ARRESTO PREVENTIVO
OPOSIÇÃO
Sumário

I. A decisão que decreta o arresto preventivo de bens ou contas de um determinado sujeito processual afecta direitos, designadamente patrimoniais, do visado; por isso, a mesma pode ser alvo de recurso ou de oposição nos termos combinados do artigo 228º, n.º 3 do CP Penal e 372º, 1, b) do CP Civil.
II. Decretada a providência de garantia patrimonial e julgada improcedente a oposição deduzida a situação dos bens arrestados estabilizou-se em consequência dessas decisões.
III. A decisão posterior que determina que o arresto corra por apenso a outro processo e aquela que, em sequência do arquivamento deste, ordena o regresso do apenso ao processo principal não colidem, de facto, com os direitos dos visados apenas traduzindo a prática de actos de pura gestão processual.
IV. São, pois, decisões de mero expediente, isto é, meramente rotineiras e sem qualquer potencialidade de interferir nos direitos dos sujeitos processuais, designadamente no que tange ao conteúdo material da demanda, pelo que são irrecorríveis, face ao disposto no artigo 400º, n.º 1, al. a) do CP Penal.
V. A decisão que determina o arresto preventivo pode incidir sobre bens ou valores na posse de terceiros quando haja fundada suspeita que tal titularidade teve como fundamento principal extrair tais bens da esfera do visado e assim impedir a declaração de perda directa ou a indemnização de lesados ou do Estado
VI. Do disposto no artigo 111º/1 do CPenal resulta que os bens passíveis de serem declarados perdidos a favor do Estado são todos os que constituam instrumento, produto ou vantagem do crime, à data do facto e/ou da declaração de perda, pertençam a algum dos autores ou comparticipantes do crime.
VII. No entanto, face à orientação dimanada do n.º 2 do mesmo inciso legal, pode incidir sobre bens pertencentes a quem tiver beneficiado do facto criminoso.
VIII. De resto, pode ser declarado perdido a favor do Estado, e, como tal, arrestado bem, valor ou depósito sobre(os) qual(ais) recaia(m) fundadas suspeitas de constituírem, designadamente, produtos do crime doados a terceiro – sem ser necessário averiguar se estes beneficiários estavam, ou não, de boa fé.
Sumário a inteira responsabilidade da relatora.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
Os arguidos AA e BB vieram interpor recurso das decisões proferidas em 31/07/2023, 12/10/2023 e 16.11.2023, no processo nº 278/21.6TELSB, do Tribunal Central de Instrução Criminal - Juiz 6.
Por decisão proferida em 16 de Janeiro de 2024 apenas foi admitido recurso da decisão datada de 16/11/2023, considerando-se que, aquando da interposição do referido recurso, as decisões proferidas em datas anteriores já haviam transitado em julgado.
Relativamente ao recurso inicialmente admitido o MP apresentou resposta circunscrita à parte julgada válida e tempestivamente interposta.
No entanto, os recorrentes, inconformados com a rejeição parcial do recurso apresentado, dela vieram reclamar.
Por decisão proferida pela Exma. Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa foi o recurso interposto admitido in totum – ou seja, o mesmo foi tido como tempestivamente formulado no que tange às três decisões questionadas pelos recorrentes, considerando-se que enquanto não foi tomada posição sobre a arguição de nulidades dos despachos de 31/07/2023 (que só foi notificado a 12/10/2023) e aquele exarado na dita data de 12 de Outubro de 2023, os mesmos não se estabilizaram na ordem jurídica, efeito apenas atingido com a prolação da decisão datada de 16 de Novembro de 2023.
Em consequência de tal decisão o Ministério Público apresentou novo requerimento de resposta ao recurso, agora referente a todos os citados despachos.
Tendo-se considerado que as conclusões do recurso eram demasiado extensas, dificultando, por isso, a apreensão do sentido da respectiva pretensão, foram os recorrentes notificados para apresentarem novas conclusões do recurso que interpuseram, procedendo a um efectivo resumo das razões do seu pedido e expondo, de forma clara, os elementos a que alude o artigo 412º, nº do Código de Processo Penal.
Em resposta a tal convite vieram os recorrentes aperfeiçoar o seu requerimento de recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
“A) O presente recurso vem interposto do despacho proferido em 16.11.2023 (fls. 1071) o qual indeferiu/recusou decidir as invalidades arguidas pelos Recorrentes e que se imputavam aos despachos de 31.07.2023 (fls. 770) e de 12.10.2023 (de fls. 1010) — despachos estes últimos que, nessa medida (i.e. na medida em que se pretende obter pelo recurso uma decisão oposta à recorrida, que declare as invalidades imputadas a estes últimos), e apenas nessa medida, se integram no complexo decisório em apreciação e do qual se recorre.
Contextualizando (cf artigos 1. º a 30.º das Motivações de recurso),
B) Os despachos recorridos tiveram como subjacente a existência de uma medida cautelar de arresto preventivo das quantias de E 3.800.000,00 e USD 450.000,00, depositadas em contas bancárias tituladas por AA (aqui Recorrente) e das quantias de € 3.800.000,00 e USD 450.000,00, depositadas em contas bancárias tituladas por BB (aqui Recorrente) — arresto esse que havia sido ordenado por despacho judicial de 08.03.2019 (no âmbito do NUIPC 324/14.0TELSB a fls. 37846 a 37907).
C) A decisão de decretamento do arresto teve como fundamento o facto de se considerar — em sede cautelar e sumária (pois trata-se de uma providência cautelar) — que a transferência dos montantes em causa (de CC para AA e BB) tinha como desiderato evitar que tais quantias viessem a ser declaradas perdidas a favor do Estado.
D) Neste sentido, deram-se por preenchidos os requisitos exigidos pela alínea c) do n.º 2 do artigo 111.º do Código Penal — i.e., a má-fé dos Recorrentes, enquanto terceiros titulares das vantagens decidindo-se o seguinte (fls. 37886-37887 dos autos n.º 324/1 4.0TELSB): “(...) Igualmente se corrobora o entendimento sancionado pelo Mº P.º de que a tal não poderá obstar a circunstância de os fundos se encontrarem na disponibilidade de terceiros — no caso, filhos do arguido — atendendo ao expressamente previsto na al. c) do n.º 2 do artigo 111.º do Código Penal, i.e., a circunstância, que se entende encontrar-se amplamente demonstrada, de a transferência dos fundos ordenada pelo arguido mais não visar senão evitar a possibilidade de ser declarada a perda nos termos do artigo 110.º do mesmo diploma. (...)”.
E) Sucede que, naquele processo n.º 324/14.0TELSB, por promoção do Ministério Público de 17.06.2020 (fls. 45884-45888 daqueles autos), seguida na decisão judicial de 23.06.2020 (fls. 45890-45894), foi determinada a cessação da conexão de processos e instaurado um inquérito autónomo (este NUIPC 278/21.6TELSB) com o fim único de investigar aquela especifica factualidade — de a transferência dos fundos ordenada por CC, Arguido no NUIPC 324/14.0TELSB, para os Recorrentes, não arguidos no NUIPC 324/14.0TELSB, visar evitar que fosse declarada uma perda - actuação essa que de acordo com o MP configurava simultaneamente uma atuação de branqueamento entre CC e os Recorrentes, relativamente aos montantes em causa.
F) Nos presentes autos, fora do domínio meramente cautelar, após a devida produção de prova, por despacho de 27.07.2023 — apenas notificado aos Recorrentes em 14.09.2023 — veio este inquérito a ser arquivado por se ter demonstrado, para lá de qualquer dúvida, não haver qualquer prática de crime de branqueamento aquando do recebimento das quantias em causa, resultando ainda do despacho de arquivamento, inclusive, que as transferências daquelas quantias para a titularidade dos Recorrentes não tinham visado evitar qualquer declaração de perda (e que os Recorrentes eram terceiros de boa fé!).
G) Os Recorrentes, enquanto terceiros de boa-fé gozam da imunização do património do qual são titulares — cf artigos 110.º, 111.º do CP.
H) Apreciada a questão em sede principal (inquérito) atentas as conclusões expressamente extraídas pelo MP no despacho de arquivamento, os Recorrentes, em 10.10.2023, apresentaram um requerimento (de fls. 792 a 1007), dirigido ao Mmo. JIC, mediante o qual requereram fosse declarada a extinção do arresto dos saldos bancários de que eram (e são) titulares — por ser esta a decorrência lógica do que se extrai do arquivamento em causa.
I) Como resultado, foi proferida decisão judicial a 12.10.2023 (de fls. 1010 e referência Citius 8573657), na qual se referiu que “nos presentes autos não mais se encontram arrestados os saldos das contas bancárias em causa, pelo que, nestes autos, a pretensão dos requerentes não tem objecto”.
J) E, ainda nesse despacho, é dado conhecimento aos Recorrentes que “na sequência da promoção do Ministério Público datada de 27.07.2023 [a fls. 757 e 758], foi proferido despacho, em 31.07.2023 [a fls. 770], que decidiu levantar o arresto das contas bancárias em causa por referência aos presentes autos, tendo as quantias em causa sido colocadas, de novo, na alçada dos bens apreendidos para o processo 324/14.0TELSB”.
K) Ou seja, até esse momento os Recorrentes apenas tinham sido notificados de um despacho de arquivamento, tendo tudo o mais, sido ocultado; a promoção do Ministério Público a fls. 757 e 758 (parte final do despacho de arquivamento e que promove a “reafectação” do arresto) e o despacho judicial de 31.07.2023 a fls. 770 (que ordena a “reafectação” dos saldos bancários da titularidade dos Recorrentes ao NUIPC 324/14.0TELSB, sem para tal ter conferido qualquer contraditório) foram, propositadamente, ocultados dos Recorrentes (e basta ponderar que fls. 757-758 foram truncadas pela mão humana e que o MP, nunca notificou qualquer expediente provindo do NUIPC 324/14.0TELSB aos Recorrentes...).
L) Apenas após aquela decisão de fls. 1010 (de 12.10.2023) ficaram os Recorrentes conhecedores do teor da promoção de fls. 757 e 758, e da existência do despacho de fls. 770 (de 31.07.2023).
M) Tais atos foram “escondidos” sem qualquer fundamento legal pois os Recorrentes apenas são sujeitos processuais nestes autos e era à ordem destes autos que estava decretado o arresto sobre os bens da sua titularidade cujos pressupostos, com o arquivamento, deixaram de subsistir, não figurando (nem nunca tendo figurado) os aqui Recorrentes como Arguidos nos autos 324/14.0TELSB e tendo ficado decidido nestes autos que os Recorrentes são terceiros de boa-fé que integraram legitimamente no seu património os valores das transferências recebidas.
N) Relativamente à dita “reafectação”, o que sucedeu não foi o decretamento de um novo arresto; mas antes, tanto quanto se percebe, uma movimentação ou uma transferência dos bens arrestados da titularidade dos Recorrentes para um outro processo. Assim é pelo facto de o que se encontra promovido pelo MP a fls. 757 e 758 não ser um requerimento da providência de arresto, nem o despacho de fls. 770 ser o decretamento judicial do mesmo nos termos legalmente exigidos (cf artigos 391.º e ss. do CPC ex vi artigo 228.º do CPP).
O) Ora, qual a base legal para tal? Estão o Ministério Público e, consequentemente, o Juiz de Instrução legalmente habilitados a movimentarem, passarem, reafectarem arrestos sobre bens da titularidade dos Recorrentes, de um processo em que os Recorrentes eram Arguidos e que contra si foi arquivado (estes autos), para um outro em que os Recorrentes nada são e em que os Arguidos desses outros autos, não são titulares dos bens que aqui se encontravam arrestados (324/14)? Obviamente que não.
P) Por essa razão, as normas que regulam o arresto e a respetiva omissão de contraditório prévio nos termos dos artigos 393.º, n.º 1 do CPC, 4.º e 228.º do CPP não cobram aplicação — pois apenas gozam da mesma para o decretamento e não para a sua “reafectação”. Termos em que, a atuação dos Digníssimos Procuradores (e, bem assim, da Mma. Juiz de Instrução) revela-se ilegal, por à margem do direito positivo.
Q) Mas mais, ou pior, acrescentemos ainda à interrogação anteriormente formulada o seguinte plus: “Estão o Ministério Público e, consequentemente, o Juiz de Instrução legalmente habilitados a movimentarem, passarem, reafectarem arrestos sobre bens da titularidade dos Recorrentes, de um processo em que os Recorrentes eram Arguidos e que contra si foi arquivado (estes autos), para um outro em que os Recorrentes nada são e em que os Arguidos desses outros autos, não são titulares dos bens que aqui se encontravam arrestados (324/14)” preterindo o contraditório dos Recorrentes sobre essa pretensão?
R) E poderíamos ainda acrescentar: “Estão o Ministério Público (...) preterindo o contraditório dos Recorrentes sobre essa pretensão” recusando ainda decidir as invalidades suscitadas pelos Recorrentes sobre o acto que determinou a reafectação?
S) Em qualquer uma destas interrogações (que retratam os presentes autos) a resposta é exactamente a mesma, como já o era na primeira das interrogações formulada: Obviamente que não.
T) Não tem aplicação ao caso a ratio do regime da preterição de contraditório prévio no decretamento do arresto, primeiro, porque não estamos perante um despacho que decretou qualquer arresto e muito menos perante uma qualquer promoção do MP de arresto, mas sim perante um despacho do MP de arquivamento que demonstrou que os pressupostos que determinaram o decretamento da providência cautelar, não subsistiam.
U) Depois, também não se verifica qualquer relação de dupla vinculação (subjectiva/objectiva) entre uns e outros autos (278 — 324) uma vez que após o despacho de arquivamento (278) ficou definitivamente decidido que o património da titularidade dos Recorrentes não pode ser objecto de qualquer perda (independentemente da origem) atenta a declarada qualidade de terceiros de boa fé dos Recorrentes e do desconhecimento destes de qualquer putativa origem daquele património que entretanto ingressou na sua esfera jurídica — o que é consequente dos próprios factos demonstrados no despacho de arquivamento.
V) Para cúmulo, não só não houve contraditório prévio — que deveria ter havido — como não houve qualquer contraditório póstumo ou subsequente. Foi necessário que os Recorrentes, notificados do despacho de arquivamento que lhes confere o direito de reaverem a disponibilidade dos seus bens, viessem requerer o levantamento do arresto para que fossem surpreendidos com um despacho que o “reafecta”.
W) Devia, assim, ter sido dada oportunidade de contraditório pelos termos dos artigos 366.º, n.º 6 e 372.º do CPC e artigo 61.º, n.º 1 do CPP — ou seja, mesmo que em última instância se concorde com a omissão de contraditório prévio (o que não se pode admitir) deveria ter sido conferida a possibilidade de, pelo menos, ter havido lugar a contraditório subsequente.
X) O despacho de fls. 770 é resultado de um procedimento realizado sem participação dos Recorrentes.
Tudo o que ali foi decidido foi à revelia dos Recorrentes, e, consequentemente, nada do que ali foi decidido resulta de qualquer contributo, discussão, posição ou simples pretensão (entenda-se, contraditório) dos Recorrentes.
Y) Se não foi possibilitado um qualquer contraditório aos Recorrentes, obviamente que o tribunal não apreciou as suas posições de facto e de direito. E, obviamente, aqueles não puderam sindicar qualquer erro ou vício da decisão que tenha desatendido a sua posição, simplesmente porque tal posição não existiu e não conformou o juízo decisório.
Concretizando,
Z) Analisando agora, com as limitações inicialmente fixadas na conclusão primeira, as decisões de fls. 770 e 1010 (notificadas simultaneamente aos Recorrentes), podemos constatar assim que pela primeira vez notificados — em 16.10.2023 — do despacho de 12.10.2023 (fls. 1010) e, com ele, do despacho de 31.07.2023 (de fls. 770) vieram os ora Recorrentes, invocar diversas invalidades daquele complexo decisório através de requerimento de 24.10.2023 (fls. 1015 a 1028).
AA) Em particular, as invalidades elencadas no artigo 29.º das Motivações apresentadas retro.
A saber:
a) Invalidade do decidido por omissão do dever de obstar ao objetivo anormal prosseguido pela tramitação adotada pelo MP — violando-se o preceituado no artigo 612.º do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, pugnando ali os Recorrentes pela anulação do despacho de fls. 770 (cf artigos 14.º e 15.º daquele requerimento de fls. 1015 a 1028 e artigos 80.º a 87.º das Motivações do presente recurso);
b) Invalidade do decidido por omissão absoluta de contraditório dos Arguidos, ora Recorrentes — violando-se o preceituado no artigo 61.º, n.º 1, alínea b) do CPP e 3.º, n.º 3 do CPC (aplicável por força do artigo 4.º do CPP), e nos artigos 4.º, 20.º e 32.º da CRP, bem como o artigo 6.º da CEDH, todos com referência ao artigo 227.º, n.º 5,primeira parte e 228.º do CPP invocando ali os Recorrentes a invalidade do decidido a fls. 770 (cf artigo 20.º do requerimento de fls. 1015 a 1028 e artigos 88.º a 96.º das Motivações do presente recurso); e, de um outro prisma, invalidade do decidido por preterição de ato legalmente obrigatório pela obnubilação total de contraditório quanto ao decidido a fls. 770 e 1010, pugnando ali os Recorrentes pela invalidade destes dois despachos (cf artigos 26.º e 27.º do requerimento de fls. 1015 a 1028 e artigos 97.º a 99.º das Motivações do presente recurso);
c) Invalidade do decidido por omissão de pronúncia — violando-se o preceituado no artigo 608.º do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, pugnando ali os Recorrentes pela declaração de invalidade do despacho de fls. 1010 (cf artigo 33.º do requerimento de fls. 1015 a 1028 e artigos 100.º a 107.º das Motivações do presente recurso);
d) Invalidade do decidido por preterição do dever legal de fundamentação — violando-se o preceituado no artigo 97.º do CPP e invocando ali os Recorrentes a invalidade dos despachos de fls. 770 e 1010 (cf artigo 34.º do requerimento de fls. 1015 a 1028 e artigos 108.º a 117.º das Motivações do presente recurso);
e) Invalidade do decidido por preterição do regime legal previsto no n.º 1 e na alínea c) do n.º 2 do artigo 111.º do CP, pugnando ali os Recorrentes pela invalidade do despacho de fls. 770 (cf artigos 51.º a 53.º do requerimento de fls. 1015 a 1028 e artigos 118.º a 124.º das Motivações do presente recurso);
f) Invalidade do decidido por preterição do regime legal previsto para o “decretamento” “reafectação” do arresto — violando-se o disposto no preceituado nos artigos 17.º e 268.º, bem como nos artigos 228.º, 97.º e 374.º, todos do CPP e ainda nos artigos 152.º e ss., 391.º e ss. e 607.º e ss., todos do CPC aplicáveis por força do artigo 4.º do CPP, pugnando ali os Recorrentes pela invalidade do despacho de fls. 770 (cf artigo 63.º do requerimento de fls. 1015 a 1028 e artigos 125.º a 134.º das Motivações do presente recurso); e g) Invalidade do decidido por omissão de decisão relativamente à preterição do regime legal, neste ponto, relativamente à não extinção do arresto após prolação de despacho de arquivamento — violando-se o disposto na primeira parte do n.º 5 do artigo 227.º do CPP e pugnando ali os Recorrentes pela invalidade do despacho de fls. 1010 (cf. artigo 66.º do requerimento de fls. 1015 a 1028 e artigos 135.º a 138.º das Motivações do presente recurso).
BB) Este requerimento de 24.10.2023 (fls. 1015 a 1028) veio a ser alvo do despacho judicial de 16.11.2023 (fls. 1071 e referência Citius 8622696) que decidiu indeferir (rectius recusar decidir) tudo quanto ali se peticionado e invocava.
CC) No entender dos Recorrentes, o despacho recorrido (fls. 1071) assenta em pressupostos de facto e de direito errados, ali se postergando o dever de decidir relativamente às invalidades invocadas e que se verificavam relativamente aos despachos de fls. 770, fls. 1010 (invalidades essas que não podem subsistir, carecendo de ser apreciadas e declaradas pelo Tribunal ao invés do que decidiu no despacho de fls. 1071).
Excurso: contrariamente ao entendimento do MP, não competia aos Recorrentes, ao invés de arguirem aquelas invalidades perante o Tribunal a quo, recorrer do despacho de fls. 770 uma vez que o mesmo não apreciava a (não) verificação do circunstancialismo de facto e de direito identificado pelos Recorrentes (e basta ponderar o próprio requerimento de fls. 1015 a 1028 para ponderar que nada do que ali foi aflorado foi abordado pelos Recorrentes mereceu ponderação pelo Tribunal), não sendo lícito aos Recorrentes suscitar questões inovatórias junto do Tribunal da segunda instância, sendo os recursos meros remédios.
Além de que se trata de um falso argumento, pois a ser válido o argumento da ausência de objecto do processo, também nenhum recurso terá objecto uma vez que o MP e o MC entregaram os saldos bancários dos Recorrentes a processo terceiro em que se julgam terceiros antes de os Recorrentes serem notificados dessa decisão.
DD) Tendo aquela decisão decidido que nada lhe cabia decidir por já ter executado a decisão antes de notificar os Recorrentes da mesma, importa, assim, demonstrar que existia objeto e que o despacho recorrido enferma de erros de facto e de direito, que impõem a sua revogação (despacho de fls. 1071) não deixando nunca de ter presente que o Tribunal a quo decidiu “reafectar” o arresto à ordem do NUIPC 324/14.0TELSB, sem para tal ter qualquer base legal e sem permitir aos Recorrentes que os mesmos transmitissem as suas posições fáctico-jurídicas sobre tal pretensão.
E que, depois, apenas quando confrontado com um requerimento de extinção do arresto, o Tribunal notifica aos Recorrentes as decisões que lhe haviam sido ocultadas num primeiro momento. E ainda que, perante estes novos elementos, tendo os Recorrentes arguido um conjunto de invalidades que eivavam dos actos decisórios que lhe haviam sido ocultados, logo após a sua notificação, o Mmo. JIC decide que os autos não têm objeto e ele não mais tem poder jurisdicional para proferir uma decisão de mérito.
EE) Ora, como é obvio, não podia o Tribunal a quo ter vindo referir que os presentes autos já não têm objeto e que, por isso, não são sujeitos a uma decisão, seja ela favorável ou desfavorável.
Tal silogismo parte de premissas erradas e, por conseguinte, alcança uma conclusão errada.
FF) É que, a vexata quaestio não é saber se ao tempo da prolação daquele despacho de fls. 1071 (ou do de fls. 770 ou do de fls. 1010) os montantes se encontravam arrestados à ordem do processo n.º 278/21.6TELSB, do 32 4/14.0TELSB, ou de qualquer outro.
GG) Nos termos do artigo 628.º do CPC (aplicável ex vi 4.º CPP) as decisões judiciais apenas se consideram transitadas em julgado logo que não sejam susceptíveis de recurso ordinário ou de reclamação. Ora, é inequívoco que os Recorrentes, entendendo que se verificavam diversos vícios no procedimento de formação e no próprio acto decisório conformado no despacho de fls. 770, dele podiam reclamar (e não recorrer pelo que ficou dito em CC/Excurso) por tal decisão não se poder considerar transitada em julgado.
HH) A circunstância de o Tribunal e de o MP terem executado imediatamente aquela decisão (fls. 770) mesmo antes da mesma se encontrar transitada em julgado, não afecta (rectius não pode afectar) o direito dos Recorrentes a (no caso) reclamarem da mesma e invocarem no lugar e no tempo próprio (que é no momento em que a mesma lhes foi notificada) as invalidades que eivam daquele acto e do próprio procedimento conducente à formação daquele acto decisório.
II) E não pode, sob pena de se premiar a fraude processual (ocultam-se notificações, executam-se decisões antes de notificadas aos afectados, para depois se invocar que o processo carece de objecto para ser decidido) e de se relegar os visados/afectados por decisões que restringem direitos fundamentos (no caso, património) para uma situação de absoluta indefesa (não podem reclamar da decisão, não podem recorrer da mesma, quando notificados.
JJ) Um entendimento tal do processo e do procedimento, como aquele que subjaz ao despacho recorrido (fls. 1071) viola o disposto no artigo 628.º do CPC (ex vi artigo 4.º do CP) e bem assim o disposto nos artigos 608.º n.º 2 e 615.º n.º 1 al. d) do CPC (ex vi artigo 4.º do CPP), afirmando-se ainda que a decisão recorrida (ao entender que nada deve decidir) viola ainda as normas e princípios contidos no artigo 20.º, 29.º e 32.º da CRP, negando em absoluto o acesso à tutela jurisdicional dos Recorrentes relativamente a uma decisão, invalida, contra si preferida, negando-lhes acesso ao direito de arguirem invalidades de procedimento e as atinentes à formação do próprio acto junto do Tribunal competente, logo que notificados da mesma.
KK) Com efeito, atendendo ao elenco e natureza dos vícios imputados ao despacho de fls. 770 (com referência ao despacho de fls. 1010), a violação das indicadas normas ocorre isoladamente ou ainda conjugadamente por referência às normas jurídicas relacionadas supra na conclusão AA, (que aqui por razões de economia damos por reproduzidas) cuja apreciação pelo Tribunal a quo foi omitida, permitindo que tais invalidades persistissem no ordenamento jurídico e impedindo os Recorrentes de sindicar as mesmas por via recursiva, uma vez que o Tribunal a quo se recusou a proferir uma decisão sobre as questões colocadas pelos Recorrentes.
LL) Por outro lado, em diferente e em abordagem simultaneamente possível, o despacho recorrido (com referência ainda aos despachos de fls. 770 e 1010) obstaculiza em absoluto qualquer contraditório dos Recorrentes relativamente às decisões tomadas pelo Tribunal.
MM) Com efeito, subjaz ao despacho recorrido uma interpretação do processo e do procedimento que prescinde em absoluto do contributo dos visados e da possibilidade dos mesmos conhecerem e pronunciarem-se sobre as decisões que os afectam antes ou depois de proferida, inclusive (subentende-se da decisão recorrida) que aos afectados pelas decisões é vedado a invocação de nulidades não só do próprio acto, não só do procedimento conducente à formação do próprio acto decisório, mas também - o que é particular impressivo — a invocação da própria nulidade decorrente da preterição do contraditório prévio.
NN) Por essa razão, entende-se que a decisão recorrida, ao decidir nos termos em que decidiu (e com referência aos despachos de fls. 770 e 1010 e ao momento da sua notificação aos Recorrentes) viola os artigos 61.º n.º 1 al. b) do CPP, 3.º n.º 3 do CPC (ex vi art.º 4.º do CPP), 366.º n.º 6, 372.º, 393.º n.º 1 do CPC, ex vi art.º 4.º do CPP, 228.º do CPP, e bem assim os princípios/normas contidas nos artigos 4.º, 20.º e 32.º da CRP e artigo 6.º da CEDH ao preterir em absoluto qualquer contraditório dos Recorrentes (para mais, sabendo que a discussão de tais questões, porque inovatórias, lhes estria vedada por qualquer outro meio, não estando dispensados de obter decisão da primeira instância).
00)Também aqui mutatis mutandis a violação das indicadas normas ocorre isoladamente ou ainda conjugadamente por referência às normas jurídicas relacionadas supra na conclusão AA, (que aqui por razões de economia damos por reproduzidas)
PP)Não se pode deixar de colocar os nomes às coisas: O Tribunal, dando acolhimento à promoção do MP, entregou o valor dos saldos bancários dos Recorrentes, terceiros de boa fé, a terceiros, ocultando-lhes tal notificação e negando-lhes qualquer contraditório após notificação da mesma (incluindo o relativo aos vícios apontados ao procedimento conducente à formação do acto e ao próprio acto)! É negação absoluta do Estado de Direito e do direito fundamental da propriedade que está em causa (cf. artigos 2.º e 62.º da CRP), impondo o nosso ordenamento jurídico (precisamente no domínio das normas desatendidas pelo Tribunal) um exercício efectivo do contraditório.
QQ) O Tribunal a quo não pode praticar um ato contra legem e depois, quando confrontado com a ilegalidade da atuação, escudar-se no facto de os efeitos da decisão (nula) terem levado a que o processo ficasse “sem objeto”. Por essa via, nunca se poderia sindicar uma decisão inválida que produziu efeitos extra-processuais.
RR) E note-se que nunca o processo ficou “sem objeto”, na medida em que aquilo que se sindicou sempre foi a invalidade do despacho de fls. 770 (e ainda do despacho de fls. 1010). Nenhum dos despachos formou qualquer caso julgado, seja formal ou material. Por isso que, revogando-se a(s) decisão(ões) em causa, bastará que se oficie o Tribunal onde é tramitado o processo n.º 324/14.0TELSB, informando que aqueles atos foram revogados por decisão de um Tribunal Superior (admitindo-o que o venha a ser como entendem os Recorrentes que deve ser).
SS) Cumpre destacar — passando a abordagem para o mérito da questão subjacente ao complexo decisório que ora se impugna — que o arresto das contas bancárias foi decretado (em 08.03.2019) ao abrigo das normas ínsitas no artigo 228.º do CPP e artigos 391.º a 393.º do CPC. O arresto preventivo dos bens propriedade de terceiros (os Recorrentes) tinha por fundamento o preenchimento do disposto no artigo 111º, n.º 2, alínea c) do Código Penal.
TT) Porém, após ter sido aberta investigação autónoma àqueles autos 324/14.0TELSB, i.e., sido instaurado o inquérito n.º 278/21.6TELSB — onde se visava esclarecer a origem das vantagens em causa e o objetivo das transferências —, e nele realizada produção de prova (não indiciação sumária como para o decretamento inicial do arresto), demonstrou-se que os pressupostos para a manutenção da medida cautelar dos Recorrentes não mais se encontram preenchidos.
UU) Ora, de forma tão clara que não se compreende como é que a situação em apreço alcançou a tramitação atual, o artigo 111.º do CP regula a declaração de perda de vantagens pertencentes a terceiros. Aquilo que, num primeiro momento, era dado como sumariamente provado veio a ser, não indiciariamente, revertido. Vejamos, a alínea c) n.º 2 do artigo 111.º do CP (norma especial face à do n.º 1 do mesmo artigo) apenas admite que haja declaração de perda de vantagens pertencentes a terceiro se a transferência das mesmas — com o fim de evitar uma futura declaração de perda — for conhecido do terceiro, ou por ele dever ser conhecido.
VV) Sem a demonstração destes pressupostos não poderá haver declaração de perda de vantagens propriedade de terceiro e, por conseguinte, não podem as mesmas ser arrestadas para garantia de um crédito inexistente. É esta a regra geral — ainda que o Ministério Público a queira escamotear — prevista no artigo 111.º, n.º 1 do CP: “a perda não tem lugar se os instrumentos, produtos ou vantagens não pertencerem, à data do facto, a nenhum dos agentes ou beneficiários, ou não lhes pertencerem no momento em que a perda foi decretada”.
WW) Ora, ao receberem as ditas quantias, os Recorrentes não tinham conhecimento, nem deveriam ter, da finalidade de evitar a declaração de perda. Aliás, tal conhecimento era impossível, pois a transferência não teve tal desiderato. Mas, por cúmulo, mesmo que se admita que a transferência das vantagens visava evitar uma futura declaração de perda, os Recorrentes não tinham (nem devia ter) qualquer conhecimento desse facto. Sendo, por isso, terceiros de boa-fé, tal como acaba por admitir o Ministério Público, ainda que não expressamente, sendo a única decorrência lógica a extrair do que se fez constar no despacho de arquivamento dos presentes autos (...)” – cf. fls. 755 (destaques nossos).
XX) Por isso que, comparando o que é dito naquele despacho de arquivamento, com a conduta que tem sido a do Ministério Público, há uma incongruência ilógica e uma ostensiva situação de fraude à lei.
YY) A solução é simples: nunca poderá haver lugar à declaração de perda dos montantes dos Recorrentes (porquanto são terceiros de boa-fé), uma vez que assim o dita o artigo 111.º, n.º 1 e n.º 2 alínea c) do CP. Por conseguinte, não poderá haver arresto de um crédito que não existe, devendo o mesmo ter sido declarado extinto no exato momento em que o despacho de arquivamento foi prolatado (nos termos do artigo 227.º, n.º 5, 1.a parte do CPP).
ZZ) Destarte, como se tem referido, não tendo os despachos de fls. 770 e 1010 transitado em julgado, não podem ser considerados imutáveis — subvertendo toda a ratio inerente a esse instituto e ao da declaração da nulidade dos atos. Não podia o Tribunal a quo decidir como o fez — sem conferir o contraditório — para depois resguardar-se no facto de já ter decidido e os autos já não terem objeto.
AAA) É que, como já supra se deixou claro, os autos têm objeto: o que se pedia ao Tribunal a quo era que julgasse sobre o que lhe tinha sido submetido e, para tal, saber onde se encontrava o arresto — naquele momento — (re)afeto é irrelevante.
BBB) A posição sustentada pelo Tribunal a quo no despacho recorrido, em tudo se assemelha à de um Tribunal que realizasse um julgamento à revelia total de um arguido e o condenasse numa pena de prisão efetiva e, este notificado da condenação, viesse invocar a nulidade (ou mesmo inexistência) do ato, mas aquele dissesse que já decidiu e que se o arguido pretendesse isso era um problema a aferir junto do Tribunal de Execução de Penas, tal situação seria legal? Obviamente que não (!). Ora, se tal situação é assim, também a dos presentes
CCC) Por tudo o exposto, entendem os Recorrentes que, diferentemente do decidido pelo Tribunal a quo, é de concluir que o despacho recorrido viola as normas invocadas ao longo do presente recurso, razão pela qual se requer seja o mesmo revogado (por errado e ilegal que é) e substituído por outro em sentido oposto que conheça e declare as invalidades suscitadas pelos Recorrentes no(s) seu(s) requerimento(s) de fls... (e consequentemente, revogando-se também os despachos de fls. 770 e fls. 1010 uma vez que, contra direito, decidiu-se não decidir o que foi requerido pelos Recorrentes em igual violação do princípio do contraditório).
*
Ao recurso admitido foi atribuído efeito devolutivo e determinado que subisse imediatamente e em separado.
*
Na resposta apresentada o MP pugnou pela manutenção do decidido, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
“III. Conclusões
1. As conclusões dos Recorrentes reportam-se à impugnação de três despachos (de 31.07.2023, 12.10.2023 e 16.11.2023, mas inicialmente apenas foi admitido recurso do despacho de 16.11.2023.
2. Tendo sido atendida a reclamação por estes apresentada, cumpre agora responder ao recurso na íntegra.
3. Por uma questão de facilidade de leitura e de compreensão, opta-se por entregar esta nova peça, a qual se reporta a toda a matéria objecto do recurso.
4. Discorda o Ministério Público da afirmação que o despacho prolatado em 16.11.2023, na medida em que decide as invalidades que se arguiram nos dois primeiros, se integra no complexo decisório em causa,
5. Porquanto entende que a questão submetida pelos Recorrentes foi definitivamente decidida no despacho de 12.102023.
6. O despacho de 31.07.2023 e o despacho de 12.10.2023 foram notificados aos Recorrentes no dia 17.10.2023.
7. Nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 1, al. a) do CPP, o prazo para interposição de recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão.
8. Não tendo recorrido dentro de tal prazo, os despachos transitaram em julgado em 16.11.2023, sem que a isso tenha obstado o requerimento apresentado posteriormente pelos Recorrentes.
9. É o despacho proferido a 12.10.2023 que contém a decisão de fundo sobre o requerimento que foi submetido à apreciação do Tribunal (extinção do arresto preventivo).
10. Porque sobre essa matéria, decidiu o Tribunal, precisamente em 12.10.2023, e decidiu indeferindo o pedido.
11. Subjacente a tal indeferimento está o facto de o arresto ter já então transitado para os autos de Processo n.º 324/14.0TELSB.
12. E por essa razão, o Tribunal não conheceu dos argumentos expendidos.
13. E, embora tal facto não fosse oponível aos Recorrentes por não terem atempadamente tido conhecimento de tal facto (por causa única e exclusivamente imputável ao Tribunal, na medida em que o despacho de 31.07.2023 foi deficientemente cumprido), o certo é que, em 17.10.2023 foram estes notificados de ambos os despachos,
14. Tendo o Tribunal, neste último, indeferido o pedido formulado.
15. Logo, as invalidades invocadas pelos Recorrentes em momento posterior não tinham a virtualidade de poder alterar esta decisão, simplesmente pelo facto de já não existir arresto preventivo à ordem destes autos.
16. A Mm.ª Juiz já se tinha pronunciado sobre o pedido que lhe foi submetido, indeferindo-o, e ainda que pudesse conhecer dos vícios do seu próprio despacho, este reconhecimento não tinha a virtualidade de voltar a colocar à ordem destes autos um arresto que já aqui não se encontrava.
17. Por essa razão, a forma que assistia aos Recorrentes de se oporem a esta decisão era, s.m.o., a de recorrer dos despachos de 31.07.2023 e 12.10.2023, na data em que dos mesmos foram notificados.
18. Seria este o momento próprio para se interpor recurso e ver apreciadas as razões de facto e de direito da colocação deste arresto preventivo de novo à ordem dos autos de Processo n.º 324/14.0TELSB.
19. Mas ao invés, optaram os então Requerentes por vir arguir invalidades deste despacho.
20. Pese embora o abundante uso desta via processual, a verdade é que dos despachos judiciais recorre-se, das nulidades reclama-se.
21. Pelo que era a interposição de recurso o modo próprio de reagir aos despachos proferidos.
22. Não o tendo feito, estes transitaram.
23. O despacho de 16.01.2024 nada decide, antes se limita a reiterar o que já atrás se tinha dito e não contém, em si mesmo, nenhuma decisão.
24. Razão pela qual se entende que o presente recurso não tem objecto e terá de improceder.
25. Não se concebendo a improcedência do anteriormente alegado, mas em cumprimento do dever de ofício, cumpre ainda dizer o seguinte.
26. O arresto decretado no Processo n.º 324/14.0TELSB que incidiu sobre contas tituladas pelos ora Recorrentes, foi afecto à ordem do presente inquérito.
27. A tese defendida pelo Ministério Público, no despacho de acusação proferido no NUIPC 324/14.0TELSB, é a de que as quantias que alimentaram as contas arrestadas foram alimentadas com dinheiro resultante de crimes de burla qualificada, praticado por CC, pais dos ora Recorrentes.
28. E essa tese em nada foi beliscada com o arquivamento aqui proferido.
29. Não se tendo recolhido prova de que os Recorrentes conhecessem a proveniência do dinheiro, os autos foram arquivados quanto a estes.
30. Mas também resultou, não só destes autos mas sim da acusação proferida no Processo n.º 324/14.0TELSB, que o Ministério Público entende que o CC sabia da proveniência ilícita destas quantias, e que assim agiu para ocultar o património e impedir que o mesmo viesse a ser declarado perdido a favor do Estado,
31. Ou seja, colocando estas quantias monetárias em contas bancárias, domiciliadas na Suíça, em nome dos filhos.
32. Os fundamentos de facto e de direito que conduziram ao decretamento do arresto mantiveram-se inalterados, pelo que não fazia sentido ouvir os ora Recorrentes antes de ser proferido despacho judicial a afectá-lo novamente aos autos onde foi decretado.
33. Os Recorrentes entendem que não, pois configuram o decretamento do arresto como tendo incidido sobre bens de sua propriedade, como sendo terceiros para efeitos do disposto no artigo 111.º, n.ºs 1 e 2, do CP, e que não se tendo apurado a sua responsabilidade criminal nestes factos, não podem estes bens vir a ser decretados perdidos a favor do Estado,
34. O que não é verdade.
35. Da leitura e análise quer da promoção de arresto do Ministério Público quer do douto despacho que a decretou quer mesmo da decisão quanto aos embargos de terceiro, o que resulta é que estas quantias foram sempre tratadas como sendo propriedade do CC e que foi isso que sustentou o arresto.
36. O arresto preventivo foi decretado, em sede de processo penal, para acautelar o risco de perda ou dissipação da garantia do pagamento de penas pecuniárias e outros créditos, ao abrigo do disposto no artigo 110.º, n.º 1 al. b) do CP, que impõe a perda dessas vantagens mesmo quando transferidas para a titularidade de terceiros, nos termos do artigo 228.º do C.P.P.
37. O que à data não se sabia (à data em que o arresto foi decretado), era se os ora Recorrentes actuaram com o intuito de auxiliar o Arguido seu pai na ocultação do património.
38. Foi o que se visou apurar nestes autos.
39. Não se aceita como razoável a invocação de que um determinado bem se encontra blindado e fora do alcance do poder do Estado pela simples razão de pertencer a uni terceiro, sendo que, no presente caso, tais bens entram na titularidade dos "terceiros" a título gratuito.
40. O Ministério Público arquivou os autos quanto aos Recorrentes, por não ter reunido prova de que estes conheciam a proveniência ilícita do dinheiro ou que actuaram no intuito de ajudar o pai a ocultá-lo das Autoridades.
41. Mas esse mesmo raciocínio não se aplica a CC, que também aqui era Arguido e cuja conduta criminal reportada também aos factos que aqui foram investigados está efectivamente acusada no Processo n.º 324/14.0TELSB.
42. Não é verdade que os bens tenham sido arrestados por se ter "inicialmente considerado que os Recorrentes tinham actuado com o exclusivo propósito de ajudar" o pai.
43. Não é isso que consta da decisão de arresto nem na decisão que indeferiu os embargos de terceiro dos ora Recorrentes.
44. Pelas razões já supra referidas o Juiz no Processo n.º 324/14.0TELSB decidiu que este arresto podia incidir sobre estas contas, ainda que tituladas pelos filhos do CC, e tendo os autos sido arquivados quanto a estes, regressou o arresto aos autos originais.
45. Precisamente porque não é a titularidade das contas que lhes confere a propriedade.
46. Nem estes se podem considerar terceiros para efeitos do disposto no artigo 111.º do CP.”
*
Neste Tribunal, o Exmº. Sr. Procurador-Geral Adjunto aderiu aos fundamentos da resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância, que sufragou e fez seus.
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Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, tendo os arguidos apresentado a seguinte resposta (transcrição parcial):
“(…) a) os Recorrentes, não receberam de CC, quaisquer fundos com propósito de evitar qualquer perda ou qualquer outra medida similar contra aquela decretada ou a decretar;
b) Os Recorrentes são terceiros de boa-fé e gozam da cláusula de imunização do património contida no artigo 111.º n.º 1 do CP;
c) Os saldos bancários arrestados situam-se (tal como se situavam quando foram arrestados) na esfera dos Recorrentes.
d) Os pressupostos que serviram de fundamento à decretação do arresto relativamente aos bens dos Recorrentes (cf. artigo 111.º n.º 2 al. c) do CP), deixaram de subsistir.
Posteriormente, estando tais efeitos consolidados nos autos,
8.º Os Recorrentes, na qualidade de terceiros de boa-fé e titulares dos saldos bancários arrestados, apresentaram requerimento ao Mmo. JIC 2 pelo qual requereram que fosse declarada a extinção do arresto decretado sobre esses bens integrados na respectiva esfera patrimonial (dos Requerentes) – cf. requerimento fls. 792 a 1007.
9.º Tal requerimento foi objecto do despacho de 12.10.2023 (fls. 1010 e referência Citius 8573657) e que decidiu que «nos presentes autos não mais se encontram arrestados os saldos das contas bancárias em causa, pelo que, nestes autos, a pretensão dos requerentes não tem objecto». Mas, despacho esse, ainda, no qual se dá conhecimento aos Recorrentes «que na sequência da promoção do Ministério Público datada de 27.07.2023, foi proferido despacho, em 31.07.2023, que decidiu levantar o arresto das contas bancárias em causa por referência aos presentes autos, tendo as quantias em causa sido colocadas, de novo, na alçada dos bens apreendidos para o processo 324/14.0TELSB» sendo tais actos processuais, pela primeira vez, notificados, aos Recorrentes.
10.º Notificados de tais actos os Recorrentes, por meio de requerimento que faz fls. 1015-1028, vieram arguir:
a) A invalidade por violação do disposto no artigo 612.º do CPC (ex vi artigo 4.º do CPP);
b) A invalidade por preterição do contraditório (v.g. prévio) dos Recorrentes (com referência aos artigos 3.º n.º 3 do CPC ex vi artigo 4.º e 61.º n.º 1, al. b), ambos do CPP, 4.º, 20.º e 32.º da CRP e 6.º CEDH e ainda 227.º n.º , 1.ª parte e 228.º e 30.º, todos do CPP), invalidade que se suscitou ainda com referência aos artigos 119.º, al. c) ou mesmo 120.º n.º 2 al. d) do CPP – cfr. artigos 19.º a 30.º do requerimento de fls. 1015-1028;
c) A invalidade por preterição (i) dos pressupostos procedimentais legalmente exigidos pelo regime da declaração da perda de vantagens a favor do estado (com referência aos artigos 111.º n.º 1 e n.º 2, alínea c) do Código Penal) e, (ii) por preterição do regime do próprio decretamento/alteração/revogação do arresto preventivo (com referência aos artigos 17.º, 268.º, 228.º, 97.º, 374.º, todos do CPP e ainda, artigos 152.º e ss., 391.º e ss e 607.º e ss., estes do CPC);
Por fim,
d) Invalidade decorrente da omissão de pronúncia e preterição do dever legal de fundamentação.
- cf. requerimento de fls. 1015-1028.
11.º Tal requerimento veio a ser objecto do despacho de 16.11.2023 (fls. 1071 e referência Citius 8622696) que decidiu indeferir o ali peticionado [naquele requerimento de fls. 1015-1028].
12.º Como bem diz o MP na sua resposta «a verdade é que dos despachos judiciais recorre-se; das nulidades reclama-se».
13.º Porém, confrontando o que sobre isso se diz na resposta do MP (5.º parágrafo da página 9 a penúltimo parágrafo da página 1) ao caso concreto cumpre referir que a resposta do MP, nesta parte, cinge-se a um conjunto de generalidades e de afirmações abstractas e conclusivas que não apontam ao caso concreto.
14.º Olvida o MP que o regime das nulidades da sentença é restricto a vícios da própria sentença e que apenas essas devem ser arguidas por via de recurso.
15.º Contrariamente, as invalidades, que não as da sentença, não configuram fundamento de recurso directo e autónomo perante o Tribunal de recurso, carecendo – sempre – antes, de ser previamente suscitadas perante o Tribunal que as praticou (v.g. Ac. STJ de 27.01.2022 3 e Ac. TRL de 01.03.2021).
16.º A disciplina legal em matéria de invalidades visa assegurar que o Tribunal de Recurso não se pronuncie em primeira mão sobre matéria relativamente à qual o Tribunal de 1.ª Instância não se pronunciou. Como se afirma no Ac. do TRL de 10.05.2018 «(..) 4.2 – É que e como efectivo meio impugnatório de decisões judiciais, a interposição do recurso tem por desiderato desencadear a reapreciação do decidido (..) não comportando ele o ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria que não tenha sido submetida (no momento e lugar adequado) à apreciação do Tribunal a quo (nova, portanto)» 5 .
17.º Por outro lado, o Recorrente pode inequivocamente recorrer do despacho da primeira instância que, conhecendo em primeira mão das invalidades suscitadas, não indeferiu as mesmas (e, na hipótese de vir a ser reconhecida razão ao Recorrente, haverá de se revogar o despacho que indeferiu as arguidas nulidades e substituí-lo por outro que as aprecie e declare, com todas as consequências legais no respectivo procedimento) – cf. Ac. TRL de 24.11.2020.
18.º Ora, ao invés do que o MP pretende fazer parecer, no requerimento de fls. 1015-1028 o Recorrente não se limitou a invocar uma alegada omissão de pronúncia e/ou de alegada falta de fundamentação ao contrário do pretende o MP fazer parecer quando refere na sua resposta que o despacho de fls. 1071 «conheceu da alegada omissão de pronúncia e da alegada falta de fundamentação»
19.º O despacho de fls. 770 é resultado de um procedimento realizado sem participação dos Recorrentes, não sendo de todo descabido afirmar, de um procedimento ocultado aos Recorrentes. Tudo o que ali foi decidido foi à revelia dos Recorrentes, e, consequentemente, nada do que ali foi decidido resulta de qualquer contributo, discussão, posição ou simples pretensão (entenda-se, contraditório) dos Recorrentes.
20.º Por ter sido preterido o contraditório dos Recorrentes, naturalmente que a decisão de fls. 770, não se apreciou qualquer posição de facto e/ou direito dos Recorrentes, não comportando aquele juízo decisório a afirmação ou negação de qualquer perspectiva ou posição jurídico-processual dos Recorrentes.
21.º No limite, numa afirmação que não poderá deixar de ser entendida cum grano salis o Tribunal até poderá ter decidido bem em função daquilo que lhe foi levado para decidir e com a conformação de facto e direito que lhe foi apresentada; e é só isso que caberia apreciar num qualquer recurso daquela decisão.
22.º O problema reside sim, naquilo que não lhe foi levado a decidir. E que não lhe foi levado a decidir simplesmente por inexistir, por ter sido preterido o direito dos Recorrentes contribuírem activamente para a decisão que inegavelmente os afectaria.
23.º Por outras palavras, se não foi possibilitado um qualquer contraditório aos Recorrentes antes da decisão, obviamente que o Tribunal não apreciou a posição de facto e direito dos Recorrentes sobre aquela questão e obviamente que os Recorrentes não podem sindicar qualquer erro ou vício da decisão que tenha desatendido a sua posição, simplesmente porque tal posição prévia não existiu e não conformou o juízo decisório.
24.º Os vícios que os Recorrentes invocaram no seu requerimento de fls. 1015-1025, pela sua natureza extrínseca aos referidos despachos, precedem do ponto de vista lógico e cronológica a própria questão da conformidade da decisão com os factos e as normas jurídicas aplicáveis.
25.º O contraditório erige-se como princípio estruturante na Lei Processual exigindo que antes de ser proferida uma decisão que afecte um sujeito processual seja facultada a esse sujeito processual a discussão efectiva das questões a decidir, não sendo lícito ao Juiz conhecer de questões sem dar oportunidade ao sujeito processual afectado de, previamente, sobre elas se pronunciar.
26.º A prévia audição do sujeito processual, relaciona-se com as ideias de participação efectiva, influência na decisão e com o próprio exercício do direito ao recurso (não sendo o recurso uma via para obter uma segunda e nova decisão, quiçá mais favorável que a primeira, mas somente um remédio para a decisão já proferida).
27.º A omissão do contraditório configura uma violação grave do procedimento. Tendo sido tramitada e decidida secretamente uma pretensão do MP que, para a posição jurídica dos Recorrentes que resultou do arquivamento, não é mais do que a determinação da entrega do seu dinheiro a processos e intervenientes alheios aos Recorrentes, torna-se inegável que a preterição daquele contraditório afectou e interferiu em todo o procedimento, inclusive, na decisão que veio a ser tomada a fls. 770.
28.º Nenhuma razão assiste, pois, ao MP quando tenta fazer crer que os Recorrentes lançam mão de meio processual erróneo e que, se pretendiam insurgir-se contra a entrega dos seus bens a terceiros (porque é disso que verdadeiramente se trata), deveriam - e somente poderiam - ter recorrido contra o despacho de 12.10.2023. Porque, como o próprio MP deixa escapar na sua resposta, «não podia ser deferida tal pretensão por os bens já não se encontrarem arrestados nos autos; e não podia a juiz levantar um arresto que não estava ali»
29.º Nestes trechos, a resposta ao recurso aparenta assentar numa compreensão sistemática do processo e do procedimento totalmente ablativa da participação dos visados/afectados no processo e no procedimento, alicerçando-se num entendimento do contraditório e dos direitos de defesa meramente formal, desprovidos de efectividade. Aliás parece até que o MP entende que aos Recorrentes apenas resta discutir se o arresto ainda está ou não nestes autos quando é sabido que o mesmo MP acautelou de remeter o arresto para o NUIPC 324/14.0TELSB antes de os Recorrentes tomarem conhecimento dessa pretensão e da própria decisão.
30.º Suscitando-se no requerimento de fls. 1015-1028 diversas invalidades decorrentes da preterição do procedimento legal obrigatório (contraditório incluído), prévio aos próprios despachos de fls. 770 e 1010 e vindo o despacho de 16.11.2023 (fls. 1071) a indeferir todas essas invalidades, os Recorrentes podem do mesmo recorrer, como fizeram no caso concreto, tendo exercido tal direito.
31.º Como os Recorrentes já tiveram oportunidade de referir nestes autos, remetendo nesta parte integralmente para a sua reclamação apresentada no Apenso C e para a decisão ali proferida (as quais por razões de economia processual dão aqui por reproduzidas) a inversão do sentido decisório daquele despacho de 16.11.2023 (caso o recurso interposto seja julgado procedente como cremos que não poderá deixar de ser) repercute-se, pelo menos num segundo momento e indirecto momento, na revogação ou anulação dos despachos de fls. 770 e 1010, sendo essa a consequência que decorre da própria lei para o deferimento das invalidades arguidas no requerimento de fls. 1015-1028.
32.º Aliás, a título de exemplo, veja-se que, em caso de procedência do recurso, a revogação do despacho de 16.11.2023 que se pretende em primeira linha com o recurso, implicará reconhecer e declarar a invalidade da falta de contraditório prévio ao despacho de fls. 770 e ss, e o conhecimento (e declaração) de tal invalidade tem como necessária consequência a revogação do acto inválido (omissão de contraditório prévio) e de todos os actos subsequentes que dele dependem, que é o mesmo que dizer, os despachos de fls. 770 e 1010.
33.º Os Recorrentes não vieram recorrer autonomizada e individualmente de cada um dos despachos indicados, como pretende fazer parecer a resposta do MP, não lhe assistindo qualquer razão a esta parte quando pugna agora, novamente, pela inadmissibilidade do recurso relativamente aos despachos de fls. 770 e 1010 o que já havia sustentado em requerimento de contraditório prévio à admissão do recurso, o que veio posteriormente a ser discutido no incidente de reclamação (cf. artigo 405.º do CPP). O MP simplesmente não quer perceber o objecto e o âmbito do recurso interposto procurando forçar uma interpretação do mesmo que não encontra qualquer adesão nos termos e fundamentos do próprio recurso e que estão devidamente explanados ao longo das motivações e conclusões.
34.º Contrariamente ao que se refere na resposta ao Recurso, os Recorrentes não alegam, alegam reiteradamente que estão a ser vítimas de uma conspiração (3.º parágrafo da página 7 da resposta). É falso.
35.º Ora os Recorrentes não alegam (nem reiterada nem isoladamente) que o sistema judicial actua contra si em conluio. Alegações de “Campanhas Orquestradas” são invocações que apenas se conhecem à estrutura do MP, não aos aqui Recorrentes.
36.º Aquilo que se refere – e se repete - é que o MP conduziu o procedimento e/ou aproveitou-se, sabendo que se aproveitava, (d)a ocultação aos Recorrentes das promoções e decisões proferidas relativamente à pretendida entrega dos bens dos Recorrentes à ordem do NUIPC 324/14.0TELSB; e que assim sucedeu, por parte do MP, para conseguir entregar tais saldos bancários ao NUIPC 324/14.0TELSB sem que os Recorrentes tivessem possibilidade de reagir atempadamente contra tal pretensão e também para que o Senhor Juiz de turno que proferiu o despacho de fls. 770 não se apercebesse que a pretensão do MP não era exacta nem rigorosa (porque se o fosse, s.m.o seria ostensiva a falta de legitimidade e fundamento legal para a pretensão do MP).
37.º É inequívoco que os Recorrentes são terceiros de boa fé, tal como é inequívoco e resulta destes autos que as transferências de fundos por si recebidas não se destinaram a evitar qualquer declaração de perda de CC.
38.º Resulta também suficientemente indiciado nestes autos que no NUIPC 324/14.0TELSB os Recorrentes não figuram em qualquer qualidade. Não foi contra si decretado qualquer arresto, não foi requerida a declaração de qualquer perda do seu património. O que seja.
39.º Resulta também inequívoco que o arresto decretado e que se encontrava à ordem destes autos apenas afectava o património dos Recorrentes por, alegava-se então ao tempo, que as transferências visaram evitar que tais fundos fossem alcançados pela declaração de perda contra CC. O que se veio, entretanto nestes autos a demonstrar não ser assim, sem que quanto a isso sobrem quaisquer dúvidas (o despacho de arquivamento é claríssimo nessa parte).
40.º Os saldos, estavam e estão na esfera patrimonial dos Requerentes. Ou, por outras palavras, os bens que aqui estavam arrestados eram e são da propriedade dos Recorrentes.
41.º Ora, tendo presentes estes pressupostos, é, pois, com surpresa que se pode encarar os termos do despacho de 05.07.2023 que o MP transcreve na página 4 da resposta ao recurso. Surpresa essa que se repete quando analisamos os termos da promoção que antecede e está na origem do despacho de fls. 770 (e que por seu turno terá na base um despacho e uma promoção do MP naqueles outros autos com o NUIPC 324/14.0TELSB).
42.º Essa surpresa reside na circunstância de o MP promover e requerer a reafectação do arresto à ordem dos autos 324/14.0TELSB pela razão de ali, nesses autos, o CC figurar também como Arguido (mas os Recorrentes não) e ter ali sido pedida a declaração de perda vantagens a favor do Estado contra... CC (mas não contra os Recorrentes...).
43.º Ora, o MP não informa ou sequer refere junto do NUIPC 324/14.0TELSB que os bens arrestados são da esfera patrimonial dos Recorrentes e que nestes autos ficou demonstrado que os Recorrentes são terceiros de boa-fé e que a factualidade que se subsumia ao fundamento que permitia que o arresto decretado contra CC abrangesse os bens da titularidade dos recorrentes (artigo 111.º n.º 2 al. c) do CPP), foi investigada pelo MP e que o mesmo MP concluiu que não era assim (i.e. que os Recorrentes ao invés do que se suspeitava e indiciava aquando do arresto eram terceiros de boa fé).
44.º Sendo isso o que resulta de modo até indiscutível destes autos, seria também isso que inviabilizaria a entrega desprovida de qualquer fundamento dos bens arrestados dos Recorrentes.
45.º Analisando a promoção do MP de 06.07.2023 (transcrita na página 4 da resposta), verificamos que o MP tratou de diligenciar pela reafectação dos bens arrestados nestes autos ainda antes de arquivados os autos. Fê-lo, não possibilitando que os Recorrentes, que são os únicos proprietários dos bens arrestados, se pronunciassem sobre aquela pretensão (que aliás nunca conheceram aquela promoção), não manifestando junto do JIC tal pretensão requerendo que os Recorrentes fossem notificados para se pronunciarem, mas simplesmente, através da remessa de notificação ao NUIPC 324/14.0TELSB para que o mesmo MP (e era então a mesma equipa de Srs. Procuradores da República que acompanhava os dois processos), já no âmbito do NUIPC 324/14.0TELSB promovesse também junto do JIC daqueles autos o interesse na (como o MP vem designando), reafectação do Arresto que se encontrava à ordem destes autos agora ao NUIPC 324/14.0TELSB.
46.º Não bastasse tudo isso, é inegável que existiu truncagem de excertos e trechos (note-se que não se tratam de elementos autonomizáveis mas sim páginas e parágrafos inseridos no meio de um despacho) da primeira notificação do despacho de arquivamento, sendo suprimidas as partes das promoções que anteriormente haviam sido submetidas ao Mmo. JIC e que estariam na origem do despacho de fls. 770.
47.º Não é pois verdade que «se o TCIC tivesse cumprido integralmente o despacho proferido em 31.07.2023, os então Arguidos, ora Recorrentes, teriam tido conhecimento deste facto muito antes de conhecerem o despacho de arquivamento proferido», desde logo porque ao ser truncado tal trecho no despacho de arquivamento notificado (como sucedeu) os Arguidos ficaram impedidos de conhecer tal decisão, mesmo que pela via de notificação do despacho de arquivamento. Com efeito da leitura daquela referência na resposta ao recurso até pareceria que o MP aquando da notificação do despacho de arquivamento não truncou as cópias remetidas aos Recorrentes.
48.º Mais incompreensível se torna a justificação do injustificável quando, na mesma resposta, o MP, ainda a propósito daqueles trechos que foram truncados, vem referir que tal segmento não tinha de ser notificado aos Recorrentes porque não lhes dizia respeito e que os Recorrentes desconhecem as boas práticas do MP (cf. páginas 7 e 8 da resposta). Ora, se a promoção que consta transcrita nas páginas 5-6 da resposta ao recurso não diz respeito aos Recorrentes então não sabemos o que dirá respeito aos Recorrentes. E, se truncar trechos de despachos de arquivamento, respeitantes aos próprios visados, é uma boa prática então não se quer sequer perceber quais sejam as más práticas...
49.º É por isso que não podemos concordar quando o MP afirma que não lhe cabe averiguar de tais falhas e que não lhe compete notificar despachos dos Tribunais. Ainda que não lhe competisse notificar qualquer despacho judicial, competia-lhe notificar os despachos por si proferidos e, sabendo (como não podia deixar de saber) de tal falta de notificação, promovê-la junto do Tribunal.
50.º Era essa a conduta processual conforme a obediência ao princípio da legalidade e da objectividade. E é também a conduta processual conforme o dever de cooperação intersubjectiva com o Tribunal, este último transversal a todos os sujeitos processuais. E foi essa conduta processual que não foi adoptada pelo MP antes promovendo e/ou aproveitando-se antes da ocultação aos Recorrentes de todo o procedimento!
51.º Não deixa de ser ainda curiosa a alusão aos lapsos da secretaria que surgem por palpite no espírito do MP («Em abono da verdade, palpita-se que tal terá sucedido por se tratar de período de férias judiciais, em que os processos são muitas vezes tramitados por funcionários de outras secções”). Não deixa de ser verdade, reconhecemos.
52.º Porém, deveria o MP ter utilizado do mesmo palpite para explicar as razões pelas quais apresentou ao JIC de turno a promoção para entrega dos bens arrestados, sabendo que não era o JIC que conhecia o processo (que comporta processado de vários anos e não é de fácil apreensão) e sabendo que não se tratava de acto urgente, relativamente ao qual, não declarou qualquer urgência (urgentes são os actos prévios à execução do arresto, como é pacifico na jurisprudência).
53.º Quanto ao mais, tudo quanto o MP refere no seu capítulo b) (página 14 e seguintes), é matéria alheia aos presentes autos, sobre a qual os Recorrentes não tiveram oportunidade de se pronunciar (porque lhes foi omitida notificação para contraditório), que não está sequer demonstrada nestes autos e que, na sua maioria, a importar, apenas importaria aos autos com o NUIPC 324/14.0TELSB.
54.º Aliás, o MP parece aventar um conjunto de fundamentos que sustentam aquela afectação que os Recorrentes não localizam em nenhum despacho que tenha decretado um qualquer arresto contra os seus bens, tudo aparentando tratar-se de razões inovatórias do MP que não foram ainda sujeitas a qualquer filtro judicial.
55.º Com efeito, parece o MP ensaiar uma tese que lhe permita sustentar, no NUIPC 324/14.0TELSB, a afectação dos bens dos Recorrentes aos CC. Mas aquilo que lhe caberia ensaiar – e não o faz – é a fundamentação que permita sustentar a desafectação dos bens da titularidade dos Recorrentes destes autos, sem autorização destes autos e sem que subsista qualquer decisão que vise a esfera patrimonial dos Recorrentes.
56.º Tendo ficado demonstrado, como ficou que, os bens em causa não foram transferidos para a esfera patrimonial dos Recorrentes para evitar qualquer perda dos bens de CC, como consequência, é afastada a aplicabilidade da clausula de excepção contida na al. c) do n.º 2 do artigo 111.º do CP, passando a vigorar o princípio geral da imunização do património de terceiros de boa fé (como são os Recorrentes).
57.º O MP invoca genérica e abstractamente a possibilidade de afectar o património de terceiros. Nenhum dúvida têm os Recorrentes de tal possibilidade. Tal como não têm qualquer dúvida que tal afectação, enquanto excepção ao princípio contido no n.º 1 do artigo 111.º do CP, só pode ser realizada nos termos estritamente previstos no n.º 2 do mesmo artigo.
58.º Os bens que se encontravam arrestados são propriedade dos Recorrentes. E neste inquérito – processo principal relativamente a qualquer apenso cautelar provisório – ficou inequivocamente demonstrada a respectiva imunização de quaisquer arrestos de terceiros que não decretados contra os Recorrentes.
59.º No mais, os Recorrentes remetem para tudo quanto já referiram no seu recurso e tudo quanto resulta da própria tramitação e das posições que ali deixaram expressas nos diversos requerimentos.
60.º E perante tudo isso e tudo quanto aqui anteriormente ficou exposto, requerem seja levada em consideração a presente resposta ao parecer do MP na tramitação do recurso, requerendo ainda seja o recurso interposto, julgado integralmente procedente por legalmente fundamentado e devidamente provado.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II- Questões a decidir:

Preceitua o art.º 412.º, n.º 1, do CPPenal que “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
É consabido que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou de nulidades que não se considerem sanadas, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na decorrência dos argumentos expendidos em sede de motivação.
As questões a decidir prendem-se com o seguinte:
- Recorribilidade das decisões proferidas em 31/07/2023, 12/10/2023 e 16/11/2023.
- Invalidades de que padecerão as decisões de 31/07/2023 e 12/10/2023.
- Arresto de bens de terceiros, beneficiários (art.º 111º, 1 do CPPenal) e/ou de terceiros que do facto tiverem retirado beneficio (art.º 111º, 2, al. a) do CPenal
III. dos elementos do processo relevantes para apreciação do recurso
iii.1. Das decisões recorridas
Com interesse para as questões em apreciação nesta sede, consta das decisões objecto de recurso o seguinte:
Decisão datada de 31/07/2023:
Não obstante o arquivamento dos presentes autos, considerando o teor do despacho proferido no processo nº 324/14.0TELSB, com a ref.ª 8480927, a páginas 740 a 742, mantem-se o arresto das contas bancárias identificadas na promoção antecedente, a fls. 757 e 758, decretado no âmbito de tal processo, devendo as quantias em causa ser colocadas, de novo, na alçada dos bens apreendidos naquele processo.
Mais se ordena sejam os Apensos de Arresto com o NUIPC 278/21.6TELSB-A remetidos àqueles autos e ali apensados.
No mais, comunique ao MP da Confederação Helvética, nos termos promovidos
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Decisão de 12/10/2023:
Ref.ª1810109:
Vieram os arguidos AA e BB requerer a extinção da providência cautelar de arresto preventivo, nos termos de fls. 792. E sgs.
Sucede que, compulsados os autos se verifica que na sequência da promoção do Ministério Público datada de 27.07.2023, foi proferido despacho, em 31.07.2023, que decidiu levantar o arresto das contas bancárias em causa por referência aos presentes autos, tendo as quantias em causa sido colocadas, de novo, na alçada dos bens apreendidos para o processo 324/14.0TELSB, com o que foi ordenada a remessa àqueles dos respectivos apensos de arresto.
Ou seja, nos presentes autos não mais se encontram arrestados os saldos das contas bancárias em causa, pelo que, nestes autos, a pretensão dos requerentes não tem objecto, devendo ser indeferida, o que se decide.
Notifique, sendo, também, com cópia da promoção e despacho supra referidos.
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Decisão de 16/11/2023:
Fls. 1015 a 1028:
Pese embora o arrazoado expendido pelos Requerentes, nestes autos inexiste acto processual que possa e cumpra ser praticado por este Tribunal, na medida em que as quantias em causa não mais se encontram aqui apreendidas, tendo sido (bem ou mal) por decisão proferida a fls. 770. reafectadas aos autos de processo n.º 324/14.0TELSB, para onde foram igualmente remetidos os respectivos apensos (cfr. despacho de fls. 1069).
A ausência de notificação dos requerentes dessa decisão de modo mais atempado não equivale a qualquer sonegação propositada da decisão proferida, mas tão só a manifesto lapso.
Como se referiu e se reitera, rejeitando-se a alegada omissão de pronúncia do despacho proferido, que assim se mostra fundamentado; a pretensão dos requerentes – de levantamento do arresto – não mais pode ser aqui atendida, por se encontrar, quanto a essa matéria esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal, com a decisão proferida a fls. 770 e por materialmente não mais dispor o mesmo das quantias apreendidas, não lhe competindo, por consequência, decidir sobre o seu destino, reafectadas que elas foram e estão a outros autos.
A matéria à qual os Requerentes chamam este Tribunal a decidir não mais, nestes autos, tem objecto, devendo antes ser colocada, neste momento, aos autos de processo n.º 324/14.0TELSB, o que se decide.
Notifique, sendo os requerentes com o esclarecimento trazido a estes autos a fls. 1069.
Extraia certidão do presente despacho e, bem assim, do despacho de arquivamento destes autos, da promoção de fls. 757. a 758., da decisão de fls. 770., do requerimento de fls. 792. e sgs., do despacho de fls. 1010, do requerimento de fls. 1015, e da promoção de fls. 1063 a 1066 e remeta-a ao processo 324/1 4.0TELSB, para que tenha conhecimento e aí aprecie, assim entendendo, a pretensão dos requerentes.
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iii.2. Antes de mais, haverá que recuperar aqui alguns aspectos relativos à dinâmica processual que precedeu as decisões agora colocadas em causa.
No âmbito do processo nº 324/14.0TELSB foi, por decisão proferida em ... de ... de 2019, determinado o arresto preventivo:
- das quantias que estejam depositadas nas contas bancárias tituladas pelo arguido CC, sediadas no CREDIT SUISSE, identificadas pelos ... e CH57 0483 5122 6081 32001;
- das quantias que estejam depositadas nas contas bancárias tituladas pelo arguido CC, sediadas no UBS GROUP AG, identificadas pelos ...;
- de todas e quaisquer verbas que estejam depositadas em contas bancárias tituladas pelo arguido CC, em instituições bancárias sediadas na jurisdição helvética e que ai sejam identificadas;
- da quantia de €3.800.000, depositada em contas bancárias tituladas por AA, sediadas na jurisdição helvética e aí sejam identificadas;
- da quantia de USD 450.000, depositada em contas bancárias tituladas por AA, sediadas na jurisdição helvética e aí sejam identificadas;
- da quantia de €3.800.000, depositada em contas bancárias tituladas por BB, sediadas na jurisdição helvética e aí sejam identificadas;
- da quantia de USD 450.000. depositada em contas bancárias tituladas por BB, sediadas na jurisdição helvética e aí sejam identificadas;
Em tal decisão considerou-se que (transcrição parcial):
“Verifica-se, agora, como bem refere o M.º P.º que, no decurso da presente investigação têm vindo a ser sucessivamente reveladas posições patrimoniais dos arguidos – anteriormente desconhecidas nos autos – assim como operações unicamente destinadas a impedir que tais posições possam ser abrangidas pelas medidas de garantia patrimonial decretadas nos presentes autos.
Como aduzido pelo detentor da acção penal, no que respeita especificamente ao arguido CC, o cumprimento, por parte das autoridades judiciárias helvéticas de pedidos de cooperação judiciária formulados pelos presentes autos possibilitaram a análise de contas bancárias da sua titularidade, abertas em instituições financeiras não residentes. Essa análise evidenciou a realização de transferências de montantes avultados para os seus filhos AA e BB, conforme mapa infra e extractos bancários identificados na informação de serviço que antecede (…).
Mais aduz o titular da acção penal de que, foi assim possível não apenas descortinar a existência de valores patrimoniais ainda não conhecidos dos autos na esfera de CC, mas também identificar uma clara conduta de dissipação desse património, já na vigência de algumas das medidas de garantia patrimonial aplicadas nos presentes autos de inquérito.
Assim, corroboramos o entendimento sancionado pelo M.º P.º de que, porque se mantêm, na sua íntegra, os fundamentos de facto de Direito da douta decisão proferida a fls. 4025 a 4061 dos presentes autos - e das que se lhe seguiram designadamente, a probabilidade da existência do crédito e o justo receio da perda da garantia patrimonial, impõe-se aplicar, sobre o património de cuja existência é agora dado conhecimento, o arresto preventivo decretado nos autos, por forma a continuar a garantir o pagamento de eventuais penas pecuniárias e de outros créditos, designadamente, de lesados e do Estado.
Igualmente se corrobora o entendimento sancionado pelo M.º P.º de que a tal não poderá obstar a circunstância de os fundos se encontrarem na disponibilidade de terceiros - no caso, filhos do arguido - atendendo ao expressamente previsto na al. c) do n.º 2 do artigo 111.º do Código Penal, i. e., a circunstância, que se entende encontrar-se amplamente demonstrada, de a transferência dos fundos ordenada pelo arguido mais não visar senão evitar a possibilidade de ser declarada a perda nos termos do artigo 110.º do mesmo diploma.
A par da perda de vantagem do crime sancionada em termos penais, de acordo com o disposto no art.º 111º , a qual abrange os direitos a que faz referência o disposto nos n.ºs 3 e 4 desse preceito, do Código Penal, é correta a afirmação de que tal possibilidade coexiste com a séria probabilidade de subsistirem créditos que assistem a clientes do universo financeiro do GES porventura ofendidos, bem como a investidores do antigo BES.
A pendência dos presentes autos e, bem assim, de processos visando a liquidação, após declaração de insolvência, das sociedades de topo do grupo Espírito Santo, fazem antever a franca possibilidade de os ativos detidos pelos arguidos serem dissipados por forma a que não venham, uma vez estabelecidas as correspondentes conexões societárias e financeiras que as relacionem intrinsecamente com aqueles, a ser chamados a responder perante credores e ofendidos. Existe, igualmente, o sério risco de tais ativos virem a ser colocados a salvo da ação da justiça, em função da sua natureza e características que os candidatam a objeto de uma decisão de confisco.
Todas as elencadas circunstâncias conduzem à incontornável conclusão de que existe um sério atentado à integridade patrimonial que porventura possa vir a ser chamada perante uma decisão de confisco da atividade criminosa, ao abrigo da já referida norma do Código Penal, atentado esse tão mais flagrante quanto mais tardia possa ser uma decisão qua acautele tal risco.
Entende-se encontrar-se, deste modo, indiciariamente demonstrada, por um lado, a conexão entre os factos em causa nos presentes autos, as vantagens deles decorrentes e os bens e valores abaixo elencados, e, por outro lado, a forte probabilidade de existência de créditos a favor do Estado e, concomitantemente, de lesados.
Estas circunstâncias exigem a tomada de medidas de natureza judicial e preventiva por forma a garantir a atualidade das posições patrimoniais e jurídicas identificadas sobre os referenciados patrimónios, por forma a acautelar a perda de vantagens da atividade criminosa, assim como as garantias de pagamento de eventuais penas pecuniárias e de outros créditos, designadamente, de lesados e do Estado.”
Em consequência aí se concluiu que:
Assim, face ao que tudo aqui se disse, julgamos procedente o pedido de arresto, por se verificarem cumulativamente os requisitos que exige a invocação de factos que revelem:
- A probabilidade da existência do crédito;
- O justo receio da perda da garantia patrimonial.
Entendo, assim, porque se mantêm, na sua íntegra, os fundamentos de facto e de direito das decisões proferidas a fls. 3248 a 3434, 3786 a 3823, 4025 a 4061 e 14520 a 14602 dos presentes autos – e das que se lhe seguiram – designadamente, a probabilidade da existência do crédito e o justo receio da perda da garantia patrimonial, que se impõe aplicar, sobre o património de cuja existência é agora dado conhecimento, o arresto preventivo decretado nos autos, por forma a garantir o pagamento de eventuais penas pecuniárias e de outros créditos, designadamente, de lesados e do Estado.
Consequentemente, com os fundamentos de facto e de Direito constantes da douta decisão judicial proferida a fls. 4025-4061, que aqui se renovam e, face aos fundamentos supra aduzidos, deferindo ao doutamente promovido pelo detentor da acção penal, atenta a existência de fumus boni iuri e o periculum in mora, sem audiência prévia dos visados, de modo a acautelar que a vantagem da actividade criminosa aqui em investigação, assim como as garantias de pagamento de eventuais penas pecuniárias e outros créditos, se dissipem, ao abrigo das disposições conjugadas nos art.ºs 228.º do Código de Processo Penal, 110.º do Código Penal e 391.º a 393.º do Código de Processo Civil (CPC), para garantia do pagamento de valor de cerca de 1.835 milhões de euros, determino o arresto preventivo (…)”.
Anteriormente a tal decisão havia já sido determinado, no mesmo mencionado processo 324/210TELSB, o arresto de outros bens móveis e imóveis, bem como valores mobiliários, dado que se entendeu que constituíam vantagem proveniente de factos com relevo criminal, cuja prática foi imputada a diversas pessoas singulares e jurídicas, entre as quais CC, perspectivando a aplicação do disposto nos artigos 110.º e 111.º do Código Penal (decisões essas que constam de fls 3248-3434, 3786-3823, 40254061 e 14520-14602) existindo uma forte probabilidade de existirem créditos a favor do Estado e, bem assim, de outros lesados.
Em tais decisões considerou-se ser necessária a adopção de medidas de natureza judicial e preventiva por forma a acautelar a perda de vantagens da actividade criminosa, bem como a garantir o pagamento de penas pecuniárias e de outros créditos, designadamente, do Estado e de lesados, num valor estimado de cerca de 1.835 milhões de euros.
Relativamente à decisão datada de ... de ... de 2019 os recorrentes deduziram embargos de terceiro, tendo em tal incidente sido proferida decisão datada de 20/10/2021, já transitada em julgado, nos seguintes termos (transcrição parcial):
Consequentemente, face aos fundamentos supra aduzidos, deferindo ao doutamente promovido pelo detentor da acção penal, atenta a existência de fumus boni iuri e o periculum in mora, de modo a acautelar que a vantagem da actividade criminosa aqui em investigação, assim como as garantias de pagamento de eventuais penas pecuniárias e outros créditos, se dissipem, mantenho o arresto à ordem dos presentes autos, dos imóveis abaixo identificados, para garantia do pagamento de valor de cerca de 1.835 milhões de euros (correspondentes a 200 milhões de euros relativos a papel comercial ESI, 800 milhões de euros relativos a mais valias com as operações com as obrigações BES de cupão zero, 256 milhões de euros relativos é recompensa pelo BES de divida própria e 379 milhões de euros relativos a papel comercial da RIOFOR em retalho) – ex vi das disposições conjugadas nos art.ºs 111.º, n.ºs 2, 3 e 4, do Código Penal, 228º do Código de Processo Penal e 391º a 393.º do Código de Processo Civil.
Consequentemente julgo improcedente a presente oposição, assim como determino o indeferimento do requerimento de suspensão do processo onde os mesmos se enquadram, e concludentemente, pela manutenção do arresto preventivo sobre o bem em causa e que infra se identifica, sob o ponto 1, nos exatos termos em que o mesmo foi decretado, ordenando-se o prosseguimento dos ulteriores termos processuais
Bens a Arrestar:
Todos os indicados na decisão inicial que se dá por reproduzida neste tocante e designadamente o mencionado sob o ponto 1, a saber:
a) O montante de €3.800.000, depositado em contas bancárias do ora Requerente AA, sediadas na Suíça;
b) O montante de 450.000 USD depositado em contas bancárias do ora Requerente AA, sediadas na Suíça;
c) O montante de €3.800.000, depositado em contas bancárias da ora Requerente BB, sediadas na Suíça; e
d) O montante de 450.000 USD, depositado em contas bancárias da ora Requerente BB, sediadas na Suíça.
Por decisão datada de 23 de Junho de 2020, já na pendência do incidente de embargos de terceiro, foi proferida decisão nos seguintes termos (transcrição parcial):
“ (…) Como bem refere o detentor da acção penal, a decisão proferida – de arresto das contas bancárias do arguido CC e dos seus filhos (interpolação da responsabilidade da relatora) – visou «acautelar que a vantagem da actividade criminosa aqui em investigação, assim como as garantias de pagamento de eventuais penas pecuniárias e outros créditos, se dissipem, ao abrigo das disposições conjugadas nos art.ºs 228.º do Código de Processo Penal, 110.º do Código Penal 391.º a 393.º do Código de Processo Civil (CPC), para garantia do pagamento de valor de cerca de 1.835 milhões de euros».
No que especificamente concerne às quantias depositadas em contas tituladas por AA e BB, considerou-se na decisão proferida, «Assim, corroboramos o entendimento sancionado pelo M.º P.º de que, porque se mantêm, na sua íntegra, os fundamentos de facto de Direito da douta decisão proferida a fls. 4025 a 4061 dos presentes autos - e das que se lhe seguiram -designadamente, a probabilidade da existência do crédito e o justo receio da perda da garantia patrimonial, impõe-se aplicar, sobre o património de cuja existência é agora dado conhecimento, o arresto preventivo decretado nos autos, por forma a continuar a garantir o pagamento de eventuais penas pecuniárias e de outros, créditos, designadamente, de lesados e do Estado.
Igualmente se corrobora o entendimento sancionado pelo M.º P.º de que a tal não poderá obstar a circunstância de os fundos se encontrarem na disponibilidade de terceiros - no caso, filhos do arguido - atendendo ao expressamente previsto na al. c) do n.º 2 do artigo 111.º do Código Penal, i. e., a circunstância, que se entende encontrar-se amplamente demonstrada, de a transferência dos fundos ordenada pelo arguido mais não visar senão evitar a possibilidade de ser declarada a perda nos termos do artigo 110.º do mesmo diploma.».
Verifica-se, como aduzido pelo titular da acção penal, que a execução do arresto foi rogada às autoridades judiciárias helvéticas, através da Carta Rogatória n.º 21/2019, de 20 de Março de 2019, tendo sido remetido, a 6 de Junho de 2019, um aditamento através do qual era solicitado o envio de extractos detalhados, fichas de abertura, bem como cópias da documentação justificativa de todas as operações a débito e a credito realizadas, durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2013 e 31 de Dezembro de 2015, das contas cujo arresto foi decretado.
Corrobora-se o entendimento sancionado pelo titular da acção penal de que, independentemente da manutenção da validade do juízo que esteve subjacente ao arresto decretado, i.e., considerar-se que a transferência de fundos de CC para a esfera dos seus filhos AA e BB visou apenas colocar tais fundos a salvo de uma medida de garantia patrimonial, não menos certo é que essa transferência consubstancia, de per si e em abstracto, um acto susceptível de enquadramento no crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368.º-A, n.º 2 do Código Penal, para cujo cabal esclarecimento será ainda necessário empreender um conjunto de diligências cuja realização nestes autos iria retardar a prolação de despacho final, uma vez que a investigação nestes autos se encontra praticamente finda.
Igualmente se corrobora o entendimento sancionado pelo titular da acção penal de que, por esta razão, e de harmonia com o disposto no artigo 30.º, n.º 1 do CPP, importa proceder à autonomização da investigação do eventual crime de branqueamento cometido por CC e AA e BB, através da extracção de certidão para instauração de inquérito autónomo, devendo ao novo inquérito a instaurar ser afecto o arresto preventivo decretado, na parte referente às quantias e valores depositados em contas tituladas por AA e BB.
Como bem refere o titular da acção penal, tal não prejudica a tramitação dos embargos de terceiro deduzidos por AA e BB relativamente ao arresto decretado, no apenso judicial n.º 324/14.0TELSB-CQ, uma vez que a decisão a aí proferir, seja em que sentido for, terá efeitos em ambos os processos.
Assim, deferindo-se ao doutamente promovido pelo titular da acção penal, com o qual se concorda, nos termos do artigo 30.º, n.º 1 do CPP, determino a cessação da conexão de inquéritos, e autoriza-se a extracção de certidão, para instauração de inquérito autónomo, para investigação da eventual prática de crime de branqueamento, por CC e AA e BB, devendo tal certidão incluir:
- Certidão da decisão de fls. 37845 a 37907;
- Certidão da Carta Rogatória n 21/2019 e seu aditamento (Apenso M34);
- Certidão da promoção em apreciação e do presente despacho;
Mais determino que o arresto preventivo das seguintes quantias fique afecto ao inquérito a instaurar:
- Da quantia de 3.800.000€, depositada em contas bancárias tituladas por AA, sediadas na jurisdição helvética e aí fossem identificadas;
- Da quantia de USD 450.000, depositada em contas bancárias tituladas por AA, sediadas na jurisdição helvética e aí fossem identificadas;
- Da quantia de 3.800.000€, depositada em contas bancárias tituladas por BB, sediadas na jurisdição helvética e aí fossem identificadas;
- Da quantia de USD 450.000, depositada em contas bancárias tituladas por BB, sediadas na jurisdição helvética e ai fossem identificadas.
Com base na aludida certidão instaurou-se o processo de inquérito nº 278/21.6TELSB, em que, em 27/07/2023, foi deduzido despacho de arquivamento tendo-se aí concluído que (transcrição parcial):
No caso concreto, os arguidos AA e BB alegaram que a origem do dinheiro transferido pelo pai, o arguido CC, era o seu trabalho, ou seja, os proventos auferidos do mesmo.
E, efectivamente, considerando o percurso profissional do arguido, na sua globalidade, e bem assim que este já teria recebido dinheiro de família antes mesmo de os filhos nascerem, não se vislumbra a existência de factores objectivos que permitam afirmar que existiam razões válidas para que a origem deste dinheiro levantasse suspeitas junto dos seus descendentes.
Acresce que na data da prática dos factos, ambos eram jovens adultos, acreditando-se que não estariam particularmente bem informados sobre as dificuldades noticiadas do GES/BES e, ainda que estivessem, sempre colhia a tese de não terem fundamento para suspeitar da conduta do pai.
Ou seja, não existem elementos de prova, nem é possível recolhê-los, que indiciem que os arguidos AA e BB conhecessem a ilicitude da origem do dinheiro que o pai lhes transferiu. Ou que de algum modo tenham actuado com intenção de ajudar o pai a dissimular a origem daqueles proventos.
Evidentemente que a coincidência das datas das transferências com a queda do GES/BES, por si só, é suficiente para levantar suspeitas. Mas não chega para que se possa inferir daí o conhecimento que estes arguidos teriam de ter, e que o Ministério Público teria de provar em julgamento, sobre a ilicitude na origem dos bens.
E assim sendo, sem necessidade de outras considerações, determina-se, nesta parte, e quanto aos arguidos AA e BB, o arquivamento dos autos, nos termos do art.º 277º nº 2 do Código de Processo Penal.
Quanto ao arguido CC, em conformidade com a tese defendida no despacho de acusação proferido no NUIPC 324/14.0TELSB, as quantias que alimentaram a sua conta domiciliada na Suíça são provenientes de conta da ENTERPRISES, domiciliada no BPES, que por sua vez, foi alimentada com dinheiro resultante de crimes de burla qualificada, que prejudicaram o BES e os seus clientes, conforme melhor descrito no despacho de acusação proferido no âmbito do processo com o NUIPC 324/14.0TELSB.
Ora, não resultando apurados indícios da prática por AA e BB de crime de branqueamento pelos motivos supra enunciados, a responsabilidade de CC, já é objecto de apreciação no âmbito daqueles autos, não podendo ser averiguada de novo, por violação do princípio do ne bis in idem,
Termos em que, face ao supra exposto, se determina o arquivamento dos autos, também em relação ao arguido CC, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 277.º, nº 1, do Código de Processo Penal.

Após tal arquivamento indagou-se junto do processo nº 324/14.0TELSB – autos em que tinha sido originalmente determinado o arresto das contas bancárias tituladas pelos recorrentes – se aí continuava a interessar o dito arresto; uma vez, obtida resposta afirmativa, foi proferida a decisão de 31/07/2023 a determinar a remessa do apenso de arresto àqueles autos nº 324/14.0TELSB, ordenando-se ainda que as quantias em causa – que já aí tinham sido arrestadas – passassem a estar, novamente, à ordem desses autos.
IV. Fundamentação
- Recorribilidade das decisões proferidas em 31/07/2023, 12/10/2023 e 16/11/2023, bem como a questão das invalidades de que padecerão as decisões de 31/07/2023 e 12/10/2023.
No caso dos autos os recorrentes insurgem-se contra as decisões proferidas em 31/07/2023, 12/10/2023 e 16/11/2023, invocando a existência do que apelidam de invalidades dos aludidos despachos e, em consequência, pretendendo a respectiva revogação.
Na tese dos recorrentes, como decorrência natural do arquivamento do processo de inquérito no que a eles diz respeito, deveria ter sido determinado o levantamento do arresto relativamente às contas bancárias de que são titulares.
Ora, não foi isso que aconteceu na medida em que após promoção do Ministério Público e depois de se ter indagado junto do processo nº 324/14.0TELSB se continuava a interessar o dito arresto, obtida resposta afirmativa, foi proferida a decisão de 31/07/2023 a determinar a remessa do apenso de arresto àqueles autos nº 324/14.0TELSB, ordenando-se ainda que as quantias em causa – que já aí tinham sido arrestadas – passassem a estar, novamente, à respectiva ordem.
É certo que antes de ser proferida a dita decisão os recorrentes não foram ouvidos, apenas vindo a dela ter conhecimento com a notificação da decisão de 12/10/2023, que indeferiu o pedido que haviam efectuado de levantamento do arresto, com o argumento de que os saldos das contas bancárias já se não encontravam arrestados à ordem do processo nº 278/21.6TELSB, uma vez que tal providência havia sido devolvida ao processo 324/14.0TELSB.
Nessa altura, vieram invocar diversas invalidades, mais concretamente as seguintes:
a) Invalidade do decidido por omissão do dever de obstar ao objetivo anormal prosseguido pela tramitação adotada pelo MP — violando-se o preceituado no artigo 612.º do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, pugnando ali os Recorrentes pela anulação do despacho de fls. 770;
b) Invalidade do decidido por omissão absoluta de contraditório dos Arguidos, ora Recorrentes — violando-se o preceituado no artigo 61.º, n.º 1, alínea b) do CPP e 3.º, n.º 3 do CPC (aplicável por força do artigo 4.º do CPP), e nos artigos 4.º, 20.º e 32.º da CRP, bem como o artigo 6.º da CEDH, todos com referência ao artigo 227.º, n.º 5,primeira parte e 228.º do CPP invocando ali os Recorrentes a invalidade do decidido a fls. 770 (cf artigo 20.º do requerimento de fls. 1015 a 1028 e artigos 88.º a 96.º das Motivações do presente recurso); e, de um outro prisma, invalidade do decidido por preterição de ato legalmente obrigatório pela obnubilação total de contraditório quanto ao decidido a fls. 770 e 1010, pugnando ali os Recorrentes pela invalidade destes dois despachos;
c) Invalidade do decidido por omissão de pronúncia — violando-se o preceituado no artigo 608.º do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, pugnando ali os Recorrentes pela declaração de invalidade do despacho de fls. 1010;
d) Invalidade do decidido por preterição do dever legal de fundamentação — violando-se o preceituado no artigo 97.º do CPP e invocando ali os Recorrentes a invalidade dos despachos de fls. 770 e 1010;
e) Invalidade do decidido por preterição do regime legal previsto no n.º 1 e na alínea c) do n.º 2 do artigo 111.º do CP, pugnando ali os Recorrentes pela invalidade do despacho de fls. 770;
f) Invalidade do decidido por preterição do regime legal previsto para o “decretamento” “reafectação” do arresto — violando-se o disposto no preceituado nos artigos 17.º e 268.º, bem como nos artigos 228.º, 97.º e 374.º, todos do CPP e ainda nos artigos 152.º e ss., 391.º e ss. e 607.º e ss., todos do CPC aplicáveis por força do artigo 4.º do CPP, pugnando ali os Recorrentes pela invalidade do despacho de fls. 770;
e g) Invalidade do decidido por omissão de decisão relativamente à preterição do regime legal, neste ponto, relativamente à não extinção do arresto após prolação de despacho de arquivamento — violando-se o disposto na primeira parte do n.º 5 do artigo 227.º do CPP e pugnando ali os Recorrentes pela invalidade do despacho de fls. 1010.
Antecipando razões, deve dizer-se que se considera não assistir razão aos recorrentes.
Com efeito, a decisão inicialmente proferida em 31/07/2023 limitou-se, depois de proferida decisão de arquivamento do inquérito relativamente aos arguidos cuja conduta se encontrava em investigação pela eventual prática de um crime de branqueamento de capitais, a determinar a remessa do arresto para o processo n.º 324/14.0TELSB. Aliás, convém vincar, a antedita medida de garantia patrimonial tinha sido ordenada para garantia do “pagamento de eventuais penas pecuniárias e de outros, créditos, designadamente, de lesados e do Estado” emergentes da eventual decisão final desse processo. Na realidade, no âmbito desses autos tinha-se decidido, em ... de ... de 2019, que ao arresto das contas bancárias tituladas pelos recorrentes não podia “obstar a circunstância de os fundos se encontrarem na disponibilidade de terceiros - no caso, filhos do arguido - atendendo ao expressamente previsto na al. c) do n.º 2 do artigo 111.º do Código Penal, i. e., a circunstância, que se entende encontrar-se amplamente demonstrada, de a transferência dos fundos ordenada pelo arguido mais não visar senão evitar a possibilidade de ser declarada a perda nos termos do artigo 110.º do mesmo diploma” – destaque da relatora.
Diga-se, até, que, oportunamente, os ora recorrentes puderam exercer a defesa que entenderam contra tal limitação à respectiva liberdade patrimonial deduzindo oposição, em forma de embargos de terceiro, que veio a ser julgada improcedente por decisão já transitada em julgado.
Isto é, a decisão que afectou e limitou a liberdade – nomeadamente patrimonial – dos recorrentes foi a que decretou o arresto; que foi, posteriormente, confirmada por aquela que incidiu sobre a oposição que deduziram, indeferindo-a. Na verdade, a decisão de transferência do arresto para estes autos, bem como, a subsequente de retorno ao processo inicial, não traduzem qualquer prejuízo ou, sequer, afectaram qualquer direito dos recorrentes. São, na verdade, singelas opções de gestão processual que, por si só, se revelam insusceptíveis de impactarem na esfera de direitos, nomeadamente patrimoniais, dos recorrentes.
Paradigmaticamente, a decisão que determina o regresso do arresto à égide do processo onde primeiramente foi decretado não faz considerações sobre os fundamentos da decisão de arresto, nem se pronuncia sobre as consequências do arquivamento do processo de inquérito de que o arresto tinha passado a constituir apenso – maxime se tal implicava uma alteração da situação dos montantes e depósitos arrestados.
E, diga-se, tal opção afigura-se inteiramente correcta.
Com efeito, neste inquérito estava em causa a investigação da eventual responsabilidade criminal dos aí visados e aqui recorrentes pela prática de um crime de branqueamento de capitais; a final, o Ministério Público concluiu pela inexistência de elementos probatórios que permitissem deduzir acusação, designadamente porque não havia conseguido determinar que os arguidos “conhecessem a ilicitude da origem do dinheiro que o pai lhes transferiu. Ou que de algum modo tenham actuado com intenção de ajudar o pai a dissimular a origem daqueles proventos.” Ou seja, a única conclusão extraída da investigação realizada é justamente essa – que não está suficientemente indiciada a prática, pelos recorrentes, do crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo artigo 368º-A do CPenal. Tal resulta linearmente do segmento do referido despacho de arquivamento, em que se diz “Quanto ao arguido CC, em conformidade com a tese defendida no despacho de acusação proferido no NUIPC 324/14.0TELSB, as quantias que alimentaram a sua conta domiciliada na Suíça são provenientes de conta da ENTERPRISES, domiciliada no BPES, que por sua vez, foi alimentada com dinheiro resultante de crimes de burla qualificada, que prejudicaram o BES e os seus clientes, conforme melhor descrito no despacho de acusação proferido no âmbito do processo com o NUIPC 324/14.0TELSB”.
Vale por dizer que o citado despacho de arquivamento deixa intocada a ilicitude penal imputada ao pai dos recorrentes no Inquérito onde, inicialmente, se determinou a medida de garantia patrimonial examinada. Ou seja, no âmbito daquele processo mantinham-se, integralmente, os pressupostos que alicerçaram a prolação da decisão de arresto.
Todavia, como supra se adiantou, tal temática não consubstancia questão que coubesse analisar no âmbito deste inquérito, nomeadamente quando foi proferida a decisão datada de 31/07/2023.
Com efeito, o arresto não havia sido determinado neste processo nem aqui havia sido aferida da existência/inexistência dos pressupostos da medida; efectivamente, o mesmo apenas para aqui havia transitado por apenso, uma vez que aqui estava especificamente em averiguação a eventual participação do arguido CC, conjuntamente com os seus dois filhos, em uma derivação da factualidade em causa no processo nº 324/14.0TELSB, actualmente em fase de julgamento. No entanto, estando os depósitos arrestados relacionados directamente com a materialidade concretamente em investigação nesta sede, a racionalidade da gestão processual convidava a que ficasse aqui concentrada toda a procedimentalidade relevante, incluindo a medida de garantia patrimonial associada a tal factualidade.
Todavia, arquivado o crime aqui investigado – nos concretos moldes descritos – era inviável e desprovida de sentido (ou de racionalidade processual, para invocar a mesma ideia supra exposta) a permanência do arresto nestes autos – sendo certo que, repisando, a decisão de arquivamento exarada não colide com os fundamentos da medida decretada no processo inicial.
Ora, é nesses autos – processo nº 324/14.0TELSB – que terá de ser julgada a participação do aí arguido CC no acervo factual aí em apreciação, sendo, igualmente, em tal processo que terá de se averiguar se emergem razões que, eventualmente, possam implicar um levantamento do arresto das contas bancárias em discussão.
Na verdade, diferentemente do que defendem os recorrentes, o arresto foi determinado por se considerar que as referidas quantias resultaram de vantagens obtidas pelo arguido CC em consequência de condutas ilícitas por ele assumidas – isto é, a intervenção (ou não intervenção) dos recorrentes em qualquer facto ilícito não foi ponderada no momento em que se decidiu pela aplicação da aludida medida de garantia patrimonial; ela, foi determinada independentemente de qualquer suspeita que recaísse sobre as condutas dos recorrentes.
Ou seja, o, longo, excurso efectuado permite concluir que a decisão datada de 31/07/2023 não transcende a natureza de um despacho de mero expediente.
Com efeito, tal tipologia de decisão tem uma natureza puramente adjectiva, que não envolve a resolução substantiva de qualquer assunto. É um despacho de “andamento”, meramente rotineiro, e sem qualquer potencialidade de interferir nos direitos dos sujeitos processuais, designadamente no que tange ao conteúdo material da demanda.
De resto, esta tipologia de despachos – dada a sua irrelevância – caracterizam-se pela irrecorribilidade – cfr. artigo 400º, n.º 1, al. a) do CPPenal – justamente pela sua tramitação ser mais ou menos anódina.
Ou seja, paradoxalmente é um despacho proferido por um juiz, mas que, por não decidir questões de fundo nem eleger uma solução material que diga o direito substantivo do caso concreto, não é uma dimanação do núcleo essencial da função de julgar.
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in Comentário do Código de Processo Penal, 3º edº, Universidade Católica, pág. 1013, dá como exemplo de actos de mero expediente “a ordem para extração de certidão para efeito de procedimento criminal (Ac. do TRE, de 7.3.2006, in CJ, XXXI, 2, 240) e a ordem para que a acusação seja dactilografada, por ser ilegível (Ac do TRC, de 12/12/2001, in CJ, XXVI, 5, 53).
Por outro lado no Acórdão da TRL de Lisboa, relatado por Jorge Gonçalves, no Proc. N.º 25/93.0TBSNT-A.L1-5, in www.dgsi.pt pode ler-se “Dispõe o artigo 400.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P., que não é admissível recurso de despachos de mero expediente.
A doutrina tem definido os despachos de mero expediente como aqueles que têm por finalidade regular ou disciplinar o andamento ou a tramitação processual, que não importem decisão, julgamento, denegação, reconhecimento ou aceitação de qualquer direito, sendo, por isso, insusceptíveis de ofender direitos processuais.
Como referem Leal Henriques e Simas Santos (Código de Processo Penal Anotado, 2000, II, 671), tais despachos resumem-se, em princípio, aos despachos de carácter meramente interno que dizem respeito às relações hierárquicas administrativas entre o juiz e a secretaria, reportando-se apenas à tramitação do processo, sem tocarem nos direitos ou deveres das partes (sobre os conceitos de despacho de mero expediente e despacho discricionário, veja-se Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 2.º, 178/187).
Por sua vez, a alínea b) do mesmo preceito estabelece que não é admissível recurso de decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal, reportando-se esta alínea a decisões judiciais proferidas no exercício de poderes discricionários no processo, cujo critério de decisão é a oportunidade e a conveniência.”
Nas palavas de ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, 3ª reimpressão, 2007, pág. 250, “despachos de mero expediente são os que o juiz profere para assegurar o andamento regular do processo; (…)” e que “Não são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros”.
O citado autor esclarece, ainda todavia, que devem ser excluídos da categoria de despachos de mero expediente aqueles que, apesar de se destinarem a regular termos do processo, alterem o condicionalismo legal a que respeitam.
Ou seja, um despacho que é notoriamente de mero expediente, mas em que se ordena “um acto do processo fora do condicionalismo legal, isto é, com infracção manifesta dos termos que a lei prescreve”, deixará de poder ser considerado de mero expediente. Com efeito, o citado autor acrescenta que “O despacho proferido em tais circunstâncias ofende os direitos das partes, pelo que não pode negar-se a estas o direito de o impugnar por via de recurso.
Aliás, no mesmo sentido se pronuncia PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, ob cit., pág. 1013, quando refere “contudo, se os despachos de mero expediente afectarem os direitos dos sujeitos processuais, eles são recorríveis, por força dos arts. 20º, nº 1 e 32º, nº 1 da CRP.
No entanto, resulta de tudo o que que se deixou dito que a decisão datada de 31/07/2023 se destinou, exclusivamente, a assegurar o regular andamento do processo, no caso o apenso de arresto; face ao arquivamento do processo de inquérito a que se encontrava apenso, havia que encaminhar o expediente atinente a tal providência, não consubstanciando tal gestão procedimental qualquer prejuízo dos direitos dos recorrentes, desde logo, por a questão do eventual levantamento do arresto dever ser decidida no processo em que foi determinado. Mais, no momento em que a decisão da transferência do apenso foi proferida não existia qualquer direito dos recorrentes a carecer de ser acautelado.
Com efeito, seria sempre no âmbito do processo 324/14.0TELSB que os mesmos poderiam requerer a apreciação da questão conexa a um eventual levantamento do arresto – de facto, a decisão que aplica medida dessa natureza caracteriza-se pela provisoriedade, uma vez que apenas se mantém enquanto se verificarem aos circunstâncias que estiveram na origem da sua determinação – eventualmente com o fundamento no arquivamento do inquérito nº 278/21.6TELSB (sem razão, todavia, como se crê que supra se deixou explicitado).
Por outro lado, é também nesse processo que os mesmos poderão reagir no caso de aí vir a ser determinada a perda do saldo das contas bancárias em causa nos autos e de que são titulares. Na verdade, o arresto esteve conjunturalmente à ordem deste processo enquanto decorria a investigação da existência de eventual responsabilidade criminal dos aqui recorrentes. Verificando-se que responsabilidade de tal natureza não podia ser imputada aos aludidos sujeitos processuais, dúvidas não existem de que o arresto teria que ser novamente transferido para o processo em que havia sido ordenado e onde se continuam a verificar as circunstâncias que ocorriam aquando da sua determinação.
Ora, sendo assim, é patente que uma decisão da índole e do teor daquela examinada é insusceptível de recurso e, como se torna evidente, de invocação de qualquer invalidade – de facto, é uma decisão de singela transferência de um apenso de um processo para outro, que não define direitos, não reflecte sobre os pressupostos do instrumento em exame e não retira, nem acrescenta, qualquer condição à medida de que ordena o trânsito.
Aliás, no que tange a tal tipologia de decisões não existe qualquer dever de fundamentação e de cumprimento de contraditório, precisamente porque não se pronunciam sobre qualquer aspecto passível de contender com a esfera de direitos e deveres dos sujeitos da relação processual.
Na verdade, os próprios recorrentes referem no recurso interposto que pretendem a revogação da dita decisão e das subsequentes, não propriamente pelo que nelas foi decidido, mas antes pelo que nelas não se disse, considerando eles que o perímetro da decisão deveria abarcar outro âmbito e oferecer-se com outro objecto com maior amplitude de cognição.
Mas, como se procurou demonstrar, tal pretensão labora em erro.
Com efeito, mesmo no que diz respeito à questão de fundo relativamente à qual pretendem que lhe seja dada a oportunidade de se pronunciarem, não lhes assiste razão, como seguidamente se demonstrará.
- Arresto de bens de terceiros beneficiários (art.º 111º, 1 do CPPenal) e/ou de terceiros que do facto tiverem retirado beneficio (art.º 111º, 2, al. a) do CPenal:
Na realidade, verifica-se que a finalidade cuja prossecução é visada pelos recorrentes consiste na criação de condições para que, neste processo, seja proferida decisão a determinar o levantamento do arresto. De facto, defendem que, em consequência do arquivamento do processo, os mesmos são terceiros de boa fé, não podendo ser arrestados os bens que lhes pertencem para garantia de pagamento de quantias que serão devidas por outros, em consequência de condutas ilícitas alegadamente por eles cometidas.
Na verdade, uma vez que neste processo não foram apurados indícios que sustentassem a respectiva participação na comissão de crimes, ou, sequer, que tivessem conhecimento das circunstâncias em que os crimes imputados a seu pai teriam sido perpetrados, possuem, sem mácula de má fé, os depósitos das quantias em discussão.
Contudo, não lhes assiste razão.
Efectivamente, como supra se transcreveu, o arresto emergiu unicamente por força da actuação de CC, pai dos recorrentes e doador das quantias. Ora, o art.º 228º, 1 do CPPenal preceitua que “Para garantia das quantias referidas no artigo anterior, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil”. As quantias em causa são aquelas constantes das als. do nº 1 e do nº 3 do art.º 227º do CPenal, mais concretamente: o pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime; o valor dos instrumentos, produtos e vantagens de facto ilícito típico, a declarar perdidos a favor do Estado ou a pagar nos termos do disposto no art.º 110º, 1 a 4, do CPenal; o montante de indemnização devido ao lesado ou outras obrigações civis decorrentes do crime.
O n.º 1 do art.º 228º do CPP, ao remeter para o regime do arresto previsto no art.º 391º do CPCivil, convoca o que aí se plasma relativamente aos fundamentos do arresto; estes consistem na existência de um crédito contra o devedor arrestado e que, concomitantemente, o credor experimente um fundado receio de perder a garantia do seu crédito. Todavia, basta a probabilidade da existência do direito (fumus bonus juris) e o fundado receio de lesão (periculum in mora) que sobre ele incida.
Acresce que, de acordo com o estatuído no art.º 392º, 1 do mesmo CPCivil, «O requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à diligência.».
Ora, no caso dos autos, resulta do excerto da decisão que declarou o arresto das contas bancárias tituladas pelos recorrentes que se considerou verificada a probabilidade séria da existência do direito invocado, associado à existência de um justificado receio de perda de garantia patrimonial dos créditos em causa.
Na realidade, explicitou-se, por um lado, por que motivo se considerou que existiam fundadas suspeitas da prática de ilícitos criminais – sendo certo que neste momento em que o processo nº 324/14.0TELSB se encontra em fase de julgamento, já houve a formulação de juízos de suficiência de indícios da prática dos ilícitos que aí são imputados a CC, na medida em que foi deduzida a acusação e submetido tal arguido a julgamento.
Por outro lado, na aludida decisão que decretou a providência também se enunciaram os fundamentos que legitimaram que se concluísse pela existência de um juízo de probabilidade quanto a uma futura condenação do agente em pena pecuniária, no pagamento de indemnização, das custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime, e/ou de futura declaração de perda a favor do Estado de instrumentos, produtos e vantagens do crime, bem como o fundado receio de que falte ou diminua substancialmente a garantia patrimonial do pagamento dos mencionados valores.
Como se refere no Acórdão da TRL de 12/2023, relatado por ANA CLÁUDIA NOGUEIRA, no processo nº 344/11.0TELSB-S.L1, “O arresto preventivo previsto no art.º 228º do Código de Processo Penal constitui uma das principais medidas de garantia patrimonial destinadas a assegurar a efetividade e exequibilidade de uma futura decisão condenatória, justificada, portanto, por exigências processuais de natureza cautelar; de resto, à semelhança do que ocorre com a aplicação das medidas de coação, com as quais partilham o regime processual previsto nos arts. 191º e sgs. do Código de Processo Penal.”
A propósito do arresto preventivo e distinguindo-o da apreensão prevista no art.º 178º do CPPenal, MARIA JOÃO ANTUNES, in Arresto preventivo e apreensão em processo penal e processo de insolvência, Católica Law Review, vol IV, nº 3, Novembro de 2020, 131-144, refere “Juntamente com a caução económica, o arresto preventivo é uma das medidas de garantia patrimonial previstas no CPP. Foi introduzido no Código em 1987 e configurado na versão primitiva do diploma com uma natureza estritamente subsidiária – o arresto preventivo seria decretado, nos termos da lei do processo civil, se a caução económica imposta não fosse prestada e seria revogado a todo o tempo em que o arguido ou civilmente responsável prestassem a caução económica imposta (artigo 228.º, n.ºs 1 e 5). Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, designadamente perante a nova redação do n.º 1 do artigo 228.º do CPP, o arresto preventivo passou a poder ser decretado também enquanto medida de garantia patrimonial autónoma. O arresto preventivo passou, assim, a conhecer duas modalidades: medida de garantia patrimonial autónoma, sem prejuízo de só dever ser decretado se a caução económica for inadequada ou insuficiente (artigo 228.º, n.º 1, primeira parte); e medida de garantia patrimonial subsidiária da caução económica, por poder ser aplicada quando a caução económica fixada não seja prestada e ser revogada a todo o tempo em que o arguido ou o civilmente responsável prestem a caução económica (artigo 228.º, n.ºs 1, segunda parte, e 5). O arresto preventivo é uma medida de garantia patrimonial de natureza processual penal que passou a ser aplicada de forma autónoma em processo penal em função de exigências processuais de natureza cautelar, tal como previsto nos artigos 191.º, n.º 1, e 193.º, n.º 1, do CPP, tendo em vista a finalidade processual penal de realização da justiça. Esta finalidade do processo penal está diretamente dependente da efetividade da decisão final que venha a ser proferida, pelo que cabe também ao processo penal garantir que seja paga a pena pecuniária que venha a ser imposta, tendo em vista a eficácia político-criminal da pena de multa, e que sejam pagas as custas do processo ou qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime que venha a constar de tal decisão (artigos 227.º, n.º 1, e 228.º, n.º 1, do CPP). Mercê da consagração do princípio da adesão da ação civil ao processo penal (artigo 71.º do CPP), cabe-lhe ainda garantir que seja paga a indemnização de perdas e danos emergentes do crime que venha a ser arbitrada em processo penal, bem como outras obrigações civis derivadas do crime, cujo cumprimento venha a ser imposto na decisão final (artigos 227.º, n.º 2, e 228.º, n.º 1). Pode até invocar-se em abono da autonomização do arresto preventivo, ocorrida em 1998, a intenção de dotar o lesado de uma medida de garantia patrimonial equivalente à providência cautelar que poderia requerer na ação civil, caso pudesse deduzir o pedido de indemnização civil em separado, à semelhança do que se depreende da redação vigente do n.º 3 do artigo 400.º do CPP, nos termos do qual passou a ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil, mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal. A caução económica e o arresto preventivo são as medidas de garantia patrimonial que prosseguem a finalidade de acautelar o fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da pena pecuniária, das custas do processo, de qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime, da indemnização ou de outras obrigações civis derivadas do crime. Em suma, o arresto preventivo aplica-se em função das exigências processuais de natureza cautelar mencionadas – e só dessas, na medida em que a sua aplicação está sujeita aos princípios da legalidade e da necessidade –, prosseguindo a finalidade processual penal de realização da justiça. Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, a caução económica e o arresto preventivo alargaram-se a exigências processuais de natureza cautelar atinentes ao valor correspondente aos instrumentos, produtos e vantagens de facto ilícito típico [artigos 227.º, n.º 1, alínea b), e 228.º, n.º 1, do CPP]. Passaram a acautelar o fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da pena pecuniária, das custas do processo, de qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime, da indemnização, de outras obrigações civis derivadas do crime e também as garantias de pagamento do valor dos instrumentos, produtos e vantagens do crime. As duas medidas de garantia patrimonial não passaram, porém, a ter o propósito de garantir a perda de bens a favor do Estado, nomeadamente a perda de produtos e vantagens de facto ilícito típico prevista no artigo 110.º do Código Penal. É assim, apesar da redação pouco cuidada do artigo 227.º, n.º 1, alínea b), do CPP. Os n.ºs 1, alínea a), e 2 do artigo 227.º e 1 do artigo 228.º são inequívocos no sentido de que o que está em causa é tão-só o pagamento de quantias, pelo que naquela alínea b) devia ler-se que o Ministério Público requer a prestação de caução económica quando haja fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias do pagamento do valor correspondente aos instrumentos, produtos e vantagens de facto ilícito típico a declarar perdidos a favor do Estado.
O meio processual mediante o qual se garante a perda de bens continuou a ser a apreensão prevista nos artigos 178.º e ss. do CPP5. Com efeito, a apreensão prevista nos artigos 178.º e ss. do CPP continuou a ter a dupla função de meio de obtenção da prova e de garantia processual da perda (do confisco) de bens (de instrumentos, de produtos e de vantagens).”
No caso dos autos o arresto decretado incidiu sobre contas bancárias tituladas pelos recorrentes, sendo certo que desde o arquivamento do inquérito ficou esclarecido que os mesmos não tiveram qualquer participação nos factos em causa no processo nº 324/14.0TELSB, não se tendo apurado, sequer, que os mesmos tivessem qualquer conhecimento da intervenção do seu pai na prática dos factos ilícitos típicos aí em apreciação.
Ou seja, é agora indubitável que os mesmos não participaram na prática dos crimes que estiveram na origem da declaração do arresto nem em qualquer acto de dissimulação de eventuais vantagens patrimoniais dimanadas dessas supostas práticas.
Contudo, diferentemente do pretendido pelos recorrentes, tal não significa que os montantes depositados em contas bancárias por si tituladas, mas que lhes foram doadas pelo seu pai, CC, arguido nos aludidos autos, não possam ser arrestadas aos abrigo do preceituado no art.º 228º do CPPenal, conjugado com o estabelecido no art.º 227º, al. 1, al. b) do mesmo diploma legal.
De facto, o art.º 111º, 1, do Código Penal preceitua que “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a perda não tem lugar se os instrumentos, produtos ou vantagens não pertencerem, à data do facto, a nenhum dos agentes ou beneficiários, ou não lhes pertencerem no momento em que a perda foi decretada.
No dizer de PEDRO CAEIRO, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 21, nº 2, Abril-Junho de 2011 – separata – págs. 269 e 271 «Por “perda”, ou confisco, entendemos as medidas jure imperii que instauram o domínio do Estado sobre certos bens ou valores, fazendo cessar os direitos reais e obrigacionais que sobre eles incidissem, bem como outras formas de tutela jurídica das posições fácticas que os tivessem por objecto.”.
(…) Por vantagens relacionadas com o crime” entendemos, latamente, os bens que, existindo já à data da prática do crime (de forma a excluir os produtos), passam (ou destinam.se a passar) para a disponibilidade do agente como efeito desse crime, aí se incluindo as recompensas dadas ou prometidas aos agentes dos factos ilícitos”.
O mencionado autor, obra citada pág. 308, a propósito do que deve entender-se pela perda clássica afirma que “(…) parece preferível conceber a perda clássica como um tertium genus dentro da panóplia das reações penais. Todas visam finalidades de prevenção criminal e todas arrancam de um tronco comum – um concreto facto ilícito-típico –, requerendo, depois, circunstâncias particulares (que aliás não são mutuamente exclusivas): a pena exige a culpa; a medida de segurança exige a perigosidade do agente; a perda basta-se, muito prosaicamente, com a existência de vantagens patrimoniais obtidas através da prática do crime.
A exigência de proporcionalidade da perda, comum a todas as reacções penais, encontra-se assegurada, em princípio, pela exigência de que os bens “(…) representem uma vantagem patrimonial” e, consequentemente, pela restrição do âmbito da medida à vantagem liquida (colocar o agente na situação em que estaria se não tivesse cometido o crime), visto que, para lá dessa fronteira, a perda assumiria um carácter inequivocamente punitivo (pena), com as consequências daí decorrentes (nomeadamente, a sua sujeição ao principio da culpa).
Ou seja, a perda da vantagem emergente da prática de um crime afirma-se como uma decorrência óbvia e necessária de uma ideia conexa à prevenção de crimes. De facto, a dissuasão da prática de condutas ilícitas exige que seja aniquilado qualquer benefício patrimonial vinculado à prática de actividades criminosas. Para usar as palavras impressivas do autor no artigo citado, o crime não pode compensar – e essa intencionalidade é, ao menos parcialmente, cumprida através da regulação da perda clássica.
Todavia, tal perda – para ser uma admonição eloquente da impossibilidade da compensação do crime – não pode confinar-se ao património do arguido, tal qual ele o define. Por isso, o nº 2 do art.º 111º do CPPenal estatui “Ainda que os instrumentos, produtos ou vantagens pertençam a terceiro, é decretada a perda quando: a) O seu titular tiver concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção, ou do facto tiver retirado benefícios; b) Os instrumentos, produtos ou vantagens forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo ou devendo conhecer o adquirente a sua proveniência; ou c) Os instrumentos, produtos ou vantagens, ou o valor a estes correspondente, tiverem, por qualquer título, sido transferidos para o terceiro para evitar a perda decretada nos termos dos artigos 109.º e 110.º, sendo ou devendo tal finalidade ser por ele conhecida. Por seu turno, o n.º 3 aduz “Se os produtos ou vantagens referidos no número anterior não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.
Ora, a análise da citada norma é extremamente relevante para a construção que se reputa de adequada para as finalidades do direito penal. Como escreve JOÃO CONDE CORREIA, in “Apreensão ou arresto preventivo dos proventos do crime”, RPCC, n.º 25, ano 2015, pág. 521 e segs, “com efeito, a recuperação da concreta vantagem do crime pode ser na prática impossível (v.g. o arguido gastou-a, escondeu-a ou transferiu-a para um terceiro de boa fé) ou, então, ser tecnicamente inviável (…) a perda não pode ficar refém da natureza da vantagem, nem, muito menos, da conduta do próprio arguido. Mais à frente, a pág. 535, na ob. cit., o Autor aduz “(…) a pedido do Ministério Público, o juiz pode ainda decretar o aresto preventivo de bens do arguido ou mesmo de terceiros bastantes para caucionar o valor dos proceeds, que seja impossível recuperar em espécie (artigo 228º do CPP). Se a medida é admissível para garantir meras obrigações civis que não consubstanciam o ius imperium estadual, por que é que não há de ser admissível para satisfazer inquestionáveis interesses públicos associados ao processo penal?”
O autor que se vem a citar explana, de forma ainda mais perceptível, a essência do pensamento que desenvolve sobre a conjugação do instrumento substantivo com as possibilidades decorrentes da tramitação adjectiva:
“Uma vez que não consegue apreender as próprias coisas que consubstanciam a vantagem, o Ministério Público promove o arresto preventivo de bens de valor equivalente, seja qual for a sua origem. Como em termos substantivos tanto faz recuperara a própria vantagem em espécie, como o valor equivalente, também em termos adjetivos terá que ser possível criar as condições indispensáveis para acautelar a perda desse valor equivalente” – autor e ob. cit., pág. 537.
Como é bom de ver, face à sobredita argumentação – a que se adere – a pretensão dos recorrentes cai pela base. Na verdade, como já se afirmou, a medida foi decretada independentemente de qualquer comportamento por eles mantido; o que esteve (e continua a estar) na génese do arresto decretado é a espécie de condutas desenvolvidas pelo pai deles, CC, arguido no processo principal.
A conclusão similar, chega o já citado Acórdão do TRL de 12/2023:“Daqui decorre que a regra será a de que os bens afetados pela declaração de perda são aqueles que, à data do facto e da declaração de perda, pertençam a algum dos autores ou comparticipantes do crime ou beneficiários, estes últimos referidos direta e expressamente no corpo do nº 1, mas também na alínea a), parte final do nº 2 («ou do facto tiverem retirado benefícios»). Excecionalmente, verificados os pressupostos indicados no nº 2 do art.º 111º do Código Penal, que apontam no essencial para a má fé do terceiro adquirente, fazendo-o desmerecedor da tutela do Direito, pode este ver afetado o seu direito sobre o bem que constitua instrumento, produto ou vantagem do crime. O disposto no art.º 111º do Código Penal erige-se, assim, como garantia do direito de propriedade de terceiros, entendidos estes, formalmente, como aqueles que não são parte na causa em que foi judicialmente ordenada a apreensão, conforme resulta do art.º 342º/1 do Código de Processo Civil (fundamento dos embargos de terceiro), e materialmente, como aqueles que não estejam comprometidos com a prática do crime, por não terem beneficiado das vantagens por ele produzidas e/ou por não ter participado no circuito de dissipação, ocultação ou transferência de vantagens ou bens. Não se incluem, pois, aqui aqueles que, sendo embora estranhos ao processo, e independentemente do conhecimento que tenham em relação à proveniência do bem, hajam apenas retirado benefícios da sua transmissão, sem que tenham disposto de contrapartidas por esse acréscimo patrimonial ou suportado algum ónus. Estes serão os beneficiários. Como considerou a comissão de revisão do Código Penal, e resulta da ata nº 10 a propósito de dúvidas manifestadas quanto ao uso do conceito de beneficiários, trata-se de aí «abranger situações de transferência do bem ou do produto, embora sem grande rigor técnico na fórmula empregue» (Cunha Rodrigues), sendo expressamente esclarecido pelo Professor Figueiredo Dias que «a ideia era cobrir hipóteses como a da doação». Em suma: Para que os objetos que sejam instrumento, produto ou vantagem do crime pertencentes a terceiro não sejam declarados perdidos a favor do Estado, e inerentemente não possam ser afetados pelo arresto preventivo, exige-se que, além da qualidade de terceiro, que o titular do bem esteja de boa fé e não tenha retirado benefícios do crime. Isto porque, só será digno de tutela aquele que é estranho ao facto ou à origem dos bens, ou seja, que não participou, de forma direta ou indireta, na sua prática, que dele não retirou qualquer vantagem e que desconhecia a proveniência ilícita dos bens”.
Diga-se, ainda, que o dito “terceiro” – isto é o titular do bem afectado – não se encontra desprotegido, podendo, designadamente, após o arresto, recorrer da decisão que o decretou, bem como deduzir oposição ou embargar de terceiro, de acordo com as disposições conjugadas constantes dos arts. 228º, 1 e 3 e 401º,1, d), do CPPenal, 342º e 372º, do CP Civil, ex vi arts. 4º e 228º, 1, do CPPenal.
Isso mesmo, de resto, é também referido no Acórdão do TRL, a que se tem vindo a fazer referência, aí se esclarecendo ainda que tal “(…) entendimento encontra, de resto, respaldo na Constituição, assegurando ao afetado pela medida o direito fundamental a tutela jurisdicional efetiva, como previsto no art.º 20º/5, mas também na CEDH e na interpretação que tem vindo a ser sufragada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, chamado a pronunciar-se acerca de alegadas violações do art.º 6º (direito a um processo equitativo) e do art.º 1º do Protocolo nº 1, relativo à proteção da propriedade privada; o Tribunal Estrasburgo considera que inexiste violação da Convenção se for garantido o direito efetivo a desafiar a decisão que aplica a medida no âmbito do processo criminal.
Assim, o arquivamento proferido nestes autos, não teve, nem podia ter qualquer tipo de influência na manutenção, ou não, do arresto preventivo – precisamente porque os bens em causa haviam sido arrestados como sendo provenientes da actividade ilícita desenvolvida pelo arguido CC, que os doou aos recorrentes. Dessa circunstância decorre, sem sombra de dúvidas, que os mesmos são beneficiários da actividade criminosa, na acepção do art.º 111º, 1 do CPPenal, dado que beneficiaram com os factos ilícitos perpetrados pelo arguido – cfr. art.º 111º, 2, al. b) do CPPenal. Aí se considerou designadamente que “a circunstância, que se entende encontrar-se amplamente demonstrada, de a transferência dos fundos ordenada pelo arguido mais não visar senão evitar a possibilidade de ser declarada a perda nos termos do artigo 110.º do mesmo diploma.
A par da perda de vantagem do crime sancionada em termos penais, de acordo como disposto no art.º 111º , a qual abrange os direitos a que faz referência o disposto nos n.ºs 3 e 4 desse preceito, do Código Penal, é correta a afirmação de que tal possibilidade coexiste com a séria probabilidade de subsistirem créditos que assistem a clientes do universo financeiro do GES porventura ofendidos, bem como a investidores do antigo BES.
A pendência dos presentes autos e, bem assim, de processos visando a liquidação, após declaração de insolvência, das sociedades de topo do grupo Espírito Santo, fazem antever a franca possibilidade de os ativos detidos pelos arguidos serem dissipados por forma a que não venham, uma vez estabelecidas as correspondentes conexões societárias e financeiras que as relacionem intrinsecamente com aqueles, a ser chamados a responder perante credores e ofendidos. Existe, igualmente, o sério risco de tais ativos virem a ser colocados a salvo da ação da justiça, em função da sua natureza e características que os candidatam a objeto de uma decisão de confisco.
Todas as elencadas circunstâncias conduzem à incontornável conclusão de que existe um sério atentado à integridade patrimonial que porventura possa vir a ser chamada perante uma decisão de confisco da atividade criminosa, ao abrigo da já referida norma do Código Penal, atentado esse tão mais flagrante quanto mais tardia possa ser uma decisão qua acautele tal risco.
Entende-se encontrar-se, deste modo, indiciariamente demonstrada, por um lado, a conexão entre os factos em causa nos presentes autos, as vantagens deles decorrentes e os bens e valores abaixo elencados, e, por outro lado, a forte probabilidade de existência de créditos a favor do Estado e, concomitantemente, de lesados.
Estas circunstâncias exigem a tomada de medidas de natureza judicial e preventiva por forma a garantir a atualidade das posições patrimoniais e jurídicas identificadas sobre os referenciados patrimónios, por forma a acautelar a perda de vantagens da atividade criminosa, assim como as garantias de pagamento de eventuais penas pecuniárias e de outros créditos, designadamente, de lesados e do Estado.”
Tudo para concluir, como supra já se havia deixado dito, que a decisão de 31/07/2023 é, no contexto examinado, uma de mero expediente – só por si, não afectou ou pôs em causa quaisquer direitos dos recorrentes, em nada os prejudicando.
Ora, sendo assim, o dito despacho era insusceptível de recurso, pelo que o mesmo produziu de imediato efeitos com a respectiva prolação, não tendo existido qualquer invalidade/irregularidade quando, em consequência do mesmo, os apensos de arresto e de embargos de terceiro transitaram para o processo nº 324/14.0TELSB.
Por esse motivo, os despachos datados de 12/10/2023 e 16/11/2024, também não padecem de qualquer invalidade, designadamente por eventual falta de fundamentação na medida em que se limitam a dizer o óbvio – isto é, que os recorrentes deveriam suscitar a questão do eventual levantamento do arresto em consequência do arquivamento do inquérito contra eles pendentes no processo onde o citado arresto havia inicialmente sido determinado e para onde já havia, entretanto, regressado.
Fica, pois, irremediavelmente prejudicado o conhecimento do arsenal de invalidades que os recorrentes assacam aos despachos em causa. Na verdade, pelas razões aduzidas, principalmente aquelas atinentes à natureza crassamente instrumental do trânsito da providência de arresto de um para outro processo, a mesma não consubstanciou acto lesivo dos direitos dos recorrentes, não tendo de revestir as características que devem apresentar os despachos que contenham decisão de tal índole.
Sendo o despacho inicial irrecorrível por se tratar de decisão de mero expediente – como tal não constituindo alvo para a arguição de nulidades – está prejudicado o conhecimento dos demais recursos interpostos, na justa medida em que os mesmos não têm objecto.
Assim, rejeita-se identicamente tais recursos uma vez que a respectiva apreciação constituiria a prática de acto inútil, proibido por lei – cfr art.º 130º do CPCivil, aplicável por força do art.º 4º do CPPenal.
V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes da 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em rejeitar o recurso interposto pelos arguidos e, em consequência, confirmar as decisões recorridas nos seus precisos termos.
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Condenam-se os recorrentes no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC - arts. 513º/1 do Código de Processo Penal, 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma.
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Lisboa, 21 de Novembro de 2024
Rosa Maria Cardoso Saraiva
Marlene Fortuna
André Alves