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CRIMES SEXUAIS
BENS JURÍDICOS PESSOAIS
CONCURSO REAL
CONCURSO APARENTE
CONTINUAÇÃO CRIMINOSA
NÚMERO DE CRIMES
Sumário
I- A jurisprudência do STJ tem perfilhado, esmagadoramente, o entendimento que afasta, quer a continuação criminosa, quer a figura do crime exaurido, de trato sucessivo, dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual. II- Com a Lei nº40/2010 de 3 de setembro que procedeu à 26º alteração ao Código Penal e que entrou em vigor em 3 de outubro de 2010 o artigo 30º nº 3 passou a estabelecer que: O disposto no número anterior não abrange crimes praticados contra bens eminentemente pessoais. III- Com tal alteração o legislador pôs termo à possibilidade de crime continuado que atinja bens essencialmente pessoais ficando, assim, restringido o artigo 30º nº 2 do Código Penal à violação plúrima de bens não eminentemente pessoais. IV- Estando em causa crimes de pornografia de menores que tutelam a autodeterminação sexual de menores de 16 anos de idade, ou seja, bens eminentemente pessoais estando arredada a possibilidade de crime continuado. V- É entendimento pacífico jurisprudencial que o recurso dirigido à concretização da medida da pena visa apenas o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. (sumário da responsabilidade da relatora)
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1- RELATÓRIO:
Nos autos de processo comum com intervenção de Tribunal Singular nº 9845/19.7T9LSB que correm os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 4 foi proferida sentença, cujo dispositivo é ao que nos interessa do seguinte teor: III- Decisão: Pelo exposto, tendo em atenção os factos e o direito, julga-se procedente a acusação nos termos sobreditos e, consequentemente, se decide: Condenar o(a) arguido(a) AA pela prática, como autor(a) e em concurso real, de 19 (dezanove) crime(s) de pornografia de menores, p. e p. nos art.ºs 176º, n.º 1, alíneas c) e d), e 177º, n.º 6, do Código Penal, na redacção anterior à introduzida pela Lei 4/2024, de 15.01, na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão cada um; e, em cúmulo jurídico destas penas parcelares, condenar o(a) arguido(a) na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 (dois) anos e 6 meses, acompanhada de regime de prova, assente em plano individual de readaptação social, com a obrigação de responder a todas as convocatórias que para o efeito lhe vierem a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social. *
Inconformado com a decisão condenatória dela recorreu o arguido AA extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: I- O presente recurso tem como objeto toda a matéria da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 4, que condenou o arguido, ora Recorrente, AA pela prática, como autor e em concurso real, de 19 (dezanove) crimes de pornografia de menores, p. e p. nos arts. 176.º, n.º 1, alíneas c) e d), e 177.º, n.º 6, do Código Penal, na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 4/2024, de 15 de Janeiro, na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão cada um; e, em cúmulo jurídico destas penas parcelares, condenar o arguido na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, acompanhada de regime de prova, assente em plano individual de readaptação social, com a obrigação de responder a todas as convocatórias que para o efeito lhe vierem a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social. II- Aderindo-se ao julgamento e àquilo que envolveu a confissão integral e sem reservas por parte do arguido, ora Recorrente, e bem assim à subsunção dos factos ao direito, a discordância do arguido relativamente ao decidido nos autos surge no reafirmar da posição manifestada no momento das alegações finais. III- Durante o período compreendido entre 09 de Dezembro de 2018 até 14 de Janeiro de 2021, o arguido desenvolveu uma atividade contínua na prática de atos de cariz sexual e pornográfico realizados entre menores, nomeadamente mediante a partilha de ficheiros de gravações, filmes e fotografias. IV- Entende o arguido, ora Recorrente, que lhe deveria ter sido imputada a prática de 1 (um) crime de pornografia infantil, na forma continuada, nos termos do disposto nos arts. 176.º, n.º 1, alíneas c) e d), e 177.º, n.º 6 e 30.º, n.º 2, todos do Código Penal. V- O crime continuado pode entender-se como uma pluralidade de ações semelhantes e homogéneas objetiva e subjetivamente, que são objeto de valoração jurídica unitária. VI- Depois de apurada a possibilidade de subsunção da conduta a diversos preceitos incriminadores ou diversas vezes ao mesmo preceito, o juízo de censura será determinante para saber se concretamente se verifica um ou mais crimes. VII- Neste sentido, estabeleceu o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 1558/12.7TACBR.C 1, de 08-11-2017 (disponível para consulta em www.dgsi.pt): “II - O crime continuado distingue-se do concurso real de crimes apenas em razão dos elementos aglutinadores que a lei prevê: unidade do bem jurídico protegido, execução por forma essencialmente homogénea e diminuição considerável da culpa em razão de uma mesma situação exterior. VIII- Deste modo, de acordo com o art.º 30.º, n.º 1 do Código Penal, o critério de distinção entre unidade e pluralidade de infrações não é um critério naturalístico, mas, antes, normativo ou teleológico, que atende à unidade ou pluralidade de valores jurídicos criminais negados, expressos nos tipos legais de crimes, correspondendo à unidade ou pluralidade de juízos de censura tendo na base a unidade ou pluralidade de resoluções criminosas. IX- Para existir crime continuado é necessário: i) plúrima realização do mesmo tipo de crime ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico; ii) homogeneidade da forma de execução, o chamado injusto objetivo da ação; iii) lesão do mesmo bem jurídico, isto é, a unidade de injusto de resultado; iv) unidade do dolo, ou seja, uma linha psicológica continuada que reflete o injusto pessoal da ação; v) situação exterior propiciadora da execução e suscetível de diminuir consideravelmente a culpa. X- A existência de uma infração penal não é bastante apenas a realização do tipo legal de crime.
XI- Salientando que “A pluralidade de condutas deve ser executada de forma essencialmente homogénea, não sendo, no entanto, exigível, em regra, proximidade espácio-temporal entre elas; e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior" Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 899/22.0JAFUN.L1.S1, de 11-01-2024 (disponível para consulta emwww.dgsi.pt). XII- Deste modo, é necessário que exista um condicionalismo que facilitou a ação do arguido, ora Recorrente, e consequentemente degradou a respetiva culpa. XIII- No caso dos presentes autos, é visível que a reiteração advém da mesma situação externa, nomeadamente o uso da conta de Facebook com o nome de utilizador “BB”, cuja foto de perfil correspondia a uma criança com cerca de 10 anos de idade. XIV- Ora, situação essa externa que diminui consideravelmente a culpa do arguido, ora Recorrente. XV- No caso ora em apreço, estamos perante uma exceção ao concurso real de crimes que deve ser aceite mercê de fatores externos que facilitaram as recaídas do arguido, ora, Recorrente. XVI- Nomeadamente a facilidade de acesso à Internet e o facto de outros sujeitos compartilharem com apenas um click conteúdos idênticos aos descritos nos presentes autos. XVII- É indiscutível o efeito amplificador das redes sociais enquanto meio de difusão de fluxos informacionais. XVIII- O modo como, em segundos, uma publicação percorre o mundo pelas múltiplas visualizações e partilhas, entre um vasto número de utilizadores, heterogéneos e indeterminados, evidencia a suscetibilidade de difusão das informações veiculadas nas redes sociais. XIX- O uso da rede social Facebook facilita a divulgação de todo e qualquer conteúdo. XX- Pelo que, o arguido, ora Recorrente, viu-se perante uma facilidade de acesso ao conteúdo descrito nos autos, sem que tivesse qualquer tipo de controlo na sua divulgação e acesso. XXI- Importa salientar que esta diminuição sensível da culpa aplica-se ao caso concreto uma vez que estamos perante uma repetição da prática do mesmo tipo de crime sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. XXII- Ou seja, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele ativamente a provoca. XXIII- Acresce que, o ora Recorrente, não possui antecedentes criminais e conta com o apoio familiar, pelo que é altamente positivo o prognóstico para justificar a redução das penas parcelares, e única, que, por reunidos os legais pressupostos, deve aplicada ao arguido uma pena de multa. XXIV- A confissão, de relevo, prestada pelo arguido, ora Recorrente, com base na qual o doutro Tribunal a quo formou a sua convicção, deverá produzir efeitos na escolha da medida da pena, para menos, na medida em que é pouco significativa a diferença de censura comparativamente à possibilidade de o arguido, ora Recorrente, não ter confessado. XXV- Os factos praticados pelo ora Recorrente, constituem a prática de um só crime no âmbito do mesmo circunstancialismo, que deverão integrar a prática de um mesmo crime, e, caso se considere que devem ser autonomizados, substancialmente reduzidas deverão ser as penas parcelares a aplicar. XXVI- O arguido, ora Recorrente, revelou sincero arrependimento o que manifesta prognóstico altamente favorável, devendo este manifestar-se na atenuação da punição. XXVII- A prova produzida permite que se justifique uma substancial redução da punição, sendo que a pena única de prisão aplicada ainda que suspensa, Tribunal a quo é excessiva. XXVIII- Acresce a tudo isto o facto de o Arguido se ter disponibilizado e mostrado a sua total vontade em cumprir todas e quaisquer regras de conduta e obrigações, pelo que uma pena de multa com imposição das injunções referidas na douta sentença acautelaram as medidas da punição. XXIX- Facto este que o mesmo fez questão de referir em sede de declarações de arguido no final da Audiência de Julgamento. XXX- O que demonstra plena e total vontade em manter-se afastado da prática de futuros crimes.
Termina requerendo que a decisão do Tribunal a quo seja revogada e em consequência proferido acórdão que condene o arguido, ora recorrente, na prática de 1 (um) crime de pornografia infantil, na forma continuada, nos termos do disposto nos arts. 176.º, n.º 1, alíneas c) e d), e 177.º, n.º6 e 30.º, n.º2, todos do Código Penal, numa pena de multa sujeita ainda a regime de prova, assente em plano individual de readaptação social, com a obrigação de responder a todas as convocatórias que para o efeito lhe vierem a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social.
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Admitido o recurso o Ministério Público apresentou resposta ao mesmo defendendo, em síntese, que a sentença recorrida não merece qualquer censura porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, designadamente as indicadas pelo recorrente e que a pena é adequada, atentas as circunstâncias que se verificam no caso concreto, seguindo os critérios legais, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.
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Remetido o recurso a este Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora Geral-Adjunta emitiu parecer apondo visto.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso interposto pelo arguido cumprindo, assim, apreciar e decidir.
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2- FUNDAMENTAÇÃO:
2.1- DO OBJETO DO RECURSO:
É consabido, em face do preceituado nos artigos 402º, 403º e 412º nº 1 todos do Código de Processo Penal, que o objeto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, devendo, assim, a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por serem obstativas da apreciação do seu mérito, nomeadamente, nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase e previstas no Código de Processo Penal, vícios previstos nos artigos 379º e 410º nº 2 ambos do referido diploma legal e mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.1
Destarte e com a ressalva das questões adjetivas referidas são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar2.
A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva3, “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.
Assim à luz do que o recorrente arguido invoca no seu recurso delimitado pelas conclusões as questões a dirimir são:
- se estão verificados os pressupostos do crime continuado.
- se a pena aplicada é excessiva.
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2.2- DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO:
Exara a sentença recorrida na parte que releva para a apreciação do recurso o que a seguir se transcreve: II - Fundamentação: 2.1. Factos provados: Discutida a causa e produzida a prova, resultam assentes os seguintes factos: a) O arguido residia na ...; b) No dia 29.10.2018, pelas 22H46M23S, o arguido, através do seu computador, e da rede social facebook, usando o nome de utilizador BB e Bid=..., associado ao endereço de correio electrónico ..., através do IP …, descarregou um vídeo com a denominação: …38252701_1708147345950464_2494626383156143197_n.mp4; c) Nesse vídeo visionam-se duas crianças do sexo masculino com idades inferiores a 10 anos e a 14 anos, nus, a manterem entre si cópula anal e oral; d) No dia 14.01.2021, pelas 07H25M, o arguido detinha no interior da sua residência, no seu quarto, um telemóvel, dois tablets, um disco externo, um computador de secretária e dois computadores portáteis; e) No interior do tablet da marca ..., com o SN ... de sua pertença, o arguido detinha uma conta de facebook, com o nome de utilizador BB, com foto de perfil que correspondia a uma criança com cerca de 10 anos de idade; f) Entre 09.12.2018 e 14.01.2021 o arguido, utilizando aquele perfil de Facebook e o Messenger manteve conversações com outros utilizadores da mesma rede social que utilizavam nomes de perfil como CC, DD, EE, FF, GG e HH, que igualmente mantinham interesse em conteúdos de abusos sexuais de crianças; g) No decurso dessas conversações, o arguido partilhou, por diversas vezes, ficheiros vídeo nos quais eram visíveis crianças do sexo masculino, de idades inferiores a 14 anos a exibirem a sua genitália, a manterem entre si actos sexuais, oral e anal, e a acariciarem-se mutuamente o corpo desnudado; h) Nomeadamente, o arguido partilhou com os demais utilizadores os seguintes 15 ficheiros contendo as seguintes denominações, nas datas e pelo número de vezes indicado no quadro seguinte:
i) O ficheiro vídeo com a denominação 1541720961_766511903684323.mp4 foi partilhado pelo arguido por quatro vezes com utilizadores de Facebook distintos com os quais mantinha conversação, sendo esses demais ficheiros vídeo partilhados pelo arguido com outros utilizadores da rede social Facebook uma vez cada, num total de 18 partilhas; j) Nestes ficheiros de vídeo visualizam-se: - crianças de sexo masculino de idade inferior a 12 anos, deitada de pernas afastadas a exibir o pénis erecto: - duas crianças do sexo masculino de idade inferior a 14 anos, nuas, a beijarem-se na boca e mutuamente a efectuarem masturbação e coito oral; - duas crianças do sexo masculino de idades inferiores a 14 anos de idade, nuas, a beijarem-se na boca enquanto uma das crianças massaja o pénis erecto da outra criança; - uma criança do sexo masculino com 12 anos de idade deitado sobre uma cama a exibir as suas nádegas e a efectuar movimentos vaivém no pénis erecto; k) No ficheiro vídeo partilhado 4 vezes visualizam-se três crianças do sexo masculino de idade compreendida entre os 10 anos e os 14 anos, nus, a acariciarem o corpo uns dos outros e a introduzirem mutuamente a boca no pénis erecto dos demais jovens fazendo movimentos vaivém; l) O arguido possuía conhecimentos de informática que lhe permitiram aceder a ficheiros de abuso sexual de crianças, bem sabendo que as imagens que descarregava e partilhava, expunham menores do sexo masculino de idades inferiores a 14 anos, em práticas sexuais e que, atentas as características de tais conteúdos, estava proibida a sua exibição, cedência e partilha; m) O arguido quis partilhar com terceiros e deter para tanto, no tablet, imagens de menores de idades inferiores a 14 anos e que foram utilizados em filmes, gravações, fotografias de conteúdo sexual e pornográfico, para satisfazer a sua líbido e impulsos sexuais, o que conseguiu, bem sabendo que a partilha e essa sua detenção era proibida; n) O arguido tinha conhecimento de que estas imagens e filmes de teor pornográfico com utilização de crianças induzem a exploração efectiva dessas crianças, utilizadas para a realização dos filmes e fotografias em causa, não obstante, não se inibiu de as exibir, partilhar, ceder, através da internet e de as deter para tanto nos suportes informáticos que se encontravam na sua posse; o) O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei; p) O arguido tem como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade; como assistente de call center aufere por mês a quantia de € 820,00; vive com os pais; entrega para ajuda da casa, incluindo telecomunicações, a quantia de € 250,00/€ 300,00 por mês; q) O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos; r) O arguido não tem antecedentes criminais conhecidos. 2.1. Factos não provados: Com relevância para a decisão da causa, nenhum. 2.2. Motivação da decisão de facto: A convicção do tribunal quanto à factualidade provada assentou nas declarações do(a) arguido(a) que a confessou integralmente e sem reservas, bem como da análise crítica da informação de fls. 17, do DVD de fls. 40 e respectivo auto de visionamento de fls. 46, a que se reportam as imagens de fls. 20, do auto de diligência com prints do perfil de Facebook do arguido de fls. 47 a 49, do auto de apreensão de fls. 145 a 146, da reportagem fotográfica da casa e objectos apreendidos de fls. 149 a 160, do DVD de fls, 162 e respectivo auto de análise de fls. 206 e cópia das conversações aí existentes insertas no Apenso A de fls. 3 a 37. Os factos atinentes às condições pessoais e à situação económica do(a) arguido(a), provaram-se também com base nas suas declarações. Finalmente, os antecedentes criminais do(a) arguido(a) encontram-se certificados nos autos. 2.4. O Direito: 2.4.1. Enquadramento jurídico-penal dos factos provados: O(a) arguido(a) vem acusado(a) da prática, em autoria e em concurso real, de 19 crime(s) de pornografia de menores, p. e p. nos art.ºs 176º, n.º 1, alíneas c) e d), e 177º, n.º 6, do Código Penal. Dispõe o aludido art.º 176º, n.º 1, na redacção em vigor à data da prática dos factos, que pratica este crime quem utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim [alínea b)]; “produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior” [alínea c)]; e “adquirir, detiver ou alojar materiais previstos na alínea b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder” [alínea d)] (a redacção actual, introduzida pela Lei 4/2024, de 15.01, é ligeiramente diferente, mas na parte aplicável idêntica). É, porém, a pena agravada, no que nos interessa, nos termos do mencionado art.º 177º, n.º 6, na redacção em vigor à data da prática dos factos, se a vítima for menor de 16 anos (a redacção actual é ligeiramente diferente, mas na parte aplicável idêntica, correspondendo embora ao actual n.º 7 do art.º 177º). O bem jurídico protegido é neste crime a autodeterminação sexual do menor de 16 anos. Analisando o crime em causa, temos, desde logo, que pode ser cometido por qualquer pessoa, não se exigindo qualquer qualificação especial ao sujeito activo, e que pode ser vítima qualquer pessoa, quer seja do sexo feminino ou masculino, que não tenha ainda 16 anos. Assim, o tipo objectivo “consiste em determinar o menor a intervir como modelo, actor ou participante no espectáculo, fotografia, filme ou gravação ou tirar a fotografia, fazer o filme ou realizar a gravação”, como refere Paulo Pinto de Albuquerque, emComentário do Código Penal,2008, pág. 487, que acrescenta, pág. 488, ser “a divulgaçãode materiais pornográficos inclui a publicitação a uma ou mais pessoas, desde que não tenham participado na produção do material.
A exibição de materiais pornográficos inclui a mostra a uma ou mais pessoas desde que não tenham participado na produção do material.
A cedência de materiais pornográficos incluem a venda, o aluguer, a doação, o empréstimo gratuito ou qualquer outra forma de transferência da detenção a terceiros que não sejam participantes na produção”. No que tange ao tipo subjectivo, deparamo-nos com um crime que exige dolo, dolo em qualquer das suas modalidades. Analisando agora o caso sub judice, verifica-se que, e conforme resulta da factualidade assente, no dia 29.10.2018, pelas 22H46M23S, o arguido, através do seu computador, e da rede social facebook, usando o nome de utilizador BB e FBid=..., associado ao endereço de correio electrónico ..., através do IP …, descarregou vídeo com denominação:…38252701_1708147345950464_2494626383156143197_n.mp4;que nesse vídeo visionam-se duas crianças do sexo masculino com idades inferiores a 10 anos e a 14 anos, nus, a manterem entre si cópula anal e oral; que no dia 14.01.2021, pelas 07H25M, o arguido detinha no interior da sua residência, no seu quarto, um telemóvel, dois tablets, um disco externo, um computador de secretária e dois computadores portáteis, e no interior do tablet da marca ..., com o SN ... de sua pertença, o arguido detinha uma conta de facebook, com o nome de utilizador BB, com foto de perfil que correspondia a uma criança com cerca de 10 anos de idade; que entre 09.12.2018 e 14.01.2021 o arguido, utilizando aquele perfil de Facebook e o Messenger manteve conversações com outros utilizadores da mesma rede social que utilizavam nomes de perfil como CC, DD, EE, FF, GG e HH, que igualmente mantinham interesse em conteúdos de abusos sexuais de crianças; que no decurso dessas conversações, o arguido partilhou, por diversas vezes, ficheiros vídeo nos quais eram visíveis crianças do sexo masculino, de idades inferiores a 14 anos a exibirem a sua genitália, a manterem entre si actos sexuais, oral e anal, e a acariciarem-se mutuamente o corpo desnudado; nomeadamente, o arguido partilhou com os demais utilizadores 15 ficheiros, sendo três deles em ........2018, um deles em ........2018, dez deles em 08.11.2018, um deles em 18.12.2018 e um deles em 30.12.2018; que desses o ficheiro vídeo com a denominação 1541720961_766511903684323.mp4 foi partilhado pelo arguido por quatro vezes com utilizadores de facebook distintos com os quais mantinha conversação, sendo esses demais ficheiros vídeo partilhados pelo arguido com outros utilizadores da rede social facebook uma vez cada, num total de 18 partilhas; que nestes ficheiros de vídeo se visualizam: - crianças de sexo masculino de idade inferior a 12 anos, deitada de pernas afastadas a exibir o pénis erecto: - duas crianças do sexo masculino de idade inferior a 14 anos, nuas, a beijarem-se na boca e mutuamente a efectuarem masturbação e coito oral; - duas crianças do sexo masculino de idades inferiores a 14 anos de idade, nuas, a beijarem-se na boca enquanto uma das crianças massaja o pénis erecto da outra criança; - uma criança do sexo masculino com 12 anos de idade deitado sobre uma cama a exibir as suas nádegas e a efectuar movimentos vaivém no pénis erecto; e que no ficheiro vídeo partilhado 4 vezes se visualizam três crianças do sexo masculino de idade compreendida entre os 10 anos e os 14 anos, nus, a acariciarem o corpo uns dos outros e a introduzirem mutuamente a boca no pénis erecto dos demais jovens fazendo movimentos vaivém. Mas resulta, também, assente que o arguido possuía conhecimentos de informática que lhe permitiram aceder a ficheiros de abuso sexual de crianças, bem sabendo que as imagensque descarregava e partilhava, expunham menores do sexo masculino de idades inferiores a 14 anos, em práticas sexuais e que, atentas as características de tais conteúdos, estava proibida a sua exibição, cedência e partilha; que o arguido quis partilhar com terceiros e deter para tanto, no tablet, imagens de menores de idades inferiores a 14 anos e que foram utilizados em filmes, gravações, fotografias de conteúdo sexual e pornográfico, para satisfazer a sua líbido e impulsos sexuais, o que conseguiu, bem sabendo que a partilha e essa sua detenção era proibida; que o arguido tinha conhecimento de que estas imagens e filmes de teor pornográfico com utilização de crianças induzem a exploração efectiva dessas crianças, utilizadas para a realização dos filmes e fotografias em causa, não obstante, não se inibiu de as exibir, partilhar, ceder, através da internet e de as deter para tanto nos suportes informáticos que se encontravam na sua posse; e que o arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Desta forma, agiu o(a) arguido(a) com dolo directo, nos termos do art.º 14º, n.º 1, do Código Penal, uma vez que, conhecendo o carácter reprovável da sua conduta - elemento intelectual do dolo -, quis levá-la a efeito, actuando com vontade de realização - elemento volitivo do dolo. A questão que agora se coloca é a de saber se estamos perante vários crimes, por um lado, ou perante um só crime ou se perante factos que abstracta e isoladamente considerados poderiam ser considerados consubstanciadores de vários crimes, mas que devem ser considerados um só crime continuado, nos termos do disposto no art.º 30º, n.º2, do Código Penal, por outro lado. Como de forma abrangente se explica no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21.09.2021, em texto integral em www.dgsi.pt, “A figura jurídica do crime continuado, de génese jurisprudencial, colmatou uma lacuna que a teoria geral do crime anteriormente não previa expressamente. À luz do citado normativo [art.º 30º, n.º2, do Código Penal], para que se verifique crime continuado é suposta uma reiteração de propósitos, na realização plúrima do mesmo crime ou de crimes que protejam essencialmente o mesmo bem jurídico, mas devida tal reiteração a um estado de coisas, exterior ao agente, de força criminógena, o qual, nessa medida lhe diminua a culpa. Essencial é que o agente haja sido influenciado por circunstâncias exteriores que facilitem a repetição dos atos criminosos. São, assim, seus pressupostos: - a realização plural do mesmo tipo de crime, ou de vários tipos que tutelem fundamentalmente o mesmo bem jurídico; - a homogeneidade na forma de execução,tradutora de unidade no injusto objetivo da ação desenvolvida; - a lesão do mesmo bem jurídico ou ofensa de um mesmo valor; - a unidade de dolo, inculcadora de unidade no injusto pessoal da ação, ou seja, significando que as diversas resoluções se devem manter adentro de uma linha psicológica continuada; - a persistência de uma dada situação exógena que propicie uma mais fácil execução; - a existência de uma certa conexão temporal, donde se presuma uma menor ou menoselaborada reflexão sobre a ação delituosa anterior, favorecedora de um repetido sucumbir.Considera-se, porém, que se for o próprio agente a determinar o cenário, que objetivamente visionado, serviria à perfetibilização do crime continuado, as plúrimas resoluções criminosas que, afinal, expressam a «repetição da sucumbência» fundada esta num conjunto de fatores exteriores que a explicam e que, explicando-a, podem levar a concluirpor uma culpa menor, não são passíveis de consentirem tal tratamentojurídico menos gravoso. Para que haja uma atenuação da sua culpa e consequente enfraquecimento do juízo de censura, o agente deve ser vencido por vetores externos. Isto é, se o agente atuou sucessivamente superando obstáculos e resistências ao longo do iter criminis, isto é, aperfeiçoando a realidade exterior aos seus desígnios e propósitos, sendo ele a dominá-la, e não esta a dominá-lo, não se verifica a considerável diminuição da sua culpa. (...). Atualmente a jurisprudência e a doutrina arrancam da conceção natural da vida para determinar o conceito de ação na teoria do concurso. Uma pluralidade de componentes de uma determinada ação física, externamente separáveis, devem formar uma ação unitária quando os diversos atos parciais corresponderem a uma única resolução volitiva e se encontrarem tão vinculados no tempo e no espaço que um observador não interveniente os sinta como uma unidade. Mas a junção de uma pluralidade de atos individuais numa única unidade de ação, através da interpretação do tipo, só existe dentro de limites relativamente estreitos. Em primeiro lugar exige-se objetivamente a homogeneidade das formas de ação traduzidas na violação repetida da mesma norma ou de normas similares, pressupondo a homogeneidade da forma de ação também uma certa conexão temporal e espacial. Em segundo lugar exige-se a violação do mesmo bem jurídico. E em terceiro lugar exige-se a homogeneidade do dolo, que deve abarcar o resultado total do facto nos seus traços essenciais conforme o lugar, o tempo, a pessoa do lesado e a forma de comissão do facto, no sentido de que os atos individuais só representam a realização sucessiva de um todo, querido unitariamente. Acresce que o aditamento de um § 3º ao artigo 30º CP pela Lei n.º 59/2007, de 04.09, arredou irremediavelmente a possibilidade de aplicação da figura do crime continuadoaos casos de crimes contra bens eminentemente pessoais. A dessintonia jurisprudencial que se verificou na imediata sequência da vigência daquela Lei deixou se verificar com a precisão feita posteriormente, através da Lei n.º 40/2010, de 03.09. Nesta nova redação, dispondo expressamente: «o disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais», arredou definitivamente que nos casos de concurso efetivo de infrações (de violação plúrima do mesmo bem jurídico), tratando-se de bens eminentemente pessoais, ainda que sobre a mesma pessoa, se possa punir o agente por via da figura do crime continuado. Está igualmente arredada a possibilidade de em tais situações se poder mobilizar a figura do crime de trato sucessivo, como esclarece o Supremo Tribunal de Justiça. Pois nestes casos, contrariamente ao que sucede no crime continuado, não se verifica qualquer diminuição de culpa, antes mera reiteração criminosa, reveladora de uma persistente resolução criminosa, mas que encerra uma culpa agravada, medida de acordo com o número de condutas realizadas e respetiva ilicitude.(...) A dogmática jurídica também não permite arrimo à categoria do crime exaurido, posto que este matricialmente se caracteriza pela circunstância de «o primeiro passo dado pelo agente na senda do iter criminis já constituir preenchimento do tipo». Em suma: a unificação jurisprudencial de várias condutas integradoras de tipos legais de cariz sexual num único crime constituirá sempre violação do princípio da legalidade, donde, os diversos crimes (...) terão de ser punidos em concurso efetivo de crimes”. “Embora as decisões das Relações ainda se mostrem divididas quanto à qualificação do trato sucessivo, a jurisprudência do STJ tem perfilhado, esmagadoramente, o entendimento que afasta, quer a continuação criminosa, quer a figura do crime exaurido, de trato sucessivo, dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual (...), como se conclui no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.03.2019, em texto integral em www.dgsi.pt. Preencheu, assim, o(a) arguido(a) com a sua conduta objectiva e subjectivamente o(s) crime(s) por que vem acusado(a), atenta a factualidade assente, fazendo-o com 18 partilhas daqueles ficheiros e com a detenção de mais 1 desses ficheiros para tanto, aqui se considerando 19 crimes, em respeito pelo disposto no art.º 30º, n.º3, do Código Penal, afastando-se a figura do crime de trato sucessivo. Não existem causas de exclusão da ilicitude nem da culpa. Consequentemente, praticou o(a) arguido(a), em autoria material, 19 crime(s) de pornografia de menores, p. e p. nos art.ºs 176º, n.º1, alíneas c) e d), e 177º, n.º6, do Código Penal, na redacção anterior à introduzida pela Lei 4/2024, de 15.01. 2.4.2. Da opção e medida da pena: Cada crime de pornografia de menores, p. e p. nos art.ºs 176º, n.º1, e 177º, n.º 6 (actualmente n.º 7), do Código Penal, é punido com pena de prisão de 16 meses a 6 anos e 8 meses. Como finalidades da punição temos a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, finalidades que constam do n.º 1 do art.º 40º do Código Penal. Ora, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, nos termos do art.º 71º, n.º 1, do Código mencionado. Para determinar a medida da pena deve atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nos termos do art.º 71º, n.º 2, do Código Penal. Na opção pela pena há que ter por base o disposto no art.º 70º do Código Penal, que estabelece a preferência pelas penas não privativas da liberdade sempre que estas realizarem “de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, finalidades previstas no art.º 40º do citado código. A prevenção geral tem de ser encarada como uma prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma. A prevenção especial, tem de ser vista como de socialização, de servir a reintegração do agente na comunidade e de evitar a quebra da sua inserção social. In casu, as necessidades de prevenção geral são, relativamente aos 19 crimes, elevadas, quer relativamente ao reforço da consciência jurídica comunitária, quer no que respeita ao sentimento de segurança face à violação da norma. São medianas as necessidades de prevenção especial relativamente a qualquer dos crimes, pois que o(a) arguido(a) não tem antecedentes criminais conhecidos, encontrando-se familiarmente integrado. Quanto ao grau de ilicitude do facto, é mediano nos 19 crimes, atendendo a que em qualquer deles actuou aproveitando-se do acesso fácil ao armazenamento e à partilha que os meios informáticos proporcionam. No que respeita ao dolo do(a)(s) arguido(a)(s), caracterizado como directo, a sua intensidade afigura-se-nos mediana em cada um dos crimes. A favor do(a) arguido(a) a inexistência de antecedentes criminais conhecidos, tendo os factos ocorrido há cerca de 5 anos e meio, e a sua confissão integral e sem reservas. Quanto às condições pessoais e à situação económica do(a) arguido(a), temos as que ficaram assentes. Tudo visto e ponderado, considera-se adequado aplicar ao(à) arguido(a) por cada crime de pornografia de menores a pena de 16 (dezasseis) meses de prisão. Operando o cúmulo jurídico destas penas parcelares, e ponderando, em conjunto, os factos e a personalidade do(a) arguido(a), nos termos do disposto no art.º 77º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, atendendo à actuação essencialmente próxima no tempo (todos os crimes foram praticados no período de cerca de dois meses no ano de 2018), decide-se condená-lo(a) na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis meses) de prisão. Porém, tendo em conta que o(a) arguido(a) nunca foi condenado(a) por qualquer crime desta ou outra natureza, entendemos que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, nos termos do disposto no art.º 50º, n.º1, do Código Penal, pelo que se suspende a execução da pena de prisão aplicada ao(à) arguido(a) pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, de harmonia com o disposto no n.º 5 do mesmo preceito legal, na redacção introduzida pela Lei 94/2017, de 23.08, período que entendemos adequado atenta a gravidade dos factos nos termos supra analisados. Mas também, porque se vislumbra como adequado a promover a sua reintegração na sociedade, atento o envolvimento inerente à prática criminal em causa, há que fazer acompanhar a suspensão da execução de prisão pelo regime de prova, nos termos do disposto no mesmo art.º 53º, n.ºs 1 e 2. Este regime de prova assentará num plano individual de readaptação social deste arguido(a), devendo ser executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, impendendo, ainda, sobre o mesmo a obrigação de responder a todas as convocatórias quepara o efeito lhe vierem a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social, conforme dispõe o artigo 54º, n.º3, alínea a), do Código Penal.
Aqui chegados impõe-se proceder à apreciação das concretas questões suscitadas pelo recorrente arguido no seu recurso.
Importa dizer que no âmbito deste recurso não está em causa a prática pelo recorrente dos factos pelos quais vem condenado, que, aliás, confessou integralmente e sem reservas nem a subsunção dos factos a crime de pornografia de menores situando-se a sua discordância no que respeita à não opção na decisão recorrida pelo crime continuado e à aplicação de pena de prisão suspensa na sua execução que considera excessiva.
No que respeita à primeira questão defende o recorrente arguido, em síntese, que estão verificados os pressupostos do crime continuado nos termos do artigo 30º nº 2 do Código Penal porquanto no caso dos presentes autos, é visível que a reiteração advém da mesma situação externa, nomeadamente o uso da conta de Facebook com o nome de utilizador “BB”, cuja foto de perfil correspondia a uma criança com cerca de 10 anos de idade e essa situação externa diminui consideravelmente a culpa do arguido, ora Recorrente. Que no caso ora em apreço, estamos perante uma exceção ao concurso real de crimes que deve ser aceite mercê de fatores externos que facilitaram as recaídas do arguido, ora, Recorrente, nomeadamente a facilidade de acesso à Internet e o facto de outros sujeitos compartilharem com apenas um click conteúdos idênticos aos descritos nos presentes autos, é indiscutível o efeito amplificador das redes sociais enquanto meio de difusão de fluxos informacionais que o modo como, em segundos, uma publicação percorre o mundo pelas múltiplas visualizações e partilhas, entre um vasto número de utilizadores, heterogéneos e indeterminados, evidencia a suscetibilidade de difusão das informações veiculadas nas redes sociais, que o uso da rede social Facebook facilita a divulgação de todo e qualquer conteúdo que o ora recorrente viu-se perante uma facilidade de acesso ao conteúdo descrito nos autos, sem que tivesse qualquer tipo de controlo na sua divulgação e acesso. E, ainda, que importa salientar que esta diminuição sensível da culpa aplica-se ao caso concreto uma vez que estamos perante uma repetição da prática do mesmo tipo de crime sem que o agente tenha contribuído para essa repetição, ou seja, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele ativamente a provoca.
Se atentarmos no teor da sentença recorrida facilmente se conclui que na mesma foi feita a apreciação se a situação era subsumível a crime continuado tendo optado por afastar tal possibilidade, desde logo, com base na lei, mormente, o artigo 30º nº 3 do Código Penal.
Com efeito, com a Lei nº40/2010 de 3 de setembro que procedeu à 26º alteração ao Código Penal e que entrou em vigor em 3 de outubro de 2010 o referido artigo 30º nº 3 passou a estabelecer que: O disposto no número anterior não abrange crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.
Ora, o número anterior a que se refere este preceito é precisamente o nº 2 do artigo 30º do Código Penal convocado pelo recorrente em abono da sua argumentação e que estabelece: constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crimes que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico executada por forma essencialmente homogénea e no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Os crimes em causa são crimes de pornografia de menores que tutelam a autodeterminação sexual de menores de 16 anos de idade, ou seja, bens eminentemente pessoais estando arredada a possibilidade de crime continuado, posto, que com tal alteração o legislador pôs termo à possibilidade de crime continuado que atinja bens essencialmente pessoais ficando assim restringido à violação plúrima de bens não eminentemente pessoais.
Ademais e, em consonância, com a sentença recorrida, concorda-se que é vasta a jurisprudência sobre a matéria tal como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de fevereiro de 2019 proferido nos autos de processo 2165/15.8JAPRT.P1.S1 e de que é Relator Vinício Ribeiro em que se citam diversos acórdãos e cujo sumário refere além do mais a jurisprudência do STJ tem perfilhado, esmagadoramente, o entendimento que afasta, quer a continuação criminosa, quer a figura do crime exaurido, de trato sucessivo, dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.
Assim e quanto a esta questão não assiste qualquer razão ao arguido recorrente não merecendo qualquer censura a decisão recorrida ao afastar a possibilidade de crime continuado.
Invoca, ainda, o recorrente arguido que a pena que lhe foi aplicada embora suspensa na sua execução é excessiva.
Refere o recorrente arguido que revelou sincero arrependimento,confessou integralmente e sem reservas a prática dos crimes, demonstra plena e total vontade de manter-se afastado da prática de futuros crimes o que manifesta prognóstico altamente favorável, devendo este manifestar-se na atenuação da punição, circunstâncias que considera não terem sido devidamente sopesadas na decisão recorrida e, consequentemente, na pena aplicada que reputa nos termos sobreditos de excessiva.
Antes de mais importa referir que inexiste no nosso ordenamento penal pena de multa sujeita ainda a regime de prova, assente em plano individual de readaptação social, com a obrigação de responder a todas as convocatórias que para o efeito lhe vierem a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social como propugnado pelo arguido recorrente, pelo que o requerido nunca seria passível de decisão deste Tribunal.
Por outro lado, os crimes pelos quais o arguido recorrente foi condenado apenas admitem pena de prisão, sendo a pena abstrata e legalmente aplicável a cada crime como decorre dos art.ºs 176º, n.º 1, e 177º, n.º 6 (actualmente n.º 7), do Código Penal de 16 meses a 6 anos e 8 meses.
Ora, de acordo com o artigo 40º do Código Penal, as finalidades das penas são a proteção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, determinando-se que a culpa constitui o seu limite.
Como fatores de escolha e graduação da pena concreta há a considerar os parâmetros dos artigos 70º e 71º do Código Penal.
A primeira destas disposições determina que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” – disposição que não releva no presente caso, pois que os crimes pelos quais o arguido recorrente foi punido não admitem a aludida alternativa punitiva.
Por sua vez o artigo 71º do Código Penal estabelece que a determinação da medida concreta da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminalmente puníveis, devendo atender-se a todas as circunstâncias que - não fazendo parte do tipo de crime - depuserem a favor ou contra o arguido.
Na determinação da medida concreta da pena o tribunal deve, pois, atender à culpa do agente, que constitui o limite superior e inultrapassável da pena a aplicar e, simultaneamente, considerando que as finalidades de aplicação das penas incidem fundamentalmente na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade, o limite máximo da moldura do caso concreto deve fixar-se na medida considerada como adequada para a proteção dos bens jurídicos e para a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência das normas infringidas, ainda consentida pela culpa do agente, enquanto o limite inferior há-de corresponder a um mínimo, ainda admissível pela comunidade para satisfação dessas exigências tutelares.
Ademais e entre tais parâmetros, o tribunal deve fixar a pena num quantum que traduza a concordância prática dos valores decorrentes das necessidades de prevenção geral com as exigências de prevenção especial que se revelam no caso concreto, quer na vertente da socialização, quer na de advertência individual de segurança ou dissuasão futura do delinquente.
Ora, nessa tarefa de individualização o tribunal dispõe dos critérios de vinculação na escolha da medida da pena constantes do já citado artigo 71.º do Código Penal, nomeadamente, os suscetíveis de “contribuírem tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar”4.
Importa salientar que é entendimento pacífico jurisprudencial que o recurso dirigido à concretização da medida da pena visa apenas o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
Destarte, a intervenção corretiva do Tribunal Superior no que respeita à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada.
Neste mesmo sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/10/20135 onde se consigna que “o recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso” e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/05/20226 em que se exara que “a sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”.
Regressando à sentença recorrida a mesma refere com relevo que as necessidades de prevenção geral são, relativamente aos 19 crimes, elevadas, quer relativamente ao reforço da consciência jurídica comunitária, quer no que respeita ao sentimento de segurança face à violação da norma. São medianas as necessidades de prevenção especial relativamente a qualquer dos crimes, pois que o(a) arguido(a) não tem antecedentes criminais conhecidos, encontrando-se familiarmente integrado. Quanto ao grau de ilicitude do facto, é mediano nos 19 crimes, atendendo a que em qualquer deles actuou aproveitando-se do acesso fácil ao armazenamento e à partilha que os meios informáticos proporcionam. No que respeita ao dolo do(a)(s) arguido(a)(s), caracterizado como directo, a sua intensidade afigura-se-nos mediana em cada um dos crimes. A favor do(a) arguido(a) a inexistência de antecedentes criminais conhecidos, tendo os factos ocorrido há cerca de 5 anos e meio, e a sua confissão integral e sem reservas. Quanto às condições pessoais e à situação económica do(a) arguido(a), temos as que ficaram assentes sendo que da matéria de facto provada consta que o arguido tem como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade; como assistente de call center aufere por mês a quantia de € 820,00; vive com os pais; entrega para ajuda da casa, incluindo telecomunicações, a quantia de € 250,00/€ 300,00 por mês.
E conclui a sentença recorrida que considera-se adequado aplicar ao(à) arguido(a) por cada crime de pornografia de menores a pena de 16 (dezasseis) meses de prisão e operando o cúmulo jurídico destas penas parcelares, e ponderando, em conjunto, os factos e a personalidade do(a) arguido(a), nos termos do disposto no art.º 77º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, atendendo à actuação essencialmente próxima no tempo (todos os crimes foram praticados no período de cerca de dois meses no ano de 2018), decide-se condená-lo(a) na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis meses) de prisão. Porém, tendo em conta que o(a) arguido(a) nunca foi condenado(a) por qualquer crime desta ou outra natureza, entendemos que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, nos termos do disposto no art.º 50º, n.º1, do Código Penal, pelo que se suspende a execução da pena de prisão aplicada ao(à) arguido(a) pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, de harmonia com o disposto no n.º 5 do mesmo preceito legal, na redacção introduzida pela Lei 94/2017, de 23.08, período que entendemos adequado atenta a gravidade dos factos nos termos supra analisados. Mas também, porque se vislumbra como adequado a promover a sua reintegração na sociedade, atento o envolvimento inerente à prática criminal em causa, há que fazer acompanhar a suspensão da execução de prisão pelo regime de prova, nos termos do disposto no mesmo art.º 53º, n.ºs 1 e 2. Este regime de prova assentará num plano individual de readaptação social deste arguido(a), devendo ser executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, impendendo, ainda, sobre o mesmo a obrigação de responder a todas as convocatórias quepara o efeito lhe vierem a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social, conforme dispõe o artigo 54º, n.º 3, alínea a), do Código Penal.
Ora, ao contrário do invocado pelo arguido recorrente não se deteta qualquer desproporcionalidade na fixação da pena ou necessidade de correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso em apreço.
Na sentença referem-se os elementos com relevo na determinação da medida concreta da pena e que não se considerem já valorados na tipificação dos crimes objeto da punição e o exercício valorativo aí expendido, não obstante, a crítica do recorrente, não é desadequado revelando a necessidade de salvaguardar a crença da comunidade na validade da norma incriminadora violada e emanando um apropriado juízo na prevenção e na segurança dos bens jurídicos que tal norma penal visa proteger e que o arguido recorrente lesou com a sua atuação.
Assim sendo não se considera a pena de prisão suspensa na sua execução na medida concretamente aplicada excessiva ou desajustada.
Com efeito, prevê o artigo 50º nº 1 do Código Penal que o “tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Como decorre do preceito em questão não são considerações de culpa, mas sim razões ligadas às exigências de prevenção geral e especial que subjazem à decisão de suspensão da execução da pena sendo que na ponderação das segundas não se pode olvidar a salvaguarda das primeiras.
Nas palavras de Figueiredo Dias7 “pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente; que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – bastarão para afastar o delinquente da criminalidade”, aduzindo “para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal se reporta ao momento da decisão, não ao da prática do facto”.
Mais esclarece8 que, apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (…) Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa”.
Ademais e, como exara no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-2003 no processo 2131/039, o instituto em causa “constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas. (…) Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas”.
Para avaliar da necessidade da execução da pena de prisão importa, fundamentalmente, atender à personalidade do agente, conduta anterior e circunstâncias dos crimes, para aquilatar da probabilidade de a socialização poder ter êxito sem o cumprimento efetivo daquela pena – sendo, pois, necessário que o julgador se convença que o facto cometido não está de acordo com a personalidade do arguido e que foi caso acidental, esporádico, ocasional na sua vida e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delituosas e, ainda, que a pena de substituição não coloque em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos.
Em suma, pressuposto material de aplicação da suspensão da pena é, pois, que o Tribunal, em face dos factos provados, conclua, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do seu facto e do seu percurso de vida, por um prognóstico favorável com relação ao seu comportamento - mas deve ter-se em consideração sempre em última análise que a suspensão da execução da pena não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção criminal, enquanto exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa e garantia de eficácia do ordenamento jurídico-penal.
Não é função da ressocialização eliminar a necessidade de as consequências penais serem dissuasoras de criminalidade nem retirar a confiança comunitária no sistema penal ou defraudar a tutela dos bens jurídicos legalmente protegidos.
Assim, só quando as exigências de prevenção na dupla vertente supra enunciada fiquem asseguradas é que a pena de prisão poderá ser suspensa na sua execução.
Ora, no caso vertente, por cada crime foi aplicada uma pena no seu limiar mínimo (16 meses) e a pena resultante do cúmulo é de apenas dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução o que revela que o Tribunal ponderou fortemente a confissão integral e sem reservas dos factos, a ausência de condenações e as condições pessoais do arguido bem como formulou um prognóstico muito favorável ao seu comportamento futuro.
Ademais cumpre salientar que o arrependimento gerador de atenuação especial nos termos previstos no artigo 72º do Código Penal não se subsume a uma mera verbalização e que o Tribunal a quo ponderou as circunstâncias relevantes na determinação da pena.
Destarte ao contrário do invocado pelo arguido recorrente e à luz da matéria de facto provada na sentença recorrida inexiste qualquer excesso e é possível concluir pela adequação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada em cúmulo jurídico.
Não se deteta qualquer desacerto que importe corrigir nos termos anteriormente explicados reiterando-se que ao crime em causa é apenas abstratamente punido com pena de prisão e a pena de multa também não seria possível como pena de substituição nos termos do artigo 45º do Código Penal uma vez que a pena concreta de cúmulo é de dois anos e seis meses.
Por conseguinte, improcede na sua totalidade o recurso do arguido.
*
III- DECISÓRIO:
Nestes termos e em face do exposto acordam os Juízes Desembargadores desta 3ª Secção em não conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar na íntegra a sentença recorrida.
Custas da responsabilidade do arguido recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça (art.º 513º do Cód. de Processo Penal e 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último).
*
Nos termos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal exara-se que o presente Acórdão foi pela 1ª signatária elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários e sendo as suas assinaturas bem como a data certificadas supra.
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Tribunal da Relação de Lisboa, 20 de novembro de 2024
Ana Rita Loja
João Bártolo
Maria da Graça dos Santos Silva
_______________________________________________________
1. vide Acórdão do Plenário das Secções do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995.
2. – Artigos 403º, 412º e 417º do Código de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 proferido no processo 91/14.7YFLSB.S1 e de 30/06/2016 proferido no processo 370/13.0PEVFX.L1. S1.
3. Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335
4. cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/04/2008, cit. por A. Lourenço Martins, ‘Medida da Pena’, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 242).
5. Proferido no proc. 180/11.0GAVLP.P1 e relatado por Joaquim Gomes, acedido em www.dgsi.pt.
6. Proferido no processo 1537/20.0GLSNT.L1. S1 e relatado por Ana Barata de Brito acedido em www.dgsi.pt
7. Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, § 518.
8. obra. citada, § 520
9. Relatado por Henriques Gaspar, disponível em Col. Jurisprudência – STJ, 2003, tomo II, pág. 221