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RECLAMAÇÃO
CONTRADITÓRIO
NULIDADE PROCESSUAL
REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
AÇÃO DE DIVÓRCIO
COMPETÊNCIA POR CONEXÃO
Sumário
I. Considerando o regime processual e o objeto da reclamação a que se reporta o artigo 105.º, n.º 4, do CPC – centrado na decisão que aprecie a competência relativa – nela não se compreende a aferição da verificação da existência de nulidade processual, por via da tramitação incorrida até à decisão proferida, nomeadamente, na decorrência de preterição do contraditório exigível, relativamente à qual, o meio próprio de impugnação, seria o da arguição de nulidade processual perante o tribunal que proferiu a decisão. II. Tendo a ação de regulação das responsabilidades parentais (providência tutelar cível) sido instaurada depois da ação de divórcio previamente instaurada em juízo, verifica-se existir motivo para operar a competência por conexão, a que se reporta o n.º 3 do artigo 11.º do RGPTC.
Texto Integral
I.
Considerando o que se documenta dos autos, mostra-se apurado o seguinte:
1. Em 14-06-2024 o autor “A” apresentou em juízo petição inicial propondo ação especial de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, contra “B”, que corre termos sob o n.º 1411/24.1T8PDL no Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada – Juiz (…);
2. Em 17-06-2024 o requerente “A” apresentou em juízo petição inicial, propondo ação de regulação das responsabilidades parentais das crianças “C”, “D” e “E”, o que fez contra “B”, dando origem ao apenso A;
3. Em 25-06-2024 pelo Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada – Juiz (…), no apenso A - foi proferido despacho no qual se lê, nomeadamente, o seguinte: “Fls. 50: Compulsados os autos, verifica-se que o requerente “A” vem propor contra “B” a presente acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais referentes aos menores “C”, nascida a 20/06/2017, “D”, nascida a 14/09/2020, e “E”, nascido a 28/12/2020, os quais residem com a mãe em Águeda, e que se encontra em casa de Acolhimento de Emergência, com a morada ocultada ao abrigo do disposto no artigo 20.º, n.º 5, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro. Apreciando. Nos termos do artigo 9.º, n º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), o Tribunal competente para decretar as providências tutelares cíveis é o Tribunal da residência da criança, no momento em que foi instaurado o processo, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do mesmo (n.º 4 do referido preceito). Assim, e face ao referido, verifica-se, nos termos do mapa III anexo ao Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março (com a última alteração introduzida pela Lei n.º 77/2021, de 23 de Novembro), que é competente para tramitar a presente acção o Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro. A incompetência territorial constitui uma excepção dilatória, como resulta do previsto nos artigos 102.º e 577.º, alínea a), ambos do C.P.Civil, ex vi do artigo 33.º, n.º 1, do RGPTC, que é de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 10.º do mesmo diploma legal, o que determina a remessa dos autos para o Tribunal competente, atento o disposto artigo 105.º, n.º 3, do C.P.Civil. Face ao exposto, declara-se a incompetência territorial deste Tribunal para os termos da presente acção, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 102.º, 105.º, n.º 3, 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) e 578.º, todos do C.P.Civil, ex vi artigo 33.º, n.º 1, do RGPTC, determinando que os autos sejam remetidos ao Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro (…)”.
4. Inconformado com o referido despacho, o requerente apresentou nos referidos autos, em 12-07-2024, reclamação nos termos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, do CPC, tendo alegado que: “1—O Requerente intentou a 17/06/2024 acção para regulação das responsabilidades parentais atinentes aos três filhos menores, “C”, “D” e “E”, por apenso à acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge que intentou a 14/06/2024 contra a progenitora e cônjuge “B”, aqui Requerida. 2— É competente para a acção de divórcio o Tribunal de Família e Menores de Ponta Delgada nos termos do disposto no artigo 72.º do CPC (“para as acções de divórcio e de separação de pessoas e bens é competente o Tribunal do domicílio ou da residência do autor.”), sendo a morada do Requerente, tal como indicado, a Rua (…) Ponta Delgada, ilha de São Miguel, Região Autónoma dos Açores. 3— A acção de divórcio estava assim “pendente” e já autuada quando o Requerente deu entrada da acção para regulação das responsabilidades parentais, fazendo-o por apenso ao processo de divórcio, tal como previsto no artigo 11.º, nº 3 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro) que dispõe que “estando pendente ação de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela acção.”. 4— Sucede que no Despacho ora reclamado entendeu o Tribunal de Primeira Instância, oficiosamente e sem notificar previamente o Requerente para contraditório (violando o disposto no artigo 3.º, nº 3 do CPC), que seria competente territorialmente para a apreciação da acção para regulação das responsabilidades parentais o Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro e não o Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada, porquanto e alegadamente os filhos menores se encontram a residir com a mãe, Requerida, em Águeda, Portugal continental, fazendo aplicar o disposto no artigo 9.º, nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC). 5— Determinou assim a Veneranda Primeira Instância que o Tribunal competente para decretar as providências tutelares cíveis seria o Tribunal da residência das crianças no momento em que foi instaurado o processo, aduzindo ainda que são irrelevantes modificações de facto que ocorram após a instauração do mesmo. 6— Mais se pode ler no Despacho ora reclamado que a incompetência territorial constitui uma excepção dilatória que é do conhecimento oficioso, declarando a incompetência territorial do Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 102.º, 105.º nº3, 576.º, nº2, 577º, alínea a) e 578.º todos do CPC ex vi artigo 33.º do RGPTC determinando a remessa dos autos ao Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro, o que salvo o respeito que é sempre devido, viola as normas processuais aplicáveis ao caso. 7— Efetivamente, o Tribunal de Primeira Instância cometeu uma ilegalidade ao não notificar o Requerente para se pronunciar sobre a pretendida excepção dilatória de incompetência relativa (em razão do território) de que decidiu conhecer oficiosamente, violando o disposto no artigo 3.º, nº3 do CPC e afetando as garantias processuais visadas pelo princípio do contraditório — tendo esta decisão efeitos consideráveis no processo com as necessárias delongas que lhe estão associadas, mormente devido à remessa para Tribunal no Continente Português, mais a mais, quando o Requerente solicitou a atribuição de urgência ao presente processo. 8— Por outro lado, e mais importante, pugna-se pela errada aplicação de direito por parte do Tribunal de Primeira Instância pois inobservou o disposto no artigo 11.º, números 3 e 5 do RGPTC que conjugadamente lidos atribuem a competência para a tramitação e apreciação da presente acção de regulação das responsabilidades parentais ao Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada e não ao Juízo de Família e Menores de Oliveira da Bairro. 9— Com efeito, estando pendente ação de divórcio - como é o caso no processo principal n.º 1411/24.1T8PDL a que este se encontra apensado - os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais devem (obrigatoriedade) correr por apenso àquela ação, nos termos em que foi apresentada pelo Requerente, 10— Dispondo então o número 5 que a incompetência territorial não impede a observância do disposto nos n.os 1, 3 e 4 do mesmo artigo 11.º, fazendo prevalecer a competência por conexão neste prevista sobre a competência territorial geral tal como definida no artigo 9.º do RGPTC, termos em que é nulo o Despacho proferido pelo Tribunal de Primeira Instância. 11— Neste sentido veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, processo n.º235/23.8T8GDM-A.P1, datado de 08/06/2023, Relator Eugênia Cunha, disponível em www.dasi.pt. que conclui que: “Há sempre lugar à apensação de processo tutelar cível à ação de divórcio dos progenitores da criança pendente (independentemente daquele processo haver sido instaurado antes ou depois da entrada em juízo desta ação).” e que “(...) porquanto, na verdade, estatuindo, presentemente, o nº3, do artigo 7 7 o do RGCTP, artigo com a epígrafe “Competência por conexão” e que, no essencial, manteve o regime previsto no art.º 154º da OTM: “3. Estando pendente ação de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela ação.” (negrito nosso), consagradas se encontrando “regras de atribuição de competência por conexão, ou seja em razão de certos processos relativos à mesma criança ou seus progenitores” de específico “desvio à regra geral de competência territorial vertida no art. 9º, como expressamente se contempla no seu nº5” se tratando, nenhuma restrição interpretativa deve ser efetuada dado o interesse, evidenciado pelo legislador, no sentido de a questão ser resolvida pelo mesmo Tribunal onde corre a ação de divórcio. 12— O artigo 11.º, n.º5 do RGPTC atribui prevalência à competência por conexão nos casos nele previstos, onde se inclui o processo de divórcio, bastando para tal que o processo de divórcio se encontre pendente (como é o caso do processo de divórcio que corre termos no Tribunal de Família e Menores de Ponta Delgada) já autuado e aguardando marcação da Tentativa de Conciliação, norma que é vinculativa e não depende de avaliação, nem discricionariedade judicial. 13— Requer-se a V. Exa. por conseguinte a declaração do Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada como o tribunal competente para apreciar e tramitar o presente processo de regulação das responsabilidades parentais que deverá manter-se apensado ao processo de divórcio que neste corre termos, ordenando a revogação do Despacho reclamado e da excepção dilatória de incompetência territorial nele declarada, mantendo o processo na Comarca dos Açores.”.
E concluiu nos seguintes termos: “Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exa. que admita a presente reclamação ao abrigo do disposto no artigo 105.º, nº4 do CPC, reconhecendo a violação do disposto no artigo 3.º, nº3 do CPC (por violação do princípio do contraditório ao não ter sido notificado o Requerente para se pronunciar sobre a excepção dilatória que veio a ser declarada) e ainda ordene a revogação do Despacho com a referência Citius (…)65 por ilegal, uma vez que declarou erradamente a incompetência territorial do Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada, mais decretando o mesmo como Tribunal competente, tudo ao abrigo do disposto nos artigo 11.º, nº3 e 5 e artigo 9.º do RGPTC, bem como do artigo 72.º do CPC, seguindo-se os ulteriores termos do processo com a marcação urgente da Conferência de Pais e estipulação de um regime provisório, tal como peticionado”.
5. Por despacho de 09-09-2024, a reclamação foi mandada prosseguir, nos termos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, do CPC, tendo a mesma sido remetida ao Tribunal da Relação de Lisboa em 04-10-2024.
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II. O requerente da ação de regulação das responsabilidades parentais (ora reclamante) reclama – ao abrigo do disposto no artigo 105.º, n.º 4, do CPC - da decisão que excecionou a incompetência territorial do Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada – Juiz (…) para o conhecimento do referido processo e que julgou competente, para o efeito, o Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro.
Contesta o reclamante, por um lado, o conhecimento oficioso da exceção de incompetência territorial pelo Tribunal – entendendo que tal conhecimento foi efetuado com violação do contraditório (cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPC) – e, por outro lado, considera que o Tribunal reclamado efetuou errada aplicação do direito, por inobservância do disposto no artigo 11.º, n.ºs. 3 e 5 do RGPTC (Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro).
Dispõe o nº. 4 do artigo 105.º do CPC – preceito integrado na secção intitulada “Incompetência relativa” - que, da decisão que aprecie a competência cabe reclamação, com efeito suspensivo, para o presidente da Relação respetiva, o qual decide definitivamente a questão.
Trata-se de um mecanismo expedito de resolução de conflitos sobre incompetência relativa.
A decisão que afirma ou que negue a competência relativa de um Tribunal é passível de impugnação.
Contudo, “em lugar de a sujeitar ao recurso de apelação previsto no art. 644.º (cujo n.º 2, al. b), apenas abarca as decisões sobre competência absoluta), o CPC de 2013 prevê a reclamação dirigida ao Presidente da Relação, à semelhança do que está previsto para a resolução de conflitos de competência. Para além da maior rapidez associada a este instrumento de impugnação, colhem-se do novo regime benefícios potenciados quer pela uniformidade de critério relativamente à resolução de questões idênticas, quer pela definitividade do que for decidido” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 148).
Conforme salientam os mesmos Autores (ob. cit., p. 149), o que for decidido pelo Presidente do Tribunal da Relação “resolve definitivamente a questão, sendo vedado ao tribunal para onde for remetido o processo recusar a competência que lhe tenha sido atribuída ou endossa-la a um terceiro tribunal, com ou sem invocação de outro fundamento (…)”.
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III. A infração das regras de competência fundadas na divisão judicial do território determina a incompetência relativa do tribunal.
Os critérios territoriais de determinação da competência determinam em que circunscrição territorial deve a ação ser instaurada.
O critério geral nesta matéria é o de que o autor deve demandar, em regra, no tribunal do domicílio do réu (regra semelhante consta, relativamente a pessoas coletivas e sociedades). Contudo, a lei prevê casos em que esse critério geral é afastado por regras especiais.
Assim, sempre que alguma das regras especiais for aplicável à situação em causa, o critério geral não terá aplicação, sendo antes aplicável a regra especial.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa (A competência declarativa dos tribunais comuns; 1994, Lex, p. 83) “os critérios especiais determinam a competência territorial em função de um nexo entre o tribunal e o objecto da causa ou as partes da acção”.
No presente caso, está em causa uma ação de regulação das responsabilidades parentais.
A Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro veio aprovar o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (abreviadamente RGPTC) estabelecendo “o processo aplicável às providências tutelares cíveis e respetivos incidentes” (cfr. artigo 1.º).
Por seu turno, estabelece o artigo 3.º do RGPTC que: “Para efeitos do RGPTC, constituem providências tutelares cíveis: a) A instauração da tutela e da administração de bens; b) A nomeação de pessoa que celebre negócio em nome da criança e, bem assim, a nomeação de curador geral que represente, extrajudicialmente, a criança sujeita às responsabilidades parentais; c) A regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a esta respeitantes; d) A fixação dos alimentos devidos à criança e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil e a execução por alimentos; e) A entrega judicial de criança; f) A autorização do representante legal da criança à prática de certos atos, a confirmação dos que tenham sido praticados sem autorização e as providências acerca da aceitação de liberalidades; g) A determinação da caução que os pais devam prestar a favor dos seus filhos ainda crianças; h) A inibição, total ou parcial, e o estabelecimento de limitações ao exercício das responsabilidades parentais; i) A averiguação oficiosa da maternidade e da paternidade; j) A determinação, em caso de desacordo dos pais, do nome e apelidos da criança; k) A constituição da relação de apadrinhamento civil e a sua revogação; l) A regulação dos convívios da criança com os irmãos e ascendentes”.
O artigo 11.º do RGPTC regula os casos de “competência por conexão”, dispondo o seguinte: “1 - Se, relativamente à mesma criança, forem instaurados, separadamente, processo tutelar cível e processo de promoção e proteção, incluindo os processos perante a comissão de proteção de crianças e jovens, ou processo tutelar educativo, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar. 2 - O disposto no número anterior não se aplica às providências tutelares cíveis relativas à averiguação oficiosa da maternidade ou da paternidade, nem às que sejam da competência das conservatórias do registo civil, ou às que respeitem a mais que uma criança. 3 - Estando pendente ação de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela ação. 4 - Quando o processo tutelar cível respeitar a mais do que uma criança, pode ser instaurado um único processo e, tendo sido instaurados processos distintos, pode proceder-se à apensação de todos eles ao que foi instaurado em primeiro lugar, se as relações familiares assim o justificarem. 5 - A incompetência territorial não impede a observância do disposto nos n.ºs 1, 3 e 4.”.
Da conjugação do n.º 1 com o n.º 5 do preceito, resulta que a competência “por conexão”, a que se refere o primeiro, sobreleva sobre a competência territorial.
O regime de competência estabelecido no n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC traduz um regime especial de competência, dito “por conexão”, que sobreleva sobre a competência territorial (cfr. n.º 5 do mencionado artigo 11.º do RGPTC). “A atribuição de competência por conexão constitui uma exceção à regra geral da competência territorial. (…). A competência por conexão é prevista nos artigos 11.º n. º1 do RGPTC, 81.º n. º 1 da LPCJP. Salienta- se o seu carácter especial e deste modo prevalecente em relação às regras de competência territorial, atribuindo a competência a quem já tem para conhecer o outro processo. A conexão processual mantém-se mesmo com a transição para outro Tribunal” (assim, Ana Catarina Martins Sousa; A harmonização das decisões relativas à criança e ao jovem; Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, março de 2019, pp. 44-45, texto consultado em: https://run.unl.pt/bitstream/10362/77155/1/Sousa_2019.pdf).
IV. Conhecendo:
* a) Da violação do contraditório:
No vigente CPC, reconheceu-se como pilar fundamental do processo civil português, o princípio do contraditório, precipitado no artigo 3.º do CPC, preceito de onde consta o seguinte: “1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. 2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida. 3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. 4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.”. “O escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo” (assim, Lebre de Freitas; Código de Processo Civil Anotado, vol 1º, 1999, p. 8).
Impondo a necessidade de que a discussão do litígio se faça com contradição entre as partes, o artigo 3.º, n.º 3, do CPC estatui, em termos imperativos, que o juiz se encontra adstrito a observar e a fazer cumprir, ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, concretizando a lei que não poderá – salvo caso de manifesta desnecessidade – decidir questões de direito ou de facto (ainda que de conhecimento oficioso), sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, aqui se evidenciando o subprincípio da audiência prévia aplicado ao processo civil. “O princípio do contraditório é estruturante do direito processual civil, encontrando-se consagrado no artigo 3º do Código de Processo Civil como forma de evitar a denominada “decisão - surpresa”, constituindo corolário do direito fundamental de acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-04-2019, Pº 699/13.8GCOVR-B.P1, rel. JORGE LANGWEG).
E conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-04-2018 (Pº 533/04.0TMBRG-K.G1, rel. EUGÉNIA CUNHA), “existe, presentemente, uma conceção ampla do princípio do contraditório, a qual teve origem em garantia constitucional da República Federal Alemã, tendo a doutrina e jurisprudência começando a ligar ao princípio do contraditório ideias de participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, passando o processo visto como um sistema, dinâmico, de comunicações entre as partes e o Tribunal. Cabe ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem. Com o aditamento do nº 3, do art.º 3º, do CPC, e a proibição de decisões-surpresa, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios. Contudo, o dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão. A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico”.
De facto, “o princípio do contraditório, ínsito no direito fundamental de acesso aos tribunais, proíbe a prolação de decisões surpresa, mesmo que de conhecimento oficioso, e garante a participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30-05-2017, Pº 28354/16.0YIPRT.P1, rel. FERNANDO SAMÕES).
Porém, não obstante o contraditório constituir um princípio fundamental do processo civil – integrado, desde logo, no Título I (denominado “Das disposições dos princípios fundamentais”) do Livro I do CPC, “importa notar que este princípio, tal como todos os outros, não é de perspetivação e aplicação inelutável e absoluta. Podendo congeminar-se casos em que ele pode ser mitigado ou mesmo postergado, vg. em situações de atendível urgência ou, no próprio dizer da lei, de manifesta desnecessidade. O cumprimento do princípio do contraditório não se reporta, pelo menos essencial ou determinantemente, às normas que o juiz entende aplicar, nem à interpretação que delas venha a fazer, mas antes aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-11-2012, Pº 572/11.4TBCND.C1, rel. JOSÉ AVELINO GONÇALVES).
Evidenciando a estreita correlação entre o princípio do contraditório e a necessidade de celeridade do processo, determinante do “direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo” (cfr. artigo 2.º, n.º 1, do CPC), expressão do direito ao processo equitativo (cfr. artigo 20.º, n.º 4, da CRP), sublinham Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 20) que: “Tal como o princípio do contraditório não deve obscurecer o objetivo da celeridade processual, também esta não pode conduzir a uma dispensa do contraditório sob o pretexto da sua desnecessidade. Tal dispensa é prevista a título excecional, de modo que apenas se justificará quando a questão já tenha sido suficientemente discutida ou quando a falta de audição das partes não prejudique de modo algum o resultado final”.
Nalguns casos, a lei determina mesmo que o contraditório se opere de forma deferida. É o que ocorre, por exemplo, com os despachos liminares (neste sentido, vd. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-04-2019, Pº 699/13.8GCOVR-B.P1, rel. JORGE LANGWEG: “Um despacho liminar apenas é precedido de um requerimento, uma petição inicial ou um recurso, não tendo o legislador previsto um despacho prévio ao despacho preliminar. A parte requerente/autora/recorrente, ao apresentar a sua pretensão processual, estando ciente da possibilidade da sua imediata rejeição em despacho liminar previsto na lei, ao ser confrontada com a sua concretização, não pode invocar tratar-se de uma decisão-surpresa. O princípio do contraditório é assegurado, nesses casos, de forma diferida, mediante a arguição, perante o tribunal de primeira instância, de eventual nulidade, ou mediante a interposição de recurso” e, bem assim, exemplificativamente, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-05-2018, Pº 16173/17.0T8LSB.L1, rel. NUNO SAMPAIO e de 10-10-2019, Pº 26411/11.8T2SNT-D.L1-6, rel. ANA DE AZEREDO COELHO).
A violação do contraditório insere-se, em geral, na cláusula geral sobre as nulidades processuais, a que se refere o artigo 195.º, n.º 1, do CPC e, dada a importância da observância do contraditório, “é indiscutível que a sua inobservância pelo tribunal é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa” (assim, Miguel Teixeira de Sousa; Estudos sobre o Novo Processo Civil; Lex, Lisboa, 1996, p. 48; cfr., também, a decisão singular do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-05-2021, Pº 1250/20.9T8VIS.C1, rel. MOREIRA DO CARMO).
Assim, “confrontado com uma decisão que tenha sido proferida com desrespeito pelo princípio do contraditório (v.g. quando se trate de uma verdadeira decisão-surpresa), a sua impugnação deve ser feita através da interposição de recurso, se e quando este for admissível, ou mediante a arguição da nulidade da decisão nos demais casos” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pp. 20-21).
Conforme referia Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, reimpr., p. 424): “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão do tribunal, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição de lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (…) e não por meio de arguição de nulidade de processo”.
No mesmo sentido, Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 183) entendia que “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se»”.
Igualmente, Antunes Varela (Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, p. 393) referenciava que, “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”.
Ainda no mesmo sentido, defendia Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, p. 134) que, “tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso (…)”.
Ora, considerando este regime processual e o objeto da reclamação a que se reporta o artigo 105.º, n.º 4, do CPC – centrado na decisão que aprecie a competência relativa – afigura-se que nela (no conhecimento da reclamação para o Presidente da Relação) não se compreende a aferição da verificação da existência de nulidade processual, por via da tramitação incorrida até à decisão proferida, nomeadamente, na decorrência de preterição do contraditório exigível, relativamente à qual, o meio próprio de impugnação, seria o da arguição de nulidade processual perante o tribunal que proferiu a decisão.
Assim, pelos motivos expostos, entende-se não se conhecer da questão ora arguida.
* b) Do mérito da reclamação:
Em face do regime especial de competência “por conexão”, resultante do n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC, “sendo instaurado relativamente à mesma criança ou jovem um processo (…) tutelar cível (…), e anos depois é instaurado novo processo (…), estando aquele ou aqueles já arquivados, o tribunal e juiz que o decidiu, ainda que estejam findos, continua a manter a sua competência material para todos estes processos (pressupondo que continua a manter competência material para o efeito) (…)”, o que “significa que a existência de qualquer um dos apontados processos determina, no futuro, a competência desse tribunal para todos os demais processos supervenientes relativamente à mesma criança, independentemente de outras vicissitudes ou circunstâncias, exigindo-se, apenas, que esse tribunal continue a manter a necessária competência material para o efeito” (assim, Tomé D’Almeida Ramião; Regime do Processo Tutelar Cível, Anotado e Comentado, 4.ª ed., Quid Juris, 2020, p. 59).
No n.º 3 do artigo 11.º do RGPTC consagrou-se a solução da competência por conexão referente, nomeadamente, aos processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, os quais correm por apenso ao processo de divórcio ou de separação judicial litigiosos pendentes.
Como anota Tomé D’Almeida Ramião (Regime do Processo Tutelar Cível, Anotado e Comentado, 4.ª ed., Quid Juris, 2020, p. 60), “[e]stando pendente ação de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela ação. O tribunal competente para o processo de divórcio ou separação judicial litigioso é-o também para decidir tais providências. (…) No entanto, essa apensação e consequente competência, apenas será legítima, no caso de estar pendente em tribunal (sem sentença transitada em julgado) processo de divórcio ou separação judicial litigiosos no momento em que tais providências são instauradas, já que o preceito continua a exigir como condição para a apensação a pendência desses processos. Daí entender inexistir fundamento legal para a apensação nos casos em que essas providências são instauradas antes da propositura daquelas ações (divórcio ou separação judicial litigiosos)”.
Ora, quando foi instaurada a ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais (o que sucedeu em 17-06-2024) encontrava-se já instaurada (estando “pendente”) – cfr. artigo 259.º, n.º 1, do CPC – a ação de divórcio, a qual foi deduzida em juízo em 17-06-2024.
Tendo a ação de regulação das responsabilidades parentais (providência tutelar cível) sido instaurada depois da ação de divórcio previamente instaurada em juízo, verifica-se existir motivo para operar a competência por conexão, a que se reporta o n.º 3 do artigo 11.º do RGPTC.
Do exposto resulta que, operando a referida competência por conexão, a competência para a tramitação da ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, continua a ser do Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada – Juiz (…).
A reclamação deduzida deverá, em conformidade, proceder.
Considerando que a reclamação é atendida e que a requerida não teve ainda intervenção nos autos, entende-se não ser devida responsabilidade tributária.
*
V. Pelo exposto, decido:
a) Não se conhecer da questão atinente à preterição do contraditório; e, no mais,
b) Atender à reclamação apresentada pelo requerente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, do CPC, concluindo-se pela competência territorial do Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada – Juiz (…), para a tramitação dos presentes autos.
Sem custas.
Notifique.
Baixem os autos.
Lisboa, 08-10-2024,
Carlos Castelo Branco.
(Vice-Presidente, com poderes delegados – cfr. Despacho 2577/2024, de 16-02-2024, D.R., 2.ª Série, n.º 51/2024, de 12 de março).