I-Por acórdão do STJ de 26 de Setembro de 2024 fora decidido, entre o mais, que:
“1. A oposição de julgados deve verificar-se entre «acórdãos», ou seja, entre decisões proferidas por um tribunal colegial (art. 97.º, n.º 2, do CPP). O «acórdão» fundamento indicado pela recorrente constitui uma «decisão sumária» proferida pelo Sr. desembargador relator.
2. A defesa da recorrente a limitou-se a ler o sumário da decisão que indicou como sendo o Acórdão fundamento, mas que era afinal uma decisão sumária de um Sr Desembargador, publicada no site da PGDL(embora como Acórdão) e a fazer “copy and paste” em colagem imponderada, sem curar de saber do seu conteúdo e natureza, as quais seriam fundamentais para identificar adequadamente a origem, a data do trânsito (que nunca conseguiu comprovar nem certificar) e o conteúdo argumentativo.
3. É falha só a si imputável, atinente a pressuposto que não podia ser corrigido a posteriori em aperfeiçoamento como requereu, por via de compensação por uma outra posterior identificação de acórdão, aliás desconhecido e que nem identificou, face ao disposto nos artºs 448.º e 417.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, sendo inalterável por aperfeiçoamento, aliás inadmissível quanto à junção de um Acórdão em eventual oposição, com consequente modificação do âmbito da motivação do recurso original.
4.O Acórdão fundamento deve ser sempre indicado na motivação originária pois que, pressuposta a correcta identificação, datação e trânsito anteriores ao do acórdão recorrido, será dele que resultará a possibilidade de análise e contraposição de argumentos para verificação de oposição de julgados perante soluções de direito opostas, identidade de factos e de legislação em vigor.
5. À vista de entendimento incontroverso no STJ, o recurso em apreço é rejeitado por falha de um pressuposto essencial nos termos dos arts. 440.º, n.º 3, e 441.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPP.]”
II- Sobre este Acórdão incidiu reclamação com a alegação: ” da sua nulidade (artº 379º n.º 1 al., c) do CPP) por intempestividade ( prolação antecipada), porquanto o despacho anterior do relator que marcara conferência e não concedera prazo para junção de acórdão fundamento era ainda em si reclamável para a conferência no prazo geral de 10 dias ex vi art.º 417.º n.º 8 do CPP, também aplicável ao STJ e em recurso para uniformização de jurisprudência, se tenha esgotado.”
III- O acórdão reclamado que rejeitou o recurso para fixação de jurisprudência (RUJ) por falta de junção de acórdão fundamento não é nulo por se ter pronunciado sobre a matéria dos pressupostos do RUJ 7 dias depois de despacho do relator que, decorrido o prazo de resposta ao parecer do MPº no STJ ( artº 417º nº2 do CPP), indeferiu superveniente pedido de novo prazo para junção de acórdão fundamento, pois esse despacho não era impugnável e, ainda que o fosse, a reclamante nunca deu entrada, mesmo posteriormente e no prazo de 10 dias, de qualquer reclamação incidente sobre esse mesmo despacho.
IV-O despacho do relator, em si, nem sequer seria já reclamável dada a sua função ordenadora do processo e cuja substância foi, aliás, convalidada em conferência. O aludido despacho não foi uma decisão sumária de rejeição de recurso mas, antes, uma decisão ordenadora de tramitação processual, salientando não haver convite a aperfeiçoamento em RUJ sob pena de modificação do âmbito do recurso e salientando que a arguida, ainda assim, a entender que poderia juntar um acórdão fundamento, há muito que o poderia ter feito.
Recurso para fixação de Jurisprudência
Processo: 130/14.1PDPRT-A.P1-A.S1
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I-Relatório
1.1. Nestes autos de recurso para fixação de jurisprudência foi decidido por Acórdão deste STJ e secção, em conferência realizada a 26 de Setembro de 2024, rejeitar o recurso interposto pela arguida. A razão essencial foi a de não existir um acórdão fundamento pois que a decisão que se oferecera como tal era afinal uma decisão singular.
2. Deste acórdão vem agora a arguida reclamar.
Alega:
1. A Arguida, vem reclamar 379º n.º 1 al., c) pois tomou conhecimento de questão sem que o prazo de reclamação para a conferência se esgotasse; ou seja, pelo facto de o despacho de 19/09/2024 que ordenou a ida à conferência para acórdão, sem que o prazo geral de 10 dias da reclamação para a conferência vd., art.º 417.º n.º 8 do CPP, também aplicável ao STJ e em recurso para uniformização de jurisprudência, se tenha esgotado.
2. Foi violado o direito de defesa da A., pois foi-lhe coarctado um meio impugnatório especialmente previsto na Lei.
3. Como Aponta o Ac., TRC, de 02/12/2014, do relator Luís Teixeira, processo n.º 2218/10.9TBVIS.C2, consultável in dgsi.pt
“II - A decisão, ainda que irrecorrível, só pode considerar-se fixada na ordem jurídica depois de também já não ser susceptível de reclamação. E para não o ser, terá que decorrer o respectivo prazo legal para eventualmente se reclamar.
4. De modo distinto e adequado, criando um dever distinto e concreto ao Tribunal de fundamentação, nos termos do art.ºº 205º n.º 1 da CRP
5. Assim, a aqui A., interpreta a norma dos arts.º 440 n.º2 e n.º3 e art.ºº 441º n.º1 º do CPP, como inconstitucional no sentido de proceder directamente para Acórdão, sem que despacho do relator transite em julgado, sem que o prazo para reclamação para a conferência se esgote por violação do princípio do direito à defesa, art.ºº 32º n.º1 e direito a um processo equitativo, art.ºº 20º n.º4 também da CRP.
6. Termo sem que se requer que o Acórdão seja declarado nulo e seja concedido o prazo em falta de reclamação – considerado notificado a 23/09/2024 do despacho de 18/09/2024 – fim de prazo seria a 03/10/2024, ou seja, com o Acórdão a 26/09/2024, a aqui A., teria ainda 7 dias mais três de prazo de multa do art.ºº 107º-A do CPP para reclamar para a conferência.”
3. O MPº emitiu o seguinte parecer, aqui em breve síntese:
“(…) O acórdão sob reclamação apreciou todas (e apenas) as referidas questões que lhe competia analisar na primeira fase do recurso, de acordo com a sua ordem de precedência lógica (art.º 608.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do art.º 4.º do Código de Processo Penal), nelas incluindo a concessão do reclamado prazo suplementar para junção de um «novo» acórdão fundamento.
O despacho (do relator), de 18.09.2024, não constitui, nem poderia constituir uma decisão sumária reclamável nos termos do art.º 417.º, n.º 8, do CPP. O despacho em questão limitou-se a apreciar o pedido da recorrente em ordem à concessão de prazo suplementar para juntar um acórdão fundamento em moldes que posteriormente foram confirmados pela conferência. Independentemente disso, também não se vislumbra de que forma a impossibilidade de reclamar do referido despacho poderia comprometer as garantias de defesa da arguida e o direito a um processo equitativo, sobretudo quando a sua condenação já transitou em julgado e estamos num «recurso normativo», que não é prioritariamente dirigido à justiça do caso concreto e que se destina «a fixar critérios para a interpretação e aplicação uniformes do direito pelos tribunais com a finalidade de garantir a unidade do ordenamento penal e, com isso, os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei»
“(…)E sem necessidade de outros considerandos, emite-se parecer em ordem ao indeferimento do requerido.”
1.4. Admitida liminarmente a reclamação, os autos seguiram para vistos e realização de conferência.
II- O Direito
2.1- A questão em apreciação resume-se em saber se o acórdão ora reclamado e que rejeitou o recurso é nulo por se ter pronunciado, alegadamente antes de tempo, sobre a matéria dos pressupostos do recurso para fixação de jurisprudência, perante o facto de o despacho a ele anterior e que indeferiu o pedido de prazo para junção de acórdão fundamento ainda ser impugnável.
Não está em causa uma arguição de nulidade por omissão de pronúncia mas sim a intempestividade do acórdão reclamado porquanto, na perspectiva da reclamante, ainda seria impugnável aquele despacho à data em que o acórdão em causa foi prolatado.
Decorre da posição da arguida que teria querido tomar posição prévia sobre aquela não concessão de prazo suplementar de 10 dias para junção de uma nova decisão que passaria a constituir o acórdão fundamento.
2.2 - A narrativa processual relevante ocorrida foi a seguinte:
A recorrente AA veio arguir a nulidade do acórdão de 26.09.2024 que rejeitou o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência que havia interposto do acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo 130/14.1...
Como fundamento invoca o disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal e sustenta que o acórdão foi proferido antes de expirar o prazo de reclamação do despacho de 18.09.2024 previsto no art.º 417.º, n.º 8, do Código de Processo Penal, assim violando o direito à defesa e a um processo equitativo consagrados nos arts. 32.º, n.º 1, e 20.º, n.º 4, da Constituição.
A requerente interpusera recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.04.2024, proferido no recurso penal
130/14.1PDPRT-A.P1, o qual lhe negara a reabertura de audiência, alegando que o mesmo estava em oposição com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.12.2007, publicado na Coletânea de Jurisprudência, ano de 2007, tomo 5, pág. 5 [ref.ª citius ...35 (21.05.2024)];
No parecer emitido ao abrigo do art.º 440.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, depois de se constatar que o invocado «acórdão» fundamento constituía uma «decisão sumária», foi promovida a rejeição do recurso [ref.ª citius ...71 (17.06.2024)];
Neste seguimento, o aqui relator mandou notificar a recorrente nos termos do
art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal [ref.ª citius ...34 (18.06.2024)];
Em resposta à notificação, a recorrente insistiu em que «[o Fundamento do recurso é um
Acórdão e não uma decisão sumária (...) consta da própria coletânea de jurisprudência citada pela própria página do Ministério Público», que «[a] ser verdade o que se alega no
Parecer é o MP que induz em erro a recorrente» e requereu «que o MP provasse que
se trata de uma decisão singular, com cópia já que alega esse facto» e que «após tal
demonstração» lhe fosse concedida a possibilidade de exercer «contraditório para invo
cação de questões de direito» [ref.ª citius ...00 (01.07.2024)];
O aqui relator determinou então a notificação da recorrente nos termos do art.º 440.º, n.º 2, do Código de Processo Penal «para juntar em 10 dias certidão do acórdão fundamento que invocou» [ref.ª citius 12497108 (02.07.2024)];
A recorrente, depois de ter consultado a coletânea onde se encontrava
publicada a decisão sumária que invocou como acórdão fundamento, reconheceu o erro e solicitou que lhe fosse concedido um prazo suplementar de 10 dias para juntar «novo Acórdão que seja no mesmo diapasão» [ref.ª citius ...81 (03.09.2024)];
Pelo relator foi, então, proferido o despacho seguinte:
[(…)
“1.Requerimento da recorrente de 3/09/24 (referência...81que antecede, e atinente a pedido de concessão de prazo para junção de acórdão fundamento:
Mesmo que, por mera hipótese teórica, porventura ele fosse admissível, e não é, já há muito o poderia ter feito.
2. Ora, dado que não há previsão legal para a sua concessão nem para convite a aperfeiçoamento nos termos da tramitação processual em recurso de fixação de jurisprudência, como muito bem o salientou o MPº na sua promoção sobre ele incidente e sendo certo que tal, caso fosse autorizado, implicaria inadmissível modificação do conteúdo e objecto da motivação, não será concedido o novo prazo solicitado, conforme melhor aliás será explicado e desenvolvido na deliberação em colectivo e os autos seguirão de imediato para conferência, que designo para dia 26 de Setembro próximo pelas 10h30.
2. Inscreva-se em tabela para essa data pelas 10h30.
(…)” [ref.ª citius ...45 (18.09.2024)];
Assim, por ausência de justificação legal, o pedido de concessão de prazo suplementar não foi concedido e os autos foram então remetidos aos vistos e à conferência.
Por fim, o acórdão sob reclamação decidiu «rejeitar o recurso por inadmissibilidade, face à falta de preenchimento do art.º 437.º n.º 4 do CPP» [ref.ª citius ...95 (26.09.2024)].
O Acórdão foi notificado a 26.9.24 por via postal.
O despacho de 18.9.24 foi notificado à defesa a 19.9.24 também por via postal.
Independentemente da prolação, a 26.9.24, do Acórdão reclamado, a arguida não veio apresentar reclamação específica daquele despacho. Optou por apresentar a presente reclamação mas incidente sobre o Acórdão de 26 Setembro e que lhe rejeitou o recurso, alegando meramente a sua intempestividade.
2.3- Do exposto decorre e flui com clareza que o despacho que não concedeu novo prazo não foi uma decisão sumária de rejeição de recurso mas, antes, uma decisão ordenadora de tramitação processual, salientando não haver convite a aperfeiçoamento sob pena de modificação do recurso e salientando que a arguida, ainda assim, a entender que poderia juntar acórdão fundamento, há muito que o poderia ter feito. Mesmo na oportunidade da resposta ao parecer do MP nada mais fez, insistindo no mesmo que já tinha referido e, só quando notificada para juntar certidão do que entendia ser um acórdão fundamento é que se apercebeu do erro cometido com a inicial junção, afinal, de uma decisão sumária e se lembrou então, em desespero de causa, de pedir um prazo suplementar para junção de novo acórdão. Estranha-se, assim, que venha agora invocar a violação do seu direito de defesa quando foi pelo tribunal mais do que assegurado o poder de esgrimir os argumentos que entendia convenientes e que fez da forma como melhor entendeu.
O despacho do relator, em si, nem sequer seria já reclamável dada a sua função ordenadora do processo e cuja substância foi, aliás, convalidada em conferência.
Ainda que se entendesse, por mera hipótese de raciocínio, que o despacho de 18.9.24 seria susceptível de reclamação para a conferência, a prolação do acórdão de dia 26 de setembro não seria preclusiva desse direito e, então, o que deveria ter feito seria, antes, reclamar daquele despacho, o que não fez.
Logo, se a reclamação, sendo deduzida, fosse de aceitar e decidido que fosse em conferência que seria de juntar um acórdão fundamento, obviamente que a prolação do Acórdão de dia 26 de Setembro ficaria prejudicada e sem efeito. Mas não foi essa a via processual escolhida e, consequentemente, na falta de reclamação atempada do despacho, ficaria também prejudicada a presente reclamação incidente sobre o acórdão em causa.
III- DECISÃO
3.1 - Pelo exposto, julga-se a reclamação improcedente.
3.2 - Taxa de justiça a cargo da reclamante em 3 UC (tabela II do RGC)
STJ, 14 de Novembro de 2024
(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)
Agostinho Torres (relator)
Albertina Pereira (1.ª adjunta)
João Rato (2º adjunto)