OPC
PESQUISA DE TELEMÓVEIS
APREENSÃO DE MENSAGENS DE CORREIO ELECTRÓNICO
PROVA PROIBIDA
Sumário

I. Cabe exclusivamente aos OPC a prática de actos de investigação, ressalvados os casos previstos na lei, em que não cabe a pesquisa de conteúdos de comunicações e feitas através de redes sociais bem como de correio eletrónico
II. A pesquisa em telemóveis não carece de autorização judicial, mas a apreensão de mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, está sujeita regime decorrente art.º 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15.09, e nos arts. 179.º, n.º 3, e 268.º, n.º 1/ al. d)/ do CPP.
III. Constitui prova proibida a adquirida por via da intervenção de uma entidade externa no acesso a mensagens contidas em telemóveis e registos de comunicações, que implicou acesso ao respectivo conteúdo, sem cumprimento prévio do regime acima referido.

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal:
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I – Relatório:
Vem o Ministério Público recorrer de um despacho proferido pelo Sr. Juiz de Instrução Criminal (JIC), que declarou prova proibida quaisquer mensagens de correio electrónico, ou registos de comunicações de natureza semelhante, que se mostrem gravadas no dispositivo de armazenamento externo de fls. 2828.
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II- Fundamentação de facto:
1. Com data de 9/2/2024 o Ministério Público proferiu o seguinte despacho:
«FLs.2725: Uma vez que os autos se encontram a fase de investigação, fase essa em que há que sujeitar o telemóvel a pesquisa nos termos do disposto no artigos 15.º, nº 1 da Lei 109/2009, de 15 de setembro, bem como de averiguar a proveniência do pedido, indefiro o pedido.
Caso o arguido mostre nisso interesse, autorizo a realização de uma cópia cega do conteúdo do telemóvel, sendo que para o efeito deverá o mesmo apresentar na PSP hardware com capacidade para o efeito.
Determino à PSP a pesquisa aos telemóveis apreendidos aos arguidos, nos termos do art.º 15.º, nº 1 da Lei1091/2009, de 15 de setembro.
Determino ao LPC o exame aos produtos e substâncias toxicológicas apreendidos nos autos - art.º 151.º e 154.º do C.P.P
Tudo a cumprir regressados os autos do TCIC
Consigna-se que a P.S.P que investiga os presentes autos de inquérito e que apresentou os CD correspondente ao suporte técnico de interceções em curso, bem como o relatório sucinto referente ao seu conteúdo e necessidade para a descoberta da verdade – art.º 188º, nº1, do C.P.P.
Inexistem outras que integrem a previsão do nº 4 do art.º 187.º e no 6 do art.º 188º do C.P.P.
Apresentem-se, com urgência, os autos ao Mmo. Juiz de Instrução a quem, se promove que tome conhecimento e valide os autos de interceção/sessão, referentes ao período de 5 a 6 de fevereiro de 2024, nos termos do disposto nos no 3 e 4 do art.º 188º do C.P.P..
Remeta ao TCIC»
2. O Ministério Público proferiu o seguinte despacho a 23/4/2024:
«Fls. 2814: Pague-se.
Apresente-me os autos com o NUIPC 1052/22.8 PDCSC em curso no DIAP de Cascais.
Tome conhecimento e autorize a junção aos autos de todas as mensagens ou registos de comunicações de natureza semelhante, gravadas em suporte digital de fls. 2828, que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, nos termos dos artigos 15.º a 19.º da Lei 109/2009, de 15 de setembro, com a aplicação correspondente dos arts. 179.º a 183.º e 187.º a 189.º do Código de Processo Penal (destacando-se a aplicação do disposto no art.º 179.º n.º 3, do Código de Processo Penal.
Mais se informa que o código de acesso aos exames e mensagens ou registos de comunicações de natureza semelhante encontram-se no interior do saco prova.
Remeta os autos ao TCIC.»
3. O despacho recorrido, proferido a 17/5/2024, contem-se nos seguintes termos:
«Fls. 2829:
O Ministério Público, invocando o disposto nos artigos 15.º a 19.º da Lei 109/2009, de 15 de setembro, com a aplicação correspondente dos arts. 179.º a 283.º e 187.º a 189.º do Código de Processo Penal (destacando-se a aplicação do disposto no art.º 179.º n.º3, do Código de Processo Penal), remeteu os autos a este tribunal para que tome conhecimento e autorize a junção aos autos de todas as mensagens ou registos de comunicações de natureza semelhante, gravadas em suporte digital de fls. 2828, que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
A fls. 2746, o Ministério Público proferiu o seguinte despacho: Determino à PSP a pesquisa aos telemóveis apreendidos aos arguidos, nos termos do art.º 15.º nº1 da Lei 109/2009, de 15 de setembro.
Por seu turno, a fls. 2789, com referência a 10 telemóveis que identificou, o Ministério Público determinou: Vão os autos à PSP para continuação da investigação, devendo aquela com nota de urgência obter junto da empresa na qual pretende sujeitar os equipamentos telefónicos seguir indicados a exame, o respetivo orçamento.
Com referência aos mesmos 10 telemóveis, a fls. 2794 o Ministério Público proferiu. o seguinte despacho: Em face dos valores apresentados pela sociedade "...", adjudico a esta, a realização do exame aos telemóveis (…).
Aqui chegados, importa realçar que não resulta do processo que valores são esses que terão sido apresentados pela sociedade "...".
Sem que o Ministério Público tenha ordenado a realização de qualquer perícia (art.º 154.º n.º 1, do Código de Processo Penal), de fls. 2795 consta um auto de compromisso prestado por um indivíduo que se desconhece quem seja (presumindo-se que se trate de alguém ligado à sociedade “...") perante Autoridade de Policia Criminal que preside à diligência e que incumbiu aquele de proceder ao exame pericial de vários equipamentos telefónicos apreendidos.
Por fim, de fls. 2828 consta um disco de armazenamento externo que, segundo informação de serviço de fls. 2827, trata-se de suporte digital com dados retirados no âmbito da perícia realizada aos equipamentos de telecomunicação apreendidos aos visados nos autos, mais se acrescentando que, da extracção efectuada, ressalva-se a presença de diverso conteúdo de comunicações através de redes sociais bem como de correio eletrónico.
Em face do exposto, cumpre desde logo ter presente que a pesquisa aos telemóveis apreendidos não carecia de autorização judicial [arts. 11.º, nº 1, al. c), 15.ª, nº 1, e 16.º. nº 1, todos da Lei n.º 109/2009, de 15.09, e arts. 268.º e 269.º, ambos do Código de Processo Penal].
Contudo, sem prejuízo de competir ao Ministério Público ordenar a realização da pesquisa informática, o processo que culminou na junção aos autos do dispositivo de armazenamento externo de fls. 2828 padece de vários vícios:
1. Decorre do disposto no art.º 15.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009. de 15.09, que, no caso em apreço, depois de o Ministério Público ordenar a realização da pesquisa informática teria de ter sido o órgão de polícia criminal — e não uma entidade privada — a proceder a tal diligência de recolha de prova, de resto, em consonância com o disposto nos arts. 1º, al. c), e 263.º n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Penal.
2. Mesmo nos casos em que a pesquisa informática é executada pelo órgão de polícia criminal, tem de ser acautelada a possibilidade de, no caso de em tal pesquisa serem encontradas mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, ter lugar o subsequente cumprimento do disposto nos arts. 179.º, n.º 3, e 268.º, n.º 1, al. d), ambos do Código de Processo Penal, ex vi art.º 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15.09, nomeadamente através de cópia/clonagem sem acesso ao respectivo conteúdo. É precisamente esta ausência de acesso ao conteúdo de mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante no decurso da pesquisa efectuada que os autos não documentam. Na verdade, inexiste no processo qualquer relatório da pesquisa informática a que se procedeu de onde conste o procedimento técnico seguido e que medidas foram adoptadas para que quem procedeu à pesquisa não acedesse ao conteúdo de mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante. De resto, desconhece-se, por tal não resultar dos autos (pelo contrário, para além de não constar dos autos qualquer relatório da pesquisa informática, o aludido dispositivo de armazenamento externo está acondicionado num saco fechado com um selo de segurança), em que medida foi possível fazer-se constar da aludida informação de serviço de fls. 2827 que, da extração efectuada, ressalva-se a presença de diverso conteúdo de comunicações através de redes sociais bem como de correio eletrónico. De harmonia com o disposto no art.º 34.º n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal. Daqui resulta que só em matéria de processo criminal e só por autoridade pública pode haver ingerência, para o que agora releva, na correspondência. No caso dos autos, atento o que se referiu, não está demonstrado que uma entidade privada não acedeu, aquando da pesquisa informática, a mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante.
3. Por fim — embora determinante — é a circunstância de, após ordenar a realização da pesquisa informática, mas antes de a mesma ser executada, o Ministério Público não ter requerido autorização judicial para que, ao abrigo do disposto no art.º 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15.09, se procedesse à apreensão de mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante em moldes que permitissem o subsequente cumprimento do disposto nos arts. 179.º, n.º 3, e 268.º, n.º 1/ al. d)/ ambos do Código de Processo Penal, por força do citado art.º 17.º, nomeadamente através de cópia/clonagem sem acesso ao respectivo conteúdo. ou seja, o Ministério Público não acatou a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça através do Acórdão n.º 10/2023 (publicado no Diário da República n.º 218/2023, Série l, de 10.11.2023, pp. 83-100).
Nestes termos, quaisquer mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante que se mostrem gravadas no dispositivo de armazenamento externo de fls. 2828 constituem prova proibida (art.º 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), pelo que se indefere o requerido.
Devolva o processo ao Ministério Público.»
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III- Recurso:
O Ministério Público recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
«1. O acesso ao conteúdo dos esquipamentos informáticos, poderá ser obtido por pesquisa (art.º 15.º da LCC) ou por outro acesso legítimo (art.º 16.º e 17.º da LCC), cabendo nesta última forma de acesso a perícia (art.º 151.º do C.P.) e os exames (171.º do CPP).
2. Não decorre da letra e do espírito da norma vertida no nº 1 do artigo 15.º da LCC que a pesquisa informática deva ser exclusivamente realizada pelo OPC, podendo muito bem a diligência em causa ser realizada por entidades externas com conhecimentos técnicos, vulgo “especialistas”, caso assim seja determinado pelo M.P.,
3. A exclusividade do OPC para a realização da perícia informática, apenas se admite nas situações previstas no n.º 3, do artigo 15.º do LCC.
4. No caso concreto, o acesso aos telemóveis apreendidos foi obtido a coberto do despacho Ministério Público, que determinou a realização de pesquisa informática, nos termos estabelecidos dos art.º 15º da Lei 109/2009.
5. A intervenção da empresa “...”, não pode, com o devido respeito, ser tida como uma qualquer perícia - ou seja um meio de prova em si mesmo -, que imponha o cumprimento das formalidades deste tipo de prova (designadamente nomeação e tomada de compromisso; formulação de quesitos; notificação dos sujeitos para nomeação de consultor técnico).
6. Tratou -se, tão só, de uma operação de natureza material que antecede um meio de obtenção de prova, que requer especiais conhecimentos técnicos e que em nada difere, por exemplo, da contratação de uma empresa privada para a abertura de um cofre. Tal operação antecede logicamente o exame do material apreendido, permitindo apenas o acesso ao mesmo.
7. Uma vez recebido o disco externo com os documentos gravadas digitalmente e dados de correio eletrónico abertos e por abrir o MP, remeteu-o ao Mm.º Juiz para que deles tivesse conhecimento e ordenasse caso considerasse a existência de conteúdos com grande relevância para a prova ou para a descoberta da verdade, a respetiva apreensão, tudo em obediência ao art.º 17.º da LCC e ao Acórdão Fixação de Jurisprudência 10/2023 publicado no Diário da República nº 218/2023, Série I, de 10.11.2023, pagina 83 a 100.
8. O artigo 17.º da LCC, não impõe intervenção do juiz, previamente à realização de uma pesquisa, quando tal diligência foi determinada pelo M.P..
9. Para que o juiz determine a apreensão de dados de correio eletrónico ou de comunicações de natureza semelhante é necessário que estes lhe cheguem ao conhecimento, pois só a partir desse momento estará em condições de selecionar aqueles elementos que poderão ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
10. Mas para que assim suceda, é necessário que as comunicações sejam apreendidas cautelar ou provisoriamente, no decurso de um acesso legítimo (pesquisa, perícia ou exame) e posteriormente lhes sejam apresentadas para a sua efetiva apreensão.
Deve, pois, o douto despacho que ora se recorre ser substituído por outro que determine a validade da prova recolhida e permita, dentro dos critérios de ponderação do MM. º JIC, determinar a apreensão daquelas que se mostrem de grande interesse para a descoberta da verdade ou para prova, assim que o mesmo conheça do seu conteúdo.
V. Exas., porém, com mais elevada prudência, decidirão, como for de JUSTIÇA!».
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Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta aderiu à contra-motivação.
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IV- Questões a decidir:
Do artigo 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso, exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso.
As questões colocadas pelo recorrente, Ministério Público, são:
i- A natureza não pericial da intervenção da empresa “...”, que interveio apenas para a operação material de extração de dados e gravação dos mesmos num disco externo;
ii- O recebimento pelo JIC, em momento posterior ao despacho recorrido, do relatório forense e de toda a cadeia de custódia da prova, sendo que tal facto não inquina a prova recolhida.
iii- A desnecessidade de autorização do JIC previamente à realização da pesquisa de dados.
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V- Fundamentos de direito:
Vem o Ministério Público insurgir-se contra o entendimento exarado pelo JIC de que a competência para a realização do exame ao conteúdo dos telemóveis e respectivos cartões não pode ser delegada a entidades que não caibam na noção de órgãos de política criminal.
Argumenta, dizendo que em causa esteve apenas uma operação material de extracção de dados e gravação dos mesmo num disco externo, sendo que a entidade nomeada para o efeito não teve acesso aos efectivos conteúdos, pelo que não se pode entender, que o despacho que afectou a realização das operações a essa entidade externa, configure perícia, ou exame, mas apenas uma pesquisa informática.
Ora, a competência para actos de inquérito é exclusiva do Ministério Público através dos referidos órgão, ressalvadas as excepções decorrentes da necessidade de recorrer a perícias, que seguem uma tramitação não vista nos autos.
Assente que está, quer pelo despacho recorrido, quer pelo recurso, quer pela análise do processo que de perícia não se tratou, chame-se ao trabalho prestado pela empresa terceira o que se quiser chamar, ele apenas poderia ser efectuado por órgãos de polícia criminal, nos termos do disposto no artigo 263º/ 1 e 2 e 1º-c) do CPP.
Os despachos proferidos pelo Ministério Público, jamais se referiram a qualquer perícia, o que ressalta dos seus precisos termos, a saber:
- «Vão os autos à PSP para continuação da investigação, devendo aquela com nota de urgência obter junto da empresa na qual pretende sujeitar os equipamentos telefónicos seguir indicados a exame, o respetivo orçamento»;
- «Em face dos valores apresentados pela sociedade '..."' adjudico a esta a realização do exame aos telemóveis a seguir indicados»;
Na perspectiva do Ministério Público, o acto em causa foi, portanto, tratado como “exame”, e apenas na perspectiva do OPC foi tratado como “perícia”, o que ninguém lhe determinou. Por sua lavra tomou juramente ao pressuposto perito, nos termos que se transcrevem: «Neste momento foi o Perito incumbido pela Autoridade de Policia Criminal que preside á diligência, de proceder ao exame pericial de vários equipamentos telefónicos apreendidos aos autos» e «Junto se envia em anexo suporte digital com dados retirados no âmbito da perícia realizada aos equipamentos de telecomunicação aprendidos aos visados ».
Ora, partindo do princípio que a qualificação da obra como “perícia” foi da lavra do OPC, temos, apenas a questão de saber se foi um exame, como o Ministério Público referiu nos seus despachos, ou uma simples cópia, como refere agora, em sede de recurso. É que um “exame” não é uma “cópia”.
Está assente que o Ministério Público pediu um exame, pelo que, literalmente, não pode agora vir argumentar com a feitura de uma cópia. Atendendo ao teor dos denominados “Relatórios Forenses”, elaborados pela empresa, mais se verifica que eles não se limitaram a meras cópias, pois que dos mesmos consta que nos equipamentos bloqueados, o desbloqueio feito permitiu o acesso à informação neles contida, informação essa de onde foram extraídos conteúdos de comunicações. Isso mesmo consta de dois extratos desse relatório: «através de técnicas forenses avançadas, foi possível ultrapassar a contrariedade, (…) logrando-se acesso à informação» e «Junto se envia em anexo suporte digital com dados retirados no âmbito da perícia rerlizada aos equipamentos de telecomunicação aprendidos aos visados nos autos, com vista à sua validação e apreensão, nos termos dos art.ºs 15º a 17º da Lei nº 109/2009, de 15 de setembro---
Da extração efetuada, ressalva-se a presença de diverso conteúdo de comunicações através de redes sociais bem como de correio eletrónico, pelo que se solicita igualmente a sua validação, apreensão e transcrição, no âmbito do regime legal aplicável» (documentos de folhas 2827).
O que se retira dessa documento, que o Ministério Público refere terem dado entrada depois da prolação do despacho recorrido, confirma precisamente o acesso a dados dos conteúdos gravados nos telemóveis, por uma entidade não sujeita ao segredo de justiça a que se subordina a investigação dos presentes autos.
A última nota transcrita corresponde, efectivamente, à descrição da realização do exame a comunicações através de redes sociais bem como de correio eletrónico ordenado, o que, obviamente passou pelo efectivo conhecimento por uma entidade estranha aos OPC, detentores exclusivos de capacidade investigatória no âmbito do inquérito, com as ressalvas expressamente previstas na lei.
Do exposto resulta que a prova assim obtida é nula e não pode ser usada, porque relativa a intromissão nas telecomunicações dos arguidos, feitas por órgão sem competência para o efeito (artigo 126º/3 do CPP).
Para além desta questão verifica-se que o Ministério Público não requereu autorização judicial para que se procedesse à apreensão de mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante através de cópia/clonagem sem acesso ao respectivo conteúdo , ao abrigo do disposto nos artigos 17º da Lei 109/2008, 179º/3 e 268º/1-d) do CPP e em obediência ao AUJ 10/2023, tal como referido no despacho recorrido.
Refere o dito AUJ, já publicado quando foi proferido o despacho contido em 1) do provado, que «Na fase de inquérito, compete ao juiz de instrução ordenar ou autorizar a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza semelhante, independentemente de se encontrarem abertas (lidas) ou fechadas (não lidas), que se afigurem ser de grande interesse para descoberta da verdade ou para a prova, nos termos do art.º 17.º, da Lei n.º 109/2009, de 15/09 (Lei do Cibercrime)»
A situação sub judice cai, precisamente, no âmbito da uniformização de jurisprudência.
Dúvida não temos pois, que a pesquisa feita nos equipamentos não é válida e ocorre a nulidade decorrente do incumprimento das regras contidas nos artigos 179º/3 e 268º/1-d) do CPP, aplicáveis por força do disposto no artigo 17º da Lei do Cibercrime.
Resta, pois, a manutenção do despacho nos seus precisos termos.
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VI- Decisão:
Acorda-se, pois, negando provimento ao recurso, em manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Sem custas.
Texto processado e integralmente revisto pela relatora.

Lisboa, 9/10/2024
Maria da Graça dos Santos Silva
Francisco Henriques
Cristina Almeida e Sousa