sujeitos à ação do contraditório, da concentração, da imediação e da publicidade, e com a nova produção dos meios de prova que não são pré-constituídos, concluindo-se por uma probabilidade particularmente qualificada de condenação (a possibilidade razoável de, ao arguido vir a ser aplicada em julgamento uma pena ou uma medida de segurança) [«Os indícios só serão suficientes e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando seja mais provável do que a absolvição» (Jorge deFigueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, reedição da edição original de 1974, Coimbra: Coimbra Editora, 1984, p. 133). Mais recentemente, também Jorge Gaspar (“Titularidade da Investigação Criminal e Posição Jurídica do Arguido”, Revista do Ministério Público, n.º 88, pp. 101 e ss.), Jorge Noronha da Silveira (“O Conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português”, AA. VV., Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Maria de Fernanda Palma (Coord.), Coimbra: Almedina, 2004: pp. 171 e ss.), Carlos Adérito Teixeira (“Indícios suficientes”: parâmetro de racionalidade e “instância” de legitimação concreta do poder-dever de acusar”, revista do CEJ, n.º 1, 2004, p. 160) e Paulo Dá Mesquita (Direcção do inquérito penal e garantia Judiciária, Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 90 e ss.) defendem um critério de “possibilidade particularmente qualificada” ou de “probabilidade elevada” de condenação.].
Note-se que, o princípio in dubio pro reo, componente do princípio da presunção de inocência, com consagração no art.º 32.º, n.º 2, da C.R.P., é aplicável em todas as fases do processo, nomeadamente na apreciação a efetuar no despacho de encerramento do inquérito ou na instrução, quanto à aferição da suficiência dos indícios.
No acórdão 439/02, o Tribunal Constitucional concluiu que «a interpretação normativa dos artigos citados – 286º, nº 1, 298º, e 308º, nº 1, do Código de Processo Penal – que exclui o princípio in dubio pro reo da valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia reduz desproporcionada e injustificadamente as garantias de defesa, nomeadamente a presunção de inocência do arguido, previstas no artigo 32º, nº 2, da Constituição».
O princípio in dubio pro reo é um efectivo princípio jurídico de avaliação dos factos, de decisão, na dúvida razoável, a favor do arguido, que pode operar quando haja provas, sinais, indícios, mas que não sejam adequados a alicerçar conclusões seguras.
Assim, delineado o conceito, não parece haver dúvidas de que sempre que se decide, quer em termos definitivos, quer em termos interlocutórios, desde que se esteja em processo de formação de convicção quanto aos factos imputados ao arguido e à sua apreciação à luz dos tipos legais e dos princípios fundamentais do direito penal, é legítimo o uso do princípio in dubio pro reo.
Retendo todo o exposto, no momento da prolação do despacho de pronúncia (ou não pronúncia) é o Juiz chamado a decidir, na presença de todos estes conceitos, se houve crime, se o arguido o cometeu e se será, na ótica da possibilidade qualificada, condenado por isso.
Dito isto, quanto aos factos considerados não indiciados - concretizados de a) a ffff) - o Mm. Juiz a quo referiu (…) Aqui chegados, cumpre esclarecer que a consideração conjugada de toda a prova produzida nos autos levou a que o tribunal concluísse, com segurança, que a forma como os assistentes se referiram (confirmando as queixas apresentadas, no caso dos assistentes BB, FF e DD, pois que pouco mais do que isso se retira dos seus autos de inquirição; nas queixas apresentadas, no caso da assistente GG, que não foi sequer inquirida; nos seus depoimentos, no caso das assistentes EE e CC) ao arguido AA denota uma visão da actuação do mesmo, enquanto Director Geral do Colégio ..., antes de o ser e quando passou a ser Director Adjunto, que não coincide com a que resulta da demais prova produzida nos autos, mostrando-se parcial e subjectiva, reflectindo óbvia hostilidade e intolerância para com a sua forma de exercer as funções de que tinha sido incumbido, o que lhes retira, obviamente, a necessária credibilidade. Assim, não pôde o tribunal considerar indiciados, apenas com base no que os assistentes “afirmaram” no inquérito (pela forma que referimos supra, no que respeita aos assistentes BB, FF, DD e GG, e nos depoimentos mais extensamente prestados, também já supra aludidos, no que se refere às assistentes CC e EE), a factualidade imputada ao arguido, e designadamente as expressões (frases inteiras relatadas em discurso directo e feitas constar entre aspas, mesmo referindo-se a factos ocorridos há períodos de tempo mais ou menos longos) imputadas, apenas quedando indiciado, a tal respeito, aquilo que, não estando plasmado em qualquer documento, nas declarações daquele (cuja credibilidade já justificamos, mas a que ainda voltaremos) e de testemunhas ouvidas em sede de instrução encontrou respaldo (e daí a não indiciação da matéria que extravasa o que, como supra apontamos, teve nesses elementos de prova sustentação). Assim, foi patente que o arguido, em sede de instrução não se revendo em grande parte das expressões que lhe vinham imputadas (mais uma vez, repita-se, apenas pelos assistentes, não tendo sido ouvidas no inquérito quaisquer testemunhas que tenham presenciado as reuniões a que os factos dos autos se referem), admitiu ter confrontado em várias ocasiões as pessoas que (como as assistentes CC, EE, GG e DD – veja-se, designadamente, o teor de fls. 149) tinham assinado cartas com acusações relativas à a sua actuação no Colégio .... Porém, admitiu tal confrontação, e a alusão à expressão do “elefante”, explicando que entendia haver algo a esclarecer com tais pessoas, mas pela positiva, num esforço de clarificação para seguir em frente, de levar as pessoas a “fazer caminho”. E as testemunhas – presentes em reuniões com os vários assistentes, como resulta do já exposto – ouvidas em sede instrução corroboraram, de forma circunstanciada e coerente, a postura que o arguido disse ser a sua. Com efeito, a testemunha XX (já supra mencionada), ouvida sobre as reuniões com as assistentes CC e DD, explicou que as mesmas se destinavam a saber as razões do que se passava e seguir em frente, num novo caminho, dizendo que o arguido era transparente e frontal, contextualizava a reunião e pretendia comunicar, dar oportunidade para as pessoas se pronunciarem, entendendo não haver razões de queixa dele por perseguição ou autoritarismo. Também a já referida LLL (assistente educativa na ... desde Outubro de 2018) afirmou que teve reuniões com o arguido e as auxiliares, dizendo que o mesmo era transparente, sempre as pondo a par de tudo, falando abertamente, num tom explicativo, nunca tendo sido agressivo ou ríspido. Além disso, referiu que o arguido perguntou mesmo qual o caminho para reestruturar a ..., quais as mudanças para seguir num bom caminho. Aliás, a acta de fls. 1765 (referente à reunião de 30 de Janeiro de 2020) reflecte isso mesmo, e não, de forma alguma, os factos que ao arguido eram imputados (com base no que foi veiculado pelas assistentes DD e CC, que, diga-se, assinaram a acta) a tal respeito e que foram dados como não indiciados. TT, por sua vez, e como já vimos, sobre a reunião do arguido com o assistente BB, referiu que a mesma foi absolutamente educada e cordial, os pedidos feitos ao último eram contextualizados, querendo o arguido inteirar-se sobre os assuntos do Colégio, e o assistente ia respondendo. Mais afirmou que o arguido nunca desrespeitou ninguém durante a reunião, sendo que, como também já vimos, sobre o episódio de 4/1/2019, em que o arguido invocou a sua autoridade de superior hierárquico, afirmou que a situação requeria assertividade. A este respeito, EEE (director pedagógico das oficinas, tendo entrado no Colégio ... em 1987, onde esteve até 1993, voltou em 2003 e continua até hoje) afirmou que não teve qualquer dificuldade com o arguido, dizendo que ele tinha uma forma clara e assertiva na identificação e resolução dos assuntos, forma de trabalhar que não terá caído bem no assistente BB. Veja-se, além do que vimos de expor, que a prova recolhida indicada na acusação em sustentação da “tese” dos assistentes, plasmada nos factos ali imputados e agora dados, em grande parte, como não indiciados, é exígua e inconsistente. Assim, para além de documentos relativos a nomeações e Estatutos, cuja fidedignidade não está em causa e servem apenas para enquadrar a actuação do arguido, são indicadas várias mensagens de correio electrónico (vulgo, e-mails), não sendo posto em causa o seu teor, como tal tendo resultado o mesmo indiciado, nos termos já supra expostos. No entanto, sobre os mesmos importará tecer algumas considerações, pois que deles se retira, a nosso ver, não a visão da actuação do arguido dada pela “tese” dos assistentes e que a acusação reflecte, mas uma bem diferente, ao que se chega pela devida contextualização de tais mensagens, e bem assim pela consideração do seu teor de forma mais completa (tal como se verteu, em algumas situações, nos factos indiciados). Assim, no que respeita às mensagens de correio eletrónico enviadas pelo arguido ao assistente BB, podemos ver, desde logo, o tom cordial daquele nas que constam a fls. 115 a 117. A fls. 151 a 154, podemos ver, lendo os e-mails trocados pelo arguido com o assistente BB sobre o problema com o telefone do primeiro, que o mesmo justifica o porquê de fazer o pedido àquele (“seguindo a indicação recebida do P. KK, de tratar contigo das coisas praticas”), fazendo-o num tom cordial e dizendo que se o assistente ainda não falou com a pessoa que poderá tratar do problema, ele mesmo falará. É evidente, a nosso ver, que desta troca de e-mails não decorre qualquer amesquinhamento ou desvalorização do assistente, assim de dando como não indiciado o facto da al. e). No que respeita ao facto da al. g), decorre do teor das mensagens que constam do print de fls. 169 que a mensagem enviada para o telemóvel de BB, dizendo “se for preciso envio para o teu mail pessoal”, deveu-se, não ao facto de este não haver respondido ao correio eletrónico recebido dois minutos antes, mas ao facto de o arguido ter recebido indicação do mail institucional do assistente de que o mesmo já estaria ausente. Relativamente ao facto da al. h), não se percebe de onde se extrai que o arguido sabia do “estado de doença do ofendido”, pois que não se vislumbra que este o tenha manifestado, nem até então se vislumbra que tenha estado de baixa médica (esteve, mas posteriormente, com data de início de 07/01/2019 – cfr. certificado de fls. 210), sendo certo que ao e-mail do arguido o assistente respondeu, extensamente, a 1 de Janeiro (dia feriado), e às 23h16; quanto ao propósito de exercer pressão psicológica e moral sobre o assistente e de o desestabilizar, não se vê também de onde se extrai a indiciação do mesmo: o arguido dirige solicitações compreensíveis, fá-lo de forma urbana e aberta, pede colaboração ao assistente, não se vendo como às solicitações do arguido possa ser assacado tal propósito. Veja-se que o assistente inicia mesmo a resposta à solicitação de manutenção do arguido em Cc, nos e-mails em que estiver em Cc, com a expressão “Embora o P. AA o diga com bons propósitos (…)”. Quanto à matéria da al. i), decorre do e-mail de fls. 200 que o mesmo é enviado apenas a “BB ...”, sem qualquer conhecimento a terceiros, sendo que, estando em causa assuntos do Colégio, tratados pelo arguido, que era o seu Director Geral, não vemos como possa concluir-se que tal mensagem de correio eletrónico possa ter sido enviada para rebaixar um outro funcionário da instituição perante a mesma, desqualificá-lo, apoucá-lo ou tratá-lo como um mero serviçal (e veja-se que o arguido, como vimos supra, já antes havia justificado perante o assistente o tratamento de determinadas matérias com o mesmo). Já no que concerne às matérias das als. k), l), n) e p), pensamos ser evidente, à luz das mais elementares regras da experiência relativas à utilização de dispositivos informáticos (incluindo telemóveis com tecnologia que os tornam aptos a enviar e receber e-mails), que o envio de mensagens de correio electrónico não é apto a perturbar o descanso ou acordar quem quer que seja, a não ser que o destinatário da mensagem o queira. E como pode o assistente pretender que se tenha do envio de tal tipo de mensagens a ideia de que poderão perturbar o descanso de quem quer que seja, quando o mesmo também as enviou às 00h14 a EEE (fls. 1758) – este, aliás, afirmou em sede de instrução que o assistente BB mandava e-mails fora do horário de trabalho, à noite por exemplo, de forma relativamente frequente, sendo normal mandarem e-mails fora de horário de trabalho –, sendo certo que, como vimos, respondeu a e-mail do arguido às 23h16 de um dia feriado? No que respeita à matéria da al. o), verifica-se que, tendo o arguido afirmado desconhecer que o assistente estava de baixa (pois que este nada informou e no Colégio não lhe sabiam dizer se ele estava de baixa), também a testemunha TT referiu que aquele não lhe comunicou ter entrado de baixa, sendo que o arguido lhe perguntou por ele e só sabia que o mesmo não estava pela ausência, mas não sabia se estava de baixa, ele desapareceu e não sabia porquê. Aliás, a mensagem constante do print de fls. 212 traduz isso mesmo, pois o arguido diz ao assistente BB que não sabe onde ele anda ao não vir ao local de trabalho desde 4 de Janeiro, nem sabe se ele está de baixa e quanto tempo vai estar, nem quem o está a substituir nas coisas que estão em atraso. O mesmo acontece nos e-mails enviados 11 e 14 de Janeiro de 2020 (fls. 214, in fine, e 215), sendo que o assistente apenas responde, e sente necessidade de enviar documento médico para comprovar o seu estado de doença, a 16 de Janeiro (fls. 214), sendo patente o tom hostil com que se dirige ao arguido, terminando a dizer-lhe que “não precisa de se preocupar pois, neste momento, tudo o que é decisivo e realmente importante nas áreas administrativa e financeira das várias entidades está devidamente acautelado e assim continuará, contanto que me seja permitido fazer o meu trabalho”. Torna-se assim evidente que o assistente não pretendia “dar contas” ao arguido do que era “realmente importante” (no seu entender) nas aludidas áreas, apesar de este ser, há menos de um mês, o Director Geral do Colégio ... (e por isso seu superior hierárquico, ao que abaixo voltaremos), naturalmente pretendendo inteirar-se dos assuntos relevantes da instituição. Quanto à matéria da al. q), negada peremptoriamente pelo arguido (que esclareceu não ser o superior da comunidade, não tendo qualquer poder para proibir, nem proibiu), constatase que os padres em causa não foram ouvidos, não sendo indicadas testemunhas, na acusação, com conhecimento dos factos em causa. E, a ter acontecido o que ali é descrito, quem poderia saber as razões do Padre WW senão o próprio? De forma semelhante se concluiu pela não indiciação da matéria das als. s) a u), negada pelo arguido e em relação à qual não há prova testemunhal (ou outra) que possa sustentar, de forma cabal, o que quer que seja. Relativamente à matéria da al. v), também negada pelo arguido, que remeteu para os textos relativos à comunicação da suspensão ao assistente (e esclareceu que o assistente não podia entrar onde exercia funções em relação às quais estava suspenso), verifica-se que naqueles (atinentes a cada instituição escolar onde o assistente exercia funções – cfr. fls. 232 e segs.), consta apenas que “não deve V. Exa. aceder às instalações institucionais, nem praticar qualquer acto de cariz funcional.” E, não tendo sido aquele suspenso na Artave, viu-o o arguido nas instalações da mesma. A não indiciação da matéria da al. x), mostrando-se já fundamentada no que vimos de expor, é frontalmente contrariada pelo teor das mensagens de correio electrónico e SMS enviados pelo arguido, e pelas respostas às mesmas dadas pelo assistente, a que supra já aludimos, e bem assim pelos depoimentos, também já analisados, das testemunhas ouvidas em sede de instrução, acrescentando-se apenas uma ou duas notas. Assim, caracterizando a atitude geral do assistente BB, no sentido de não responder às solicitações do arguido e do Padre MM (mais exactamente LL, que em 2018/2019 foi para as ..., inicialmente num cargo pastoral de ajuda e acompanhamento de alunos, sendo depois nomeado pelo arguido para vários cargos – cfr. fls. 40 e segs.), pode ver-se o e-mail de fls. 178 e segs., enviado pelo assistente, mas também a ausência de qualquer resposta, referida pelo arguido e pelo Padre MM, aos vários e-mails enviados; a 4 de Fevereiro (fls. 228), o assistente responde apenas sobre o assunto “salas do colégio”, começando logo por lembrar que o faz “apesar” do seu “fortíssimo condicionamento de disponibilidade de tempo em face das complexas e primordiais tarefas” que tem em mãos. E, segundo o primeiro, apenas por uma vez o assistente alegou estar ocupado com algo que em concreto não lhe permitia responder ao solicitado, referindo-se ao e-mail de fls. 231, onde o assistente alude à necessidade de cumprimento de deveres de prestação de contas, como a apresentação, até 15 de Fevereiro, de pedidos de reembolso e saldos intermédios. Veja-se que, em resposta, o arguido e o Padre MM dizem ficar “então a aguardar o envio da documentação solicitada”, referindo mesmo que o assistente poderá “naturalmente pedir aos serviços da instituição que lhe prestem todo o apoio necessário”. Mais uma vez se tem de perguntar: onde se vislumbra a actuação provocatória, humilhante e rebaixadora do arguido a que se refere a acusação? Mas também as testemunhas ouvidas em sede de instrução foram claras e inequívocas na infirmação de tal tipo de actuação. Para além do já exposto acerca de vários dos factos em causa nos autos, e muito sinteticamente, HH (padre, foi superior provincial da Companhia de Jesus com competência para nomear Director Geral para o Colégio ..., tendo nomeado o arguido em 2018, substituindo o padre KK, que estava lá há 7 anos.), ouvido em sede de instrução, referiu que as resistências começaram antes de o arguido chegar, já a criticar a escolha do mesmo e a dizer que não era o momento de mudar o director-geral: veja-se que as críticas ao arguido ocorreram bem antes de ser efectivamente nomeado, quando apenas tentava inteirar-se dos assuntos do Colégio, como se depreende, desde logo, dos documentos de fls. 118 e segs. (de 4 de Outubro de 2018, quando o arguido tinha cerca de um mês de estadia no Colégio) e 132 e segs., de 2 de Novembro de 2018, subscrito pelo assistente BB, entre outras pessoas. Mais referiu tal testemunha que não lhe pareceram razoáveis as resistências, durante os 3 meses antes da tomada de posse, nem lhe parecia razoável que o futuro Director Geral não conseguisse obter informações, designadamente económicas e financeiras, para poder gerir o colégio, não compreendendo os motivos disso a não ser para que ele não assumisse as funções. E nomeou outro Director Geral porque a tensão era de tal nível que lhe pareceu que o melhor era distender o ambiente e encontrar outro Director Geral, passando o arguido a Director Adjunto. Mais afirmou que as queixas que lhe chegavam não eram objectivas, e que nos inquéritos internos os acusadores não se mostraram disponíveis para responder, não havendo base factual para retirar autoridade ao arguido e, por inerência, à Companhia de Jesus. E, de forma que nos parece compreensível, concluiu que, se fosse outro o Director Geral a fazer as perguntas que o arguido fez, o desfecho seria o mesmo. Ou seja, como já compreendemos, a resistência era à chegada de um Director Geral que quisesse exercer realmente as suas funções, o que implicava, obviamente, inteirar-se de todos os assuntos do Colégio e impor a sua autoridade: como disse a testemunha, quem mandava no Colégio era o Director Geral. Tal é o que decorre, efectivamente, dos estatutos do Colégio ..., constantes de fls. 43 e segs.: veja-se o disposto pelos seus artigos 7º a 9º. Neste último estabelece-se que “A gestão administrativa e financeira do Colégio é exercida por um Administrador, nomeado pelo Director-geral, do qual depende hierarquicamente”. Perante isto, que sentido faz retirar, de qualquer frase alusiva à superioridade hierárquica do arguido, um qualquer intuito de humilhar ou rebaixar: o arguido apenas estaria a relembrar (porque a sua autoridade estava a ser contestada), mais do que o óbvio e evidente, o estatutariamente estabelecido. Também o padre LL referiu que o arguido ainda nem Director Geral era quando se iniciaram as queixas, que não correspondiam à sua percepção das coisas, caracterizando o arguido como trabalhador, workaholic, incisivo, podendo chocar com outras personalidades, por força de feitios e formas de trabalhar diferentes, mas nada do que via naquelas lhe parecia justo. Mais aludiu aos e-mails que também subscreveu, referindo que eram pedidos de coisas que precisavam de ter para a gestão da casa e que não tiveram resposta, sendo que a administração estava incrivelmente centralizada no assistente BB, nem uma cadeira se podia mudar sem autorização dele. E esclareceu que o assistente podia ter dito para falarem com outra pessoa, mas não disse. A testemunha, já aludida, EEE, afirmou também que não se identificava com o que estava a acontecer relativamente ao arguido, havendo pessoas com dificuldade na relação com ele. Aliás, no depoimento prestado no processo de averiguações (cfr. fls. 527 e segs.), tal testemunha criticou o estado de coisas do passado, afirmando que há anos que a direção se recusava a partilhar informação, sendo que a direcção administrativa sempre se opôs à existência de reuniões conjuntas de Direcção (fls. 615), aludindo ao controlo absoluto da organização pela Direcção, estando aquele concentrado em duas ou três pessoas, sendo que a administração “não admite ser questionada, ela e que sabe que informação quer e pode dar” (fls. 617 e 618). E, sobre aquilo que foi veiculado sobre a actuação do arguido – e que constatamos que passou para o texto da acusação –, diz em tal depoimento (de forma inteiramente coincidente com a leitura que o tribunal faz da mesma a partir da análise de toda a prova dos autos) que “Os comportamentos do Pe AA que tem sido amplamente criticados são a parte mais clara e evidente da lógica manipuladora da administração. O P AA se disser uma piada, a piada tem em sentido duplos, ou possíveis, isso é que é uma piada, a administração explora-a ao máximo nos múltiplos sentidos nas ações, atitudes, palavras, tentando ir buscar o lado negro dessas ações, atitudes e palavras. Estão a atacar uma pessoa a que podem recorrer, vão detetando sentidos na maneira de ser dele, e exploram-nos como uma âncora para afirmações mentirosas. Há muita mentira deliberadamente provocada, intencionalmente provocada, de situações que acontecem. São mentiras em parte, que partem de um facto que correu, uma expressão qualquer do Diretor Geral.” E perguntado sobre se o P. AA foi assediativo, humilhatório, vexatório e abusivo, respondeu ser tudo falso, “criado para obter o fim que se pretende alcançar”, sendo que “com outro clima e outras pessoas estaria tudo bem com o P AA. Eu penso assim eu posso não ter empatia com alguém mas há que distinguir o que é assédio do que é o modo diferente de funcionar”. Face ao que vimos de transcrever, pensamos não ter sido dada a devida importância ao processo de averiguações (e ao que dele consta em contrário à tese dos assistentes), apresentado pela acusação como prova. Neste ponto, e de forma a ilustrar como, efectivamente, decorre dos autos a manipulação (ou, pelo menos, a tentativa) de factos no sentido de ancorar afirmações, sem fundamento, que prejudicavam o arguido, veja-se o que resulta do depoimento, em sede de instrução, de MMM, professora de biologia e geologia no Colégio ... desde 2001. Esta testemunha afirmou que, no âmbito de uma actividade do Colégio, o arguido fez um qualquer comentário de comparação entre as garras de uma águia e as suas unhas, que nem sequer valorizou. Ora, passado um mês e uns dias, estando presentes o assistente BB e outras pessoas, perguntaram-lhe se não se tinha passado recentemente algo que a tivesse magoado, recordando-a daquele dia, e propuseram-lhe fazer uma denúncia, uma queixa anónima em relação à actuação do arguido, ao que respondeu negativamente. Este depoimento está em total consonância com o que disse no processo de averiguações (fls. 562 e segs.), onde disse que refutou a frase que o Padre WW (que estava presente, juntamente com o assistente BB e a prof. FFF) lhe disse ter sido dita pelo arguido no aludido episódio, sendo que ainda acrescentou que não se sentiu minimamente lesada com a frase (de que já não se lembrava) que o arguido teria dito e, dirigindo-se ao Padre WW, ainda lhe notou que “tu em brincadeiras connosco, dizes coisas bem piores”. Ora, este episódio (que, não constando da acusação, entendemos ser extremamente impressivo no que toca ao que realmente se passou com o arguido) é relatado na carta dirigida ao “prepósito Geral da Companhia de Jesus Reverendíssimo Padre NNN” (fls. 132 e segs.), subscrita, entre outros, pelo assistente BB e pela prof. FFF, sendo apresentado sob a epígrafe “Um episódio gravíssimo entre muitos episódios”, ali se dizendo que os presentes ficaram “atónitos e petrificados”, estando em causa “linguagem sexualizada, agressiva, humilhante e ofensiva”, referindo-se à aludida testemunha como a “professora ofendida e humilhada” (lembre-se, a testemunha MMM, que desvalorizou completamente o ocorrido), concluindo que a resolução da questão “passa, pelo menos, pelo afastamento imediato do autor de tão grave acontecimento”. E não podemos deixar de referir aqui a menção, essa sim constante da acusação (e também ela constante da carta de fls. 132 e segs.), ao que o arguido escreveu no Facebook. Como consta do ponto 10 dos factos indiciados, o arguido AA, a 3 de Setembro de 2018, escreveu na rede social Facebook, a propósito de ter aceite o cargo para dirigir o Colégio ..., que coordena várias escolas, dizendo, em resposta a “CCC”, que lhe tinha perguntado nessa rede se tinha deixado Lisboa, “Sim, o Provincial achou que me estava a fazer falta o Norte” (…) “Cá estamos já, na área da educação da qual não sei quase nada, mas disposto a arregaçar as mangas. Onde há empenho inteiro, aí há Alegria”. Ora, tal singelo comentário numa rede social, donde se retira uma nota de humor e disponibilidade para o trabalho, mesmo numa área quase desconhecida (reflectindo até alguma humildade), foi motivo para, na aludida carta, se escrever que “Perante tais afirmações, não seria de admirar o início de uma onde perplexidade que se instalou em inúmeras pessoas (…), perplexidade essa que se tem alastrado até ao dia de hoje e que, a continuar, poderá ter consequências imprevisíveis pelas piores razões”. Por aqui se vê a forma como aquilo que o arguido pudesse dizer ou escrever iria ser, de uma forma ou de outra, adulterado, descontextualizado, usado contra ele (aliás, isso mesmo decorre das declarações do arguido em sede de instrução), o que nos parece ser o caso, também, do episódio do ponto 70 dos factos indiciados, em que um comentário em tom humorístico (numa situação de verdadeira brincadeira de crianças) se tornou matéria de acusação. A carta em questão, como já referido, é de 2 de Novembro de 2018. O comentário no Facebook (ali referido como “O anúncio nas redes sociais”) é de 3 de Setembro de 2018. Parece óbvio que não era desejado, designadamente pelo assistente BB, que o arguido chegasse a ser Director Geral do Colégio .... E a procura de, depois de o ser, fazer com que dali saísse, está bem presente nas cartas de fls. 145 e segs., sendo a de fls. 149 subscrita (entre outras) pelas assistentes EE, CC, GG e DD, onde aludem a rumores (“soubemos de alguns encontros (…)”), a “comportamentos e modos de proceder” do arguido e a “situações que verificamos serem totalmente inapropriadas para um jesuíta nesta Casa”, para concluir que «o P. AA não reúne quaisquer condições para ficar nesta casa, sob pena de, em caso contrário, nos deixar entregues às insegurança, instabilidade e sem qualquer futuro para a ... e a sua “escola infantil” a não ser o descalabro e o encerramento». Ou seja, de juízos de valor se parte para se chegar, sempre, à expressão do desiderato de exoneração do arguido, baseada em inseguranças e temores desprovidos de base factual. Especialmente impressivo no sentido de esclarecer o que verdadeiramente aconteceu no Colégio ... com a chegada do arguido, no sentido de não ser desejado que alguém, ademais sendo Director Geral, quisesse saber dos assuntos da Instituição, foi o depoimento da testemunha, já aludida, TT, secretária da direcção do Colégio ..., desde 2003. Além do que já se expôs sobre o seu depoimento, importa salientar que a mesma afirmou que também era secretária do assistente BB, e que o mesmo e a Prof. FFF (também subscritora da carta de fls. 132 e segs.) deixaram de confiar em si, porque perceberam que não ia alinhar na resistência que estavam a fazer ao arguido (resistência essa que disse dever-se ao modo de trabalhar deste, que queria saber das coisas, estar em CC nos emails, o que lhe pareceu normal). E disse mais, esclarecendo (sempre com notória sinceridade, e diríamos mesmo com pena de que as coisas se tivessem passado como relatou) que tinha profunda admiração e estima pelo assistente BB, e só não pôde ficar ao lado dele quando percebeu que ele não estava a ser correcto, o caminho dele não era de verdade, transparência e honestidade. E referiu, o que queremos por último notar, que as portas eram todas fechadas ao arguido, que era então um homem sozinho. Para além do que resulta do já exposto sobre o constante do processo de averiguações de fls. 528 a 701, onde o visado é o arguido (lembre-se, apresentado na acusação como elemento de prova), será de salientar que no mesmo (tal como acontece com as mensagens de correio electrónico e prints de SMS mencionados na acusação) se constata que vários dos inquiridos contrariam frontalmente a tese da acusação, antes resultando dos seus depoimentos (alguns já supra mencionados) uma visão positiva do arguido e bastante negativa do estado de coisas anterior. A título de exemplo, veja-se o depoimento de OOO (fls. 606 e segs.), que a fls. 608, sobre a carta, descrevendo negativamente o arguido, enviada aos Reverendíssimos Padres SS, NNN e HH, que diz ter-lhe sido lida, afirmou que não tinha fundamento: “não tínhamos contacto com ele para saber isso, não nos apresentaram factos”. E disse do arguido que está “sempre bem-disposto, cumprimenta toda a gente, está presente na Sala dos Professores, ele sempre foi cordial”, fazendo sempre um esforço para estar presente, “e não é retribuído na mesma forma por algumas pessoas”. Por sua vez, PPP (fls. 626 e segs.) interroga-se sobre como eram possíveis as atitudes contra o arguido quando este tinha acabado de chegar, dizendo (fls. 637) mesmo que ouviu “o Pe AA desde o início a dizer que queria trabalhar com transparência, que queria ajustar a forma de trabalhar com quem está na escola, que queria conhecer toda a gente. Parece-me normal que queiram saber o que fazemos, a mim só me descansa, que queiram acompanhar as reuniões, por isso não consegui perceber porque não queriam aqui o Pe AA. Aliás, arrisco-me a dizer que finalmente alguém quer trabalhar nesta casa com transparência porque até agora, em vários assuntos, não havia diálogo, partilha e envolvimento de todos” Veja-se que aquilo que PPP entende como normal, e até elogia, é o que, na acusação, se imputa como sendo actuação com intenção de pressionar, humilhar e rebaixar os assistentes. De referir, ainda, o depoimento do Padre JJ (fls. 638 e segs.), o qual, para além de teses conspiratórias e alusão a coisas que ouviu dizer, apenas revela conhecimento directo do episodio dos pontos 39 e 40 dos factos indiciados; no entanto, sobre o mesmo alude a que, após a saída do arguido do gabinete, “a Dra. TT fica num pranto”. Ora, não estando em causa a veracidade de tal ocorrência, será de remeter para o depoimento, já descrito, que prestou em sede de instrução: se ficou num pranto, não se vê que impute ao arguido o seu mal-estar. Além de que o próprio Padre JJ (fls. 640) critica a centralização dos aspectos financeiros no assistente BB (tal como foi referindo o arguido ao longo das suas declarações na instrução), de quem diz que “A nível da instituição havia muitas queixas” (pondo em causa o elogio que as testemunhas indicadas na acusação lhe fizeram, como abaixo veremos). Não é de estranhar, assim, que tal processo de averiguações tenha culminado com considerações finais onde se arrasa a tese das acusações e se conclui (fls. 690) pela “inexistência de fundamento das acusações e ou denúncias apresentadas contra o Senhor Padre AA”, sendo arquivado por HH, na qualidade de Superior Provincial da Província Portuguesa da Companhia de Jesus, a 17 de Maio de 2019 (fls. 701). Percorridos os demais documentos, ainda não mencionados, a que alude a acusação, não vemos que os mesmos tenham qualquer aptidão probatória dos factos imputados ao arguido, sendo patente que o depoimento escrito de Dom QQQ, Arcebispo Emérito ... (fls.1435 e segs.), é absolutamente inócuo quanto àqueles. E que dizer dos depoimentos das únicas 4 (quatro) testemunhas (aqui se excluindo os assistentes) que a acusação apresenta como prova dos factos imputados? O Padre II (fls. 416 e segs.) apenas refere generalidades, formas de estar do arguido, sem factos concretos, além do que ouviu dizer a outros. Além disso, faz o elogio das virtudes do assistente BB e tece comentários conclusivos (alguns necessariamente a partir do que lhe disse tal assistente), negativos, sobre o arguido. Nada que fundamente, de forma minimamente cabal, os factos imputados ao arguido. O Padre QQ (fls. 454 e segs), por sua vez, num depoimento que parece muito pouco espontâneo, antes soando a texto pré-concebido, “começa por referir” que “a raiz dos problemas é a personalidade do P. AA e seus comportamentos, com grau elevado de desequilíbrio, que conduzem a procedimentos na linha da perseguição e da injustiça”. E concretiza tal juízo de valor em factos concretos de que tenha real conhecimento? Não. De forma semelhante ao Padre KK, fala das queixas que foram feitas sobre o arguido, e alude ao que lhe relataram: assédio laboral e psicológico, por parte do P. AA em relação a alguns funcionários, com graves consequências, pois precisaram de tratamento neurológico/psiquiátrico. E concretiza com episódios concretos, identifica os funcionários? Não. A seguir, faz também o elogio do assistente BB, classificando a sua suspensão e demissão como “uma clara injustiça”. Para além da clara parcialidade nos juízos que faz, nada diz de concreto que releve para a prova dos factos em causa nos autos. O Padre NN (fls. 467 e segs.), também num depoimento desprovido de qualquer espontaneidade, correspondendo claramente a um texto pré-concebido (com frases a “negrito”, por exemplo), começa por fazer o elogio do assistente BB, para depois criticar o arguido, nitidamente com base no que lhe foi relatado por outros, não deixando de fazer alusão aos emails enviados “a altas horas da madrugada” (já supra analisados os factos correspondentes), sempre recorrendo à “descrição da situação por parte de alguns colaboradores” em quem deposita confiança, aludindo a «“pressão e bullying psíquico”» e a pedidos, por parte do arguido, que “violavam a lei”. Factos concretos? Nada. E vai por ali fora, expondo a sua tese, no sentido de que o arguido foi para o Colégio com a missão, de que foi incumbido pelo Provincial (que o teria investido de uma «“autoridade quase divina”»), de mudar substancialmente o modo de proceder e trabalhar nos colégios, mudança essa considerada necessária após um processo de avaliação apostólica das obras da Companha de Jesus. E aqui temos de perguntar. Se foi isto que se passou, o arguido não agiu como lhe era pedido pelo Provincial, HH (a que já supra aludimos e que depôs em sede de instrução), ou seja, em obediência à hierarquia da própria Companhia de Jesus? Veja-se o que resulta do teor dos Estatutos do Colégio ... (fls. 43 e segs.), parcialmente transcritos no facto 3: o Colégio ... é uma obra da Província Portuguesa da Companhia de Jesus e o seu Director-Geral é responsável perante o Padre Provincial da mesma, por quem é nomeado. Veja-se também que, como vimos, do depoimento do Provincial que nomeou o arguido, o já supra aludido HH, nada consta no sentido de o arguido se ter desviado daquilo que seriam as suas incumbências. A testemunha prossegue então com um relato que nada tem a ver com os factos dos autos, mas destinado a ilustrar que o arguido estaria num estado de “grande doença psíquica” (assim mesmo, a “negrito”), que levou a que por ele sentisse (“subiu pelo meu corpo um sentimento”) compaixão. Termina reiterando a “situação de tremenda injustiça a que foram, e continuam a ser, sujeitos o Dr. BB e outros colaboradores do Colégio ...”, profetizando que “a solução para tão grave situação de diferendo criado entre as duas partes conflituantes só poderá, nesta altura, em minha opinião, ser alcançada em sede judicial civil”. Mais uma vez, para além da clara parcialidade nos juízos que faz, nada diz esta testemunha de concreto que releve para a prova dos factos em causa nos autos. Por último, RRR (fls. 493 e segs.), para não fugir à regra, fala essencialmente do que ouviu dizer, alude ao já analisado comentário do arguido no Facebook (para criticar a sua atitude), refere que o arguido disse numa reunião que tinha que haver hierarquia, havia quem mandava e quem obedecia, do que a testemunha terá discordado, dizendo-lhe que tinha que respeitar o processo democrático na gestão dos diversos institutos do Colégio ..., ao que o arguido nada terá retorquido. Terminou opinando que “Os senhores Padres (…) têm pouca noção do que é a gestão do dinheiro”. Nada de relevante, portanto, a não ser um singelo contributo para a imagem de autoritarismo assacada ao arguido. Sendo esta a prova testemunhal da acusação, cuja parcialidade e falta de conhecimento de factos concretos nos parece patente, considerando a também inconsistente e falha de credibilidade prova que as declarações dos assistentes consubstanciam, nos termos já expostos, e retirando-se dos documentos juntos aos autos, como resulta também das considerações acerca deles tecidas, apenas a confirmação do seu objectivo conteúdo, dado como indiciado (designadamente, das mensagens de correio electrónico e SMS), pensamos ser claro que apenas se podia concluir, ponderada a prova resultante da instrução, pela falta de indiciação dos factos nessa qualidade elencados. Mas uma testemunha mais devemos mencionar, dada a sua relevância, ouvida em sede de instrução. Assim, o Padre OO, que foi Director Geral do Colégio ... de 2019 a 2022, tendo substituído o arguido em tal cargo, passando este a Director Adjunto, referiu que, conhecendo o arguido há muitos anos, sempre trabalharam com a maior lealdade, apreciando a sua eficácia e rigor. E afirmou que havia uma resistência fortíssima, de um pequeno grupo de educadores, a um projecto, ao modelo que representava, resistências essas que não o surpreenderam, já que no âmbito da avaliação apostólica de 2015 havia alertas para práticas que se sobrepunham à pedagogia do Colégio. Mais disse que o arguido ia para o Colégio para implementar as medidas que a síntese final do relatório da avaliação dizia serem necessárias, medidas que, independentemente da pessoa que fosse para lá, iam provocar reacções. A título de exemplo, referiu que a forma administrativa como o colégio estava a ser gerido tinha de ser mais partilhada e transparente, subsidiária das questões pedagógicas e não o inverso. Tinha de haver mudanças de métodos de trabalho, de formas de ser e fazer. Sobre as queixas relativas ao arguido, classificou-as mesmo como alucinações ou invenções: alguém que diz estar a ser atacado porque lhe mandam fazer aquilo que são as suas atribuições. Esclareceu, ainda, que a avaliação apostólica de 2015 concluiu que havia centralização no departamento do assistente BB (a isto, como vimos, se referiram testemunhas ouvidas no processo de averiguações), havendo um mistério sobre a forma económica e financeira como o Colégio era governado, sendo que o arguido fez o que era normal e sensato fazer para saber o estado económico e das finanças, tendo encontrado uma resistência que o surpreendeu, não sendo as contas prestadas. E, em concreto sobre factos relativos ao assistente FF, confirmou que o mesmo era subalterno do JJJ, não percebendo a resistência a isso, pois era necessário que os responsáveis dos serviços tivessem coordenação, isso trazia benefícios de organização, fazendo sentido que o JJJ tomasse conhecimento de tudo o que acontecia, através do correio electrónico, além do contacto pessoal e conversa. Perante este depoimento, de quem efectivamente teve conhecimento da realidade do Colégio, desempenhando funções de Director Geral, pensamos só poder sair reforçada a falta de credibilidade dos assistentes e dos juízos veiculados pelas testemunhas arroladas na acusação, podendo concluir-se, conjugada a prova que vimos de expor na sua globalidade, que os factos imputados ao arguido e dados como não indiciados se devem, não à verdade, mas a uma estratégia de resistência a este, pelo que representava: autoridade superior – estatutariamente reconhecida, mas só agora efectivamente exercida –, procura de conhecimento de todas as vertentes e assuntos do Colégio ... (designadamente os administrativos, financeiros, pedagógicos, salariais e funcionais), implementação de novas regras destinadas a permitir esse conhecimento (designadamente, com o conhecimento das mensagens de correio electrónico trocadas sobre assuntos considerados relevantes), atribuição de cargos de coordenação. De qualquer forma, completando o que já vimos de expor, e de forma sucinta, diremos ainda, sobre os factos não indiciados, o seguinte (sempre tendo em mente a falta de consistência e credibilidade do veiculado pelos assistentes e o que já se disse sobre algumas das situações em causa): - a matéria das als. z) e aa) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, nem pelo depoimento da testemunha LLL, nem pela acta de fls. 1765; - a matéria das als. bb) a dd) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, nem pelo depoimento da testemunha XX, sendo que o depoimento de fls. 1282 da ofendida CC também não confirma as palavras em causa; - a matéria das als. ee) a ii) não resulta confirmada pelas declarações do arguido e pela testemunha XX; - a matéria das als. kk) a uu) não resulta confirmada pelas declarações do arguido; - a matéria das als. xx) e zz) não resulta confirmada pelas declarações do arguido; - a matéria da al. aaa) quedou não indiciada por não haver razões, à luz das regras da experiência, para que a ofendida EE se sentisse como ali descrito após a conversa em causa; - a matéria da al. bbb) não resulta confirmada pelas declarações do arguido; - a matéria da al. ccc), referente a uma ordem genérica, não pode considerar-se sustentada apenas com base no depoimento de uma só educadora, a assistente EE, que a fls. 1289 não diz que sequer que o arguido determinou o que quer que seja, só diz que “todos os contactos passavam” por ele. - a matéria da al. ddd) não faz sentido, refere-se a uma consequência de um evento ainda futuro, mencionado no facto 114, não se vendo como a eventual presença do arguido numa reunião de pais pudesse perturbar a assistente EE; - a matéria da al. eee) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, nem pelo teor do depoimento da testemunha XX, nem consta da acta de fls. 1767, não se mostrando compatível com o teor da mesma; - a matéria da al. fff) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, que relatou que a directora pedagógica (XX) lhe transmitiu que a mesma e a assistente só se cumprimentaram quando se viram na manhã em causa; - a matéria das als. ggg) e hhh) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, nem consta dos autos qualquer e-mail que lhe dê sustentação; - a matéria da al. iii) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, sendo que, à luz dos elementos dos autos já expostos e dos factos que se deram como indiciados, não há razões para concluir que a ofendida EE se sentiu da forma descrita como resultado de conduta do arguido; - a matéria da al. lll) é contrariada pelo próprio depoimento de FF a fls. 11 do apenso D, que menciona o dia 20 de dezembro de 2018 como data de nomeação do arguido, documentada a fls. 39; - a matéria da al. mmm) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, que disse que o assistente FF não tinha credenciais para fazer pagamentos e que apenas alterou as credenciais porque havia novos titulares das contas, com a mudança de Director Geral; além disso, o anexo 7 do 2º volume do apenso D (“Anexo do Inquérito ... Dossier entregue pelo ofendido”) não sustenta esta factualidade, pois o arguido diz ao assistente FF (em e-mail de 27 de Fevereiro de 2019) que ainda não tem os acessos necessários aos pagamentos e que será “necessário fazer os pedidos de pagamento por escrito a cada banco”, dizendo-lhe que, “se precisar de ajuda, fale sff com o Dr. SSS”, e ainda termina dizendo «aproveito para lhe agradecer a disponibilidade em comlaborar com o Dr. SSS, e pedir-lhe facultar toda a informação e ajuda que ele lhe peça, para que possa ir conhecendo os “dossiers”. Muito obrigado». - a matéria da al. nnn) resultou contrariada pelo depoimento da própria testemunha JJJ, que diz que só depois da situação em causa contou o ocorrido ao arguido – veja-se o teor do anexo 14 junto pelo próprio assistente FF, donde decorre que o arguido não estava sequer presente em tal situação; - a matéria da al. ooo) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, sendo que não há qualquer menção a ela no teor do Anexo 14, em que o assistente FF foi bastante pormenorizado, tendo o arguido referido em sede de instrução que o mesmo não tinha sequer contrato de trabalho, era prestador de serviços, não fazendo sentido a menção do que consta na alínea em causa; - a matéria das als. qqq) a xxx) não resulta confirmada pelas declarações do arguido, sendo que a assistente GG não foi inquirida no inquérito e o depoimento da testemunha XX não corroborou (antes pelo contrário), de forma alguma, que o arguido, nas reuniões efectuadas, tivesse o tipo de abordagem ali descrito. - a matéria das als. zzz) e aaaa), tratando-se da mesma reunião em causa na al. eee), não resulta confirmada pelas declarações do arguido, nem pelo teor do depoimento da testemunha XX, nem consta da acta de fls. 1767, não se mostrando compatível com o teor da mesma; - a matéria da al. bbbb) quedou não indiciada por não haver razões para que a ofendida GG se sentisse como ali descrito por força de actuação do arguido dada como indiciada. Aliás, a matéria dada como não indiciada relativa ao dolo, à intenção com que o arguido actuou em relação a cada um dos assistentes (que não motivamos especificamente) e a todos – als. dddd) e eeee) –, bem como a constante da al. ffff), resultou obviamente não indiciada face a tudo que vimos de expor nesta motivação, e designadamente na apreciação dos factos não indiciados, não se vislumbrando, na indiciada conduta daquele, factualidade donde se retire que tenha agido tal como nessa matéria descrito, nem que possa ter causado aos assistentes os estados também naquela descritos. Diremos apenas, reforçando o que já se expôs, que o arguido, ao longo das suas declarações, corroboradas pelas testemunhas ouvidas na instrução (e longe de serem infirmadas pela prova do inquérito, supra analisada, não tendo o veiculado pelos assistentes, dada a sua inconsistência e falta da necessária credibilidade, aptidão para cabalmente sustentar a matéria não indiciada), explicou, de forma sincera, objectiva e coerente, à luz das regras da experiência, toda a sua actuação dada como indiciada, circunstanciando-a através do quadro de falta de colaboração e resistência que encontrou desde que chegou ao Colégio ..., aliás bem patente nas cartas enviadas às entidades eclesiásticas com queixas da sua pessoa (antes – bem antes – e depois de ser Director Geral) e e-mails trocados com alguns dos assistentes (tudo conforme resulta do já exposto). Assim, tudo visto e ponderado, e em suma, apenas se pôde dar como indiciado aquilo que o arguido e as testemunhas ouvidas em sede de instrução de alguma forma confirmaram, além do que resulta, de forma objectiva, dos elementos documentais juntos. (…)
Aqui chegados e vendo os argumentos recursórios dos assistentes e do Ministério Público diremos, em síntese, haver divergência quanto à interpretação/valoração da prova indiciária seguida pelo Tribunal recorrido.
Visto o teor, nesta parte, do despacho recorrido, não podemos dizer que o mesmo não esteja fundamentado. Antes pelo contrário. Resta é saber se o raciocínio do Sr. Juiz é consentâneo com as regras da experiência e se, nesse trajeto, não desconsidera a existência de indícios suficientes que lhe permitissem decidir diferentemente. Ainda assim, contendo o objeto da apreciação, essa avaliação indiciária tem um objetivo. Não interessará ao caso apreciar todos os estados de alma do arguido ou dos assistentes, todas as suas afirmações ou enveredar por juízos prematuros de caráter. Essa avaliação tem um objetivo, delimitado pela vinculação temática, pelo que apenas deverão ser abordadas as questões que possam implicar eventual responsabilidade criminal.
Mas será a argumentação expendida pelos recorrentes e acima sintetizada suficiente para pôr em causa aquele raciocínio e reverter o decidido?
Para a resposta à questão, duas considerações preliminares que servirão de entorno à opção a fazer.
No essencial, os recorrentes glosam criticamente o decidido, quanto à “qualidade” ou “suficiência” da prova produzida e a sua valoração, numa dessintonia com a matéria de facto fixada indiciariamente de cariz adjetival, essencialmente centrada na credibilização ou descredibilização que os meios de prova mereceram ao julgador.
Dir-se-á que, em tese geral, como referia Enrico Altavilla [Psicologia Judiciária II – Personagens do Processo Penal, pág. 146 e 147.], “Ele [o ofendido/assistente] é, todavia, demasiadamente interessado para que, abstratamente, não deva parecer uma prova bastante suspeita. (…) Na verdade, nos casos em que o ofendido haja sido testemunha do acontecimento que ofendeu os seus direitos, acentuam-se todas as razões que (…) alteram os processos psicológicos das testemunhas e principalmente as emoções”.
Nesta medida e identificada aquela qualidade nos intervenientes assistentes, impõem-se cautelas acrescidas na valoração das suas declarações, procurando corroboração em elementos externos, desinteressados e objetivos.
Da mesma forma, também o mesmo interesse é identificável no sujeito processual arguido, naturalmente interessado em não ser alvo de uma eventual condenação, pelo que, não usando do direito ao silêncio, também as suas declarações deverão ser valoradas com particular cuidado.
Em qualquer dos casos, as qualidades de assistente ou de arguido não configuram, por si só, uma espécie de capitis diminutio podendo, em abstrato, fundamentar uma decisão, mesmo, em tese geral, sem prova corroborante, impondo, tão só, como se disse, especiais cautelas na sua valoração retendo os interesses particulares notados na causa.
Em acrescento, importa ter presente que a análise da prova indiciária está sujeita aos restantes princípios e regras processuais que regem a apreciação da prova, essencialmente quanto ao estatuído no art.º 127.º do C.P.P., defluindo na afirmação de que a prova indiciária (também) deverá ser apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Assim sendo, na ausência de prova tarifada, pode o juiz valorar, ou não, elementos de prova que sejam submetidos à sua apreciação, sendo lícito, no plano abstrato, dar crédito às declarações do arguido ou do ofendido/lesado/assistente, em detrimento dos depoimentos de uma ou várias testemunhas, podendo, igualmente, valorar um depoimento singular em prejuízo de vários de sinal contrário, conquanto o faça de acordo com as regras da lógica e da experiência.
Tendo em conta a fase preliminar em que ocorre, também é certo que tal avaliação é, não raras vezes, destituída ou condicionada quanto ao aporte trazido pela imediação e pela oralidade, sem concentração e sem contraditório, tendo por base textos escritos, pelo que a valoração/credibilização se fará, essencialmente, pelo conteúdo objetivo do relato, o seu alinhamento com as preditas regras da experiência, a compatibilização com outros indícios existentes nos autos e a ausência de fatores de incredulidade (como o interesse na causa ou a proximidade aos intervenientes).
Na apreciação indiciária, confrontado o JIC com provas produzidas numa fase anterior que não dirigiu e que não assistiu à sua produção, importa ter presente que não estamos no registo da comprovação do mérito da acusação – próprio da fase de julgamento – mas na apreciação da sua suficiência indiciária, por forma a perspetivar uma hipótese qualificada de futura condenação, legitimando a passagem, se assim for, para a fase processual seguinte.
Dito isto, daqui não se pode extrair que a apreciação indiciária é acrítica, limitando-se a contabilizar sinais e indícios no sentido da pronúncia ou não pronúncia, numa atividade quase contabilística. O julgador não está, pois, destituído da sua capacidade analítica, da sua livre convicção, podendo avaliar - pelo seu conteúdo, razão de ciência invocada e concatenação com outros meios – a consistência de determinada prova para sustento dos factos relatados.
Assim sendo e começando pelo recurso interposto pelo Ministério Público, aqui se reponta uma sobrevalorização (inaudita) das declarações prestadas pelo arguido e uma desconsideração da prova produzida em sede de inquérito, apodada de parcial, a cuja produção o Mmo. JIC não assistiu.
Relativamente a este argumento o mesmo, para além de, por si só, não desvelar se o juízo contestado é correto ou não, independentemente dessa ajetivação, é, na sua essência, reversível.
Na verdade, também o magistrado titular do inquérito, não raras vezes, não dispõe dessa mesma imediação. Basta pensar nos casos em que, por via da delegação, as inquirições são levadas a cabo por órgãos de polícia criminal. No caso, ainda que se assista a um número substancial de inquirições presididas pela Digna magistrada titular do inquérito, outras houve conduzidas por outrem, designadamente por Técnica de Justiça por competência delegada, não sendo por isso a identidade de quem conduz a produção de prova critério determinante.
Por outro lado, a apreciação da existência de indícios é uma operação que impõe escolhas, sem que daí se possa extrair qualquer parcialidade do magistrado. Embora a acusação, no modelo atual, não tenha de ser motivada (ao contrário do arquivamento), se no inquérito foram produzidos indícios de sinal contrário, na opção pela acusação está pressuposta uma ponderação/avaliação e a consequente desvalorização dos elementos de sinal contrário.
Nada de novo, portanto, quanto em sede de instrução essa opção deva (também) ser feita.
Ainda assim, em sede de instrução, o Mm. JIC, para além do interrogatório do arguido, procedeu à inquirição das testemunhas OO, HH, LL, XX, LLL, EEE, MMM, TT e JJJ (Ref.ª 455138142), com o benefício da imediação.
Num caso ou noutro – e porque são valorados depoimentos e declarações não produzidas por quem as considera – quando em sede de instrução não se valoram determinados meios de prova em detrimento de outros, essa desconsideração não pode advir da “forma” como se depôs, de maneirismos adotados ou tom seguido, quando privados de imediação, mas apenas pelo seu conteúdo e verosimilhança objetiva e eventuais condicionantes de isenção (como o interesse ou inimizade), no confronto com outros meios de prova, como o permite o princípio da livre apreciação.
Já no que tange à proposta sindicância do juízo indiciário, também aqui começaremos por dizer que a mesma pressupõe a avaliação dos mesmos meios de prova que puderam ser considerados na decisão impugnada pelo seu autor pelo que, natural e legalmente, os documentos juntos pelos assistentes posteriormente não podem ser tidos em conta nesta instância.
Dito isto.
Em termos genéricos não podemos desde logo assumir, como afirmam os recorrentes assistentes, que “Não trazendo as testemunhas indicadas pelo arguido uma versão diferente deste, mas manifestando-se pela refutação da acusação, respeitosamente, o Sr. Juiz não podia simplesmente afastar a existência de indícios confirmada pelos factos, nem a prova testemunhal reunida na fase de instrução poderia afastar ou comprometer a referida indiciação em sede de inquérito.”.
Na verdade, embora não esteja em causa o mérito da acusação, como sucede em audiência de julgamento, por tudo o que dissemos anteriormente, a prova produzida em instrução pode – é uma questão de valoração – pôr em causa ou degradar a prova indiciária reunida em inquérito e defluir na afirmação da não pronúncia, maxime operando o princípio in dubio pro reo como se analisou supra.
Da mesma forma, não fará sentido, salvo o devido respeito, em assunção técnica, qualificar-se a atuação do JIC como “erro de julgamento da matéria de facto”.
Agora em pormenor.
Insurgem-se os assistentes relativamente à não indiciação da matéria de facto constante dos pontos 4, 5 e 6 da acusação que, no seu posicionamento, resultará suficientemente indiciada com base na “(…) ata do conselho de direção de 4 de outubro. fls 118 a 122 do Processo Principal, pode ler-se “concretamente, que tem conhecimento de que muitos Educadores estão a ser intimados pelo P. AA, para uma reunião individual e que nessas reuniões o P. AA coloca questões de forma inquisitória (palavras das pessoas), referindo que “até 31 de Dezembro seria assim mas a partir de um de Janeiro seria como ele quer e que as pessoas se teriam que sujeitar”. Neste mesmo sentido, o Diretor Geral e Diretor dos Institutos em exercício Prof. Dr. Padre KK refere revelou que está a sentir-se incomodado e constrangido com o que se está a passar no Colégio e recordou que fazer-se tábua rasa da memória (História) do mesmo não pode augurar nada de bom. O Diretor de uma das escolas presentes naquele conselho, o Dr. RRR, refere a dada altura para o perigo de se falar com todas as pessoas sem estarem por dentro dos assuntos. Ora se o Diretor Geral em exercício e Diretor dos Institutos, com plenos poderes conferidos pelo mesmo Padre Provincial HH, neste caso, o Prof. Dr. Padre II, enquanto Diretor Geral do Colégio ... e de todos os Institutos, é afirmativo perante aquele conselho, como pode o Sr. Juiz considerar que este facto não é indício claro e suficiente?”.
Recordando os factos em causa. 4. Ao ser nomeado como Director Geral do Colégio ... pelo Provincial da Companhia de Jesus, o arguido delineou uma forma de atuação, que o próprio arguido denominou como sendo a “...” e que consistia, no domínio total e absoluto de todos os poderes nos institutos e escolas, designadamente junto dos trabalhadores que exerciam as suas funções há anos de forma exemplar. 5. Para atingir estes objetivos, o arguido sentiu necessidade de afastar de qualquer forma e por todos os meios, todos aqueles que, nestas entidades, lhe levantassem qualquer objeção, lhe desagradassem ou desobedecem em qualquer das suas exigências, por mais caprichosas e ilícitas ou anómalas que fossem, recorrendo de forma sistemática à humilhação, às ameaças veladas ou explícitas de procedimentos disciplinares e de despedimento, e à perseguição de várias pessoas, colaboradores das escolas e das instituições canónicas, designadamente BB, DD, CC, GG, FF e EE. 6. Assim, e no exercício das suas funções como diretor, a partir do dia 4 de setembro de 2018 o arguido AA, começou a convocar educadores, sem qualquer concertação previa com os responsáveis diretos dos mesmos, para uma reunião individual, colocando-lhes questões de forma inquisitorial e agressiva, referindo que até 31 de dezembro seria “assim” mas a partir de 1 janeiro de 2019 seria como ele queria e que as pessoas se teriam que sujeitar, deixando-os assustados.
Vista a argumentação do julgador, em contraponto, os primeiros dois pontos serão a perspetiva do narrador quanto ao pano de fundo da futura intervenção do arguido, que, depois de a contextualizar com base nas testemunhas inquiridas, refere tratar-se da versão dos próprios assistentes (no caso até adjetival), encontrando uma razão plausível para a realização de reuniões (depoimentos de XX, LLL, TT). Ademais uma ata é um documento, mas que não demonstra a veracidade do seu conteúdo subjetivo. Se em determinada reunião “alguém refere que o arguido referiu ou fez algo”, aquele documento poderá demonstrar que, naquela reunião, “alguém o referiu”, mas não que o “conteúdo do referido”, imputado ao arguido, seja real e insofismável.
Quanto ao depoimento do Sr. Padre II (fls. 416 e ss.), o mesmo referirá formas de estar do arguido, sem concretização, para além de se tratar, não raras vezes, de depoimento indireto.
Da análise da argumentação expendida no despacho posto em crise não se antevê, pois, que as conclusões ali retiradas, a partir da valoração dos indícios, maxime nestes pontos concretos, vá para além do permitido pelo princípio da livre apreciação, já caraterizado.
Também se insurgem os assistentes sobre vários pontos considerados não indiciados, concluindo e questionando: - “Como pode o Sr. Juiz não apreciar este indício associado a um princípio empírico ou a uma regra da experiência, que lhe permite alcançar uma convicção sobre o facto a provar do permanente assédio ao ofendido BB?”.
No entanto o julgador foi claro na sua argumentação. Dito de outra forma, a apreciação que fez dos indícios existentes não sobrepassa o concedido pelo princípio da livre apreciação e defluiu na não consideração, como indiciados, dos factos elencados como decorrência, pelo menos, da existência de uma dúvida razoável quanto à sua verificação ou intencionalidade pressupostas.
Em síntese apertada o raciocínio seguido pelo julgador foi de que a narrativa constante da acusação assentava, essencialmente, no relato dos assistentes e na interpretação, por estes dada, a vários episódios e documentação, convocando, em subsídio da sua verosimilhança (também) os depoimentos de quatro testemunhas.
No que concerne ao assistente BB, para além da qualidade de assistente/ofendido que impõe, como se disse, cautelas especiais de valoração (o mesmo sucedendo, claro está, para a apreciação das declarações do arguido, aqui com a agravante de, ao contrário do assistente, não estar vinculado a um dever de verdade), são apontadas razões a montante (despedimento, processo pendente tendo por objeto tal despedimento) e elementos objetivos conducentes a um estado de animosidade latente e, até, pouco recetivo à chegada do arguido à instituição (Cfr. documentos de fls. 118 e segs. - de 4 de Outubro de 2018, quando o arguido tinha cerca de um mês de estadia no Colégio - e 132 e segs., de 2 de Novembro de 2018, subscrito pelo assistente BB, entre outras pessoas).
Essa predisposição, materializada, também, na vontade de conseguir a sua exoneração, encontra acolhimento, ainda, no depoimento da testemunha MMM no confronto, por exemplo, com a carta de fls. 132 e ss., a hiperbolização do conteúdo da publicação do arguido na rede social Facebook que, na ótica do assistente, teria gerado uma onde de perplexidade ou, até, quanto ao teor das e-mails ou as horas a que foram enviados, quando o próprio assistente também envia e-mails, se quisermos, com a mesma desadequação da hora de envio.
Foi analisado o teor dos depoimentos das testemunhas oferecidas em corroboração da matéria constante da acusação e ali foram apontadas falhas quanto ao conhecimento efetivo daquela matéria, sendo, não raras vezes, a fonte do conhecimento o relatado pelos próprios assistentes, os rumores e os comentários com origem indefinida ou a opinião das próprias testemunhas, mas falha em conhecimento direto das premissas do juízo opinativo.
Atendendo ao referido, o Mm. JIC, procurando prova corroborante, produziu prova testemunhal em sede de instrução e encontrou contextualização verosímil para os elementos objetivos que aquela peça considerara diferentemente, assim como encontrou, no depoimento das quatro testemunhas que, a par dos assistentes, sustentariam a acusação matéria para, concatenando todos estes elementos, considerar os factos em causa como não indiciados.
Na parte atinente à intenção, aos elementos subjetivos, é certo que o arguido nega esse pressuposto intuito persecutório e, em tese geral, neste como noutros casos, não poderá a decisão de acusar ou, no caso, de pronúncia, ficar na dependência da assunção ou confissão. Na realidade aqueles elementos poderão extrair-se da objetividade dos factos a considerar, de acordo com as regras da lógica e da experiência, dispensando a comprovação pelo arguido que, aliás, goza do direito ao silêncio.
No entanto, no caso vertente – e ainda dentro do espartilho da livre apreciação – considerou o Tribunal que as declarações do arguido eram credíveis, quando alinhadas com outros elementos probatórios que são referidos (maxime testemunhas ouvidas nesta fase) e que, no seu conjunto, permitiram encontrar uma explicação razoável para a ação do arguido e para aquilo que, de objetivo, consta dos autos o que, por si, permite acomodar a existência de uma dúvida razoável no plano das intenções, concluindo pela não indiciação de tais factos.
Ora esta valoração, quanto a nós, não conduz – vista a fundamentação expressa no despacho recorrido – a um resultado esdruxulo nem sobrepassa as regras da lógica e da experiência que imponham a correção corretiva deste Tribunal.
É uma forma de ver as coisas.
No caso e por tudo, sem que o juízo avaliativo se confunda com o mérito da acusação, que se aferiria em julgamento, não se nos afigura que as considerações expendidas pelo Mm. JIC e a degradação do juízo indiciário prévio, subjacente à dedução de acusação, que encontrou, ao apreciar de forma integrada e contextualizada os elementos objetivos e ao valorar a demais prova que não fora tida em conta em inquérito, produza a insubsistência própria da probabilidade de insucesso e a permanência de dúvidas que foram devidamente integradas a favor do arguido, como decorre, aliás, do funcionamento do princípio constitucional da presunção de inocência.
Se a decisão do Tribunal recorrido se ancora numa fundamentação compreensível, com as naturais opções próprias efetuadas com permissão da razão e das regras da experiência comum, cumpre-se o necessário dever de fundamentação e se confirma o acerto (ou pelo menos a não desadequação) do decidido, improcedendo, nesta parte, ambos os recursos.
Ainda assim, no mais, o Sr. Juiz considerou indiciados vários factos que impõem a apreciação que se segue, mantendo-se, contudo, inalterada a matéria de facto indiciada e que constituirá o objeto dessa apreciação porquanto, na sua individualização, não se encontrou qualquer vício que imponha a sua reversão pelo Tribunal ad quem.
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III.5
Do preenchimento do tipo legal
Vinha o arguido acusado da prática, em autoria material e concurso efetivo, de 6 crimes de perseguição, p. e p. pelo art.º 154.º-A do C.P..
Dispõe o referido preceito que: 1 - Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. 2 - A tentativa é punível. 3 - Nos casos previstos no n.º 1, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição. 4 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. 5 - O procedimento criminal depende de queixa.
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Analisando e decompondo.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque [Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, p. 663, 2.] «O bem jurídico protegido pela incriminação é a liberdade de decisão e ação de outra pessoa. O crime de perseguição é um crime abstrato-concreto (quanto ao bem jurídico) e de mera conduta (quanto ao objeto da ação) (…)”. Exige-se, assim, a ação do agente, que consiste na perseguição da vítima, executável por qualquer meio, direto ou indireto, por forma a provocar-lhe medo ou inquietação.
A sobredita ação do agente deve ser reiterada, consistente - as condutas isoladamente consideradas podem, até, não ferir qualquer bem jurídico, mas a sua persistência agrupada, torná-las-ão suscetíveis de produzir o resultado proibido – praticada(s) «por qualquer meio» (crime comum de execução livre), materializada em atos que sejam “adequados” a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do destinatário, ou seja, aqueles atos, reiterados, devem ser aptos, numa perspetiva ex ante, a criar perigo para o bem jurídico protegido pela norma, embora dispense a produção, no destinatário, do resultado proposto.
Nesta última perspetiva tratar-se-á de um crime abstrato-concreto, classificação doutrinária que, no parecer de Figueiredo Dias[In Direito Penal, Parte Geral: Tomo I, 2.ª edição (reimpressão) Coimbra. Coimbra Editora. 2011, pp. 310 e 311.], se enquadra “(…) nos crimes de perigo abstrato porque a verificação do perigo não é essencial ao preenchimento do tipo, mas o que está verdadeiramente em causa são os crimes de aptidão ou de conduta concretamente perigosa, pois só relevam as condutas apropriadas ou aptas a desencadear o perigo proibido no tipo legal. Assim, o perigo integra o tipo como sucede nos autênticos crimes de perigo abstrato, mas a realização típica destes crimes não exige a efetiva produção de um resultado de perigo concreto”.
Na aferição da pressuposta adequação, apela-se a um critério objetivo-subjetivo. O primeiro, por recurso à objetividade do homem médio não dispensando, contudo, o segundo, a consideração das circunstâncias concretas do caso, designadamente as personalidades de agressor e vítima e o relacionamento existente entre ambos.
No que tange à relação entre a(s) conduta(s) típicas e o seu objeto, trata-se de um crime de mera atividade, consumando-se com a prática das sobreditas condutas idóneas, dispensando a produção de um qualquer resultado espácio-temporalmente destacado.
Quanto ao tipo subjetivo, trata-se de um crime doloso, em qualquer uma das suas modalidades (art.º 14.º do C.P.).
Aqui chegados, encontramos a primeira divergência dos recorrentes, ante o decidido.
Na ótica da decisão recorrida, “[t]endo o crime imputado ao arguido, como vimos, sido criado “em cumprimento do disposto na Convenção de Istambul”, que tem os objectivos e o âmbito nela definidos e acima transcritos, parece-nos evidente que aquele não visou punir as situações de assédio no seio laboral (que seria, eventualmente, o caso dos autos), mas apenas criminalizar as condutas conhecidas por stalking.”.
Ainda na perspetiva do decidido, o assédio em meio laboral encontra-se prevenido no art.º 29.º do Cód. do Trabalho, constituindo contraordenação muito grave pelo que, ali citando Sandra Tavares “(…) Seja por ausência de dignidade penal, seja por carência de tutela que indicia desnecessidade penal, alguns comportamentos punidos como contraordenações não podem ou não devem aceder ao patamar da punição penal, donde decorre a autonomia material do direito de mera ordenação social, vantajosa a vários títulos, designadamente a nível do procedimento de aplicação da respetiva sanção.”, complementando a opção seguida com a citação do Prof. Figueiredo Dias: - “(…) o conceito material de crime vem assim a resultar da função atribuída ao direito penal de tutela subsidiária (ou de ultima ratio) de bens jurídicos dotados de dignidade penal (de “bens jurídico-penais”); ou, o que é dizer o mesmo, de bens jurídicos cuja lesão se revela digna e necessitada de pena”.
Diferentemente, na ótica dos recorrentes, fazendo apelo ao decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.04.2023 [proc. 669/18.0T9GRD.C1, Rel. Alexandra Guiné, acedido em www.dgsi.pt], a situação que se verifica (pressupondo a alteração da matéria considerada indiciada), é subsumível ao campo previsivo do art.º 154.º-A do C.P..
Retendo os argumentos convocados em defesa de ambas as posições, é certo que o Direito Penal e o direito de mera ordenação social preenchem espaços normativos diferenciados.
Em tese, o Direito Penal deve sempre atuar como ultima ratio. Germano Marques da Silva [Direito Penal Português – Parte Geral, Vol. I, Introdução e Teoria da Lei Penal, Verbo, 2001, 2ª Ed., pp. 15 e segs.] refere que no decurso da história da Ciência Penal a doutrina tem tentado conceitos materiais de direito penal e de crime, sendo as orientações de formulação mais moderna as que entendem o direito penal como a proteção de bens jurídicos especialmente relevantes para a vida em sociedade e, por isso, merecedores da tutela penal, sendo o crime comportamento humano que lesa ou põe em perigo de lesão tais bens.
O Direito Penal é considerado por todos os autores como um instrumento poderoso de intervenção social. Por tal, e pelo seu carácter aflitivo, só deve ser usado como medida extrema, porque as suas sanções afectam o que de mais precioso há no ser humano: - a liberdade e também a honra, pelo carácter simbólico de reprovação social que comporta a qualificação como “criminoso” de um dado comportamento humano.
Assim, num Estado de Direito democrático, as incriminações estabelecidas pelo Direito Penal são justificadas por razões materiais, de elevada e injustificada danosidade social do comportamento. O Direito Penal serve para ordenar a vida social conforme à Justiça ou, pelo menos, com pretensão de Justiça.
O Direito Penal não visa obter a conformidade dos comportamentos humanos com quaisquer imperativos morais, mas tão-só a sua conformação com os imperativos jurídicos que são determinados em razão da sua utilidade social e não para formar ou reforçar a consciência moral das pessoas.
Tal como também refere Germano Marques da Silva [Ob. cit., pp. 88-89.], importa ainda considerar que a vulgarização da intervenção penal enfraquece até a força preventiva do Direito Penal, importando reservar a incriminação para aqueles atos em que seja insuficiente a intervenção dos outros ramos do direito e, consequentemente, impõe-se a sua não intervenção sempre que a mesma não for nem justificada, nem útil, para que o direito penal retome o seu verdadeiro espaço de proteção de valores sociais absolutamente fundamentais, o crime seja entendido como facto insuportável e a pena como censura pública e solene aos criminosos.
Referiremos ainda que ao Direito Penal – devido ao seu carácter subsidiário – só deve recorrer-se como instrumento de tutela de bens jurídicos, quando a incriminação for não só necessária, mas também adequada.
Ademais, e considerado o princípio da tipicidade e as exigências constitucionais da sua formulação expressa e inequívoca, não pode o julgador recorrer a uma interpretação extensiva da sua formulação e abrangência.
Por seu turno o direito contraordenacional, para o legislador português, é um ramo diverso, um ordenamento sancionatório alternativo e diferente do direito criminal, não centrado na censura ética dirigida à personalidade demonstrada pelo agente na sua relação com a ordem jurídica, própria do direito penal principal.
Em análise dirigida ao caso vertente, como se refere no sobredito acórdão, convocado pelos assistentes, é certo, que dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 83/2015, de 05 de agosto (que alterando o Código Penal criou o novo crime de perseguição) resulta que a fonte do art.º 154º-A, nº 1 do CP, foi a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adotada em Istambul, pelo que, a visto o teor deste instrumento, a ratio do processo legislativo não contemplaria, em princípio, os casos de assédio/perseguição em meio laboral.
No entanto – e começamos por definir os elementos do tipo - a letra da lei, contemplando a incriminação de quem «por qualquer meio» e «de forma adequada» «a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação» «assediar outra pessoa» não exclui a possibilidade de a ação típica se desenrolar em ambiente laboral ou por causa deste.
Ademais, será possível compatibilizar a conduta criminalmente relevante com a previsão do ilícito de mera ordenação social. Desde logo, o art.º 29.º, n.º 2 do Cód. do Trabalho não exclui, antes prevê, que a conduta possa fazer incorrer o agente (também) em responsabilidade criminal. Além disso, e porque no plano contraordenacional a responsabilidade é assacada à entidade empregadora “ainda que praticadas pelos seus trabalhadores no exercício das respetivas funções” (art.º 551.º, n.º1 Cód. do Trabalho), ao arrepio da centralidade em torno da culpa do agente, própria do Direito Penal (art.ºs 40.º n.º 2 e 71.º n.º1, sem prejuízo das situações do art.º 11.º, todos do C.P.), a impossibilidade de o tipo do art.º 154.º-A do C.P., por ação excludente, contemplar situações de perseguição em meio laboral, deixaria por punir segmentos importantes da complexidade proibida, maxime o próprio agente individual da infração.
Destarte, não desconsideramos a possibilidade de subsunção ao campo previsivo do art.º 154.º-A das ações reiteradas e idóneas à ofensa do(s) bem(ns) jurídico(s) protegido(s) que se materializem em contexto laboral e através de mecanismos próprios daquelas relações, designadamente através do esvaziamento de funções, da desconsideração, da prática de atos discriminatórios, de exigências inalcançáveis e injustificadas.
Em contexto laboral, as situações com o potencial adequado à produção de um resultado complacente com a afetação da liberdade de determinação do destinatário, de lhe provocar medo ou inquietação, são geralmente reconduzíveis à figura do mobbing, que aqui, como na generalidade dos atos de perseguição, acomoda comportamentos que, isoladamente, seriam lícitos no plano das relações laborais e poderiam até parecer insignificantes, mas que, como em todos os casos subsumíveis ao estatuído no art.º 154.º-A do C.P., ganham relevo distinto quando inseridos num determinado procedimento e reiterados ao longo do tempo.
Como refere Júlio Gomes [Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 426] «o principal mérito da figura consiste em que ela permite ampliar a tutela da vítima, ligando entre si factos e circunstâncias que, isoladamente considerados pareceriam de pouca monta, mas que devem ser reconduzidos a uma unidade, a um projeto ou procedimento».
Porém, quer a ação se situe no plano contraordenacional, quer no plano criminal (aqui, com maior acuidade, dado o seu caráter aflitivo, fragmentário e de ultima ratio, conforme analisado supra), nem todos os conflitos no local de trabalho são consubstanciadores e expressão de uma situação de mobbing, assédio ou perseguição.
Poderemos estar perante situações de exercício arbitrário do poder de direção e disciplina sem que se materialize uma situação de assédio/perseguição, quer por falta de reiteração, quer por ser falha a intencionalidade.
Para que se isole um comportamento ético-penalmente reprovável, não basta o exercício de poderes de direção, ainda que, por injustificada suscetibilidade do destinatário, lhe possam provocar o resultado contemplado na norma, impondo-se uma avaliação criteriosa de cada caso, mesmo ante casos de potencial abuso daqueles poderes de direção.
Efetivamente, o exercício de poderes de direção de forma desadequada, prepotente, assertiva, pouco empática, nem sempre integra o conceito de assédio/perseguição. Aqui poderá constatar-se a violação de direitos laborais do subordinado, em ordem, por exemplo, à obtenção de uma maior produtividade, lucro ou imposição de um modo de gestão diverso, mas sem que esteja presente no agente, como é necessário, uma intenção de vexar ou humilhar o trabalhador.
Regressando ao caso dos autos, tendo em conta a matéria considerada indiciada e elementos constitutivo do tipo, será espúrio o prosseguimento da análise.
É certo que na decisão posta em crise a analise subsuntiva é encurtada pela afirmação de que a conduta do arguido não ultrapassa, em momento algum, o âmbito laboral o que, na lógica interna da argumentação ali expressa, desde logo excluiria a aplicabilidade do estatuído no art.º 154.º-A do C.P.
Porém, não se concluindo pela impossibilidade de recurso à tutela penal em situações de assédio/perseguição naquele entorno, os elementos considerados indiciados, retendo os elementos típicos que começamos por assinalar, os mesmos não se mostram indiciariamente preenchidos.
No plano subjetivo, foram aqueles elementos considerados não indiciados (cfr. dddd) a ffff)) pelo que não poderia concluir-se pela pretendida pronúncia do arguido.
No plano objetivo do tipo, acompanhamos a decisão recorrida: “Para além de matéria absolutamente inócua (vejam-se, por exemplo, os pontos 16 a 18, cujo conteúdo reflecte apenas o teor de carta enviada ao Padre Geral da Companhia de Jesus com queixas, de teor conclusivo, relativamente ao arguido, não estando em causa a indiciação de factos concretos praticados pelo mesmo), encontramos inúmeras comunicações, designadamente através de correio electrónico e SMS, e frases oralmente proferidas do arguido, onde, atentando ao próprio contexto que delas mesmas se extrai, nada se vislumbra que possa considerar-se, sequer, falho de educação ou urbanidade muito menos intimidatório e humilhante, mesmo quando o arguido, como Director Geral e superior hierárquico, nota falhas na actuação dos assistentes, confrontando-os com as mesmas. Será que o arguido, ainda que sendo Director Geral do Colégio ..., ou por sê-lo, não podia dirigir aos assistentes críticas ou reparos, de forma educada e urbana, ainda que frontal? Não é isso que, no dia-a-dia de qualquer instituição, acontece, para não dizer que, por vezes, é mesmo o que se espera de quem dirige? Será que não podia invocar a sua qualidade de Director Geral e superior hierárquico, designadamente em situações de tensão no seio da instituição, por forma a fazer prevalecer autoridade que lhe é estatutariamente reconhecida? Veja-se o que está estabelecido nos estatutos do Colégio, conforme consta do facto 3. Será que não podia confrontar as pessoas com os abaixo-assinados que subscreveram? Veja-se que está em causa instituição em que alguns dos seus funcionários se dirigem a terceiros para se queixarem do seu Director Geral, obviamente assim se deteriorando o ambiente laboral naquela e minando a autoridade deste. Será que não podia fazer solicitações relativas aos assuntos do Colégio a fim de se inteirar dos mesmos? Veja-se que todas as que constam dos factos indiciados respeitam a tais assuntos, nada havendo nelas de benefício pessoal para o arguido, nem nelas se vislumbrando pedidos inusitados, ilegais ou que fossem efectuados por mero capricho do mesmo. Será que não podia reiterar as solicitações, quando não correspondidas? (…) Será que não podia enviar e-mails fora do horário de trabalho, ainda que deixando claro que não havia qualquer obrigação de os ler ou a eles responder fora do mesmo? (…) Veja-se que resulta dos factos indiciados nos pontos 23 a) e 32 que também o assistente BB enviou e-mails fora de tal horário. (…) temos por certo que o legislador, fundando o crime de perseguição nas exigências internacionais de protecção contra a violência daqueles que são mais vulneráveis, não pretendeu referir-se ao medo ou inquietação subjectivamente sentidos por razões de maior susceptibilidade às exigências ou modos de ser das entidades patronais ou superiores hierárquicos, mas apenas às actuações (que podem provir, é certo, de entidades patronais ou superiores hierárquicos) que, de forma objectiva, consubstanciam a vitimização dos mais fracos através de interesse e atenção continuados e indesejados, transformando-se em verdadeira vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo. Só relativamente a tais actuações, estamos certos, deverá fazer-se intervir o direito penal, sob pena de (como nos parece ter acontecido nos presentes autos) se fazer letra vã da tutela subsidiária (ou de ultima ratio) que àquele se atribui. (…)”.
Destarte, quer porque a conduta do arguido, indiciariamente demonstrada, no plano objetivo, não integra a adequação pressuposta no tipo para o resultado proibido – ficando os atos excluídos de censurabilidade no plano penal, atento o seu caráter subsidiário e fragmentário – quer porque não se mostram indiciariamente preenchidos os elementos subjetivos do tipo, é a pretensão recursória de todos os recorrentes improcedente, pois, na falta de evidência segura da prática de um crime, não pode o arguido, naturalmente, ser pronunciado.
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IV.
Decisão:
Por todo o exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos pelos assistentes e pelo Ministério Público, confirmando a decisão recorrida.
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Custas pelos assistentes, fixando a taxa de justiça em 4 UC (art.º 515.º, n.º 1, al. b) do C.P.P. e art.º 8.º, n.º 9, do R.C.P., com referência à Tabela III).
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Porto, 20 de novembro de 2024
José Quaresma
Maria Luísa Arantes
Pedro M. Menezes